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Inclusão de estudantes cegos nas aulas de matemática: a construção de um kit pedagógico

Inclusion of blind students in mathematics classes: development of a teaching kit

Resumos

O trabalho apresenta a criação, confecção e experimentação de um kit de material pedagógico composto de uma placa de metal com manta magnética quadriculada em uma das faces, eixos x e y de ímã com numeração em braille, formas geométricas planas em EVA com manta magnética em uma das faces, pinos de ímãs, pedaços de arame flexível e pedaços de raios de bicicleta de tamanhos variados. O kit possibilita que, através do sentido do tato, o aprendiz cego realize diversas atividades matemáticas que envolvam figuras geométricas planas e gráficos de função polinomial. O material é produto de uma pesquisa qualitativa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática. Durante pesquisa de mestrado o material foi experimentado por apenas uma estudante cega do sexto ano do ensino fundamental, de uma escola pública do Estado de Rondônia, no estudo de conteúdos de geometria plana, configurando um estudo de caso.

Kit de Material Pedagógico; Estudante Cego; Matemática


This article presents the development and testing of an educational kit composed of a metal plate with a magnetic checkered board on one side, magnetic x and y axes numbered in Braille, plane geometric forms made of EVA with magnetic surfaces, magnet pins, pieces of flexible wire and bits of bicycle spokes of varying sizes. The kit enables blind people, using the sense of touch, to carry out various mathematical activities involving plane geometric figures and graphs of polynomial functions. The material is the product of a qualitative research project conducted as part of a Professional Masters degree program in Science and Mathematics Teaching. The material was tested by one 6th grade blind student in a public school in the state of Rondonia to study plane geometry, resulting in a case study.

Teaching Material Kit; Blind Student; Mathematics


ARTIGOS

Inclusão de estudantes cegos nas aulas de matemática: a construção de um kit pedagógico

Inclusion of blind students in mathematics classes: development of a teaching kit

Marcia Rosa Uliana

Mestre em Ensino de Ciência e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Doutoranda da Rede Amazônica de Ensino de Ciência e Matemática (REAMEC) - Polo Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Professora efetiva da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, RO, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcia Rosa Uliana Av. JK, 259, Cacoal CEP: 76962-075, Rondônia, RO, Brasil E-mail: ulianamarcia1@hotmail.com

RESUMO

O trabalho apresenta a criação, confecção e experimentação de um kit de material pedagógico composto de uma placa de metal com manta magnética quadriculada em uma das faces, eixos x e y de ímã com numeração em braille, formas geométricas planas em EVA com manta magnética em uma das faces, pinos de ímãs, pedaços de arame flexível e pedaços de raios de bicicleta de tamanhos variados. O kit possibilita que, através do sentido do tato, o aprendiz cego realize diversas atividades matemáticas que envolvam figuras geométricas planas e gráficos de função polinomial. O material é produto de uma pesquisa qualitativa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática. Durante pesquisa de mestrado o material foi experimentado por apenas uma estudante cega do sexto ano do ensino fundamental, de uma escola pública do Estado de Rondônia, no estudo de conteúdos de geometria plana, configurando um estudo de caso.

Palavras-chave: Kit de Material Pedagógico. Estudante Cego. Matemática.

ABSTRACT

This article presents the development and testing of an educational kit composed of a metal plate with a magnetic checkered board on one side, magnetic x and y axes numbered in Braille, plane geometric forms made of EVA with magnetic surfaces, magnet pins, pieces of flexible wire and bits of bicycle spokes of varying sizes. The kit enables blind people, using the sense of touch, to carry out various mathematical activities involving plane geometric figures and graphs of polynomial functions. The material is the product of a qualitative research project conducted as part of a Professional Masters degree program in Science and Mathematics Teaching. The material was tested by one 6th grade blind student in a public school in the state of Rondonia to study plane geometry, resulting in a case study.

Keywords: Teaching Material Kit. Blind Student. Mathematics.

