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Problemas relacionados a medicamentos antimicrobianos em unidade de terapia intensiva neonatal

RESUMO

Objetivo:

Determinar os principais problemas relacionados a medicamentos em neonatos sob uso de antimicrobianos.

Métodos:

Estudo observacional, prospectivo e longitudinal. Os problemas relacionados a medicamentos foram classificados de acordo com a versão 6.2 da Pharmaceutical Care Network Europe Foundation. Foi executada análise descritiva, na qual as variáveis clínicas e terapêuticas foram apresentadas por frequências absolutas e relativas, ou por média e desvio padrão, conforme apropriado.

Resultados:

Foram incluídos 152 neonatos com predomínio do sexo masculino (58,5%), idade gestacional de 32,7 ± 4,2 semanas e peso de 1.903,1 ± 846,9g. A principal hipótese diagnóstica de infecção foi a sepse precoce (66,5%), detectando-se que 71,7% dos neonatos apresentavam algum fator de risco para infecção. Dentre os neonatos, 33,6% apresentaram pelo menos um problema relacionado a medicamento. Destes, 84,8% estavam relacionados à efetividade do tratamento e 15,2% a reações adversas. A principal causa de problemas relacionados a medicamentos foi a escolha da dose, sobretudo dos aminoglicosídeos e das cefalosporinas.

Conclusão:

O uso de antimicrobianos em terapia intensiva neonatal relaciona-se principalmente a problemas relacionados a medicamentos de efetividade, predominando a prescrição de antimicrobianos em subdose, sobretudo os aminoglicosídeos.

Descritores:
Erros de medicação; Anti-infecciosos; Unidades de terapia intensiva neonatal; Aminoglicosídeos; Recém-nascido

ABSTRACT

Objective:

The goal was to determine the main drug-related problems in neonates who were using antimicrobials.

Method:

This was an observational, prospective and longitudinal study. Drug-related problems were classified according to version 6.2 of the Pharmaceutical Care Network Europe Foundation classification. A descriptive analysis was performed, in which the clinical and therapeutic variables were presented as absolute and relative frequencies or as the mean and standard deviation, as appropriate.

Results:

In total, 152 neonates with a predominance of males (58.5%), gestational age of 32.7 ± 4.2 weeks and weight of 1,903.1 ± 846.9g were included. The main diagnostic hypothesis of infection was early sepsis (66.5%), and 71.7% of the neonates had some risk factor for infection. Among the neonates, 33.6% had at least one drug-related problem. Of these, 84.8% were related to treatment effectiveness and 15.2% to adverse reactions. The main cause of drug-related problems was the selected dose, particularly for aminoglycosides and cephalosporins.

Conclusion:

The use of antimicrobials in the neonatal intensive care is mainly associated with problems related to medication effectiveness, predominantly the prescription of subdoses of antimicrobials, especially aminoglycosides.

Keywords:
Medication errors; Anti-infective agents; Intensive care units, neonatal; Aminoglycosides; Infant, newborn

INTRODUÇÃO

Os antimicrobianos são bastante prescritos em unidades de terapia intensiva (UTI) neonatal.(11 Tzialla C, Borghesi A, Perotti GF, Garofoli F, Manzoni P, Stronati M. Use and misuse of antibiotics in the neonatal intensive care unit. J Matern Fetal Neonatal Med. 2012;25 Suppl 4:35-7.) Mesmo neonatos não acometidos por infecções comprovadas utilizam frequentemente este tipo de medicamento durante a internação.(22 Stoll BJ, Hansen NI, Sanchez PJ, Faix RG, Poindexter BB, Van Meurs KP, Bizzarro MJ, Goldberg RN, Frantz ID 3rd, Hale EC, Shankaran S, Kennedy K, Carlo WA, Watterberg KL, Bell EF, Walsh MC, Schibler K, Laptook AR, Shane AL, Schrag SJ, Das A, Higgins RD; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network. Early onset neonatal sepsis: the burden of group B Streptococcal and E. coli disease continues. Pediatrics. 2011;127(5):817-26. Erratum in Pediatrics. 2011;128(2):390.) No entanto, seu uso em terapia intensiva se mostra complexo devido à escolha do medicamento diante da eficácia contra o microrganismo causador da doença, além de sua complexidade posológica, que pode acarretar falha terapêutica, resistência bacteriana ou toxicidade.(33 Jiang SP, Zhu ZY, Ma KF, Zheng X, Lu XY. Impact of pharmacist antimicrobial dosing adjustments in septic patients on continuous renal replacement therapy in an intensive care unit. Scand J Infect Dis. 2013;45(12):891-9.)

