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Roteiros de aprendizagem a partir da transposição didática reflexiva

Learning Roadmaps from the reflective didactic transposition

Resumos

Este artigo busca socializar o produto da dissertação de mestrado profissional em Ensino de Matemática. Apresentamos roteiros de aprendizagem como uma possibilidade educacional para que professores de matemática do Ensino Médio possam aplicá-los de modo a desenvolver a matemática a partir de dados reais. Os roteiros foram adaptados de trabalhos oriundos do Projeto de Iniciação Científica do IFC - Campus Rio do Sul. A pesquisa foi embasada na teoria da Transposição Didática e na Educação Matemática Crítica. Essa abordagem foi denominada de Transposição Didática Reflexiva, com o intuito de unir as duas teorias num processo em que o saber a ser ensinado seja adaptado de forma a provocar reflexões, instituindo um cenário para investigação que propicie a participação do aluno no processo, provoque discussões e tomada de decisão, de modo a instigar o sujeito a ser transformador de sua própria realidade. De modo particular, o artigo apresenta, em linhas gerais, um dos roteiros detalhados na dissertação, aplicado em uma turma do IFC - Campus Rio do Sul.

Reflexão; Transposição Didática; Cenários para Investigação


This article presents the results of Masters research in Mathematics Teaching that focused on learning roadmaps as an educational opportunity for high school mathematics teachers. The roadmaps, adapted from work carried out as part of the Scientific Initiation Project IFC - Rio do Sul Campus, can be used by teachers to develop mathematics from real data. The research was based on the theory of Didactic Transposition and Critical Mathematics Education. The approach was denominated Reflective Didactic Transposition, aiming to unite the two theories in a process in which the knowledge to be taught is adapted to provoke reflections, establishing a setting for research that fosters the student's participation in the process and provokes discussions and decision making in order to encourage subjects to become engaged in transforming their own reality. In particular, the article provides an overview of the roadmaps detailed in the Masters thesis, applied in a class of IFC - Rio do Sul Campus

Reflection; Didactic Transposition; Scenarios for Research


ARTIGOS

Roteiros de aprendizagem a partir da transposição didática reflexiva* * Artigo embasado no produto da dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, 2009.

Learning Roadmaps from the reflective didactic transposition

Paula Andrea Grawieski CivieroI; Marilaine de Fraga Sant'AnaII

IDoutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC, Brasil. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense (IFC). Rio do Sul, SC, Brasil

IIDoutora em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora no Instituto de Matemática (IM), Departamento de Matemática Pura e Aplicada (DMPA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paula Andrea Grawieski Civiero Rua México, 255, casa 3, Bairro Sumaré CEP: 89165-643, Rio do Sul, SC, Brasil E-mail: paulaciviero@ifc-riodosul.edu.br

RESUMO

Este artigo busca socializar o produto da dissertação de mestrado profissional em Ensino de Matemática. Apresentamos roteiros de aprendizagem como uma possibilidade educacional para que professores de matemática do Ensino Médio possam aplicá-los de modo a desenvolver a matemática a partir de dados reais. Os roteiros foram adaptados de trabalhos oriundos do Projeto de Iniciação Científica do IFC - Campus Rio do Sul. A pesquisa foi embasada na teoria da Transposição Didática e na Educação Matemática Crítica. Essa abordagem foi denominada de Transposição Didática Reflexiva, com o intuito de unir as duas teorias num processo em que o saber a ser ensinado seja adaptado de forma a provocar reflexões, instituindo um cenário para investigação que propicie a participação do aluno no processo, provoque discussões e tomada de decisão, de modo a instigar o sujeito a ser transformador de sua própria realidade. De modo particular, o artigo apresenta, em linhas gerais, um dos roteiros detalhados na dissertação, aplicado em uma turma do IFC - Campus Rio do Sul.

Palavras-chave: Reflexão. Transposição Didática. Cenários para Investigação.