1 Introdução

A escolha desse tema tem como princípio estudar a deficiência visual, visando aperfeiçoar recurso pedagógico que possa auxiliar no processo de ensino/ aprendizagem da matemática para estudantes cegos. No meio educacional os estudantes cegos precisam usar os sentidos remanescentes para captar as informações, visualizar e interpretar. O sentido do tato ativo1 1 Segundo Ochaita e Rosa (1995), existem dois tipos de tato: o passivo e o ativo. No tato passivo a informação tátil é recebida de forma não intencional ou passiva (como a sensação que a roupa ou o calor produzem em nossa pele). No tato ativo, a informação é buscada de forma intencional pelo indivíduo, que toca o objeto e procura identificá-lo. Nos tatos ativos encontram-se envolvidos não somente os receptores da pele e os tecidos subjacentes (como ocorre no tato passivo), mas, também, a excitação correspondente aos receptores dos músculos e dos tendões, de maneira que o sistema perceptivo háptico capta a informação articulatória motora e de equilíbrio. tem sido o mais explorado, no atual sistema de ensino, na tentativa de suprir a deficiência ou falta da visão, sendo o mesmo utilizado no registro e leitura de código da escrita, para realizar cálculos no Sorobã, para analisar propriedades dos objetos e características de um ambiente.

Pesquisas realizadas por Ferreira (2006), Ferronato (2002), Fernandes e Healy (2010) apontam o potencial do tato ativo no processo ensino/ aprendizagem de alguns conteúdos matemáticos (geometria e representações gráficas de funções), pelos estudantes cegos, quando são proporcionados materiais concretos que permitam a utilização do tato. Esses estudos revelaram que os estudantes cegos conseguem abstrair informações diversas sobre figuras geométricas e representações gráficas de funções, no mesmo nível que um aluno vidente.

Ferronato (2002) salienta, ainda, que para facilitar o aprendizado dos alunos cegos o professor de matemática não precisa promover uma mudança radical nos seus procedimentos didáticos quando recebe um aluno com tal deficiência em sua sala de aula, mas passar a usar com mais frequência materiais concretos, que possibilite a esse aluno visualizar com o tato.

O uso correto de materiais concretos na sala de aula, principalmente nas aulas de matemática - disciplina de padrões e formas - configura uma excelente oportunidade do aprendiz cego vivenciar situações corriqueiras, adquirindo informações que podem enriquecer o seu acervo de conhecimento, além de o material concreto reduzir a abstração nas situações de aprendizagem de diversos conteúdos matemáticos. Um estudante cego, sujeito da pesquisa de Caiado (2006), relata essa necessidade de material concreto no estudo de matemática "[...] a partir do momento que você tem um material semelhante ao dos seus colegas de classe fica muito mais fácil o entendimento da matemática" (CAIADO, 2006, p. 58).

Segundo Fernandes e Healy (2010, p. 1112) "é preciso conhecer a diversidade para que se possa aprender com ela". A real disposição do professor em conhecer seus alunos, suas expectativas, suas habilidades e suas dificuldades pode leva-lo a adotar uma metodologia de ensino e/ou escolher/adaptar um material pedagógico que seja eficiente no processo ensino/aprendizagem de cada conteúdo de sua disciplina.

O Kit de material pedagógico, apresentado a seguir, é fruto do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) sob a orientação do Professor Dr. Amauri Carlos Ferreira, pós-doutorado em Educação, e foi coorientado pela Professora Dra. Eliane Scheid Gazire, com formação na área de Educação Matemática.

A descrição detalhada do produto e estudo, kit de material pedagógico, se encontra inclusa na dissertação que está disponível na biblioteca digital da PUC-Minas no link http://www.sistemas.pucminas.br/BDP/SilverStream/Pages/pg_BDPPrincipal.html. A versão inicial desse material foi apresentada no X Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM - 2010) que aconteceu na Bahia, como relato de experiência. Ainda não houve nenhuma divulgação do produto na sua versão final, visto que o trabalho foi recém-concluído. Pretendese divulgá-lo em congresso de Educação Matemática e em revistas de Educação.