A principal condição clínica que leva ao uso de antimicrobianos em UTI neonatal é a sepse neonatal, principal causa de morbimortalidade. Para diminuir a ocorrência de falha terapêutica associada ao uso destes medicamentos é necessária a escolha adequada do esquema antimicrobiano. Porém, visto as dificuldades de isolar e identificar o agente etiológico, é comum o emprego empírico de diversos esquemas terapêuticos.(44 Wu JH, Chen CY, Tsao PN, Hsieh WS, Chou HC. Neonatal sepsis: a 6-year analysis in a neonatal care unit in Taiwan. Pediatr Neonatol. 2009;50(3):88-95.) Ainda, o uso de antimicrobianos em neonatos representa um maior risco do ponto de vista farmacocinético, pois a imaturidade funcional dos órgãos envolvidos neste processo altera o perfil de metabolização e excreção de fármacos, contribuindo no aumento de sua exposição sistêmica e maior toxicidade.(55 Regazzi M, Billaud EM, Lefeuvre S, Stronati M. Pharmacokinetics of antifungal agents in neonates and young infants. Curr Med Chem. 2012;19(27):4621-32.) Este aumento dos riscos e da complexidade terapêutica inerente ao uso de antimicrobianos em terapia intensiva neonatal pode estar associado à ocorrência de problemas relacionados a medicamento (PRM).

A Pharmaceutical Care Network Europe define PRM como "evento ou circunstância relacionado ao medicamento que interfere ou potencialmente pode interferir nos desfechos clínicos desejados".(66 Pharmaceutical Care Network Europe. Classification for drug related problems. V 6.2 [Internet]. 2010 [citada em 2016]. Disponível em: http://www.pcne.org/upload/files/11_PCNE_classification_V6-2.pdf
http://www.pcne.org/upload/files/11_PCNE...
) Estudar a ocorrência de PRM com o uso de antimicrobianos é necessário devido à sua grande frequência.(77 Langebrake C, Ihbe-Heffinger A, Leichenberg K, Kaden S, Kunkel M, Lueb M, et al. Nationwide evaluation of day-to-day clinical pharmacists' interventions in German hospitals. Pharmacotherapy. 2015;35(4):370-9.) A gentamicina e a vancomicina são os antimicrobianos mais associados a erros de medicação, e estes erros foram principalmente relacionados ao intervalo de administração.(88 Esqué Ruiz MT, Moretones Sunól MG, Rodríguez Miguélez JM, Sánchez Ortiz E, Izco Urros M, de Lamo Camino M, et al. [Medication errors in a neonatal unit: One of the main adverse avents]. An Pediatr (Barc). 2016;84(4):211-7. Spanish.)

Os neonatos, particularmente, são bastante suscetíveis a PRM e isto pode estar associado à heterogeneidade clínica, como peso, idade gestacional e idade pós-natal - fatores determinantes da escolha de dosagens. A explicação para a ocorrência de PRM neste grupo específico também pode estar relacionada à limitação de literatura e por diferentes recomendações de dosagens entre as referências disponíveis.(99 Garner SS, Cox TH, Hill EG, Irving MG, Bissinger RL, Annibale DJ. Prospective, controlled study of an intervention to reduce errors in neonatal antibiotic orders. J Perinatol. 2015;35(8):631-5.)

O objetivo do estudo foi determinar os principais PRM em neonatos submetidos à terapia antimicrobiana em UTI neonatal.

MÉTODOS

A pesquisa foi realizada por meio de estudo observacional, prospectivo e longitudinal na UTI neonatal da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), no município de Natal (RN). A MEJC é uma instituição de referência em gestação de alto risco, cirurgia ginecológica e saúde da mulher do Estado do Rio Grande do Norte. A instituição dispõe atualmente de 6 leitos de UTI adulta e 23 leitos de UTI neonatal.