ABSTRACT

This article presents the results of Masters research in Mathematics Teaching that focused on learning roadmaps as an educational opportunity for high school mathematics teachers. The roadmaps, adapted from work carried out as part of the Scientific Initiation Project IFC - Rio do Sul Campus, can be used by teachers to develop mathematics from real data. The research was based on the theory of Didactic Transposition and Critical Mathematics Education. The approach was denominated Reflective Didactic Transposition, aiming to unite the two theories in a process in which the knowledge to be taught is adapted to provoke reflections, establishing a setting for research that fosters the student's participation in the process and provokes discussions and decision making in order to encourage subjects to become engaged in transforming their own reality. In particular, the article provides an overview of the roadmaps detailed in the Masters thesis, applied in a class of IFC - Rio do Sul Campus.

Keywords: Reflection. Didactic Transposition. Scenarios for Research.

1 Introdução

A leitura da sala de aula de Matemática e as incertezas ao buscar novas possibilidades educacionais contribuíram para a percepção da importante relação entre investigação e reflexão ao ensinar e aprender Matemática. Entendemos que a sala de aula deve constituir um ambiente que tenha alguma relação com os atores envolvidos e que possa, de alguma forma, contribuir para a formação da sua cidadania, deve mediar o conhecimento científico de modo a permitir a apropriação do conhecimento necessário, capaz de fazer com que o aluno possa ler criticamente a prática social na qual vive.

Essa percepção, aliada ao interesse em discutir questões de relevância social na sala de aula de matemática, nos motivaram a analisar a potencialidade da reflexão em novas possibilidades pedagógicas. Com o entendimento da relevância da Educação Matemática Crítica, procuramos desenvolver um trabalho em que a Matemática fosse enriquecida com a discussão da realidade.

Com os pressupostos citados, desenvolvemos uma dissertação de Mestrado Profissional na área de Ensino de Matemática e, neste artigo, temos como objetivo divulgar o produto da dissertação, fomentando a efetivação de possibilidades educacionais desenvolvidas a partir da Transposição Didática Reflexiva de projetos com referência à realidade numa abordagem crítica.

A metodologia de ação docente se estabeleceu a partir da análise de trabalhos de pesquisa oriundos do Projeto de Iniciação Científica do Instituto Federal Catarinense - Campus Rio do Sul - IFC, identificando, com essa análise, aqueles que tiveram uma abordagem matemática para discutir seus resultados. Em seguida, com base na Transposição Didática e visando às discussões sobre a Educação Matemática Crítica, houve uma adaptação de alguns projetos que se apropriaram de conteúdos matemáticos, com objetivo de discuti-los em sala de aula, de modo a tornar a prática pedagógica reflexiva.

Após a discussão teórica e aplicação de uma possibilidade educacional, organizamos o produto da dissertação, que se constitui em três roteiros de aprendizagem que têm o intuito de fornecer um material mais expressivo para o professor que desejar usar este tipo de possibilidade educacional.

Cada roteiro tem suas particularidades, de modo a respeitar os conteúdos matemáticos inerentes ao contexto do projeto, evitando, assim, um enxerto de conteúdos, tornando a matemática necessária e significativa para explicar o tema abordado. Tais roteiros constituem cenários para investigação que, segundo Skovsmose:

Um cenário para investigação é aquele que convida os alunos a formular questões e a procurar explicações. O convite é simbolizado por seus "Sim, o que acontece se...?". Dessa forma, os alunos se envolvem no processo de exploração. O "Por que isto?" do professor representa um desafio, e os "Sim, por que isto...?" dos alunos indicam que eles estão encarando o desafio e que estão em busca de explicações. (SKOVSMOSE, 2008, p. 21).

Trata-se de cenários que são ambientes de aprendizagem construídos na sala de aula para dar suporte a um trabalho investigativo e no qual os estudantes são convidados a formular questões, buscar explicações para elas e refletir sobre os resultados. Para o autor, um cenário para investigação é constituído a partir do momento em que os alunos aceitam (e assumem como participantes ativos) o processo de exploração e de explicação.