2 A ideia inicial da criação do kit de material

A ideia inicial para a criação e confecção do material pedagógico, que se tornou um produto do Mestrado Profissional, surgiu bem antes de iniciação do curso em decorrência da necessidade pedagógica de se ensinar a construção e a análise de gráficos de funções polinomiais de primeiro e segundo grau a um aluno cego que estava cursando o nono ano, em uma escola particular na cidade de Cacoal-RO, no ano de 2006. Necessidade que se revelou complicada de ser atendido, em virtude da pesquisadora ser uma professora recém- formada, vivenciando sua primeira experiência como docente.

Nesse anseio, lançou-se à tentativa de possibilitar ao referido estudante o entendimento, a construção e a percepção de gráficos de funções polinomiais de primeiro e segundo grau; já que esses conteúdos encontravam-se no programa de ensino utilizado pela instituição na qual o aluno encontrava-se matriculado.

No momento que surgiu essa necessidade pedagógica, a professora não conhecia outros materiais didáticos que pudessem ser utilizados para resolver a questão, apesar da existência do material desenvolvido por Ferronato (2002), denominado Multiplano, que possibilita aos alunos cegos construir e analisar gráficos de funções. O material, inicialmente intitulado Plano Cartesiano de Metal, foi idealizado e, posteriormente confeccionado, buscando proporcionar ao cego a mesma simulação que o aluno com acuidade visual realiza usando papel, lápis e régua.

Foram levados em consideração esses requisitos, e que, na falta do sentido da visão, seria necessário utilizar os sentidos do tato e/ou da audição para que esse aluno tivesse acesso aos conteúdos matemáticos. Em razão dessa situação, surgiu a ideia de um plano cartesiano físico de metal, com a numeração dos eixos x e y em braille, com utilização de fio de arame (metal) para representar os gráficos e pinos de ímãs para a marcação dos pontos e fixação do gráfico. A união dos metais parecia perfeita para tal propósito, já que o ímã adere ao plano e o arame ao ímã, ficando os elementos em posição fixa, além de ser facilmente removível.

Isso possibilita a exploração tátil, bem como a construção e a reconstrução dos gráficos desejados. O fio foi anexado ao plano, utilizando os pequenos pinos de ímãs, os quais fazem a marcação de alguns pontos da função e fixação do gráfico. A ideia foi colocada em prática com a ajuda de um metalúrgico e do próprio estudante cego.

O metalúrgico cortou a chapa de metal em forma de um quadrado de 50 cm de lado e soldou, no seu centro, duas pequenas barras de metal de forma retangular, de 2 cm de largura e comprimento de 50 cm em posição perpendicular no centro do plano, conforme Figura 1. Sobre cada barrinha, foi fixada uma sequência de números inteiros, em Braille, confeccionados pelo próprio aluno cego. A numeração dos eixos é formada por números positivos e negativos, exatamente como nos planos cartesianos tradicionais, os quais ficaram dispostos a uma distância de dois centímetros um do outro, pois se acreditava que essa resolução seria ideal para a análise tátil.


Para esboçar as retas das funções de primeiro grau, providenciou-se, junto a uma bicicletaria da cidade, raios de bicicleta; em uma loja de materiais de construção, adquiriu-se pedaços de arames flexíveis, de 30 cm, usados para esboçar os gráficos das funções do segundo grau. Em uma loja de aviamentos, foram adquiridos pequenos ímãs, geralmente usados na confecção de artesanato, usados para a marcação das coordenadas dos pontos (Figura 1).

O material pedagógico empreendido se mostrou eficiente, quando utilizado para o estudo de funções pelo aluno em questão. A versatilidade do material proporcionou autonomia para o aprendiz, permitindo que localize alguns pontos da função no gráfico e, a partir desses pontos, esboce e analise o gráfico da função, tal como os procedimentos correspondentes aos realizados pelos alunos com acuidade visual, no que se refere a esse conteúdo curricular.