A amostra por conveniência foi constituída de recém-nascidos expostos à terapia antimicrobiana no período de outubro de 2015 a outubro de 2016, perfazendo um total de 152 neonatos. Foram incluídos no estudo todos os pacientes admitidos na UTI neonatal durante o período da pesquisa, desde que estivessem fazendo o uso de pelo menos um antimicrobiano. Foram excluídos aqueles que o tempo de internação foi inferior a 24 horas, pacientes readmitidos e aqueles que os dados necessários para o estudo estivessem incompletos na ficha de acompanhamento farmacoterapêutico.

Para a coleta dos dados, foi utilizado como instrumento o formulário de acompanhamento farmacoterapêutico utilizado pelo Serviço de Farmácia Clínica da instituição para o acompanhamento dos neonatos internados na UTI neonatal. Este instrumento contempla dados biodemográficos e farmacoterapêuticos necessários à realização da pesquisa. Os seguintes dados foram analisados: sexo, idade gestacional, peso ao nascer, tipo de parto, tempo de bolsa rota, Apgar, hipótese diagnóstica, óbito, resultado de hemocultura, presença de fator de risco materno para infecção. Além disto, foi analisada a ocorrência de PRM, bem como suas classificações. Os PRM foram classificados quanto a tipo, causas e as intervenções executadas de acordo com a classificação da Pharmaceutical Care Network Europe. A avaliação da adequabilidade da dose empregada utilizou como fonte de informações o Neofax® 2011(1010 Young TE, Magnum B, editors. Neofax® 2011. A manual of drugs used in neonatal care. 24th ed. New York: Thomson Reuters; 2011.) e as bases eletrônicas de dados Micromedex®(1111 Micromedex® Healthcare Series [Internet]. Greenwood Village, Colo: Thomson Healthcare; 2017. [cited 2017 Jul 8]. Availble from: <www.micromedexsolutions.com>.
www.micromedexsolutions.com...
) e UptoDate®.(1212 Up-to-Date® Healthcare Series [Internet]. Philadelphia (PA): WoltersKluwer Health 2017. [cited 2017 Jul 8]. Availble from: <www.uptodate.com>.
www.uptodate.com...
) Destaca-se que os PRM foram analisados em relação ao seu potencial dano, não sendo avaliado se houve ou não prejuízo para o paciente.

A análise estatística foi realizada com o programa Stata versão 12 (Stata Corporation, College Station, TX, USA). Foi executada análise descritiva, e as variáveis clínicas e terapêuticas foram apresentadas por frequências absolutas e relativas, ou por média e desvio padrão, conforme apropriado. O presente trabalho teve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob o protocolo: 580.201/2014 (CAAE: 21718113.3.0000.5292), respeitando as determinações da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes do estudo formalizaram sua adesão por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram incluídos na pesquisa 152 neonatos; foram excluídos 34 por não utilizarem antimicrobianos durante a internação, 26 pela falta de dados necessários para realização da pesquisa e 7 por permanecerem internados por menos de 24 horas, perfazendo um total de 67 pacientes excluídos.

A amostra foi constituída, principalmente, de pacientes do sexo masculino (58,5%), com a média de idade, idade gestacional de 32,7 ± 4,2 semanas e peso de 1.903,1 ± 846,9g. Eles permaneceram internados em média 18,1 dias. Houve predomínio de parto cesáreo (66,5%) com bolsa rota principalmente no ato (72,4%) e Apgar de 6,5 no primeiro minuto e 8,1 no quinto minuto de vida. A principal hipótese diagnóstica de infecção nos neonatos avaliados foi sepse precoce, correspondendo a 66,5% do total, sendo que 71,7% apresentavam algum fator de risco para o desenvolvimento da infecção. Das hemoculturas realizadas, em apenas 10,5% dos neonatos o resultado foi positivo. Os dados referentes às características da amostra estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra

Em relação ao perfil de medicamentos prescritos (Tabela 2), 1.149 itens foram administrados com destaque para gentamicina (12,1%), aminofilina (7,6%), cefazolina (6,6%), vitamina C (4,6%), amicacina (4,4%) e cefepime (4,4%).

Tabela 2
Perfil dos principais antimicrobianos prescritos

Quanto ao perfil de PRM, 51 dos 152 pacientes analisados apresentaram pelo menos um PRM (33,6%). Todos foram classificados como problemas potenciais. Destes, 84,8% estavam relacionados à efetividade do tratamento e 15,2% a reações adversas (Tabela 3), sendo a principal causa a escolha da dose (subdose, sobredose e frequência de administração) em 72,1%, principalmente dos aminoglicosídeos, seguidos das cefalosporinas (Tabela 4).

