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Estratégia de detecção precoce e redução de mortalidade na sepse grave

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o impacto da aplicação de uma política institucional para detecção da sepse grave ou choque séptico. MÉTODOS: Estudo antes (fase I)/depois (fase II) com coleta prospectiva de dados em hospital público de 195 leitos. Fase I: Pacientes com sepse grave ou choque séptico foram incluídos consecutivamente durante 15 meses e tratados conforme diretrizes da Campanha Sobrevivendo à Sepse. Fase II: Nos 10 meses subseqüentes, pacientes com sepse grave ou choque séptico foram arrolados a partir da busca ativa de sinais sugestivos de infecção nos pacientes internados. As duas fases foram comparadas entre si no que diz respeito às variáveis demográficas, tempo necessário para reconhecimento de pelo menos dois sinais sugestivos de infecção (Δt-SSI), aderência aos pacotes de 6 e 24 horas, e mortalidade. RESULTADOS: Foram identificados 124 pacientes com sepse grave ou choque séptico, 68 na fase I e 56 na fase II. As variáveis demográficas foram semelhantes nas fases. O Δt-SSI foi de 34 ± 54 horas na fase I e 7 ± 8,4 horas na fase II (p < 0,001). Não houve diferença na aderência aos pacotes de tratamento. Paralelamente, observou-se redução significativa das taxas de mortalidade ao 28º dia (54,4% na fase I versus 30% na fase II; p < 0,02) e hospitalar (67,6% na fase I versus 41% na fase II; p < 0,003). CONCLUSÃO: A estratégia utilizada contribuiu para a identificação antecipada do risco de sepse e resultou em diminuição da mortalidade associada à sepse grave e ao choque séptico.

Choque séptico; Choque séptico; Choque séptico; Sepse; Sepse; Sepse


OBJECTIVE: To evaluate the impact of implementing an institutional policy for detection of severe sepsis and septic shock. METHODS: Study before (stage I), after (stage II) with prospective data collection in a 195 bed public hospital.. Stage I: Patients with severe sepsis or septic shock were included consecutively over 15 months and treated according to the Surviving Sepsis Campaign guidelines. Stage II: In the 10 subsequent months, patients with severe sepsis or septic shock were enrolled based on an active search for signs suggesting infection (SSI) in hospitalized patients. The two stages were compared for demographic variables, time needed for recognition of at least two signs suggesting infection (SSI-Δt), compliance to the bundles of 6 and 24 hours and mortality. RESULTS: We identified 124 patients with severe sepsis or septic shock, 68 in stage I and 56 in stage II. The demographic variables were similar in both stages. The Δt-SSI was 34 ± 54 hours in stage I and 7 ± 8.4 hours in stage II (p <0.001). There was no difference in compliance to the bundles. In parallel there was significant reduction of mortality rates at 28 days (54.4% versus 30%, p <0.02) and hospital (67.6% versus 41%, p <0.003). CONCLUSION: The strategy used helped to identify early risk of sepsis and resulted in decreased mortality associated with severe sepsis and septic shock.

Shock, septic; Shock, septic; Shock, septic; Sepsis; Sepsis; Sepsis


ARTIGO ORIGINAL

Estratégia de detecção precoce e redução de mortalidade na sepse grave

Glauco Adrieno WestphalI; Janaína FeijóII; Patrícia Silva de AndradeIII; Louise TrindadeII; Cezar SuchardIV; Márcio Andrei Gil MonteiroIV; Sheila Fonseca MartinsV; Fernanda NunesV; Milton Caldeira FilhoVI

IDoutor, Preceptor da Residência de Medicina Intensiva do Hospital Municipal São José - HMSJ - Joinville (SC), Brasil

IIResidente de Medicina Intensiva do Hospital Municipal São José - HMSJ - Joinville (SC), Brasil

IIIMédico da Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital Imperial de Caridade, Florianópolis (SC), Brasil

IVAcadêmico do 6°ano de Medicina da Universidade da Região de Joinville, Joinville (SC), Brasil

VEnfermeira do Centro de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal São José - HMSJ - Joinville (SC), Brasil

VIMedico da Unidade de Terapia Intensiva Geral e Coordenador da Residência de Medicina Intensiva do Hospital Municipal São José - HMSJ - Joinville (SC), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Janaina Feijó Rua Profª Ana Maria Harger, 62 - apt. 201 Bairro Anita Garibaldi CEP: 89202-020 - Joinville (SC), Brasil Fone: (47) 9193-3374 Email: janafeijo@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o impacto da aplicação de uma política institucional para detecção da sepse grave ou choque séptico.