Nas buscas por materiais concretos, para atender a demanda educacional do aluno cego, ficou evidente a carência de materiais que possibilite o acesso desses estudantes a todos os conteúdos trabalhados em sala de aula, proporcionando uma participação ativa nas aulas, principalmente as de matemática, que demandam muito do sentido visual. As Complementações Curriculares específicas para a Educação do Aluno deficiente visual reconhece essa necessidade do aprendiz deficiente visual:

É evidente que um ensino da Matemática calcado apenas em exposições teóricas, sem experiência concreta e significativa, em que falte a participação direta do aluno por insuficiência de recursos didáticos adequados, tenderá a desenvolver em qualquer educando uma atitude desfavorável a assimilação e compreensão do conteúdo desenvolvido (BRASIL, 2001, p. 23).

Os dois motivos expostos nos últimos parágrafos serviram como mola propulsora para a investidura de uma pesquisa de mestrado com o objetivo de aprimorar e experimentar o material Plano Cartesiano de Metal, tendo em vista torná-lo um kit de material com potencialidade para uso no processo ensino/ aprendizagem dos conteúdos de geometria plana, geometria analítica, além dos diversos tipos de gráficos de funções.

2.1 O aprimoramento do material

O material, intitulado inicialmente Plano Cartesiano de Metal, sofreu uma série de modificações e o acréscimo de novos acessórios que o tornaram um kit de material pedagógico. Essas alterações foram propostas por uma série de motivos: (i) a experiência de utilização do material elaborado inicialmente por um aprendiz cego na construção de gráficos permitiu analisar as potencialidades e o que precisava ser modificado; (ii) as orientações do Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental - Deficiência Visual - elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) que elencam particularidades e necessidades diferenciadas do educando com deficiência visual; (iii) da experiência de atuar como professora de alunos com acuidade visual e deficientes visuais; (iv) de uma análise dos recursos utilizados pelos alunos com acuidade visual no que tange ao processo de ensino/aprendizagem dos conteúdos de geometria plana, geometria analítica e funções; (v) entre outros motivos secundários.

Na sequência, são apresentadas as modificações realizadas no material no início da presente pesquisa, visando torná-lo mais eficiente e funcional:

• Redução das medidas dos lados da placa de metal de 50 cm para 40 cm, com o objetivo de facilitar o manuseio e transporte do material pedagógico. Considerando que "[...] o tato somente explora as superfícies situadas no limite que os braços alcançam, em caráter sequencial, diferentemente da visão, que é o sentido útil por excelência para perceber objetos e sua posição espacial a grandes distâncias" (LIRA; BRANDÃO, 2010, p. 10).

• Como a placa do material não era quadriculada, o aluno que utilizou o material inicialmente apresentou dificuldade ao marcar alguns pontos que estavam distantes dos eixos. Visando-se à facilitação da localização dos pontos, aderiu-se sobre a placa de metal uma manta magnética toda quadriculada em quadradinhos de 2 cm de lado. Esse quadriculado foi obtido por meio de pequenas fendas, de maneira a ser perceptível pelo tato e não produzir relevo, uma vez que o relevo poderia atrapalhar a aderência dos ímãs.

• Em vez de soldar barrinhas de metal para formar os eixos, passou a usar barrinhas de ímãs para representar os eixos. Essas barrinhas são removíveis, e podem ser retiradas ou modificadas de lugar quando se pretende trabalhar com funções que necessitem de um maior espaço num determinado quadrante. Além disso, a remoção das barras pode ser feita quando se deseja utilizar o plano para explorar conteúdos da Geometria plana, pela disponibilização de maior espaço.