Tabela 3
Perfil de problema relacionado ao medicamento e resultados das intervenções
Tabela 4
Principais medicamentos associados à ocorrência de problemas relacionados ao medicamento

Com relação aos tipos de intervenção, cerca de 81% foram classificadas como intervenções propostas e aceitas pelo prescritor, e apenas 2,5% não foram aceitas. Além do prescritor, foram feitas intervenções junto à equipe de enfermagem, e o aprazamento incorreto e orientações quanto a incompatibilidades dos medicamentos foram as principais intervenções relacionadas a esta classe.

DISCUSSÃO

Os PRM afetaram pelo menos um terço dos neonatos submetidos à terapia antimicrobiana neste estudo. A etapa mais vulnerável é a prescrição, com predomínio de PRM de efetividade, destacando-se o envolvimento dos aminoglicosídeos e cefalosporinas.

A literatura é escassa em relação à prevalência de PRM em neonatologia, especificamente relacionada ao uso de antimicrobianos. Porém, a ocorrência de erros de prescrição com esta classe de medicamentos varia de 30 - 44% nesta faixa etária.(1313 Jain S, Basu S, Parmar VR. Medication errors in neonates admitted in intensive care unit and emergency department. Indian J Med Sci. 2009;63(4):145-51.) Em nossos resultados, as causas de PRM estiveram relacionadas diretamente a escolha da dose, caracterizando a etapa de prescrição como a mais vulnerável. Na verdade, os erros de medicação em terapia intensiva de forma geral predominam durante a prescrição, sobretudo a inadequação de doses e frequências de administração.(1414 Alsulami Z, Conroy S, Choonara I. Medication errors in the Middle East countries: a systematic review of the literature. Eur J Clin Pharmacol. 2013;69(4):995-1008.) Tradicionalmente, as principais classes envolvidas com erros são os antimicrobianos, seguidos dos antitrombóticos, análgesicos e agentes que atuam sobre o sistema renina-angiotensina.(77 Langebrake C, Ihbe-Heffinger A, Leichenberg K, Kaden S, Kunkel M, Lueb M, et al. Nationwide evaluation of day-to-day clinical pharmacists' interventions in German hospitals. Pharmacotherapy. 2015;35(4):370-9.) O predomínio de PRM de efetividade em nossa amostra deve-se prioritariamente à prescrição de doses abaixo das preconizadas − algo preocupante, considerando que a subdose de antimicrobianos em neonatologia implica maior potencial de risco nestes pacientes.(1515 Krzyzaniak N, Bajorek B. Medication safety in neonatal care: a review of medication errors among neonates. Ther Adv Drug Saf. 2016;7(3):102-19.)

No Brasil, estudo desenvolvido por Machado et al.,(1616 Machado AP, Tomich CS, Osme SF, Ferreira DM, Mendonça MA, Pinto RM, et al. Prescribing errors in a Brazilian neonatal intensive care unit. Cad Saude Publica. 2015;31(12): 2610-20.) ao avaliarem os erros de prescrição em uma UTI neonatal, também observou que os antimicrobianos foram os medicamenrtos mais relacionados a inadequações nas prescrições e que, além da posologia inadequada, os erros atribuídos ao uso de diluentes também se tratou de um problema importante.

Durante o seguimento terapêutico dos neonatos, podemos observar variações significativas do peso corporal em poucos dias, implicando necessidade constante de ajuste posológico. Esta complexidade posológica, atribuída à farmacoterapia em neonatos, pode ser ilustrada pelos aminoglicosídeos, antimicrobianos bastante utilizados em neonatologia.(1717 Samiee-Zafarghandy S, van den Anker JN. Aminoglycosides and ototoxicity in neonates: is there a relation with serum concentrations? Int J Clin Pharmacol Ther. 2013;51(12):993-4.) A gentamicina e a amicacina foram os principais medicamentos associados à PRM em nosso estudo, implicando principalmente na efetividade do tratamento, sobretudo relacionada à subdose e à falta no cumprimento do intervalo de administração. Além disto, PRM classificados como reações adversas potenciais, como prescrição de medicamentos em sobredose, também foram atribuídos a tal classe.