MÉTODOS: Estudo antes (fase I)/depois (fase II) com coleta prospectiva de dados em hospital público de 195 leitos. Fase I: Pacientes com sepse grave ou choque séptico foram incluídos consecutivamente durante 15 meses e tratados conforme diretrizes da Campanha Sobrevivendo à Sepse. Fase II: Nos 10 meses subseqüentes, pacientes com sepse grave ou choque séptico foram arrolados a partir da busca ativa de sinais sugestivos de infecção nos pacientes internados. As duas fases foram comparadas entre si no que diz respeito às variáveis demográficas, tempo necessário para reconhecimento de pelo menos dois sinais sugestivos de infecção (Δt-SSI), aderência aos pacotes de 6 e 24 horas, e mortalidade.

RESULTADOS: Foram identificados 124 pacientes com sepse grave ou choque séptico, 68 na fase I e 56 na fase II. As variáveis demográficas foram semelhantes nas fases. O Δt-SSI foi de 34 ± 54 horas na fase I e 7 ± 8,4 horas na fase II (p < 0,001). Não houve diferença na aderência aos pacotes de tratamento. Paralelamente, observou-se redução significativa das taxas de mortalidade ao 28º dia (54,4% na fase I versus 30% na fase II; p < 0,02) e hospitalar (67,6% na fase I versus 41% na fase II; p < 0,003).

CONCLUSÃO: A estratégia utilizada contribuiu para a identificação antecipada do risco de sepse e resultou em diminuição da mortalidade associada à sepse grave e ao choque séptico.

Descritores: Choque séptico/diagnóstico; Choque séptico/terapia; Choque séptico/mortalidade; Sepse/diagnóstico; Sepse/terapia; Sepse/mortalidade

INTRODUÇÃO

Sepse é o conjunto de reações, por vezes dramáticas e catastróficas, desenvolvidas pelo ser humano em resposta à invasão de microorganismos patogênicos. É uma síndrome clínica que se manifesta em espectros distintos de gravidade. Caso não diagnosticada e tratada corretamente, pode agravar-se com o decorrer do tempo. Usualmente, o início do quadro clínico se manifesta com alterações inespecíficas e sutis dos sinais vitais como taquicardia e taquipnéia.(1-4)

Por suas manifestações, grosso modo, não serem marcadas por um ictus como acontece no infarto agudo do miocárdio (IAM) ou no acidente vascular isquêmico cerebral (AVCi), a sepse freqüentemente passa despercebida até estágios avançados, mesmo dentro de ambientes hospitalares.(4)

O diagnóstico da síndrome séptica é clinico, baseando-se nas alterações que constituem a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). Foi definida em 1991 pelo American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference Committee como um conjunto de pelo menos duas das seguintes manifestações: a) febre ou hipotermia; b) taquicardia; c) taquipnéia; d) leucocitose ou leucopenia. É condição aguda ocasionada pela liberação sistêmica de mediadores inflamatórios e ativação generalizada do endotélio, gerando quebra da homeostase com comprometimento e disfunção de órgãos distantes do foco primário. Reflete o grau de estresse orgânico associado a diversas condições clínicas como: trauma, queimaduras, pancreatite aguda grave, intervenção cirúrgica, terapia transfusional e infecção. Quando a SIRS é secundária à infecção, o diagnóstico é sepse. A sepse é considerada grave quando há pelo menos uma disfunção orgânica associada e, se persistir hipotensão apesar da administração hídrica vigorosa, trata-se de choque séptico.(1)

A adoção de estratégias terapêuticas propostas pela Campanha de Sobrevivência à Sepse (CSS), que incluem reperfusão tecidual e controle do foco infeccioso precoces,(2,5,6) comprovadamente resultam em redução da mortalidade.(7-14) Em nosso hospital, assim como em outras instituições brasileiras, apesar da adesão à CSS as taxas de mortalidade mantiveram-se inaceitavelmente elevadas.(15-17) É possível que este fato fosse ocasionado pelo atraso na realização do diagnóstico da sepse. A não identificação do quadro de sepse impede a instituição do tratamento adequado, resulta em progressão para múltiplas disfunções orgânicas, e compromete gravemente o prognóstico dos pacientes.(16) Assim, a busca contínua pela detecção de sinais de SIRS e de disfunções orgânicas durante a verificação rotineira dos sinais vitais poderia implicar no reconhecimento dos pacientes com risco de sepse. Neste contexto, propusemos um processo institucional simples com a finalidade de facilitar o reconhecimento da sepse grave ou do choque séptico em nosso hospital.

