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Sobre a formação do professor de matemática no Maranhão

RESENHAS

Sobre a formação do professor de matemática no Maranhão

Fernanda Malinosky Coelho da Rosa

Mestranda em Educação Matemática pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernanda Malinosky Coelho da Rosa Av. Maricá, 250, bl.16/ap.307, Alcântara CEP: 24451-045, São Gonçalo, RJ, Brasil E-mail: malinosky20@hotmail.com

FERNANDES, D.N. Sobre a Formação do Professor de Matemática no Maranhão: cartas para uma cartografia possível. 2011. 388f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista/ UNESP, Rio Claro, 2011. (Orientador: Antonio Vicente Marafioti Garnica).

A tese é composta por vinte capítulos, ou melhor, vinte cartas, como a autora-pesquisadora designa. Para iniciar a tese, Fernandes escreve uma Carta ao leitor: um prólogo em que se apresenta, expõe seus objetivos quanto à pesquisa, explica como surgiu a ideia de escrever uma tese por meio de cartas e quem é seu interlocutor, um historiador fictício.

Na primeira carta, a autora se apresenta ao seu interlocutor - o historiador fictício - , expõe os objetivos da pesquisa - esboçar um registro histórico sobre o processo de formação de professores no estado do Maranhão - , crendo que a (re)constituição desse cenário histórico possa levar a compreender fatores relacionados à prática pedagógica dos mesmos. A abordagem metodológica utilizada na pesquisa foi a História Oral:

[...] uma metodologia que nos permite criar fontes a partir da oralidade, concebendo essas narrativas orais fixadas pela escrita como documentos históricos intencionalmente constituídos. Ao mesmo tempo, não negamos nem afastamos de fontes de outra natureza: propomos estabelecer um diálogo com muitas outras fontes, sejam escritas, pictóricas, fílmicas, escultóricas etc. [...] (FERNANDES, 2011, p.15-16).

Ao final dessa carta, a autora ressalta que a pesquisa não foi desenvolvida de forma isolada e nem é a primeira a trilhar tal direção, pois seu estudo faz parte de um projeto mais amplo do Grupo História Oral e Educação Matemática (GHOEM), do qual ela faz parte, que objetiva esboçar um mapa das práticas de formação e atuação de professores de Matemática (de um modo geral, professores que ensinam Matemática) no Brasil. Ela ainda esclarece que, quando o grupo pensa em esboçar um mapeamento, está buscando "uma configuração aberta (conectável em todas as suas dimensões, suscetível de receber modificações constantemente)" (FERNANDES, 2011, p. 19), aproximando-se da ideia de Deleuze (1992), ou seja, "um mapa é um conjunto de linhas diversas funcionando ao mesmo tempo; as linhas são os elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos, daí cada coisa ter sua geografia, sua cartografia, seu diagrama" (FERNANDES, 2011, p. 19).

A segunda carta é a resposta do historiador à autora. Nela, o remetente apresenta sua posição em relação à historiografia e levanta alguns questionamentos sobre a relação entre historiografia e Educação Matemática, além de problematizar a proximidade entre os pesquisadores dessas áreas.

Na terceira carta, a pesquisadora responde que na Educação Matemática não são muitos os que defendem abordagens alternativas para a historiografia, mas que esse é um campo que "nasceu propondo uma integração entre áreas, defendendo a vertigem do trânsito livre entre saberes" (FERNANDES, 2011, p. 27). Ela faz, também, uma comparação entre a história proposta pelos Annales e a História na qual estão fixados os pressupostos de sua pesquisa. Sobre a primeira, ela diz que:

aprendi com aqueles que compunham o grupo dos Annales que todo problema pode ser abordado historicamente. [...] se concebe a história como ciência dos homens no tempo; podem ser abordadas historicamente todas as atividades humanas e não apenas as políticas (FERNANDES, 2011, p.18, grifos da autora).

Na História Oral, Fernandes ainda afirma, há uma possibilidade de mostrar o conflito entre sujeito e objeto no ato da construção do conhecimento histórico, buscando, assim, construir uma racionalidade que dialoga com os sujeitos, que quebra linearidades.

Da quarta a sexta carta a pesquisadora retoma e complementa a terceira carta, a fim de responder melhor ao historiador, destacando, novamente, a Educação Matemática e a possibilidade de diálogo entre esse campo de conhecimento e outros campos como a sociologia, a pedagogia, a antropologia etc., e explica como a historiografia tem servido a esses horizontes de pesquisa.

O historiador1 1 Deve-se entender que a troca de cartas entre a autora e seu interlocutor serve para que a trama de análise dos depoimentos e dos fundamentos que sustentam a tese de doutorado vá, aos poucos, se aprofundando. O historiador fictício torna-se, assim, um colaborador real, e o diálogo entre ele e a autora, por fim, constitui o todo desse trabalho de pesquisa. argumenta, em resposta, sobre a possibilidade de relacionar a proposta do mapeamento da formação de professores de Matemática, que a autora abraça, com estudos comparados, e diz sobre a necessidade de apresentar aspectos sobre o estado do Maranhão, foco da pesquisa, e, evocando novamente a História Oral, são apresentados os colaboradores entrevistados. Por fim, a autora aprofunda a discussão e a descrição do contexto da pesquisa, descrevendo, em linhas gerais, os entrevistados, e detalhando os procedimentos metodológicos mobilizados.