A farmacocinética peculiar dos aminoglicosídeos, como volume de distribuição aumentado e eliminação renal, requer o ajuste periódico de sua posologia em relação a características do desenvolvimento do neonato, como alteração no peso e idade gestacional.(1818 Allegaert K, Cossey V, van den Anker JN. Dosing Guidelines of Aminoglycosides in Neonates: A Balance Between Physiology and Feasibility. Curr Pharm Des. 2015;21(39):5699-704.)

Neste estudo foi possível observar que alguns neonatos apresentaram diminuição ou aumento de 20% no peso corporal em poucos dias sem ajuste na posologia do antimicrobiano. Além disto, doses dez vezes abaixo ou acima das preconizadas também foram identificadas. Esse é um achado comum em outros trabalhos, visto que os recém-nascidos são vulneráveis em relação a erros de doses até dez vezes acima ou abaixo da desejada, devido à necessidades de diluições decimais, com o objetivo de ajustar o volume a ser administrado.(1515 Krzyzaniak N, Bajorek B. Medication safety in neonatal care: a review of medication errors among neonates. Ther Adv Drug Saf. 2016;7(3):102-19.)

De forma similar aos aminoglicosídeos, o tratamento com as cefalosporinas também pode ser comprometido por inadequações na posologia, no entanto, estes medicamentos estão associados a um maior perfil de segurança.(1919 Pacifici GM. Pharmacokinetics of cephalosporins in the neonate: a review. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(7):1267-74.) Apesar das cefalosporinas serem a segunda classe mais relacionada à ocorrência de PRM neste estudo, ainda é possível observar sua baixa ocorrência.

Neste sentido, os erros relacionados à dose dificultam o processo de prescrição e afetam a segurança e eficácia do tratamento nesse grupo de pacientes especificamente, pois o uso de antimicrobianos em baixas doses relaciona-se à falha terapêutica e à resistência bacteriana.(2020 Ventola CL. The antibiotic resistance crisis: part 1. PT. 2015;40(4):277-83.,2121 Cheng CL, Kao YH, Lin SJ, Lin CH, Lin YJ. Compliance with dosing recommendations from common references in prescribing antibiotics for preterm neonates. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(1):51-8.)

A ocorrência de resistência aos antimicrobianos, problema mundial que impacta no aumento da morbimortalidade e no prolongamento da hospitalização em UTI neonatal, está associada ao uso inadequado de antimicrobianos.(2222 Huynh BT, Padget M, Garin B, Herindrainy P, Kermorvant-Duchemin E, Watier L, et al. Burden of bacterial resistance among neonatal infections in low income countries: how convincing is the epidemiological evidence? BMC Infect Dis. 2015;15:127.) Um estudo realizado por Shah et al.(2323 Shah AJ, Mulla SA, Revdiwala SB. Neonatal sepsis: high antibiotic resistence of the bacterial pathogens in a neonatal intensive care unit of a tertiary care hospital. J Clin Neonatol. 2012;1(2):72-5.) mostrou aumento de resistência microbiana aos aminoglicosídeos (gentamicina e amicacina) em UTI neonatal. Estes medicamentos foram identificados em nosso estudo como os principais implicados em PRM de efetividade e segurança devido a inadequações de dose. Logo, supomos que o emprego racional, baseado na escolha adequada e em esquemas posológicos criteriosos, com monitorização períodica por farmacêuticos clínicos, é estratégia importante no combate à resistência.

Além das inconsistências nas doses, a falta de cumprimento no intervalo entre as administrações também foi um achado frequente, sobretudo em relação aos antimicrobianos que necessitam de ajuste para serem administrados a cada 36 horas. Intervalos maiores podem implicar concentração inibitória mínima insuficiente e favorecer a falha terapêutica, assim como a resistência microbiana, como ja discutido.(2424 Fjalstad JW, Laukli E, van den Anker JN, Klingenberg C. High-dose gentamicin in newborn infants: is it safe? Eur J Pediatr. 2013 Nov 14. [Epub ahead of print].) Em contrapartida, a diminuição do intervalo pode ocasionar acúmulo do medicamento, principalmente neste grupo de pacientes, no qual, por inúmeras razões, a depuração dos fármacos encontra-se prejudicada e, consequentemente, o tempo de meia-vida é prolongado, acentuando o aumento de sua concentração sérica e expondo o paciente aos riscos de reações adversas graves.(2121 Cheng CL, Kao YH, Lin SJ, Lin CH, Lin YJ. Compliance with dosing recommendations from common references in prescribing antibiotics for preterm neonates. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(1):51-8.)