Para melhor distribuição do artigo, na primeira parte apresentamos uma breve discussão dos aspectos teóricos que sustentaram a criação do Produto. Na sequência, uma descrição detalhada do Produto constituído e, por fim, considerações sobre a aplicação do Produto e seus resultados.

2 Elementos teóricos: Transposição Didática reflexiva

A pesquisa foi estruturada por dois elementos teóricos: Transposição Didática e Educação Matemática Crítica, que, de maneira breve, apresentamos para que se tenha a compreensão dos pressupostos teóricos que sustentaram a organização e aplicação do produto da pesquisa.

Segundo Yves Chevallard (1991) a teoria de Transposição Didática aborda as diversas análises do sistema didático, o que justifica a associação desse autor à problemática das transformações pelas quais devem passar os saberes para se tornarem saberes escolares.

Entende-se que a Transposição Didática é um instrumento que utilizamos para analisar o movimento do saber sábio para o saber a ensinar e, através desse, ao saber ensinado. Isto é, um processo no qual os conhecimentos científicos sofrem um conjunto de transformações adaptativas, tornando-se um conhecimento pronto para ser ensinado.

A Transposição Didática é o trabalho que transforma um objeto do saber em um objeto de ensino. Assim, todo projeto social de ensino e de aprendizagem se constitui dialeticamente com a identificação da designação dos conteúdos dos saberes com os conteúdos a serem ensinados. No processo de sucessivas adaptações, muitas vezes tais conteúdos são verdadeiras criações didáticas, que se fazem necessárias pelas exigências do funcionamento didático, suprindo uma necessidade do ensino. Recebe esse nome, justamente, por não existir quando da produção do saber científico original. São estabelecidas como artifícios para favorecer a apropriação, pelos alunos, do conhecimento em questão.

Para que um conteúdo do saber possa ocupar um lugar entre os objetos de ensino, em geral, é necessário passar por transformações para, então, ser designado como saber a ser ensinado. Uma constante análise desse objeto de ensino é essencial, pois se percebe, muitas vezes, que a distância entre o objeto do saber e o objeto de ensino é imensa.

Com a análise da teoria apresentada, entendemos que, ao transformar um saber em saber a ser ensinado, é necessário um olhar crítico, mediante a construção de novas possibilidades educacionais, oportunizando e amenizando as relações de poder estabelecidas entre professor e aluno. Nessa ótica, as relações de poder sempre acontecerão, todavia, elas podem ser estabelecidas num patamar de acordos e diálogos entre professor e aluno. Em acordo com esse viés, assume-se uma contraposição à Teoria da Transposição Didática, diante do fato que, hoje, não mais concebemos a Matemática como algo distante da realidade, essa noção de poder, em que o conhecimento do professor está muito distante do conhecimento do aluno, já não satisfaz, exigindo uma reflexão sobre esse enfoque. Para embasar esse entendimento, nos amparamos na Educação Matemática Crítica sob o viés que o professor deva constituir um ambiente de aprendizagem que leve o aluno a fazer parte do processo, inclusive, em algumas situações, do processo de Transposição Didática, sentindo-se autônomo e com liberdade para refletir sobre suas ações.

Como este estudo está inserido num contexto reflexivo, a pesquisa bibliográfica teve continuidade baseada nas concepções da Educação Matemática Crítica, na perspectiva de Ole Skovsmose. Nela inclui-se o interesse de que as atividades escolares preparem os alunos para a cidadania e reflitam sobre a natureza crítica da Matemática. Uma das dimensões desse propósito inclui o envolvimento dos alunos com as aplicações da Matemática e seus reflexos nos aspectos políticos da Educação Matemática.

Skovsmose (2007) alerta que, se a perspectiva democrática não estiver presente na Educação Matemática, esta será apenas uma domesticadora do ser humano em uma sociedade cada vez mais impregnada de tecnologia, ou seja, o conhecimento tecnológico passa a predominar diante do conhecimento reflexivo. Também, salienta que é importante desenvolver a noção de crítica, levando-se em consideração a noção de incerteza, deixando em aberto qualquer abordagem que se possa caracterizar como crítica. Assim, deve-se dar espaço para que novas possibilidades apareçam, e que possam ser exploradas na sua totalidade.

