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NEGOCIAR A VIDA? negociações coletivas durante a pandemia no Brasil

NEGOTIATE LIFE? collective bargaining during the pandemic in Brazil

NÉGOCIER LA VIE? négociation collective pendant la pandémie au Brésil

Resumos

Este estudo busca avaliar como o movimento sindical respondeu aos desafios da crise sanitária, tendo como objeto as negociações coletivas ocorridas entre março de 2020 e inícios de 2021. A pergunta central a ser respondida é: os sindicatos conseguiram construir teias de proteção para seus representados, na forma de normas coletivas pactuadas com os patrões? A pertinência da pergunta decorre de que a reforma trabalhista de 2017 fragilizou imensamente a capacidade de ação do trabalho organizado, ao acabar com o imposto sindical e limitar a negociação coletiva de formas consensuais de financiamento, com isso empobrecendo os sindicatos; e ao reduzir o escopo dos temas passíveis de negociação coletiva, algo agravado pelas medidas provisórias do governo federal, voltadas para facilitar a resposta dos empresários à crise, à custa da renda dos trabalhadores. O estudo empírico se baseia em resultados da negociação coletiva de quatro categorias de trabalhadores essenciais: comerciários do ramo de alimentos e supermercados, enfermeiros, motoristas de caminhão e bancários.

Negociação coletiva; Pandemia; Reforma trabalhista; Trabalhadores essenciais; Movimento sindical


This paper analyzes how the union movement faced the challenges imposed by the Covid-19 pandemic, investigating the collective bargaining that took place between March 2020 and early 2021. Its core question inquires: have unions been able to build webs of protection for their members, in the form of collective norms agreed upon with employers? A pertinent question, since the 2017 labor reform immensely weakened the capacity of organized labor to act, by ending the union tax and limiting collective bargaining to consensual forms of funding, thereby impoverishing unions; and by reducing the scope of issues subject to collective bargaining, which was aggravated by the federal provisional measures aimed at facilitating the business response to the crisis, at the expense of workers’ income. The empirical research is based on collective bargaining results from four categories of essential workers: food and supermarket retailers, nurses, truck drivers, and bank clerks.

Collective bargaining; Pandemic; Labor reform; Essential workers; Union movement


Cette étude évalue comment le mouvement syndical a répondu aux défis de la crise sanitaire, ayant pour objet les négociations collectives qui se sont déroulées entre mars 2020 et début 2021. La question centrale à laquelle il faut répondre est : les syndicats parviennent-ils à construire des toiles de protection pour ceux qu’ils représentent, sous la forme de normes collectives convenues avec les patrons ? La question est pertinente car la réforme du travail de 2017 a immensément affaibli la capacité d’action des travailleurs organisés, en supprimant la taxe syndicale et en limitant la négociation collective des formes consensuelles de financement, appauvrissant ainsi les syndicats ; et en réduisant le champ des sujets soumis à la négociation collective, ce qui a été aggravé par les mesures provisoires du gouvernement fédéral, visant à faciliter la réponse des hommes d’affaires à la crise, au détriment des revenus des travailleurs. L’étude empirique est basée sur les résultats des négociations collectives de quatre catégories de travailleurs essentiels : les commerçants de l’alimentation et des supermarchés, les infirmières, les camionneurs et les employés de banque.

Négociation collective; Pandémie; Réforme du travail; Travailleurs essentiels; Mouvement syndical


No momento em que o desemprego acelera e aumenta a cada dia, e em que a fome volta [ao nosso país] , o trabalhador enfrenta o seguinte dilema: “ou fico em casa com fome com minha família, ou corro o risco de morrer [de Covid-19] para trazer comida para casa” 1 1 Da entrevista com um diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, realizada em 12 de abril de 2021 para este estudo.

INTRODUÇÃO 2 2 Gostaria de agradecer a Iram Jácome Rodrigues, Luiz Azevedo, Marilane Teixeira, Mario Enrique Ladosky, Patrícia Trópia e Roberto Véras de Oliveira por me apresentarem a alguns dos entrevistados e por compartilharem comigo suas pesquisas sobre os temas analisados. Clemente Ganz Lúcio e Luís A. C. Costa (do DIEESE) e Marcos Hecksher (IPEA) me facultaram dados e análises cruciais. José Dari Krein, José Ricardo Ramalho, Marilane Teixeira e Renata Dutra foram interlocutores importantes.

A pandemia da covid-19 afetou múltiplas dimensões da vida no planeta. Relações familiares e de amizade, educação dos mais jovens, possibilidades de lazer, saúde física e mental (individual e coletiva), sociabilidade no mundo da vida… Ela criou desafios para a gestão das cidades, estados e países, gerou tensões nas relações internacionais, deu origem a uma geopolítica das vacinas e das melhores estratégias de enfrentamento da doença. Testou a resiliência dos governantes, em toda parte premidos pelos dogmas neoliberais e sua catilinária pela austeridade e o Estado mínimo, numa situação que exige sistemas eficazes e dispendiosos de saúde pública. Interpelou lideranças e organizações da sociedade civil, testou a solidez das instituições democráticas… E está matando milhões de pessoas.

O mundo do trabalho ocupa lugar especial nesse conjunto de dimensões. A estrutura econômica é o principal componente causal de oportunidades de vida em qualquer sociedade, porque em seu movimento gera a riqueza e a renda socialmente distribuídas. E é nesse movimento que as pessoas que vivem de seu trabalho, a imensa maioria da população, obtêm e constroem meios de adquirir meios de vida. Uma pandemia como a do vírus SARS-CoV-2, de alta transmissibilidade pelo contato pessoal e pelo ar, com taxas elevadas de mortalidade, sobretudo, mas não apenas, de pessoas mais velhas, solapa muitas das condições de funcionamento dessa estrutura, obrigando a suspensão de atividades, quarentenas prolongadas, isolamento social ou mesmo severos lockdowns . Tudo isso afeta sobremaneira as pessoas que vivem do seu trabalho.

