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Perfil profissional do intensivista pediátrico no estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil

Resumos

OBJETIVO: Este estudo tem como objetivo descrever o perfil sócio-demográfico e aspectos da qualificação profissional dos médicos intensivistas pediátricos do Estado do Rio de Janeiro (RJ), sudeste do Brasil. MÉTODOS: Estudo observacional, transversal e descritivo, realizado em unidades de tratamento intensivo neonatal, pediátrica e mista do RJ. Utilizou-se questionário semi-estruturado, anônimo e individual, respondido de modo voluntário pelos médicos das unidades que participaram do estudo. Foram considerados como perdas os questionários não devolvidos em 30 dias e excluídos os que tiveram menos de 75% das questões respondidas. As diferenças de formação entre intensivistas neonatais e pediátricos foram comparadas através do teste do Qui-quadrado, com nível de significância estabelecido em 5%. RESULTADOS: Participaram 410 médicos (84% mulheres, 48% entre 30-39 anos e 45% com renda mensal entre US$ 1,700.00 a 2,700.00). Destes, 40% trabalham exclusivamente na especialidade e 72% em mais de uma UTI. Em neonatologia, apenas 50% tiveram formação específica (residência ou especialização) e somente 33% tinham título de especialista nesta área de atuação, enquanto em medicina intensiva pediátrica apenas 27% tiveram formação específica e somente 17% tinham o título de especialista (P<0,0005 para ambas as comparações). A maioria (87%) participou de eventos científicos nos últimos 5 anos e 55% utilizavam a internet para atualização, porém apenas 25% tiveram alguma participação em pesquisa. A maioria (63%) referiu não estar satisfeita com a própria atuação profissional, 49% face às condições de trabalho, 23% por baixos salários e 18% por questões relacionadas à formação. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que a qualificação profissional dos médicos intensivistas neonatais e pediátricos do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, é deficiente, especialmente na área da medicina intensiva pediátrica, e o nível de satisfação com o exercício profissional é baixo, o que pode comprometer a qualidade da assistência prestada.

Cuidados intensivos; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Unidades de terapia intensiva neonatal; Educação médica; Prática profissional; Brasil


OBJECTIVE: This study described the sociodemographic profile and professional qualifications of pediatric intensive care physicians in the State of Rio de Janeiro (RJ), southeastern Brazil. METHODS: This investigation was an observational, cross-sectional and descriptive study that was conducted in neonatal, pediatric and mixed intensive care units in the State of Rio de Janeiro. Physicians working in the participating intensive care units voluntarily completed a semistructured and anonymous questionnaire. Questionnaires that were not returned within 30 days were considered lost, and questionnaires with less than 75% questions completed were excluded. The differences in neonatal and pediatric intensive care physicians' medical training were compared using the Chi-squared test with a 5% significance level. RESULTS: A total of 410 physicians were included in this study: 84% female, 48% between 30 and 39 years old and 45% with monthly incomes between US $1,700 to 2,700. Forty percent of these physicians worked exclusively in this specialty, and 72% worked in more than one intensive care unit. Only 50% of the participants had received specific training (either medical residency or specialization) in neonatology, and only 33% were board-certified specialists in this area. Only 27% of the physicians had received specific training in pediatric intensive care medicine, and only 17% were board-certified specialists (p < 0.0005 for both comparisons). Most (87%) physicians had participated in scientific events within the past 5 years, and 55% used the internet for continued medical education. However, only 25% had participated in any research. Most (63%) physicians were dissatisfied with their professional activity; 49% were dissatisfied due to working conditions, 23% due to low incomes and 18% due to training-related issues. CONCLUSION: These results suggested that the medical qualifications of neonatal and pediatric intensive care physicians in the State of Rio de Janeiro, Brazil are inadequate, especially in pediatric intensive care medicine. A high level of dissatisfaction was reported, which may jeopardize the quality of medical assistance that is provided by these professionals.