Skovsmose (2008) fala sobre a perspectiva da Educação Matemática Crítica, afirmando que nela estão inseridos os interesse de que as atividades escolares preparem os alunos para a cidadania e reflitam sobre a natureza crítica da Matemática. Percebe-se que uma das dimensões desse propósito inclui o envolvimento dos alunos com as aplicações da matemática.

O autor fala dos ambientes de aprendizagem como proposta de aplicação da Educação Matemática Critica. Podemos dizer que todo espaço escolar em que há interação entre professor e aluno constitui um ambiente de aprendizagem. Na maioria das escolas, este espaço é limitado pela sala de aula, e as práticas de sala de aula distinguem-se entre dois paradigmas, denominados por Skovsmose (2008) de paradigma do exercício e cenários para investigação.

O paradigma do exercício se contrapõe a uma abordagem de investigação. Enquadrando-se na educação matemática tradicional que utiliza o exercício de forma decisiva para a aprendizagem. Enquanto um ambiente de aprendizagem construído na sala de aula para dar suporte a um trabalho investigativo e no qual os estudantes são convidados a formular questões, buscar explicações para elas e refletir sobre os resultados obtidos são chamados por Skovsmose (2008) de cenários para investigação.

Movendo-se entre os diferentes ambientes de aprendizagem se produz um terreno imenso de possibilidades e abrem-se espaços de discussão sobre mudanças na educação matemática. Nessa perspectiva, abordamos as duas teorias de modo a entrelaçá-las. Denominamos de Transposição Didática Reflexiva e, sob esse enfoque, organizamos os roteiros de aprendizagem como proposta de aplicação desta discussão teórica.

3 Roteiros de aprendizagem: o produto

Após o estudo bibliográfico, a organização e aplicação de um roteiro de aprendizagem, apresentamos como produto da dissertação três roteiros de aprendizagem. Um material didático, com referência à realidade, de modo a viabilizar a Transposição Didática Reflexiva.

A transposição se efetivou a partir de trabalhos oriundos do Projeto de Iniciação Científica, produzidos no IFC - Campus Rio do Sul, para a sala de aula de matemática. Esse projeto é oferecido para todos os alunos do Ensino Médio Técnico do campus, e é desenvolvido ao longo de três semestres, oportunizando a iniciação científica. Como resultados desse projeto, são realizados muitos trabalhos relacionados à Matemática. Para trazê-los para a sala de aula, desenvolvemos quatro roteiros de aprendizagem com objetivo de instigar o desenvolvimento de cenários para investigação. Os trabalhos selecionados foram: Influência da linhagem do desempenho dos frangos de corte (2006/2007); Compostagem a partir de diversos resíduos orgânicos (2006/2007); Respostas do milho em sistema de plantio direto e convencional no município de Agrolândia - SC, safra 2005-06 (2005/2006) e Aspectos econômicos da conservação de cebola roxa e crioula no Alto Vale do Itajaí, na safra 2004 - 05 (2004/2005). Todos foram desenvolvidos no Projeto de Iniciação Científica, sob orientação de um professor da área técnica e outro da Matemática. O Projeto de Iniciação Científica do qual os projetos selecionados para adaptação são oriundos está explícito em Civiero (2009).

Os roteiros possibilitam uma análise matemática com referências à realidade de modo a instigar a necessidade do cálculo matemático e proporcionar um discurso reflexivo. Um dos roteiros foi aplicado e explicitado na dissertação e os outros três compõem o produto.

Neste artigo buscamos explicitar apenas a ideia de um roteiro de aprendizagem - Aspectos econômicos da conservação de cebola roxa e crioula no Alto Vale do Itajaí, na safra 2004/2005 (BEPPLER; NASCIMENTO, 2006), que possibilita desenvolver os conceitos e aplicações da função de primeiro e segundo graus. Trata-se de uma pesquisa entre dois tipos de cebola, com todos os dados desde a fundamentação teórica, os dados coletados e a análise matemática. Os demais roteiros seguem a mesma metodologia, porém envolvem conteúdos matemáticos distintos.