O objetivo deste estudo é avaliar como o movimento sindical respondeu aos desafios da crise sanitária, tendo como objeto as negociações coletivas ocorridas entre março de 2020 e inícios de 2021. A pergunta central a responder é: os sindicatos conseguiram construir teias de proteção para seus representados, na forma de normas coletivas pactuadas com os patrões? A pertinência da pergunta decorre de que a reforma trabalhista de 2017 fragilizou imensamente a capacidade de ação do trabalho organizado, ao acabar com o imposto sindical e limitar a negociação coletiva de formas consensuais de financiamento, com isso empobrecendo os sindicatos ( Galvão, 2019GALVÃO, A. Reforma trabalhista: efeitos e perspectivas para os sindicatos. In: KREIN et al. (ed.). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019. p. 199-223. ). Além disso, reduziu o escopo dos temas passíveis de negociação coletiva, algo agravado pelas medidas provisórias do governo federal, voltadas para facilitar a resposta dos empresários à crise à custa da renda dos trabalhadores ( Krein et al. 2021KREIN, J. D. et al. (org.). Negociações coletivas pós reforma trabalhista (2017). São Paulo: Cesit, 2021. ).

Para responder à pergunta, o artigo divide-se em cinco seções além desta introdução. Na primeira, apresento um brevíssimo histórico da negociação coletiva no Brasil, num sistema de relações de trabalho que, historicamente, teve predominância da lei como principal espaço normativo ( Noronha, 2000NORONHA, E. G. Entre a Lei e a Arbitrariedade: mercados e relações de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2000. ), algo profundamente transformado pela reforma trabalhista de 2017. Em seguida, ofereço alguns fatos estilizados do movimento geral da negociação coletiva na última década, com isso introduzindo o caso da negociação na pandemia, objeto da seção seguinte. Nela mostro que prevaleceram as medidas provisórias que transferiram aos patrões poder unilateral para responder à crise, mas que ainda assim não poucos sindicatos conseguiram mitigar os efeitos mais perniciosos das medidas provisórias do governo. Na seção seguinte, analiso o conteúdo das negociações em quatro categorias de trabalhadores da “linha de frente” de enfrentamento da pandemia: comerciários do setor de alimentos, enfermeiros/as, caminhoneiros e bancários. Aludo à importância decisiva do Ministério Público do Trabalho no enfrentamento da pandemia por parte dos enfermeiros e ao papel central jogado pelas Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança no Trabalho (NR). Na seção final, conclusiva, apresento breve ensaio sobre o futuro do trabalho no mundo pós-pandêmico.

NOTA METODOLÓGICA

Entrevistei para este estudo dirigentes sindicais de 17 categorias de trabalhadores e cinco de empregadores entre março e junho de 2021. Analisei 611 Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho retirados do Sistema Mediador, do Ministério do Trabalho e Previdência, cobrindo de março de 2020 a fevereiro de 2021, além de alguns coletados ao acaso em anos esparsos, quando importantes para o tópico estudado. E conversei de forma menos ou mais formal com os e as colegas nomeados/as na nota de agradecimento.

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO BRASIL: brevíssimo apanhado histórico

Até a reforma trabalhista de 2017, o modelo brasileiro de relações de trabalho se caracterizava por ser legislado, em oposição a modelos contratuais nos quais a negociação coletiva dita as regras dos encontros entre capital e trabalho ( Noronha, 2000NORONHA, E. G. Entre a Lei e a Arbitrariedade: mercados e relações de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2000. ; Cardoso e Lage, 2007CARDOSO, A.; LAGE, T. As normas e os fatos: desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007. ). A lei definia (e ainda define em grande medida) os temas e o escopo da maior parte das ações do trabalho organizado, de tal forma que as lutas sindicais foram amplamente orientadas para a aplicação das leis existentes. Nesse quadro, em muitos sentidos as identidades coletivas dos trabalhadores foram construídas tendo por parâmetro o horizonte normativo do direito do trabalho (Paoli, 1986; Cardoso, 2010CARDOSO, A. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro FGV, 2010. ).3 3 Tavares de Almeida (1988) , por exemplo, mostra que a maioria das cláusulas dos instrumentos de NC por ela analisadas apenas reproduziam, literalmente, artigos da Consolidação da Lei do Trabalho (CLT). Ver ainda Horn (2009) .

Contudo, a partir do final da década de 1970, após 15 anos de regime militar, a negociação coletiva ampliou seu papel e tornou-se muito importante na definição de níveis salariais, formas de participação nos lucros, benefícios adicionais, condições de trabalho (inclusive jornada, saúde e segurança no trabalho) e muitos outros temas. Em setores cruciais (como bancos, alguns ramos de indústria com altas taxas de filiação sindical, petróleo, petroquímica, educação e serviços de saúde e outros), foram negociadas questões substantivas que criaram novos direitos trabalhistas, alguns dos quais se tornariam lei, como a jornada de trabalho de 44 horas semanais, questão negociada inicialmente pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo ( Krein, 2007KREIN, J. D. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 2007. ). Além disso, estudando 17 categorias profissionais no estado do Rio Grande do Sul, Horn (2009)HORN, C. H. Negociações coletivas e legislação estatal: uma análise comparada da regulação da relação de emprego de fins dos anos de 1970 ao plano Real. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 85, p. 173-199, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002009000300008.
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mostrou que, de 1978 a 1994, o número de cláusulas que criavam direitos para além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aumentou de uma média de apenas dois por instrumento coletivo para impressionantes 36,8 (ver também Costa, 2005COSTA, M. S. O Sistema de Relações de Trabalho no Brasil: alguns traços históricos e sua precarização atual. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 59, p. 11-170, 2005. ).