Intensive care; Intensive care units, pediatric; Intensive care units, neonatal; Education, medical; Professional practice; Brazil


ARTIGO ORIGINAL

Perfil profissional do intensivista pediátrico no Estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil

Jandra Corrêa de LacerdaI; Arnaldo Prata BarbosaII; Antonio José Ledo Alves da CunhaII

IUnidade de Terapia Intensiva Pediátrica, Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIDepartamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Arnaldo Prata Barbosa UTIP-IPPMG/UFRJ Rua Bruno Lobo, 50 - 2º andar Cidade Universitária - Ilha do Fundão CEP: 21941-912 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil Fone/Fax: (21) 2562-6198 E-mail: arnaldoprata@ufrj.br

RESUMO

OBJETIVO: Este estudo tem como objetivo descrever o perfil sócio-demográfico e aspectos da qualificação profissional dos médicos intensivistas pediátricos do Estado do Rio de Janeiro (RJ), sudeste do Brasil.

MÉTODOS: Estudo observacional, transversal e descritivo, realizado em unidades de tratamento intensivo neonatal, pediátrica e mista do RJ. Utilizou-se questionário semi-estruturado, anônimo e individual, respondido de modo voluntário pelos médicos das unidades que participaram do estudo. Foram considerados como perdas os questionários não devolvidos em 30 dias e excluídos os que tiveram menos de 75% das questões respondidas. As diferenças de formação entre intensivistas neonatais e pediátricos foram comparadas através do teste do Qui-quadrado, com nível de significância estabelecido em 5%.

RESULTADOS: Participaram 410 médicos (84% mulheres, 48% entre 30-39 anos e 45% com renda mensal entre US$ 1,700.00 a 2,700.00). Destes, 40% trabalham exclusivamente na especialidade e 72% em mais de uma UTI. Em neonatologia, apenas 50% tiveram formação específica (residência ou especialização) e somente 33% tinham título de especialista nesta área de atuação, enquanto em medicina intensiva pediátrica apenas 27% tiveram formação específica e somente 17% tinham o título de especialista (P<0,0005 para ambas as comparações). A maioria (87%) participou de eventos científicos nos últimos 5 anos e 55% utilizavam a internet para atualização, porém apenas 25% tiveram alguma participação em pesquisa. A maioria (63%) referiu não estar satisfeita com a própria atuação profissional, 49% face às condições de trabalho, 23% por baixos salários e 18% por questões relacionadas à formação.

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que a qualificação profissional dos médicos intensivistas neonatais e pediátricos do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, é deficiente, especialmente na área da medicina intensiva pediátrica, e o nível de satisfação com o exercício profissional é baixo, o que pode comprometer a qualidade da assistência prestada.

Descritores: Cuidados intensivos; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Unidades de terapia intensiva neonatal; Educação médica; Prática profissional; Brasil

INTRODUÇÃO

As unidades de tratamento intensivo (UTI) desenvolveram-se ao longo do último século a partir da observação de que era possível oferecer melhor assistência aos pacientes graves quando estes estavam agrupados em um único setor do hospital, o que logo se comprovou ser uma medida eficaz na redução da morbi-mortalidade destes doentes.(1,2) No Brasil, as primeiras UTI de adulto datam de meados da década de 60 e as primeiras UTI pediátricas do início dos anos 70, localizadas inicialmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo e a seguir, disseminando-se por todo o país, embora com iniquidades significativas.(3,4) A medicina intensiva, entretanto, só foi reconhecida como especialidade médica no país em 1992.