O roteiro é dividido em etapas didáticas para facilitar a apreensão do professor. Primeiramente, apresentamos uma contextualização do problema. Para tanto, no quadro 01 apresentamos o resumo da pesquisa sobre esta temática, desenvolvida no Projeto de Iniciação Científica. Sugerimos que o professor que for utilizar o roteiro apresente aos alunos a situação com referência à realidade, instigando-os a uma investigação sobre os componentes do trabalho de modo a organizar uma fundamentação teórica que venha a esclarecer conceitos e metodologias. Nessa etapa se dá o aceite dos alunos, instaurando-se o cenário para investigação. Até aqui desenvolvemos um processo investigativo da temática e a Matemática ainda não entrou em cena, provavelmente os alunos estarão se questionando quanto a Matemática, principalmente se estão acostumados a trabalhar no paradigma do exercício.


A segunda etapa corresponde aos materiais e métodos utilizados no desenvolvimento do referido trabalho, apresentada num segundo quadro descrito detalhadamente, passo a passo. É importante que os alunos tomem conhecimento desses procedimentos para entenderem o processo e dele se apropriarem para conduzir as investigações. Aqui, cabem muitas indagações do professor, de modo a aguçar a curiosidade referente aos resultados. Para elucidar trazemos um fragmento do quadro 02.


Com análise dos materiais e métodos, já se percebe a presença da Matemática, que, naturalmente é empregada, tornando-se necessária. Os conteúdos matemáticos começam a ser desenvolvidos conforme a necessidade para compreender a realidade do cenário instituído.

Para dar mais ênfase à necessidade da Matemática, apresenta-se, em um terceiro quadro, um comparativo da perda no armazenamento entre a cebola roxa e a crioula em cada quinzena de dez/2004 a mai/2005 referentes às variáveis de cada tipo de cebola: massa total, perdas de água e cebolas podres, massa limpa e, por último, o preço de mercado. Sugerimos estabelecer relações entre os dados numéricos, aguçar a curiosidade e a essencialidade de uma análise matemática. Para uma noção dos dados, apresentamos aqueles referentes às duas primeiras coletas. A tabela completa é organizada com os dados das doze coletas realizadas.

Após a apreensão de todas essas informações, iniciamos a análise matemática dos dados. Salientamos que, a partir desse cenário, distintos encaminhamentos podem ser percorridos, apresentamos sugestões que podem ser seguidas ou alteradas conforme a necessidade instaurada após as reflexões inerentes ao contexto. Com base nos dados, e instaurada a curiosidade de interpretação, se inicia a busca pelos conteúdos matemáticos que auxiliem nesse processo. Nessa etapa o professor sugere o estudo das funções, provocando a busca da função que melhor descreva a situação. É importante que se faça essa etapa com o aluno, para que se efetive um cenário para investigação, que deve explorar o programa Excel, ou outro programa que cumpra o mesmo propósito e chegue aos seus próprios resultados.

A figura a seguir mostra as funções obtidas. Para essa análise buscouse auxílio do programa Excel, depois de lançados os pontos referentes ao tempo de armazenamento (x) e a perda de massa (y) dos respectivos tipos de cebola, conforme os dados coletados e organizados no quadro 03, obtemos, com a ferramenta ajuste de curvas, a função que melhor se aproxima dos pontos.


Observe o gráfico da função referente a perdas de massa das cebolas roxa e crioula no período de armazenagem.

Para essa análise, podem-se instigar algumas observações pertinentes ao foco do trabalho. Para tanto, são possíveis alguns questionamentos que podem conduzir o aluno à reflexão. Veja algumas sugestões:

• Na função que representa a massa da cebola roxa em função do tempo de armazenagem, quais grandezas estão representadas nos eixos x e y?