O objetivo deste estudo foi verificar se a ênfase institucional para identificação do risco de sepse pode antecipar o reconhecimento da sepse grave ou choque séptico e repercutir no seu prognóstico.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo antes/depois (fase I/fase II) realizado no período de agosto de 2005 a setembro de 2007 nas enfermarias do departamento de emergência e unidades de terapia intensiva (UTI) do Hospital Municipal São José (HMSJ), Joinville, Santa Catarina, Brasil. O HMSJ é um hospital geral e público com 195 leitos de internação geral e 2 UTI que totalizam 14 leitos. Não foi obtido consentimento informado considerando tratar-se de um programa institucional de atendimento aos pacientes. Foram incluídos pacientes detectados em qualquer setor do hospital com diagnóstico de sepse grave ou choque séptico. Como critérios de exclusão, considerou-se a presença de doença terminal ou choque de outras etiologias.

O estudo compreendeu dois períodos distintos (fase I e fase II), que se diferenciaram pela estratégia de triagem de pacientes com risco de sepse. Na fase I (15 meses) foram incluídos consecutivamente pacientes com sepse grave ou choque séptico tratados conforme as recomendações da CSS. A estratégia de diagnóstico e tratamento se dividiu em 3 partes, detalhadas no quadro 1. (17)


Na fase II (10 meses) os pacientes com sepse grave ou choque séptico passaram a ser identificados a partir de uma estratégia de busca ativa de sinais sugestivos de infecção (SSI) em todos os pacientes internados no hospital. Foi criado um novo formulário para registro dos SSI (Anexo 1 Anexo 1 ) agrupando sinais vitais e eventuais sinais clínicos de disfunção orgânica de todos os pacientes em cada enfermaria. O registro de pelo menos dois SSI neste formulário era prontamente informado ao enfermeiro responsável pelo setor que preenchia o formulário de triagem (Anexo 2 Anexo 2 ). Um único técnico de enfermagem em cada enfermaria era responsável pela tarefa. Após avaliação inicial do enfermeiro responsável pelo setor, a enfermagem da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) era notificada para avaliação e acompanhamento do caso. O médico de plantão (residente de clínica médica) era imediatamente chamado quando confirmada a suspeita de sepse (Anexo 2 Anexo 2 ). Ao definir o diagnóstico, iniciava-se os pacotes terapêuticos de 6 e de 24 horas (Anexos 3 Anexos 3 e 4 4 ) conforme orientação da CSS (Figura 1).


Enfermeiros e médicos residentes de medicina intensiva e de clínica médica do HMSJ receberam treinamento e tiveram supervisão dos intensivistas, para que os doentes fossem tratados adequadamente em qualquer enfermaria. É comum no nosso hospital, como em muitos outros do país, a falta de leitos de UTI. Para tanto realizamos seguidas reuniões de treinamento a fim de que todos entendessem o que é sepse grave/choque séptico, destacando-se a importância da alteração dos sinais vitais.

Os grupos de pacientes gerados na fase I e fase II foram comparados entre si com base nos seguintes aspectos: idade, sexo, proveniência (enfermarias, UTI, pronto socorro), tempo decorrido entre o primeiro registro (em prontuário) de pelo menos dois SSI e o momento do diagnóstico da sepse grave (Δt-SSI), escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II), aderência completa aos pacotes de 6 e de 24 horas, permanência na UTI e hospitalar, mortalidade ao 28º dia e intra-hospitalar.

Para o tratamento estatístico dos dados, utilizou-se os programas NCSS: Statistical Software 2000 & PASS 2000: Power Analysis e Sample Size e GraphPad Prism 4. Variáveis contínuas estão apresentadas em seus valores médios ± desvio padrão e comparadas utilizando-se o teste t de Student. As variáveis categóricas foram expressas em seus valores absolutos e relativos e comparadas com o teste Qui-quadrado. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Trezentos setenta e oito pacientes foram avaliados consecutivamente. Durante a fase I, identificaram-se 76 pacientes com sepse grave ou choque séptico, dos quais 8 foram excluídos por não terem perspectiva terapêutica relacionada à doença de base. Na fase II, 240 pacientes tinham dois ou mais sintomas sugestivos de infecção. Sessenta e dois pacientes apresentavam critérios de sepse grave (n = 26) ou choque séptico (n = 30) e 6 foram excluídos. Ou seja, na segunda fase do estudo, para cada 2,7 pacientes com pelo menos dois sinais sugestivos de infecção, um paciente apresentava sepse grave ou choque séptico (Figura 2).