Nos países mais avançados as UTI têm se desenvolvido continuamente, com elevado grau de sofisticação tecnológica e processos de funcionamento bem definidos, de forma que aportes financeiros crescentes, recursos humanos e materiais especializados evidenciam-se como fundamentais.(5) O mesmo não acontece em países menos desenvolvidos, onde as UTI ainda são desprovidas de estrutura adequada, de recursos humanos qualificados e principalmente de recursos financeiros, mantendo níveis de morbi-mortalidade ainda bastante elevados.(6-8)

Os recursos humanos são fator importante para melhor desempenho das UTI quanto à qualidade assistencial e gerencial. Diversos estudos têm demonstrado melhores resultados em indicadores de qualidade nas UTI que têm intensivistas liderando a equipe assistencial,(9-16) bem como a importância da formação específica e qualificada do intensivista.(11,12,17-23)

Este estudo descreve o perfil sócio-demográfico e analisa a qualificação profissional dos médicos que trabalham nas UTI neonatais e pediátricas do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Pretende contribuir para o melhor conhecimento da especialidade, fornecendo subsídios para programas estratégicos de melhoria.

MÉTODOS

Estudo observacional, descritivo, realizado no Estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil, que tem 92 municípios em área de 44000 Km² e população de 15,5 milhões de habitantes. Identificaram-se todas as UTI a partir de consultas a bases de dados do governo estadual e federal, das sociedades médicas e do Conselho Regional de Medicina. As UTI foram classificadas como exclusivamente neonatais (UTIN), exclusivamente pediátricas (UTIP), ou de atendimento misto para neonatos e crianças, denominadas UTI mistas (UTIM). Todas as UTIs foram contactadas e convidadas a participar do estudo. Foram incluídas todas as UTI que concordaram em participar. Aquelas que, apesar de concordarem em participar, não puderam ser visitadas no período do estudo foram excluídas. Os médicos elegíveis (todos aqueles que trabalhavam nas UTI participantes) foram identificados a partir de visita às unidades, sendo incluídos os que concordaram em responder ao questionário, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos, de uma determinada unidade, os médicos que já haviam preenchido o questionário em outra UTI ou cujo questionário foi considerado inadequadamente preenchido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A coleta de dados foi realizada de outubro de 2005 a novembro de 2007, utilizando-se questionário semi-estruturado, elaborado para esse fim, contendo questões sócio-demográficas e dados de formação, certificação, educação continuada, atuação em pesquisa e satisfação na especialidade. Possuía uma Parte A (47 questões), que devia ser respondida apenas uma vez por cada médico participante e uma Parte B (3 questões), que devia ser respondida apenas pelos médicos que trabalhavam em mais de uma unidade. O questionário era deixado com o chefe da UTI quando da visita à unidade, em número igual ao de médicos elegíveis. Para garantir o anonimato foram utilizados dois envelopes, um para o TCLE e outro para o questionário, este não identificado. Após preenchimento, o mesmo era colocado em uma pasta separada, juntamente com todos os questionários anônimos da unidade. Consideraram-se como perdas os questionários não devolvidos no prazo de 30 dias e como inadequados aqueles nos quais o preenchimento foi inferior a 75% das 50 questões.

A partir de uma população de médicos elegíveis estimada em um total de 900, foi realizado o cálculo amostral, tomando-se como pressuposto que nem todos concordariam em participar. Baseando-se margem de erro de 5,0%, nível de confiança de 95%, assumindo-se distribuição normal e estimativa do verdadeiro parâmetro em 50%,(24) concluiu-se ser necessária uma amostra de pelo menos 269 médicos.

Os resultados foram expressos como número e percentual. As diferenças na formação entre intensivistas neonatais e pediátricos, de uma maneira geral e em função do tipo de UTI em que atuavam (neonatal, pediátrica ou mista) foram comparadas através do teste do Qui-Quadrado, com nível de significância estabelecido em 5%.

RESULTADOS

UTI e médicos participantes

Foram identificadas 100 UTI, das quais 8 não concordaram em participar e 5 foram excluídas por impossibilidade de realização da coleta de dados no período estipulado. Assim, 87 UTI foram incluídas (23% UTIP, 40% UTIN e 37% UTIM), das quais 47 (54%) eram privadas e 40 (46%), públicas.