• O que significa o valor -0,2744?

• A qual valor de tempo, a massa igual a 5,7926 se refere? Graficamente como podemos visualizar este valor?

• Na função que representa a massa da cebola roxa em função do tempo de armazenagem, y é igual à massa líquida após cada pesagem, Então o valor -0,2744 se refere a qual valor de tempo?

• x representa o tempo. Então qual valor representa a massa inicial? Ou seja, quando a o gráfico da função encontra o eixo y?

• O que significa o coeficiente de correlação estar muito próximo de 1?

• Ao observarmos as duas funções percebemos que os coeficientes de correlação se apresentam distintamente. O que podemos dizer sobre isto?

Ao observar as funções apresentadas, pode-se questionar sobre a obtenção dessas funções. Para tanto, sugerimos um estudo sobre o ajuste linear de curvas. Essa etapa é essencial para que o aluno possa perceber os conteúdos matemáticos inseridos no contexto real, atribuindo significado ao conteúdo matemático.

A comparação entre preço de mercado e preço ideal foi tabelada conforme o tipo de cebola. Através dessas informações pode-se conduzir uma análise crítica da situação. Discutindo o comportamento do mercado capitalista, inserido nesse contexto.

Para realizar a comparação entre preço de mercado e preço ideal fazse um ajuste no preço, conforme o desconto do percentual de perdas, adicionando esse mesmo valor percentual no preço, ou seja, se a cebola perdeu 10%, seu preço deverá subir mais 10% para ser o ideal, sendo o lucro igual ao que o produtor vendesse no momento da colheita.

Instigar os alunos a uma análise crítica da situação apresentada, de modo a conduzi-los a perceber que em nenhum momento o preço de mercado alcançou o preço compensatório (ideal) às perdas de massa. Ou seja, se fôssemos um produtor e tivéssemos armazenado o produto, teríamos prejuízos, é um bom encaminhamento e pode gerar discussões políticas e econômicas. Outra sugestão de reflexão seria quanto à análise da diferença entre o preço de mercado e o preço ideal, procurando observar em qual período a diferença é maior ou menor, verificando quais são os motivos que evidenciam essas diferenças.

Podemos observar essas variações nas figuras 02 e 03.



Na próxima etapa, buscamos apresentar alguns tópicos que evidenciam a discussão dos resultados, podendo ser instigados pelo professor. Boas discussões podem provocar reflexões em âmbitos matemáticos e sociais. As reflexões matemáticas são evidenciadas a partir da necessidade matemática instaurada para análise dos resultados, de modo a propiciar um entendimento das simbologias, fórmulas e regras matemáticas num aspecto natural, sem enxertos de conteúdos. Do mesmo modo, as reflexões inerentes ao argumento social se manifestam a partir do contexto apresentado. As referências reais oportunizam as discussões instigando uma análise crítica do entorno social.

A seguir, alguns pontos relevantes que podem ser considerados para discussão. Outros pontos podem surgir durante o processo, dependendo do modo como for conduzido e o grau de envolvimento dos alunos.

1. Cebola roxa foi mais produtiva que a cebola crioula (figura 01), aquela produziu 5,5 kg contra 4,5 kg da cebola crioula, ou seja, a cebola roxa apresentou produtividade 17% superior a da cebola crioula, sendo que esta produtividade estava relacionada a uma maior taxa de umidade.

2. Se plantássemos 1 (um) hectare de cebola no espaçamento normal de 0,33 m entre linhas e 8 plantas por metro linear, o que resultaria numa população de, aproximadamente, 240000 plantas por hectare e esta obtivesse a mesma produtividade do experimento, no caso da cebola roxa, teríamos uma produção média de 26400 kg por hectare e uma perda de 14520 kg com podridões e água. No caso da cebola crioula, com o plantio em espaçamento igual, a produtividade seria em torno de 21600 kg por hectare e a perda seria de 8880 kg, ou seja, ambas apresentaram produtividade média, acima da média nacional que é de 20000 kg por hectare.