• A numeração em Braille sobre o eixo deixou de ser de papel e colada. Optou-se por desenhá-la sobre as barrinhas de ímãs com cola de alto relevo, utilizada para artesanato. Essa cola não permite que as letras sejam apagadas ou danificadas ao longo do tempo em que o material for utilizado, mesmo em caso de contato com líquidos.

Além das modificações apresentadas, novos acessórios foram criados e incorporados ao material pedagógico incipiente, visando torná-lo eficiente, não só para o estudo de gráficos de função, mas, também, para ser utilizado no processo de ensino/aprendizagem da geometria plana e da analítica; já que essas duas geometrias requerem que o aluno tenha acesso às suas representações gráficas para bom desenvolvimento cognitivo.

Na sequência, são apresentados os recursos utilizados no processo ensino/ aprendizagem da geometria:

• Os raios de bicicleta foram cortados em medidas diferenciadas de 2 cm a 20 cm, possibilitando que o aprendiz com deficiência visual que vier a utilizar o material, tenha a oportunidade de montar e desmontar as diversas formas geométricas planas em formatos e tamanhos diferenciados.

• Foram confeccionadas as principais formas geométricas em EVA, de média grossura, com manta magnética em uma das faces. As formas são diversificadas: quadrado, retângulo, círculo, trapézios, triângulos, losango, paralelogramo, pentágono, hexágono, octógono e polígonos não convexos. A manta magnética proporciona uma leve aderência ao plano de metal, favorecendo, assim, a análise das propriedades das figuras pelo tato.

• Foram modeladas em fios de metal curvas de gráfico de função quadrática, função logarítmica e função exponencial.

• Estojos para acomodação e transporte do material: um estojo grande em manta espumada para acomodar e proteger a placa de metal, e um estojo menor, feito com o mesmo material para acomodar as formas geométricas, os ímãs, os pedaços de raios de bicicleta e os pedaços de fios de metal.

A seguir apresentamos como ficou composto o novo material, agora, como sendo um kit com as devidas modificações e com os novos recursos acrescentados.

2.2 O kit de material pedagógico

O kit de material é simples e fácil de ser utilizado, tanto pelo professor quanto pelo aluno com deficiência visual, pois requer, desses sujeitos, procedimentos semelhantes ao realizado com papel, lápis e régua. Cabe ressaltar que o custo dos materiais necessários para confeccionar o referido recurso pedagógico é baixo, considerando que os metais, placa de metal, os raios de bicicletas e os arames podem ser obtidos pelo reaproveitamento, não gerando custo. Os demais materiais: EVA, manta magnética, ímãs, cola de artesanato, manta espumada, são materiais de baixo custo. Outro fator a se considerar é a longa durabilidade do material, desde que ele seja acomodado e transportado de forma adequada, e armazenado em local seco.

São componentes integrantes de um kit (Figura 2) do referido material pedagógico, os seguintes itens:


• 1 Chapa de metal quadrada de lado 40 cm, com uma face revestida por uma manta magnética quadriculada.

• 1 par de eixo em barras de ímã com numeração em relevo no sistema braille.

• 5 pinos de ímãs pequenos, em formato de minúsculos cilindros, formados pela união de 2 ímãs de geladeira, de maneira que suas duas bases possuam campo magnético, com a finalidade de serem usados para demarcar pontos sobre os eixos.

• 5 pinos de ímãs pequenos, em formato de minúsculos cilindros, formados pela união de 3 ímãs de geladeiras, de maneira que as bases possuam campo magnético, com a finalidade de serem usados para demarcar pontos sobre o plano.

• 60 pedaços de raios de bicicleta de tamanhos variados e múltiplos de dois centímetros, de medidas variando de 2 cm a 20 cm, que servem para representar os gráficos de funções de primeiro grau, demarcar figuras e elementos da geometria plana.

• 5 pedaços de fio flexível (arame) para representar as parábolas e curvas de funções exponenciais, logarítmicas e circunferências.