Os grupos de pacientes da fase I e da fase II eram semelhantes entre si no que diz respeito à idade, sexo e APACHE II no momento do diagnóstico. A aderência aos pacotes terapêuticos de 6 e de 24 horas foi semelhante nas duas fases, enquanto o Δt-SSI foi menor na fase II (p < 0,001). Nesta fase, o número de detecções de sepse grave ou choque séptico foi significativamente maior nas enfermarias (p < 0,02). Concomitante à detecção mais precoce, houve queda significativa da mortalidade ao 28º dia (p < 0,02) e hospitalar (p < 0,003). Nota-se ainda que o tempo de internação na UTI e hospitalar não diferiu significativamente entre as fases (Tabela 1).

Observou-se que a dosagem de lactato (p < 0,001) e de creatinina (p < 0,001), a oligúria (p < 0,001) e a hipotensão (p< 0,008) estiveram significativamente mais presentes nos pacientes da fase I.

A tabela 2 expõe as comparações entre sobreviventes e não sobreviventes nas duas fases do estudo. Quando comparamos o total de sobreviventes ao total de não sobreviventes observa-se que idade, APACHE II, número de pacientes com choque séptico, número de pacientes do sexo masculino e o tempo de detecção da sepse grave foram significativamente maiores entre os não-sobreviventes. O tempo de permanência hospitalar foi significativamente menor entre os não sobreviventes.

O escore APACHE II foi evidentemente maior entre os não sobreviventes quando comparado aos sobreviventes nas duas fases. Na fase II, o Δt-SSI foi menor tanto entre os sobreviventes quanto entre os não sobreviventes. O tempo de detecção dos sobreviventes foi semelhante nas duas fases (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo demonstram que a sistematização da busca por sinais sugestivos de infecção torna precoce o diagnóstico da sepse e implica na redução da mortalidade relacionada a esta doença.

Várias evidências apresentadas nas últimas décadas apontam claramente que o atendimento rápido e sistematizado de situações clínicas como IAM, AVCi e trauma resulta em impressionante redução nas mortes a elas associadas. No entanto, a mortalidade relacionada à sepse grave e choque séptico não sofreu alteração nos últimos 25 anos.(2,18- 23) No Brasil se apresenta maior que em outros países, 56% de mortalidade contra 30% em países desenvolvidos e 45% em outros países em desenvolvimento.(2,24) Possivelmente estas altas taxas são decorrentes do atraso na instituição da terapêutica, que tem grande participação na amplificação da resposta inflamatória e no desenvolvimento da disfunção de múltiplos órgãos (DMO). Pacientes que recebem tratamento, ainda que apropriado, após disfunção de múltiplos órgãos têm pior prognóstico.(13,14,25-28)

Há comprovação que intervenções terapêuticas como ressuscitação hemodinâmica e antibioticoterapia, estão associadas com menores taxas de mortalidade.(7-12,15) Deste modo, o tratamento ágil e adequado é a "pedra fundamental" para o sucesso na abordagem da sepse grave.(18-20)

A terapia precoce guiada por metas proposta por Rivers et al.(13), um protocolo de ressuscitação hemodinâmica precoce, proporcionou clara redução na mortalidade de pacientes com sepse grave e choque séptico. A base desta estratégia é tratar a hipóxia tissular global o mais rapidamente possível, com o objetivo de reverter o desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio para evitar o desenvolvimento de DMO.(13,26-28) Além disso, o controle do foco infeccioso com antibióticos de amplo espectro e/ou drenagem cirúrgica nas primeiras horas após o diagnóstico também têm grande impacto no prognóstico.(9,10)

Todos os pacientes atendidos na primeira fase deste estudo foram tratados conforme as diretrizes da CSS. Estas diretrizes determinam para o manejo do paciente seja agrupado em dois "pacotes" de condutas, os quais devem ser cumpridos até a sexta e a vigésima quarta hora, respectivamente "pacote de 6 horas" e "pacote de 24 horas"(5,6) Na primeira fase, a aderência a estes pacotes (6 horas = 17%; 24 horas = 30%) foi até superior à observada pela CSS no mundo (6 horas = 13%; 24 horas = 15%).(17) Apesar do bom desempenho no que diz respeito ao manejo da sepse grave, a mortalidade manteve-se inaceitavelmente alta (67,6%). Esta taxa era maior que a mortalidade brasileira observada no estudo PROGRESS (56%) anos antes da implantação da CSS.(24)