Foram distribuídos 1310 questionários nestas unidades. Destes, 810 (61,8%) não continham o TCLE assinado, cinco (1%) estavam preenchidos inadequadamente e 85 (6,5%) foram preenchidos por médicos que já haviam respondido em outras unidades. Assim, 410 médicos preencheram os critérios de inclusão (31% do total de questionários distribuídos).

As características gerais dos médicos estão descritas na tabela 1. Eram 84% mulheres, 48% tinham entre 30-39 anos e 45% possuíam renda mensal entre R$ 3.000,00 e R$ 5.000,00 (US$ 1,700.00 a 2,700.00). Do total, 40% trabalhavam exclusivamente na especialidade e 72% em mais de uma UTI (35% com 2 postos de trabalho), sendo que 49% trabalhavam tanto no segmento público quanto no privado. Em relação à satisfação profissional, 63% não estavam satisfeitos, sendo que os motivos mais apontados para essa insatisfação foram relacionados às condições de trabalho (49%), baixos salários (23%) e questões relacionadas à formação na especialidade (18%).

Qualificação profissional

Em relação à formação (Tabela 2), 93,4% concluíram residência médica em pediatria geral e 47% possuíam título de especialista em pediatria conferido pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), enquanto 60,5% possuía formação em medicina intensiva (neonatal e pediátrica), através da residência médica ou especialização., Entre os médicos que trabalhavam em neonatologia (UTIN e UTIM), 50% possuía formação específica nesta área de atuação (residência ou especialização) e 33% eram certificados pelo título de Habilitação em Neonatologia, conferido pela SBP. Por outro lado, dos médicos que trabalhavam em medicina intensiva pediátrica (UTIP e UTIM), apenas 27% possuíam formação específica e somente 17% possuíam certificação através do Título de Habilitação em Medicina Intensiva Pediátrica, conferido pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), em conjunto com a SBP. Esta diferença foi estatisticamente significante (p < 0,0005) para ambos os parâmetros.

Entre os intensivistas neonatais, dos 49,7% sem formação específica, 55% trabalhavam em UTIM e 45%, em UTIN, diferença não significativa (p = 0,08) (Figura 1). Por outro lado, entre os intensivistas pediátricos, dos 72% sem formação específica, 77% trabalhavam em UTIM e 63% em UTIP, diferença estatisticamente significativa (p = 0,03). (Figura 2).



Em relação à atualização profissional (Tabela 2), observou-se que 87% participaram de eventos científicos nas áreas da neonatologia ou medicina intensiva pediátrica nos últimos cinco anos, bem como a maioria (99%) utilizava a internet para atualização científica, sendo que 55% por menos de 3 horas semanais. Além disto, entre os 144 médicos (35%) que assinavam periódicos científicos, apenas 14% assinavam periódicos especializados em medicina intensiva. Em relação à participação em projetos de pesquisa, 74% não haviam participado e apenas 35 médicos (9%) já haviam publicado artigos em periódicos científicos.

DISCUSSÃO

Este estudo descreve de forma inédita o perfil dos médicos que trabalham em medicina intensiva neonatal e pediátrica no Estado do Rio de Janeiro. Quanto às características gerais, os resultados definem um perfil que se assemelha ao encontrado na população médica da região sudeste do país e do Brasil como um todo,(25) exceto pela predominância feminina, possivelmente explicada pela maior procura das especialidades pediátricas por médicas.(26)

A formação do médico intensivista é um desafio antigo, que se tornou fundamental com o acelerado desenvolvimento técnico-científico da área, exigindo treinamento contínuo e específico para os profissionais que atuam nesta especialidade. Alguns estudos definem competências mínimas para o profissional que atua nas UTI, independentemente do grau de complexidade das unidades, como o CoBaTrICE europeu.(19,20) No Brasil, a AMIB está propondo a adoção do Programa de Formação Orientado por Competências em Medicina Intensiva (ProCoMi), baseado no CoBaTrICE,(20) esperando-se para 2012 a versão pediátrica.