3. De acordo com os valores numéricos obtidos na área do experimento a cebola crioula mostrou-se mais resistente ao armazenamento do que a cebola roxa no período de desenvolvimento do trabalho.

4. Quanto à análise do nível de perdas, antes de dizermos que a variedade de cebola crioula é melhor que a variedade de cebola roxa para o armazenamento, também se tem que levar em conta que a cebola roxa teve uma produtividade razoavelmente superior a da cebola crioula e que cebolas maiores apodrecem com mais facilidade.

5. Na função que representa evolução da perda de massa da cebola roxa armazenada, y é igual à massa liquida após cada pesagem, com a qualidade de mercado, o valor -0,2744 é a perda média quinzenalmente. O x representa o tempo e o número 5,7926 representa a massa inicial, ou seja, quando o gráfico da função encontra o eixo y. Nesse caso, o coeficiente de correlação é quase 1, o que significa que a percentagem de um melhor ajuste é de quase 100%.

6. Boa parte dos produtores que armazenaram cebola na safra 2004/ 2005 teve perdas consideráveis, se levarmos em conta os preços pagos pelas cerealistas e o preço ideal para obterem-se lucros na armazenagem (figuras 02 e 03). Entretanto, a cebola crioula teve períodos de lucros (figura 03), enquanto que a roxa sempre teve prejuízos (figura 02).

7. As perdas totais no final do período de experimento representaram 37% para a cebola crioula e 55% para a cebola roxa, ou seja, uma diferença de 18% de perdas.

8. Em anos normais, na data do término do trabalho, o preço da cebola estaria em torno de 1 (um) real por quilo, mas devido a baixa cotação do dólar, os compradores de cebola preferiram importar cebola da Argentina, o que levou o preço da cebola do nosso país a despencar nessa safra em relação a outras.

Além dessas orientações/sugestões o roteiro permite uma ampla investigação e pode tomar rumos distintos conforme a necessidade e espírito investigativo dos alunos e do professor.Ao desenvolver o roteiro de aprendizagem, abre-se um leque de discussões e os conteúdos matemáticos nem sempre seguem os que estão programados no currículo. Para tanto, o professor sai da zona de conforto e se coloca na zona de risco, desenvolvendo o roteiro lado a lado com os alunos, tornando-se pesquisador e mediador no âmbito do cenário para investigação.

O importante para trabalhar num cenário para investigação é o aceite do aluno. Para tanto, procure instigá-lo à investigação, desperte a sua curiosidade quanto ao tema a ser explorado e deixe que o aluno sinta-se parte do processo. Por outro lado, após o aluno aceitar o convite é função do professor manter o interesse do aluno, conduzindo o trabalho de forma aberta para que o cenário não migre para o paradigma do exercício.

O roteiro de aprendizagem, aqui abordado, foi elaborado com o intuito de dar subsídios para o professor que se interessar em trabalhar com a Educação Matemática Crítica e desejar promover cenários para investigação em suas aulas, de modo a desenvolver os conteúdos matemáticos com referência à realidade e promover reflexões em sala de aula inerentes aos argumentos sociais, de modo a desenvolver o conhecimento matemático, tecnológico e reflexivo.

Assim, essa possibilidade educacional foi planejada com o intuito de provocar mudanças, de modo a preparar para a cidadania crítica. Com a aplicação do roteiro percebemos a importância do diálogo entre professor e alunos. No entanto, as preocupações se delineiam no mesmo sentido que para Skovsmose:

A questão importante agora é saber em que medida a educação matemática pode preparar para a cidadania crítica. Não vejo que tal preparação esteja relacionada com a tradição matemática escolar. Nem a vejo ligada à natureza íntima da matemática. Ela tem a ver com uma possível função da educação matemática (SKOVSMOSE, 2008, p. 95).

Discussões do tipo que são proporcionadas pelo roteiro de aprendizagem são as que podem auxiliar a educação matemática a por em movimento a cidadania crítica. E, dessa forma, os alunos experienciam ações baseadas em Matemática, percebendo a importância das reflexões.