Considerando os PRM de reações adversas potenciais, também bastante frequentes em nossa amostra, é importante considerar as características farmacocinéticas dos medicamentos no período neonatal. A imaturidade funcional dos órgãos do neonato acarreta acúmulo de medicamentos, pois o processo de eliminação de fármacos apresenta atividade limitada. A biotransformação hepática mostra-se diminuída,(2525 Smits A, Kulo A, de Hoon JN, Allegaert K. Pharmacokinetics of drugs in neonates: pattern recognition beyond compound specific observations. Curr Pharm Des. 2012;18(21):3119-46.) assim como a filtração glomerular, aumentando consideravelmente a exposição sistêmica dos fármacos.(55 Regazzi M, Billaud EM, Lefeuvre S, Stronati M. Pharmacokinetics of antifungal agents in neonates and young infants. Curr Med Chem. 2012;19(27):4621-32.) Além disto, a ligação a proteínas plasmáticas pode afetar sua distribuição e eliminação, já que, em neonatos, a concentração de proteínas responsáveis pelo transporte destes compostos é menor em relação ao adulto. Isto contribui para que concentrações maiores dos fármacos permaneçam em frações livres, aumentando sua distribuição para os tecidos e contribuindo para o aumento da toxicidade.(2626 Alcorn J, McNamara PJ. Pharmacokinetics in the newborn. Adv Drug Deliv Rev. 2003;55(5):667-86.) A maior quantidade de água corporal nestes pacientes também tem papel crucial na farmacocinética neonatal. Por exemplo, fármacos hidrofílicos, como a gentamicina, possuem maior volume de distribuição e menor taxa de depuração renal; logo, o ajuste posológico deve ser criterioso sob risco de acúmulo rápido no organismo e ocorrência de nefrotoxicidade e ototoxicidade - reações adversas inerentes a esta classe de medicamentos.(2424 Fjalstad JW, Laukli E, van den Anker JN, Klingenberg C. High-dose gentamicin in newborn infants: is it safe? Eur J Pediatr. 2013 Nov 14. [Epub ahead of print].,2626 Alcorn J, McNamara PJ. Pharmacokinetics in the newborn. Adv Drug Deliv Rev. 2003;55(5):667-86.)

Quanto às intervenções realizadas, observa-se alta aceitabilidade pelo prescritor, mostrando a confiança no trabalho realizado pelo farmacêutico clínico e o quanto este profissional pode contribuir positivamente na redução de PRM. O benefício do farmacêutico clínico é confirmado em uma revisão sistemática que mostrou que a intervenção farmacêutica pode reduzir significativamente os erros de prescrição, assim como os eventos adversos evitáveis em terapia intensiva adulta.(2727 Wang T, Benedict N, Olsen KM, Luan R, Zhu X, Zhou N, et al. Effect of critical care pharmacist's intervention on medication errors: A systematic review and meta-analysis of observational studies. J Crit Care. 2015;30(5):1101-6.) Apesar dos artigos tratados nesta revisão não serem direcionados à neonatologia, supomos similar potencial de benefício em UTI neonatal, já que os estudos em neonatologia são escassos.

Como limitações do estudo, destacamos o tamanho da amostra insuficiente para análise descritiva mais apurada e realizada em um único local. Também não foi possível verificar a ocorrência ou não de dano para o paciente, e todas as análises se basearam no potencial PRM. No entanto, trata-se de um estudo relevante, tendo em vista a escassez de trabalhos relacionados ao tema em UTI neonatal na literatura, principalmente no Brasil. A coleta dos dados de forma prospectiva e a avaliação in loco contribuíram para a legitimidade das variáveis analisadas.

CONCLUSÃO

O estudo possibilitou concluir que os problemas relacionados a medicamentos, associados ao uso de antimicrobianos em neonatos, são classificados principalmente como problemas relacionados a medicamentos de efetividade, com destaque para prescrição de medicamentos em subdose, sobretudo os aminoglicosídeos. Ressaltamos a importância do farmacêutico clínico como peça chave no processo de uso de medicamentos e alta aceitabilidade de suas intervenções por parte do prescritor e demais profissionais.

  • Editor responsável: Werther Brunow de Carvalho

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2017
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2017
  • Aceito
    24 Abr 2017
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