Consolidada na década de 1980, a negociação coletiva encontrou uma onda de flexibilização neoliberal na década seguinte. Em 1994, uma lei instituiu a participação dos trabalhadores nos lucros, o que flexibilizou uma parcela da remuneração. Em 1998, outra lei introduziu contratos por prazo determinado com direitos sociais e trabalhistas reduzidos. No entanto, em resposta à pressão do movimento sindical, a lei determinou que o processo de contratação deveria ser negociado coletivamente. Outras grandes mudanças ocorreram no final da década de 1990, como a introdução do “banco de horas”, que flexibilizou a jornada de trabalho. 4 4 Com o banco de horas, as horas-extras trabalhadas passaram a ser “economizadas” para ser descontadas em favor dos empregados em algum momento no futuro, cujo período de tempo deve ser negociado coletivamente, não podendo exceder 12 meses. Mas os trabalhadores também podem se tornar devedores se faltarem por motivo injustificado ou se a empresa decidir suspender suas operações por determinado período etc. Os contratos de trabalho a tempo parcial foram legalizados, permitindo até 25 horas de trabalho por semana, com menos direitos trabalhistas. Foi legalizada a suspensão temporária dos contratos de trabalho, pela qual os trabalhadores poderiam ter seus contratos suspensos por até 12 meses e receber um subsídio (do governo) para participar de programas de qualificação. Também foram editadas medidas para fomentar a autocomposição de conflitos e coibir demandas à justiça do trabalho.5 5 Análises aprofundadas das mudanças nos anos 1990 podem ser encontradas em Oliveira (2002) , Galvão (2003) e Krein (2007) , dentre outros.

Embora essas medidas tenham transferido poder para que os empregadores pudessem decidir unilateralmente sobre questões cruciais das relações cotidianas de trabalho (incluindo jornada e contratos de trabalho flexíveis), muitas delas deviam ser negociadas coletivamente (como participação nos lucros e banco de horas). Mas, como mostrado em Cardoso e Gindin (2009)CARDOSO, A.; GINDIN, J. J. Industrial relations and collective bargaining: Argentina, Brazil and Mexico compared. Industrial and Employment Relations Department/International Labour Office. Geneva: International Labour Office, 2009. , e mais recentemente em Krein et al. (2021b), em boa parte dos casos tratou-se de negociações por concessão, pois mesmo sindicatos importantes e fortes em todo o país tiveram que renunciar a direitos substantivos conquistados na década de 1980 (vf. Carvalho Neto, 2001).

Na verdade, para a maioria dos sindicatos de trabalhadores envolvidos (com exceções importantes), a década de 1990 apresentou um paradoxo. Por um lado, o processo de negociação mobilizou as energias de milhares de sindicatos todos os anos, negociando mais de 40 mil Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho que definiram os padrões de uso do trabalho da economia formal, cobrindo de 45% a 55% da população ocupada dependendo do ano ( Pochmann, 2001POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001. ). Mas, por outro lado, e embora a nova legislação presumivelmente tenha promovido a autocomposição de conflitos e a negociação coletiva, a negociação real – em uma década em que os sindicatos tiveram que enfrentar profunda crise em um ambiente neoliberal e inóspito, como mostram Boito Jr. (1999), Pochmann (2001)POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001. , Cardoso (2002)CARDOSO, A. Workers’ representation insecurity in Brazil: Global forces, local stress. SES Papers, Geneva, n. 28, p. 1-48, 2002. e outros – de fato reduziu os direitos negociados, tornando os trabalhadores mais dependentes da legislação trabalhista, agora mais flexível e menos protetiva. No entanto, é preciso concordar com Krein (2007KREIN, J. D. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 2007. , p. 60), para quem o processo de consolidação do movimento sindical e da negociação coletiva como instituições legítimas nas relações de trabalho seguiu se aprofundando.

Durante os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (2003-2016), nenhuma nova lei de flexibilização foi promulgada, e alguns decretos administrativos que haviam reduzido a presença do Ministério do Trabalho nas relações de trabalho foram derrogados.6 6 O número auditores fiscais do trabalho aumentou significativamente, as Comissões de Conciliação Prévia criadas sob F. H. Cardoso para reduzir demandas judiciais foram derrogadas, fomentou-se a fiscalização do trabalho infantil e escravo, bem como a formalização de contratos de trabalho informais etc. Para o caráter ambíguo (os autores chamam de contraditório) das ações do governo Lula em relação aos direitos dos trabalhadores, ver Krein e Biavaschi (2015) . Porém, as leis flexíveis aprovadas anteriormente não foram alteradas. Assim, a negociação coletiva, para além dos salários – a questão central de sempre –, ocorreu principalmente em torno da instanciação dessas leis: fixação do montante da participação nos lucros, das horas-extras, das férias remuneradas, do banco de horas, das normas de saúde e segurança no trabalho e outros, sendo que apenas as categorias mais organizadas continuaram ampliando os direitos previstos na CLT.

A reforma trabalhista que entrou em vigor em novembro de 2017 alterou profundamente as regras relativas à negociação coletiva e aos sindicatos. Com evidências claras de forte influência patronal na revogação de direitos longamente consolidados ( Krein et al., 2019KREIN, J. D.; VÉRAS DE OLIVEIRA, R.; FILGUEIRAS, V. A. Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: REMIR-Trabalho; Kurt Nimuendajú, 2019. ), a reforma prometia “aprimorar as relações de trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores” (conforme se lê na Exposição de Motivos do Projeto de Lei 6.787/16,7 7 BRASIL. Projeto de Lei n 6.787, de 2016 . Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2016. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01wjc7noijkz59uumykb4fgj0d15376149.node0?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016 , p. 7 Acesso em: 7 jun. 2022. que resultou na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, doravante Reforma Trabalhista).