O produto da dissertação com os três roteiros de aprendizagem foi divulgado em palestras e seminários para os docentes e alunos do curso de Licenciatura em Matemática do IFC - dos campi de Camboriú e de Rio do Sul, em Santa Catarina. A dissertação é utilizada como referência na disciplina de Concepções em Educação Matemática e na disciplina de Laboratório de Ensino de Matemática II do curso de Licenciatura em Matemática do IFC Campus Rio do Sul. Além dessas atividades de divulgação, o produto está disponível, na íntegra e gratuitamente em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/21588>.

É importante ressaltar a importância da orientação nos caminhos trilhados na dissertação e no produto final. A orientadora professora Doutora Marilaine de Fraga Sant'Ana no Programa de Pós Graduação em Ensino de Matemática, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, teve papel fundamental para que o objetivo da pesquisa fosse atingido.

4 Considerações

O Produto da dissertação foi formulado a partir do pressuposto que a aprendizagem escolar deve ser conduzida de forma crítica e investigativa, que instigue o aluno a refletir criticamente sobre a sua realidade. Que o modelo de educação que considera que os alunos devem se tornar participantes críticos e participantes ativos do processo de investigação se constitui em uma educação emancipadora que observa a necessidade de diferentes ambientes de aprendizagem.

Neste artigo apresentamos apenas a ideia de um dos roteiros e convidamos o leitor a conhecê-lo na íntegra, para que possa se apropriar de todo contexto e analisar com mais precisão. No link fornecido anteriormente, temos a dissertação na íntegra e no quarto capítulo da mesma um roteiro de aprendizagem que foi aplicado analisado e discutido, com falas dos alunos, as limitações e os arranjos necessários para constituir o cenário para investigação.

A condição necessária para o professor implementar a Transposição Didática Reflexiva através dos roteiros de aprendizagem propostos neste artigo é ter audácia. Um grande desejo de mudar a sua prática e disposição de buscar novos conhecimentos, uma vez que, essa proposta foge do formalismo tradicional e traz algumas limitações. A transposição somente se tornará reflexiva se forem assumidas posturas democráticas ao desenvolver a possibilidade educacional.

Com a aplicação do roteiro pode-se observar a importância de um trabalho relacionado à realidade, trazendo discussões inerentes à Matemática e aos contextos sociais em que ela está inserida. Os roteiros são ambientes de aprendizagem constituídos em cenários para investigação, que vêm discutir uma abordagem crítico-reflexiva que pode relacionar o ensino ao ato de questionar e tomar decisões, estabelecendo um vínculo com a vida em sociedade e a Matemática.

Marilaine de Fraga Sant'Ana

Travessa Jaguarão, 45/903

CEP: 90520-070, Porto Alegre, RS, Brasil

E-mail: marilaine@mat.ufrgs.br

Submetido em Agosto de 2012.

Aprovado em Março de 2013.

  • BEPPLER, C.; NASCIMENTO, O. Aspectos econômicos da conservação de cebola roxa e crioula no Alto Vale do Itajaí, na safra 2004/2005. Projeto de Iniciação Científica. Instituto Federal Catarinense, Rio do Sul, 2006.
  • CIVIERO, P.A. G. Transposição Didática Reflexiva: um olhar voltado para a prática pedagógica. 2009. 179f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
  • CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Grénoble, France: La Pensée Sauvage, 1991.
  • SKOVSMOSE, O. Desafios da reflexão em educação matemática crítica. Campinas: Papirus, 2008.
  • SKOVSMOSE, O. Educação crítica: incerteza, matemática, responsabilidade. São Paulo: Cortez, 2007.
  • Endereço para correspondência:
    Paula Andrea Grawieski Civiero
    Rua México, 255, casa 3, Bairro Sumaré
    CEP: 89165-643, Rio do Sul, SC, Brasil
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    Artigo embasado no produto da dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2012
    • Aceito
      Mar 2013
    UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 Rio Claro - SP Brasil - Rio Claro - SP - Brazil
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