Provavelmente, a elevada taxa de mortalidade dos pacientes estava associada com o retardo na identificação do quadro séptico. Foi notório o grande intervalo de tempo necessário para detecção da sepse na fase I se comparado ao da fase II. É possível que deficiências organizacionais associadas à baixa especificidade dos sinais sistêmicos de infecção sejam as principais causas do atraso na realização do diagnóstico de sepse observado na primeira fase.

O escore APACHE II foi semelhante nas duas fases apesar da antecipação diagnóstica e da menor mortalidade observadas na fase II. Provavelmente a detecção precoce permitiu que os pacientes fossem identificados antes do agravamento da acidose lática, e de disfunções orgânicas como insuficiência renal e hipotensão não responsiva a volume. A consequente intervenção precoce implicou em reperfusão mais efetiva e interrupção do efeito "cascata" da sepse impedindo a evolução destas disfunções. Além disso, deve-se considerar um aspecto imensurável, o fator motivacional, que resultou em maior envolvimento coletivo em torno do paciente séptico e em melhor qualidade de atendimento (efeito Hawthorne).

Foi possível reproduzir os achados de outros estudos que demonstraram redução da mortalidade a partir da adoção das diretrizes da CSS.(7,8,11-16) Na segunda fase, mesmo não tendo havido aumento na aderência aos pacotes, a mortalidade diminuiu consideravelmente, demonstrando que o prognóstico não depende apenas do cumprimento dos pacotes terapêuticos, mas também da precocidade do diagnóstico.

Com certeza a subjetividade e a sutileza dos sinais de inflamação retardam o diagnóstico de sepse em alguns pacientes, sem foco evidente de infecção, nas fases iniciais da síndrome.(1,5,6,29-31) Ao mesmo tempo o consenso internacional que revisou os critérios de SIRS concluiu que: "...estes critérios são excessivamente sensíveis e não específicos".(29,30) Estes fatos tornam ainda mais difícil identificar e lidar com esta síndrome comum e letal. Neste contexto, adicionamos ao protocolo de triagem da sepse, além da análise da leucometria mais recente, manifestações que denotassem disfunção orgânica e que pudessem ser detectadas clinicamente. É provável que o aumento da sensibilidade gerada por este modelo de triagem tenha facilitado a identificação antecipada de alterações fisiológicas associadas à atividade infecciosa.

Apesar da falta de especificidade dos discretos sinais diagnósticos dificultarem a antecipação do reconhecimento da sepse, a implantação da busca sistematizada de sinais de SIRS e/ou disfunções orgânicas em todos os setores do hospital corrigiu falhas operacionais. Tal correção foi baseada no resgate da importância do cuidado com o paciente, do papel assistencial de cada profissional envolvido no cuidar e da importância dos sinais vitais como marcadores de alerta.(31) Alterações dos sinais vitais devem ser prontamente relatadas pela enfermagem e devidamente valorizadas pelo médico. Investigar a causa desta alteração e avaliar a necessidade de tratamento agressivo é crucial.

CONCLUSÃO

A adoção de uma estratégia institucional multidisciplinar focada na identificação antecipada de pacientes com risco de sepse impede a evolução da síndrome para estágios mais graves, e resulta em diminuição do risco de morte associado à sepse grave e ao choque séptico.

Submetido em 30 de Março de 2009

Aceito em 12 de Maio de 2009

Recebido do Hospital Municipal São José - HMSJ - Joinville (SC), Brasil.

Anexo 1

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Anexo 2

Anexo 2 - Clique para ampliar Anexo 2

Anexos 3

Anexo 3 - Clique para ampliar Anexos 3

4

Anexo 4 - Clique para ampliar 4

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Anexo 1

Anexo 2

Anexos 3

4

  • Autor para correspondência:
    Janaina Feijó
    Rua Profª Ana Maria Harger, 62 - apt. 201
    Bairro Anita Garibaldi
    CEP: 89202-020 - Joinville (SC), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Maio 2009
    • Recebido
      30 Mar 2009
    Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
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