Essa promessa está em profunda contradição com a lei realmente promulgada. Quanto à negociação coletiva, as principais medidas instituídas foram: a) prevalência da negociação individual ou coletiva sobre a lei em um importante conjunto de temas, desde jornada de trabalho a férias remuneradas, condições de trabalho e salários, plano de cargos e salários, trabalho remoto e outros (artigo 611-A da nova CLT); b) inversão da hierarquia das normas reguladoras, com prevalência dos acordos individuais sobre os coletivos, destes últimos sobre as convenções coletivas e dos três sobre a lei; c) proibição da ultratividade de acordos e convenções; d) aumento das questões que podem ser negociadas individualmente entre patrões e empregados, incluindo jornada de trabalho, banco de horas e licença remunerada; e) restrições legais à negociação coletiva das contribuições sindicais (desconto das contribuições em folha de pagamento apenas dos filiados aos sindicatos, e estes podem se opor ao desconto), clara medida antissindical, já que a mesma reforma extinguiu o imposto sindical.

A reforma também alterou regulamentos importantes, com a criação de novos tipos de contratos de trabalho precários, como o contrato intermitente (“zero horas”), pelo qual o trabalhador fica à disposição do empregador, mas é pago apenas pelas horas trabalhadas, se houver (caso contrário, ele não será pago); novas formas flexíveis de trabalho terceirizado, extrínsecas ao alcance da CLT, como os contratos de trabalho autônomo em que o trabalhador é contratado como empresa (“pejotização”), ainda que trabalhe lado a lado e faça as mesmas coisas que os demais; restrições ao acesso à justiça do trabalho, pois os trabalhadores podem ser obrigados a arcar com as custas judiciais caso percam as ações; permissão de jornada de trabalho de 12 × 36 horas para todas as atividades;8 8 Ou seja, 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Antes da reforma, isso era limitado a um pequeno número de atividades. Agora é permitido a todas. A questão deve ser negociada coletivamente. e muitas outras. Com a promessa de fomentar a negociação coletiva, na verdade o fundamento lógico da reforma foi aumentar imensamente o poder discricionário dos patrões nas relações de trabalho (Scherer, 2019; Krein et al. 2021b).

Um dos principais pilares do modelo legislado de relações de trabalho era o caráter irrenunciável do direito do trabalho: a negociação coletiva não poderia definir normas trabalhistas aquém das disposições legais. Portanto, a lei era o quadro normativo ex ante de todos os contratos individuais, existentes e novos. Com a reforma, o negociado tem prevalência sobre o legislado, e o direito do trabalho já não é irrenunciável, podendo ser livremente negociado entre as partes.

PERMANÊNCIAS

Seja como for, outros pilares do sistema permanecem inalterados. A negociação coletiva cobre apenas o setor privado formal (inclusive empresas estatais de capital misto). O sindicato tem direito à negociação coletiva, que é obrigatória pela Constituição (Art. 8º, inciso IV). Muitas normas da CLT devem ser negociadas coletivamente, e esse código do trabalho atesta que, caso provocados pela outra parte, trabalhadores e empregadores não podem se negar à negociação. As negociações devem ocorrer em datas-bases anuais ou bianuais, que costumavam ser determinadas pelo poder público (o Ministério do Trabalho), mas hoje são em sua maioria negociadas coletivamente.

A CLT determina que as normas negociadas não podem vigorar por mais de 2 anos; findo esse prazo, devem ser renegociadas.9 9 Algumas empresas negociam acordos coletivos por tempo mais longo, de até 5 anos, e no ínterim entre uma negociação e outra firmam termos aditivos para reajustes salariais e aspectos da organização do trabalho. É o caso de boa parte das montadoras de automóveis e de algumas outras grandes empresas, que têm, assim, segurança jurídica e horizonte para seus investimentos. Isso coloca o problema do possível vazio normativo, caso nova Convenção ou Acordo não seja negociada/o ao final desse período. Diante da judicialização da questão, em 2009, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou entendimento para nortear os tribunais trabalhistas de primeira instância, pelo qual as normas coletivas vigorariam apenas durante o período acordado. No entanto, em 2012 o tribunal alterou esse entendimento e acolheu a ultratividade dos acordos, isto é, as normas continuariam valendo até que sobreviesse nova negociação. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2016 negou essa possibilidade em liminar, homologada em 2020 pelo plenário do tribunal em vista da reforma de 2017, que proíbe explicitamente a ultratividade.10 10 Demanda histórica do movimento sindical trabalhador, a patronal Confederação Nacional da Indústria (CNI) sempre foi contrária ao estatuto da ultratividade, alegando que ela enrijece os acordos coletivos e inibe a negociação coletiva. Ver CNI (2016).

O processo de negociação foi, e ainda é, muito fragmentado, com baixíssimo grau de coordenação por entidades de cúpula, como federações, confederações e centrais sindicais.11 11 Carvalho Neto (2001) argumenta que a negociação coletiva no Brasil é centralizada, pois tem predominância de Convenções (válidas para toda a categoria profissional numa base territorial) sobre Acordos Coletivos (válidos apenas para algumas empresas). Mas concordo com Silva (2008) , que sustenta que o sistema é altamente descentralizado, algo que pretendo mostrar aqui. Coordenação mais centralizada se restringe a algumas categorias, como bancários, petroleiros, petroquímicos, metalúrgicos, comerciários de alguns estados e poucas outras. Para que se tenha uma ideia, até a crise econômica de 2015/16, o Sistema Mediador, ferramenta gerida pelo poder público na qual os sindicatos registram seus acordos e convenções coletivas, recebia de 40 mil a 50 mil instrumentos de negociação por ano, devido a situações como esta: o Hospital das Clínicas de Porto Alegre negociou, em 2020, Acordos Coletivos de Trabalho com sindicatos de enfermeiras, secretárias, assistentes sociais, nutricionistas, técnicos de segurança do trabalho, engenheiros, administradores, farmacêuticos e outros, cada profissão estabelecendo seus próprios padrões de trabalho dentro do mesmo hospital, mas replicando, instrumento após instrumento, a maioria das cláusulas não salariais (como vale-refeição, vale-transporte e outros). O processo é caro, demorado e cansativo para todas as partes envolvidas.