• 25 formas geométricas de tamanhos e formatos variados, confeccionados em EVA, com manta magnética em uma das faces que adere ao plano de metal.

• 1 estojo em manta espumada de formato retangular, de 20 cm por 15 cm, para acomodar e locomover os itens acima, com exceção da placa metálica.

• 1 estojo em manta espumada de formato quadrado de 45 cm de lado, para acomodar e locomover a placa metálica e o estojo com os demais itens componentes do plano.

O kit de materiais pedagógicos foi pensado e implementado, visando oportunizar ao aluno cego o acesso aos conteúdos matemáticos que envolvam figuras e representações gráficas, uma vez que os recursos normalmente utilizados nas escolas pelos alunos com acuidade visual no estudo de gráficos de funções e geometria analítica não são acessíveis a um estudante com baixa visão, e desprovidos de visão.

Quando os conteúdos em questão forem geometria analítica e gráficos de funções, é conveniente que se utilize o plano com os eixos, pois ele proporciona autonomia para o estudante, para construir e analisar gráficos de funções e representar, no plano cartesiano, retas e elementos pertinentes à geometria analítica. A Figura 3 apresenta a ilustração de uma reta e de uma parábola, pelas quais o aluno pode verificar o coeficiente angular e linear da reta, os pontos onde a reta intersecta os eixos, assim como as raízes de uma equação do segundo grau, a concavidade e o ponto do vértice.


Os eixos do plano são flexíveis e podem ser deslocados para proporcionar um maior espaço físico, com maior aderência, para que o estudante analise os formatos e propriedades das figuras geométricas planas. Permite também, que esses estudantes façam a reprodução de figuras, investiguem suas fórmulas de perímetro e área, analisem os eixos de simetria das figuras planas, representem os diferentes ângulos, movimentem figuras geométricas, visualizem através do tato a diferença entre uma figura convexa e côncava, e representem diferentes posições de retas e de planos, conforme Figura 4.


O kit de material pode ser utilizado no processo ensino/aprendizagem dos conteúdos mencionados nos últimos dois parágrafos, bem como no desenvolvimento e estudo de outros conteúdos, de acordo com a adequação feita pelo professor, como estudo de frações, razão e proporcionalidade, unidade de medidas (m e m2), além de dar significado ao estudo de raiz quadrada. Observou-se, que o material tem potencialidades para ser utilizados no estudo dos conteúdos da disciplina de Física que requerem representação gráfica.

3 Estudo

A presente pesquisa é de caráter qualitativo e a metodologia utilizada foi a técnica de História Oral, baseada no trabalho de Garnica (2003). O estudo aconteceu em três escolas do Estado de Rondônia e envolveu dois professores de matemática normovisuais e três alunas cegas (uma do sétimo ano do ensino fundamental, uma do primeiro ano do ensino médio e outra do terceiro ano do ensino médio). Esse estudo foi constituído de três etapas, que serão descritas sucintamente, a seguir.

3.1 Primeira etapa

A primeira etapa envolveu os cinco sujeitos supracitados - três alunas, dois professores - foi realizada uma entrevista semiestruturada, primando, no caso das alunas, conhecer suas histórias de vida, suas trajetórias escolares, o processo ensino/aprendizagem da matemática que estão vivenciando e a relação com a disciplina de matemática. No caso dos professores, o objetivo foi conhecer a carreira profissional, a postura dos mesmos perante o movimento de inclusão e como vem ocorrendo o ensino da matemática para seus alunos cegos. No quadro 1 apresentamos os principais fatores evidenciados nas entrevistas dos cinco sujeitos.


Verificou-se, com essas entrevistas, que no estado de Rondônia, assim como vem acontecendo no restante do país, as matrículas dos alunos deficientes visuais, atualmente se concentram na rede regular de ensino. Todavia, levando em consideração o exposto pelos alunos e professores participantes da pesquisa e os dados fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado, não estão incluídos no ensino regular, pois não se concretizou na prática diária das escolas públicas, políticas efetivas de aceitação e valorização dos alunos com deficiência visual no âmbito escolar.