Na sétima carta, o interlocutor traz à tona uma discussão sobre Regimes de Historicidade, que, segundo ele,

[...] são formas teóricas, paradigmáticas, para expressar o que e como somos e podemos ser, quais são - e quais não são - os discursos permitidos e, em decorrência, "condicionam" as operações historiográficas por explicitarem uma articulação entre passado, presente e futuro que vai nortear as práticas de produção acadêmica. (FERNANDES, 2011, p. 66-67).

Da oitava a décima segunda carta, a pesquisadora apresenta uma discussão sobre os estudos comparativos em História da Educação, esclarece a escolha da periodização pela qual optou - que, no caso, relaciona-se aos aspectos inerentes ao processo educativo: a formação de professores de matemática e a instituição dos primeiros cursos de licenciatura plena em matemática no Maranhão - e retoma os objetivos da pesquisa. Apresenta, também, as textualizações das entrevistas de Raimundo Renato Patrício, Maria Eufrásia Campos e José de Ribamar Rodrigues Siqueira que foram os professores fundadores do curso de licenciatura plena em matemática na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

O historiador argumenta - por ter lido as textualizações - sobre o aparecimento da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) no cenário da formação de professores no Maranhão, que, com sua política de concessão de bolsas, custeou o estudo dos três entrevistados apresentados na carta anterior. Em resposta, a autora esmiúça a participação da SUDENE no conjunto das intervenções federais voltadas a atender o Nordeste, como o Projeto de Colonização do Maranhão, cujo objetivo foi transferir nordestinos do semiárido para produzir alimentos em áreas desocupadas do estado. A décima carta traz, igualmente, as textualizações das entrevistas de Jocelino Ribeiro Melo, Leila Ribeiro Veiga e Vera Lucia Lobato Almeida, alunos da primeira turma de licenciatura na UFMA, que, posteriormente, compuseram o corpo docente inicial do curso.

O interlocutor, ao ler a carta, aponta a presença da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) no cenário da educação maranhense e levanta questionamentos sobre a formação dos professores entrevistados, problematizando uma possível diferença entre a formação de homens e mulheres.

A fim de responder ao seu interlocutor, a autora retoma o tema CADES, uma ação emergencial, com cursos intensivos, para suprir a carência de professores qualificados para atuar no ensino secundário2 2 O ensino secundário refere-se à segunda parte do ensino fundamental, atualmente chamado de 6º ao 9º ano. . Comenta sobre o processo de implantação de alguns projetos no estado do Maranhão, dentre eles o da Televisão Educativa (TVE), a fim de resolver os problemas de escolaridade no nível ginasial3 3 Compreende os mesmos anos do ensino secundário, mas foi denominado assim pelo Projeto Lei nº 58/69, aprovado na Sessão Ordinária de 30 de dezembro de 1969, que instituiu a TVE. e inicia a discussão sobre o primeiro projeto de formação de professores de matemática no Maranhão, apresentando a série de disciplinas do curso e comentando algumas das dificuldades enfrentadas para sua institucionalização. Na sequência, são apresentadas as textualizações das entrevistas de Francisco Pinto Lima, José Gilson Sales e Silva, Raimundo Merval Morais Gonçalves, Joaquim Teixeira Lopes, professores da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde foi implantado o curso de Ciências com habilitação em Matemática, Física, Química ou Biologia. Inclui-se, também a entrevista de José Eduardo Gonçalves de Jesus, professor da UEMA e do antigo CEFET-MA4 4 Antigo Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão, que passou a ser denominado Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) por meio da lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. .

Na décima terceira carta, o historiador propõe uma discussão sobre o Programa de Capacitação de Docentes (PROCAD), posteriormente denominado Programa de Qualificação Docente (PQD), um dos projetos de formação de professores implantados pela UEMA, criados para tentar suprir a carência de professores, principalmente após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996) que impunha a necessidade de formação em nível superior para os docentes da Educação Básica.

Na carta seguinte, a pesquisadora registra aspectos do cenário político à época da implantação do primeiro projeto de formação de professores de Matemática no Maranhão, na Universidade Federal, e discute o novo projeto que entra em cena, o Programa Especial de Formação de Professores para a Educação Básica (PROEB), criado pela UFMA com o mesmo objetivo do PROCAD. Apresenta, ainda, as textualizações das entrevistas de Alexandre Pereira Sousa, formado em matemática; de Eliane Maria Pinto Pedrosa e Marise Piedade de Carvalho, formadas em pedagogia; de Maria Cristina Moreira da Silva, formada em filosofia, e de Dalva Rocha Ferreira, técnica em assuntos educacionais, todos eles envolvidos com a elaboração e a implantação do curso de licenciatura em Matemática no CEFET-MA.