Outra característica duradoura da negociação coletiva no Brasil é o fato de que os sindicatos costumam negociar Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) com os respectivos sindicatos patronais, definindo parâmetros mínimos para as relações de trabalho para toda a base territorial, principal mas não exclusivamente relacionados a cláusulas salariais (pisos salariais – ou salários normativos –, horas extras, adicional noturno, por insalubridade e demais benefícios indiretos) e, posteriormente, Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) com empresas de médio e grande porte em busca de melhores salários ou outros ganhos. Mas mesmo uma CCT pode ser muito extensa e completa, estabelecendo padrões de trabalho em temas como contratos de trabalho de estagiários e aprendizes, qualificação e treinamento, promoções, avaliação de desempenho, direitos das mulheres (aleitamento, licença maternidade), assédio moral ou sexual, igualdade de oportunidades independentemente de raça, gênero ou deficiência, creche e muitos outros.12 12 Por exemplo, em setembro de 2011, quatro sindicatos de metalúrgicos e cinco sindicatos de outras profissões (incluindo administradores e engenheiros) em diferentes cidades de Minas Gerais, negociaram uma CCT com treze sindicatos patronais, compreendendo 101 cláusulas, das quais apenas 20% regulavam questões pecuniárias (incluindo salários e uma miríade de benefícios adicionais). O instrumento tem o número MG001258/2010 no Sistema Mediador.

Em suma, a negociação coletiva tornou-se muito importante no país ao longo das últimas décadas, mas existem outros “espaços normativos” ( Noronha, 2000NORONHA, E. G. Entre a Lei e a Arbitrariedade: mercados e relações de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2000. ) que desempenham papel crucial, como o direito do trabalho (na forma de legislação, instruções normativas e administrativas e decretos emanados de autoridade pública etc.) e também o poder discricionário das empresas, todos importantes durante a pandemia.

A NEGOCIAÇÃO COLETIVA: fatos estilizados

A negociação coletiva é vigorosa no Brasil. O número de instrumentos negociais cadastrados no Sistema Mediador entre 2012 a 2017 teve média anual de 48.173, entre Acordos e Convenções (desvio padrão = 1.112). No período de 2018-2020, pós-reforma trabalhista, a média caiu para 39.844 (desv. pad. = 2.749), ou 17,3% a menos ( Gráfico 1 ).13 13 Estou considerando os instrumentos registrados a cada ano. Inclui instrumentos acordados no ano e instrumentos acordados antes e registrados no ano, mesmo que não tenham mais validade. Cerca de 12 mil instrumentos são registrados após o ano de referência, então os números para 2020 podem aumentar. Isso reduziria a diferença média entre os dois períodos, mas não a ponto de torná-la irrelevante. Ainda assim, os números são portentosos, permanecendo altos mesmo durante o primeiro ano da pandemia.

Gráfico 1
Número de instrumentos de negociação registrados no Sistema Mediador - Brasil, 2012-2020

A relação entre Acordos e Convenções é de aproximadamente 6/1 (seis acordos para cada convenção), e uma vez que os Acordos por empresa são mais flexíveis do que as Convenções (de categoria) e que a nova lei trabalhista estabelece que acordos podem derrogar uma convenção e até mesmo a lei, seria de se esperar um aumento no número de ACT após a reforma trabalhista, e principalmente durante a pandemia, pois as Medidas Provisórias (MPs) promulgadas pelo governo federal durante a crise sanitária ampliaram ainda mais as questões que poderiam ser negociadas. No entanto, isso não aconteceu.

O número de ACT registrados em 2018, primeiro ano pós-reforma, foi 11% menor do que em 2017 (6.845 contra 7.721 instrumentos, incluindo termos aditivos aos contratos existentes), enquanto em 2020 foi 17% menor (em relação a 2017), mesmo se considerado o forte aumento no número de termos aditivos a acordos por conta da pandemia (perto de 60% a mais em relação a 2017, segundo a mesma fonte do Gráfico 1 ).14 14 Acordos e convenções são negociados em uma data-base, e quando a pandemia surgiu, em março de 2021, milhares de instrumentos estavam em vigor, acordados antes de março. Mais de 2.000 termos aditivos a ACT e CCT foram negociados entre março e junho de 2020, um recorde histórico (fonte: Sistema Mediador).

Ainda assim, não é de somenos que, mesmo durante uma pandemia que matou cerca de 200 mil brasileiros em 2020, o sistema de relações de trabalho do país tenha dado lugar a mais de 36 mil negociações coletivas, estabelecendo as normas que regulam as relações formais de trabalho de milhões de brasileiros/as.