A proporção de médicos que trabalham em medicina intensiva pediátrica e neonatal sem formação específica é muito elevada, alcançando 42% neste estudo, mas chegando ao alarmante percentual de 72% dos médicos que trabalham em UTI pediátricas, número significativamente maior do que o observado em UTI neonatais (49,7%). Possivelmente, esses achados estão relacionados, em parte, ao escasso número de vagas ofertadas no país para formação nessas especialidades, resultando em número insuficiente de médicos especialistas para a demanda crescente desse mercado de trabalho. Por outro lado, segundo dados da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), de 2003 para 2009 houve aumento significativo do número de vagas de residência médica no país para estas duas áreas de atuação, passando de 98 para 210 em neonatologia e de 74 para 300 em medicina intensiva pediátrica(27) e em que pese este aumento de oferta, avaliação recente da AMIB(28) constatou que 30% das vagas de primeiro ano em 2010 estavam ociosas, demonstrando este não é o único fator para a baixa prevalência de médicos com formação específica atuando no mercado.

Em relação ao mercado de trabalho, destaca-se o aumento de 35% no número de UTI no RJ nos últimos 10 anos,(3) o que provavelmente aumentou o número de postos de trabalho em proporção maior do que a oferta de especialistas na área, colaborando para o aumento na prevalência de médicos sem formação específica em atuação. Estes resultados, tanto no que se refere à titulação como à formação, provavelmente são também conseqüência da falta de regulamentação mais definida para a atuação nestas especialidades no Brasil. A regulamentação vigente para a admissão de médicos nestes setores (RDC 7-2010, Anvisa),(29) especialmente no caso daqueles que atuam em regime de plantão, não exige a titulação específica (Título de Habilitação em Medicina Intensiva Pediátrica ou Neonatologia), e nem esclarece sobre a formação mínima necessária para que o médico possa atuar nestas especialidades.

A neonatologia é a especialização mais cursada pelos médicos avaliados neste estudo, enquanto a especialização em medicina intensiva pediátrica é pouco procurada, sugerindo que as crianças de faixas etárias maiores internadas nas UTI do RJ estão sendo cuidadas majoritariamente por profissionais sem especialização nesta área de atuação. Particular atenção deve ser voltada para as UTI mistas, aquelas em que são internados pacientes desde a faixa etária neonatal até a adolescência. Estas UTI concentram o maior número de médicos sem formação em medicina intensiva, tanto neonatal, quanto pediátrica. Embora não tenha havido uma diferença estatisticamente significante (p = 0,08) entre o número de médicos com formação em neonatologia entre estas unidades e as UTI neonatais exclusivas, houve uma clara tendência neste sentido, o que não pode deixar de ser considerado do ponto de vista prático. Por outro lado, nestas unidades mistas, o número de profissionais com formação em medicina intensiva pediátrica é significativamente inferior ao observado nas UTI pediátricas exclusivas (p = 0,03), demonstrando que estas unidades devem merecer atenção especial de seus gestores, das autoridades reguladoras e dos fóruns responsáveis pela formação e educação continuada.

Educação continuada e pesquisa

A reserva de conhecimento desenvolve-se a partir de experiências vivenciadas e atividades de educação continuada.(30) Estudo do Conselho Federal de Medicina mostrou que, na região sudeste do Brasil, 95% dos médicos responderam que têm necessidade de aprimorar seus conhecimentos, dos quais 83% para melhorar a qualificação técnica.(25) O presente estudo demonstrou que os médicos que trabalham em medicina intensiva também buscam por atualização profissional e os meios utilizados para tal são especialmente a internet e a participação em eventos científicos. A internet destacou-se por sua acessibilidade, sugerindo que a inclusão digital está adiantada entre os médicos. No entanto, a utilização desta ferramenta como forma de atualização nestas especialidades é limitada, não ultrapassando 3 horas semanais. A assinatura de periódicos científicos tem pouca participação na atualização profissional destes médicos, especialmente se consideradas somente as revistas especializadas em medicina intensiva. Como foi investigada somente a assinatura de periódicos, os resultados podem não refletir o real acesso a este tipo de atualização, o qual pode ocorrer por outros meios como em bibliotecas e em bancos de dados eletrônicos na internet.