Nas cartas, da décima quinta a décima oitava, o historiador traz à tona aspectos do Projeto de Interiorização do então CEFET-MA, que consistia em levar alguns cursos de licenciatura (Matemática, Biologia, Química, Física e Informática) para municípios do interior do estado a fim de suprir a carência de professores no ensino fundamental, médio e profissional. Visando a esclarecer seu interlocutor - e, consequentemente, aprofundar a discussão que ele propõe - , a pesquisadora considera o Projeto de Interiorização, apresentando ingredientes políticos vinculados à proposta, como a Reforma do Estado que envolvia a delimitação do tamanho do estado, a instauração de um novo modelo econômico centrado no mercado e afirma que, na área social, houve restrições sensíveis quanto à alocação de recursos públicos. Nesse cenário foram implantados os cursos de formação de professores de Matemática no Maranhão, a partir da década de 1990, e, ao tematizá-lo, a autora responde ao questionamento do interlocutor, feito na décima primeira carta, sobre a possível diferença no que diz respeito ao gênero.

O interlocutor, mobilizando Alberti (2010), toma alguns trechos de entrevistas, os relaciona com o conceito de fato (o que realmente ocorreu) e representação (modo que é representado o fato) e, feito isso, deixa um questionamento, para a autora, sobre os entrevistados poderem representar o mesmo fato de maneiras diferentes. Em sua resposta, a autora reafirma algumas das concepções sobre História que sustentaram a tese e traz à cena, também, a questão da análise narrativa, fazendo comparações com alguns trabalhos escritos por membros do grupo do qual a autora faz parte.

A tese, então, é finalizada com uma carta ao leitor, um epílogo que a autora propõe seja um arremate, destacando os principais projetos, a criação dos cursos de licenciatura em matemática, e os quatro colonizadores (como ela denomina aqueles professores que implantaram o primeiro curso no Maranhão).

Essa tese contribui para que o leitor (re)conheça a história da formação de professores no Maranhão que ela, autora, constitui a partir de relatos de agentes (professores, alunos e funcionários) que participaram de toda essa trama e puderam relatar as experiências vividas na época da implantação e dos desenvolvimentos iniciais dos cursos de licenciatura e programas de formação docente. Mostra, também, as políticas públicas emergenciais para suprir a carência de professores no estado.

O cenário político é, sempre, muito marcado nas cartas: a autora não deixa de situar o leitor sobre o governo que estava no poder por ocasião da implantação de um dado curso ou projeto. E, na sexta carta, particularmente, um lado mais fortemente militante fica explícito, quando são feitas críticas ao governo dos Sarney, que desde muito têm dominado o Maranhão.

As entrevistas com os profissionais que participaram do processo de implantação das licenciaturas, mas não tinham formação em matemática, parece-me ser de grande importância para que o leitor possa ter outra perspectiva; talvez, uma visão mais abrangente, que não envolva só aspectos específicos do curso de Matemática, como menciona o interlocutor na décima sétima carta: "Vejo a participação dessas pedagogas - embora [Maria] Cristina não seja pedagoga, mas tenha pós-graduação voltada para a área pedagógica - como decisiva para a discussão pedagógica na formação de professores de Matemática." (FERNANDES, 2011, p. 343).

Cabe ressaltar a maneira criativa - poder-se-ia dizer corajosa - com que a tese foi escrita, fugindo dos modelos usuais de elaboração textual da Academia, tornando-a mais leve, intimista e próxima do leitor.

Referências

ALBERTI, V. Fontes orais. Histórias dentro da história. In: PINSKY, C. B. Fontes históricas. 2. ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010. p. 155-202.

DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992. 226p.

  • DELEUZE, G. Conversações São Paulo: Editora 34, 1992. 226p.
  • Endereço para correspondência:

    Fernanda Malinosky Coelho da Rosa
    Av. Maricá, 250, bl.16/ap.307, Alcântara
    CEP: 24451-045, São Gonçalo, RJ, Brasil
    E-mail:
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    Deve-se entender que a troca de cartas entre a autora e seu interlocutor serve para que a trama de análise dos depoimentos e dos fundamentos que sustentam a tese de doutorado vá, aos poucos, se aprofundando. O historiador fictício torna-se, assim, um colaborador real, e o diálogo entre ele e a autora, por fim, constitui o todo desse trabalho de pesquisa.
  • 2
    O ensino secundário refere-se à segunda parte do ensino fundamental, atualmente chamado de 6º ao 9º ano.
  • 3
    Compreende os mesmos anos do ensino secundário, mas foi denominado assim pelo Projeto Lei nº 58/69, aprovado na Sessão Ordinária de 30 de dezembro de 1969, que instituiu a TVE.
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    Antigo Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão, que passou a ser denominado Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) por meio da lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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