NEGOCIANDO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

Para fazer frente à pandemia de covid-19, o Governo Federal promulgou uma série de Medidas Provisórias (MP) para facilitar a capacidade de os empregadores responderem unilateralmente à crise. As mais importantes foram a MP 927, que isentava os patrões de negociar coletivamente home office (ou teletrabalho), a antecipação de licenças individuais remuneradas ou adoção de férias coletivas, a antecipação de feriados, banco de horas, a suspensão de obrigações administrativas relativas à saúde e segurança no trabalho (as Normas Regulamentadoras – NR), permitindo ambientes de trabalho inseguros, entre outros; e a MP 936, que decretou o Programa Emergencial de Proteção ao Emprego e Renda, instituindo: a) a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por tempo determinado, recebendo os trabalhadores uma fração de seus salários, variável segundo os níveis salariais habituais; b) possibilidade de redução da jornada de trabalho de 25% a 75%, com redução proporcional dos salários; e c) o Benefício Emergencial de Preservação de Emprego e Renda (com o singelo acrônimo de BEm) para trabalhadores que tivessem seus contratos de trabalho e salários suspensos. Os trabalhadores abrangidos por essas suspensões/reduções teriam estabilidade no emprego durante esse intervalo, e por igual período de tempo após a reintegração. Ambas as MPs foram fortemente elogiadas pelas associações empresariais como medidas corretas para salvar empresas e empregos.15 15 Como afirma o presidente da CNI, entrevistado para este estudo, as medidas da MP 936 “combinavam a preservação dos empregos, com o recebimento, pelos empregados, de um benefício emergencial pago pelo Governo Federal (BEm). Com isso, apesar da crise sanitária, o Brasil em 2020 ainda apresentava um saldo positivo de geração de empregos”. A última afirmação não procede, porém. Os trabalhadores com carteira assinada, únicos cobertos por negociação coletiva, eram 33 milhões no primeiro trimestre de 2020, número reduzido para 29 milhões no último trimestre do ano. E de uma ponta a outra, seis milhões de pessoas deixaram a força de trabalho, segundo a PNAD-Contínua (microdados tabulados para este estudo).

As normas da MP 936 (transformadas em Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020, pelo Congresso), ao contrário das da MP 927 (que perdeu a validade em julho porque o Senado não a votou), podiam ser negociadas coletivamente. Ou seja, os empregadores podiam adotá-las em negociações individuais se quisessem. O fato de milhares de instrumentos de negociação no Mediador de fato instanciarem o conteúdo das MPs (e depois da lei) sugere que, para muitas empresas, a regulamentação coletiva foi mais eficiente e/ou menos onerosa do que a individual ( Costa, 2021COSTA, L. A. R. As negociações coletivas durante a pandemia da Covid-19. [S. l.]: [s. n.], 2021. Apresentação em Power Point, comunicação pessoal. ).

O Gráfico 2 ilustra a proporção de instrumentos coletivos no Sistema Mediador com cláusulas que regulamentam as respostas coletivas à covid-19 em 2020. A maioria deles foi negociada entre março e junho, após a promulgação das mencionadas MPs, mas nem sempre as cláusulas estavam relacionadas com elas. Segundo Costa (2021)COSTA, L. A. R. As negociações coletivas durante a pandemia da Covid-19. [S. l.]: [s. n.], 2021. Apresentação em Power Point, comunicação pessoal. , técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) responsável pela análise aqui resumida, nesse curto período, 55% dos 7.4 mil instrumentos depositados no Mediador tinham pelo menos uma cláusula relacionada à doença, e 76% dos instrumentos com cláusula de covid-19 mencionavam a MP 936. A maioria deles simplesmente instanciou a lei de acordo com os interesses dos empregadores, mas não poucos conseguiram remuneração extra durante a suspensão dos contratos, enquanto outros estenderam o período de estabilidade no emprego para além do previsto pela MP. Nos mais de 600 instrumentos que inspecionei, os ganhos além da lei foram restritos a empresas maiores e sindicatos mais fortes.16 16 É o caso dos trabalhadores da petroquímica do estado de São Paulo, dos metalúrgicos do ABC e dos comerciários da cidade do Rio de Janeiro, dentre outros. Na maioria dos casos, os ACT não fizeram mais que ratificar o poder dos empregadores de aplicar a lei, ou então silenciaram sobre isso.

Gráfico 2
Proporção de instrumentos coletivos no Mediador com cláusulas de Covid-19, de acordo com o mês de registro. Brasil, mar-dez. 2020

Se isso é verdade, o fato de que muitos sindicatos puderam resistir à lei não é desprezível. O mesmo Costa (2021)COSTA, L. A. R. As negociações coletivas durante a pandemia da Covid-19. [S. l.]: [s. n.], 2021. Apresentação em Power Point, comunicação pessoal. mostra que, entre as cláusulas favoráveis negociadas, podem-se citar medidas de prevenção e higiene para combate à propagação do coronavírus no local de trabalho e fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI); retirada imediata de funcionários em situação de risco (idosos, pessoas com doenças crônicas...) das atividades presenciais (presente em inúmeros ACT); férias coletivas remuneradas, com pagamento integral dos salários; redução da jornada de trabalho, com pagamento de salários escalonados por faixa, garantindo a reposição total do salário líquido mensal e/ou garantindo o pagamento de um salário base maior do que o previsto na MP 936; garantia de estabilidade do emprego temporário por período superior ao previsto na MP; dentre outros.17 17 Ainda assim, cláusula introdutória típica desses acordos é: “O objetivo deste Acordo Coletivo de Trabalho é suspender o contrato de trabalho e reduzir as horas e salários dos empregados, nos termos da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020”, como encontrado no instrumento SC000628/2020 no Mediador, cláusula 3. Ou seja, em grande medida os acordos apenas replicam os termos da MP.