Destaca-se ainda o pouco envolvimento em atividades de pesquisa na especialidade, corroborando dados da literatura médica sobre a limitada participação de países latinos na produção científica em medicina intensiva.(31)

Satisfação profissional

O trabalho é um dos componentes da felicidade humana, resultante da satisfação plena de necessidades psicossociais, do sentimento de prazer e do sentido de contribuição no exercício da atividade profissional.(32) Cerca de dois terços dos médicos responderam não estarem satisfeitos com a atuação profissional na especialidade. Os motivos mais citados para essa insatisfação foram questões relativas às condições de trabalho referidas por cerca de metade dos médicos. Em seguida adicionam-se os baixos salários e as questões relativas à formação na especialidade. A sobrecarga das equipes com a migração de intensivistas insatisfeitos para outras áreas médicas e um aumento explosivo do número de unidades intensivas, tanto no setor público quanto privado, sem um planejamento para a formação, qualificação e treinamento dos profissionais podem ser fatores importantes para o nível de insatisfação observado. Estes dados são preocupantes, pois estudos abordando a satisfação profissional indicam uma possível correlação positiva com a qualidade de assistência.(33) Melhor entendimento sobre este tema é fundamental para o desenvolvimento da especialidade.

Limitações do estudo

A principal limitação deste estudo diz respeito à pequena proporção de médicos elegíveis que concordaram em participar (31%). Entretanto, apesar do número de médicos elegíveis ter sido subestimada, pois na realidade foram distribuídos 1310 questionários e não 900, como havia sido projetado, um novo cálculo de confiabilidade demonstrou que, para o mesmo nível de significância, uma amostra mínima de 297 médicos estaria adequada. Desta forma, a amostra de 410 médicos efetivamente estudada pode ser considerada, com uma margem de erro de 4%, como uma boa estimativa do perfil da população de médicos intensivistas neonatais e pediátricos do estado do RJ.

Alem disso, o questionário não tem validação prévia e, de certa forma, pode ser considerado limitado em suas perguntas. Naturalmente, outras avaliações, que ampliem o número de médicos participantes e explorem outros detalhes significativos são desejáveis.

CONCLUSÃO

Os médicos que trabalham nas UTI neonatais, pediátricas e mistas do estado do Rio de Janeiro têm formação deficiente na especialidade, em especial na medicina intensiva pediátrica em comparação à neonatologia, e baixo nível de satisfação com o seu desempenho profissional. Tais achados podem comprometer a qualidade da assistência e merecem avaliação mais aprofundada. Estratégias para corrigir estas deficiências devem ser implementadas.

Agradecimentos

Agradecemos a inestimável colaboração da Enf. Elgita Aparecida Diniz e dos médicos Cleyde Vanzillotta, Vanessa Soares, Nina Kuperman e Sérgio Gama, que participaram da coleta de dados, sem a qual este estudo não poderia ter sido realizado.

Este estudo recebeu apoio da FAPERJ e do CNPq, como integrante do projeto "Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica no Estado do Rio de Janeiro: análise de equidade, acesso, estrutura e processos de assistência".

Submetido em 31 de Agosto de 2011

Aceito em 15 de Novembro de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum

Estudo realizado no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Arnaldo Prata Barbosa
    UTIP-IPPMG/UFRJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2011
    • Aceito
      15 Nov 2011
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