3.2 Segunda etapa

Essa etapa foi direcionada à experimentação empírica do kit de material pela estudante do sétimo ano do ensino fundamental no processo ensino/ aprendizagem dos conteúdos da geometria plana. Foi escolhida somente uma estudante para efetuar a experimentação empírica, tendo em vista as características singulares de cada estudante e as peculiaridades dos conteúdos de geometria plana, geometria analítica e de gráficos de funções, se tornaria ampla e multifacetada a experimentação e análise do kit pelas três estudantes. A estudante do sétimo ano atende ao perfil mais comum dos alunos cegos que estão inseridos no sistema regular de ensino.

A experimentação do kit de material aconteceu na sala de recurso da escola onde a aprendiz estuda, durante quatro sessões. Cada sessão durou em torno de duas horas. Nessa etapa a pesquisadora assumiu o papel de professorapesquisadora do processo definido como "[...] um processo construtivo que vai se desdobrando na medida em que o aluno age, procura, descobre e o professor vai questionando, elaborando e cooperando de forma solidária." (SILVA, 2010, p. 153).

Nessas sessões de estudo trabalhou-se com os seguintes conteúdos de geometria plana: forma e característica de figuras geométricas planas; polígonos; eixo de simetria; propriedades dos quadriláteros; tipos e condição de existência de triângulos; área e perímetro de figuras planas; ângulos internos de polígonos; esboço e nome de ângulos e ângulos de rotação.

Percebeu-se que a estudante melhorava o seu desenvolvimento geométrico sessão a sessão de estudo. Na primeira sessão de estudo a aluna demonstrou reconhecer parte das formas geométricas planas, mas não conseguiu reconhecer nelas atributos como: medida de ângulos, lados paralelos, lados concorrentes, eixos de simetria e relacionar os nomes aos formatos.

A estudante, ao utilizar o material e por intermédio do sentido do tato, conseguiu realizar diversas atividades, dentre elas: esboçar e analisar figuras geométricas, investigar as fórmulas de área e perímetro de figuras planas, esboçar e identificar ângulos notáveis, jogar, investigar eixos de simetria de figuras planas, analisar características das figuras convexas e côncavas - as quais proporcionaram um desenvolvimento cognitivo significativo.

Na última sessão de estudo foi aplicada uma atividade avaliativa, na qual a estudante conseguiu listar as características de algumas figuras geométricas planas, reconhecê-las por meio de características e propriedades, além de organizá-las em grupos segundo elementos comuns e, também, identificar eixos de simetria, diagonais das figuras planas e calcular a soma dos ângulos internos de alguns polígonos.

3.3 Terceira etapa

Após o período de experimentação do kit de material pela estudante foi realizada uma segunda entrevista semiestruturada, que foi gravada em áudio e, posteriormente, transcrita para análise. Essa entrevista objetivou conhecer a postura da aluna perante a funcionalidade do kit no estudo dos conteúdos matemáticos nos quais ele foi experimentado, analisar a aceitação do material como recurso pedagógico e verificar se há algo que precisa ser melhorado/ modificado no kit. O Quadro 2 apresenta, em três classes, os principais fatores evidenciados na entrevista da estudante após a experimentação do kit de material.


A estudante se mostrou empolgada com o uso do material, pois permitiu a ela participar ativamente e, assim, adquirir conhecimento de forma significativa. Algo não comum nas aulas de matemática que ela vinha tendo na sua escola.

4 Considerações finais

O kit de material pedagógico apresentado neste artigo é inovador em relação aos materiais pedagógicos já existentes pelos seguintes fatores. Existência de campo magnético com ímãs, o qual proporciona ao aluno mesmo sem a visão, autonomia de localizar pontos cartesianos (qualquer coordenada), esboçar e analisar gráficos, esboçar e investigar as formas geométricas planas de diferentes formatos e tamanhos, analisar posições de retas, esboçar e investigar diferentes ângulos, analisar distância entre dois pontos, analisar se determinados pontos pertencem ou não a uma determinada reta, dentre outros. Isso efetuando procedimentos similares aos adotados pelos alunos com acuidade visual.