TRABALHADORES DA LINHA DE FRENTE

Selecionei para análise mais detida a negociação coletiva de algumas categorias de trabalhadores que não puderam deixar de trabalhar, porque lotados em setores definidos como essenciais à atividade econômica ou ao suprimento de gêneros de primeira necessidade. O objetivo foi identificar se nos acordos e convenções coletivas havia cláusulas sobre covid-19 negociadas ao longo de 2020, e caso positivo, se elas eram favoráveis aos trabalhadores ou aos empregadores. De forma geral, defini como favoráveis aos trabalhadores cláusulas que de algum modo restringiam e/ou melhoravam as medidas permitidas pelas MP 927 e 936. Quando os instrumentos simplesmente replicavam as MP, considerei-os favoráveis às empresas.18 18 Nessa classificação não há julgamento de valor sobre as MP. Eu apenas considerei que, se os acordos ampliavam direitos por referência às MP, que em princípio as empresas podiam impor unilateralmente, então eram favoráveis aos trabalhadores, por reduzir o poder discricionário das empresas.

Comerciários

O conteúdo da negociação coletiva dos comerciários variou muito, mesmo dentro do mesmo ramo e envolvendo o mesmo sindicato de trabalhadores. Veja-se, por exemplo, o caso do Sindicato dos Comerciários da cidade do Rio de Janeiro. A data-base da categoria é 1º de maio. Portanto, as muitas CCT que o sindicato negocia anualmente estavam todas em vigor quando veio a pandemia. Em abril, o sindicato negociou quase 20 CCT de Emergência com sindicatos de empregadores dos setores de varejo e atacado com cláusulas sobre a covid-19,19 19 A fragmentação da estrutura sindical também afeta os empregadores. No caso em tela, existem sindicatos de atacadistas de pedras preciosas, bens de construção civil, joias e relógios, café, vidros, cristais e espelhos, drogas e medicamentos, artigos têxteis e de vestuário e muitos outros, além de sindicatos vinculados do setor varejista e um sindicato genérico de “lojistas de varejo”. Há também a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro, que negocia em nome de empresas não integrantes dos sindicatos existentes. O sindicato dos trabalhadores precisa negociar CCTs com todos eles individualmente. a maioria das quais relacionadas à MP 936.

Contudo, também foram negociadas extensas medidas de segurança no trabalho, sendo as empresas obrigadas a fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) – máscaras, luvas quando cabível, álcool gel, sabonete líquido, no caso de supermercados e venda de gêneros alimentícios, barreiras de acrílico ou vidro nos caixas, isolamento de trabalhadores com sintomas, suspensão de contratos de trabalhadores em situação de risco, entre outros – controle da circulação dos clientes para assegurar distância mínima de 1,5 metros, entre outras medidas. As CCT variam pouco em termos dessas cláusulas; elas só aparecem em locais diferentes nos instrumentos, dependendo de quais as precedem (em maior ou menor número). Uma cláusula em particular chama a atenção. Em muitos outros setores, várias empresas e sindicatos patronais conseguiram incluir nos acordos e convenções a necessidade de indenizar as horas não trabalhadas devido à redução de jornada e salários permitida pela MP 936. O Sindicato dos Comerciários do Rio conseguiu incluir nas convenções a regra de que essas horas, por não serem pagas, não podem ser compensadas no futuro nem compor o banco de horas. Esta é uma clara proteção dos interesses dos trabalhadores que não é facilmente encontrada em outros instrumentos coletivos (no caso dos caminhoneiros).

Além dessas convenções emergenciais, porém, em sua data-base (maio/2020) o sindicato não só negociou mais de 20 novas CCT com cláusulas mínimas, que apenas prorrogaram por mais um ano as convenções vigentes, sem reajustes salariais ou quaisquer cláusulas sobre covid-19, como também convenções “normais” ou completas com outras dez entidades patronais, também sem reajustes salariais e sem as cláusulas de segurança no trabalho relacionadas à Ccvid-19. Ou seja, era como se a pandemia estivesse controlada. Juntas, essas convenções regulavam as relações de trabalho de 366 mil trabalhadores, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), e é impossível saber quantos deles foram protegidos pelas convenções de emergência mais equitativas.20 20 Uma advogada que participou de todos esses processos de negociação garantiu que a grande maioria da categoria estava protegida pelas Convenções de Emergência. O problema, ela acrescentou, foi garantir a conformidade dos empregadores, especialmente em empresas menores, como mercearias e mercados e supermercados periféricos. A inspeção do trabalho é falha no Brasil e o sindicato dos trabalhadores tem pouco pessoal, devido às restrições que enumerei antes.

No polo oposto, o Sindicato dos Comerciários de Pernambuco assinou 140 ACT com supermercados, feiras e mercearias em 181 cidades pernambucanas (inclusive na capital, Recife), a partir de 1º de maio de 2020, com as mesmas 75 cláusulas em todos eles, com os mesmos pisos salariais (salários normativos) e o mesmo (pequeno) percentual de reajuste, independente do porte do estabelecimento (grandes redes de supermercados, como Atacadão, Sendas, Carrefour e outros, ou pequenas mercearias). Não há cláusulas sobre a pandemia, exceto a 75ª, a última, na qual somos informados que as partes, ao negociar, “levaram em conta o estado de calamidade pública” para preservar empresas e empregos. Mas nos instrumentos coletivos não há evidência disso, pois não há cláusula específica para preservação de empregos, suspensão de contratos, contenção salarial, sem falar na completa ausência de medidas de saúde e segurança.

A Tabela 1 apresenta dados resumidos de todos os instrumentos encontrados no Sistema Mediador negociados por sindicatos de comerciários e empresas do ramo de alimentos e supermercados. As cláusulas de covid-19 aparecem em um em cada quatro deles, a taxa mais alta de todos os trabalhadores de linha de frente investigados para este estudo. A maioria foi favorável aos empregadores, ainda que mais de um terço favorecesse ambas as partes negociadoras, por razões expressas nas notas à tabela.