Com isso, não se torna necessário que o professor mude a sua maneira de trabalhar o conteúdo e nem destinar grande tempo da sua aula a atendimento individual do aluno cego. Outro diferencial do kit de material são os eixos do plano cartesiano possuir a numeração em braille, e a versatilidade que o material proporciona de efetuar a atividade, desfazê-las e reutilizá-lo.

Na experimentação do kit constatou-se que a falta do sentido da visão não é um empecilho intransponível para o desenvolvimento matemático do indivíduo. Ao longo das quatro sessões de trabalho, vivenciou-se o quanto a estudante, sujeito do estudo de caso da pesquisa, era capaz de desenvolver trabalhos matemáticos sem dificuldades, utilizando o kit de material.

Comparando o conhecimento restrito sobre as figuras e elementos da geometria plana que a estudante apresentou no início do estudo e sua desenvoltura de lidar com nomes, formatos, propriedades e características das formas geométricas planas no fim das ações, leva-nos a concluir que realmente o kit de material serviu para proporcionar à estudante acesso e compreensão dos tópicos de geometria plana contemplados.

Cabe elucidar que esse estudo limitou-se à experimentação do material nos conteúdos de geometria plana, por uma aluna cega, sendo um estudo de caso. No entanto, a presente pesquisa e a criação do kit de material abrem precedentes para novos estudos e aperfeiçoamentos. Propõem-se os seguintes estudos futuros:

• Manter o processo cíclico dessa pesquisa, desenvolvendo e analisando a experimentação do kit no processo de aprendizagem dos conteúdos de geometria analítica e de funções.

• Promover o uso do kit por alunos cegos durante aula de matemática do ensino regular e verificar a contribuição do mesmo, para a inclusão desses alunos no ambiente escolar.

• Analisar possíveis aprimoramentos que possam ser realizado no kit de material para que o mesmo passe a ter potencialidade de ser utilizados no estudo de outros conteúdos curriculares.

• Analisar os benefícios do uso do kit, focado na aprendizagem da Matemática, por alunos com outras deficiências, como Síndrome de Down, coordenação motora comprometida e surdo-cego.

Além dos estudos sugeridos anteriormente, há evidência que o kit poderá ser utilizado no estudo de outros conteúdos de Matemática e Física. Na matemática, auxiliar e explorar o conceito de potenciação, raiz quadrada, unidade de medida, matriz e determinante. Na Física, a parte gráfica dos conteúdos de termologia, mecânica, cinemática vetorial, eletricidade, impulso dentre outros. A autora propõe-se a realizar, num futuro breve, alguns desses estudos sugeridos; além do aprofundamento na temática do processo ensino/aprendizagem da matemática para alunos cegos.

5 Referências

Submetido em Agosto de 2012. Aprovado em Novembro de 2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Marcia Rosa Uliana
    Av. JK, 259, Cacoal
    CEP: 76962-075, Rondônia, RO, Brasil
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    Segundo Ochaita e Rosa (1995), existem dois tipos de tato: o passivo e o ativo. No tato passivo a informação tátil é recebida de forma não intencional ou passiva (como a sensação que a roupa ou o calor produzem em nossa pele). No tato ativo, a informação é buscada de forma intencional pelo indivíduo, que toca o objeto e procura identificá-lo. Nos tatos ativos encontram-se envolvidos não somente os receptores da pele e os tecidos subjacentes (como ocorre no tato passivo), mas, também, a excitação correspondente aos receptores dos músculos e dos tendões, de maneira que o sistema perceptivo háptico capta a informação articulatória motora e de equilíbrio.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2012
    • Aceito
      Nov 2012
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