Tabela 1
Número de instrumentos coletivos de sindicatos de comerciários e empresas do ramo de alimentos e supermercados (ou seus sindicatos), proporção com cláusulas de Covid-19 e a quem favorecem

Enfermeiras/os

Como afirmei antes, a negociação coletiva divide o espaço normativo das relações de trabalho com outras instituições e mecanismos. Dentre eles estão as instruções normativas e decretos emanados do Ministério do Trabalho e Previdência. As mais importantes são as Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança no Trabalho, conhecidas como NR, instituídas em 1978 e criticadas pelo atual governo federal desde sua chegada ao poder em 2018. As NR são portarias complementares ao Título II, Cap. V da CLT. Como tal, podem ser revogadas unilateralmente por ato do presidente da República. E, como tal, o governo federal revoga ou simplifica muitas delas. A NR-18, por exemplo, que regulamenta a segurança e saúde no trabalho na construção civil, tinha originalmente 95 páginas,21 21 Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/portal/images/SST/SST_normas_regulamentadoras/NR-18.pdf . Acesso em: 7 jun. 2022. e foi reduzida para 54, a partir de atualização em vigor a partir de fevereiro de 2021.22 22 Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/portal/images/SST/SST_normas_regulamentadoras/NR-18-atualizada-2020.pdf . Acesso em: 7 jun. 2022.

No momento em que escrevo há 35 NR em vigor (2 foram revogadas recentemente) que regulamentam a saúde e segurança no trabalho em inúmeras atividades, de construção civil (NR-18) a plataformas de petróleo marítimas (NR-37), de atividades perigosas (NR-16) e insalubres (NR-15) a agricultura (NR-31), de serviços de saúde (NR-32, 50 páginas) a portos (NR-29). Existe ainda uma que regulamenta o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), a NR-6, com 11 laudas.23 23 Todas as NR podem ser encontradas em: https://sit.trabalho.gov.br/portal/index.php/seguranca-e-saude-no-trabalho/legislacao-sst/normas-regulamentadoras?view=default . Acesso em: 7 jun. 2022. Enquanto escrevo, está em curso uma força-tarefa no Ministério do Trabalho para reformar as NRs e, mesmo, revogar algumas delas.

Embora simplificadas ou em processo de simplificação, as NRs foram muito importantes durante a pandemia, pois em uma situação de poder de negociação fortemente reduzido, foi com base nelas que sindicatos de trabalhadores de todo o país entraram com petições no Ministério Público do Trabalho (MPT) contra empresas ou mesmo setores econômicos inteiros. Isso significa que a negociação coletiva é, por vezes, apenas marginalmente relevante em alguns setores em questões relacionadas a medidas de saúde e segurança.

Isso contribui para explicar porque, ao navegar pelos ACT e pelas CCT dos sindicatos de enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem e trabalhadores da saúde em geral, disponíveis no Sistema Mediador, constatei que apenas em casos excepcionais conseguiram negociar acordos coletivos com hospitais e empresas de saúde, ou convenções com seus sindicatos. Os instrumentos coletivos disponíveis (acordos ou convenções) às vezes são extensos, mas os negociados após o início da pandemia não incluíram novas cláusulas relacionadas, por exemplo, com a adoção de equipamentos de proteção individual (EPIs) específicos para covid-19, ou medidas excepcionais de saúde e segurança no trabalho visando à proteção dos profissionais de saúde. Recorde-se, ademais, que no início da pandemia o Brasil passou por uma crise no fornecimento de EPIs, em especial máscaras N95 e PFF2, uniformes especiais, álcool gel etc., e seria de se esperar que os sindicatos de trabalhadores tentassem garantir o acesso a eles em seus acordos. Mas não foi esse o caso.

A Tabela 2 mostra o número total de instrumentos coletivos pactuados entre sindicatos de enfermeiras/os e planos e empresas de saúde (incluindo hospitais e clínicas médicas), e entre aqueles e sindicatos de empresas de saúde, encontrados no Sistema Mediador. Foram encontrados 117 instrumentos pactuados entre primeiro de março de 2020 e 28 de fevereiro de 2021, sendo 86 acordos coletivos, 20 convenções coletivas, 6 aditivos a acordos e 5 aditivos a convenções. Desse total, apenas 22,2% tinham alguma cláusula sobre a covid-19 (número bem abaixo da média vista no Gráfico 2 ).24 24 Os termos de pesquisa nos textos dos instrumentos foram pandemia, calamidade, emergência, Covid-19, corona, 936 (relativo à MP 936) e 14.200 (relativo à lei que substituiu a MP).

Tabela 2
Número de instrumentos coletivos de sindicatos de enfermeiras/os e unidades de saúde, proporção com

cláusulas sobre Covid-19 e a quem favorecem


Pouco mais de 73% das cláusulas foram favoráveis aos empregadores. Dentre as mais comuns nos Acordos Coletivos estão reajustes salariais abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC); não concessão de reajuste; liberdade para empregar as medidas provisórias que venham a ser editadas, incluindo a MP 936;25 25 O decreto de calamidade pública terminava em dezembro de 2020, e a MP 936 virou a Lei 14.020 definindo dezembro como limite para essas medidas. Eles foram reeditados em abril de 2021 (MP 1.045) com validade de 6 meses. liberdade para gerir o banco de horas, inclusive computando horas não trabalhadas em função da pandemia como horas negativas (em favor do empregador); liberdade para estender a jornada de trabalho sem compensação posterior; e possibilidade de oposição online ao desconto da contribuição assistencial devida ao sindicato (quando normalmente é feita em pessoa, dando aos sindicatos a oportunidade de tentar dissuadir o trabalhador). No caso das Convenções, as medidas mais comuns em favor das empresas referem-se a reajustes abaixo do INPC ou a reajuste nenhum. Entre as poucas medidas em favor dos trabalhadores, há um único caso de reconhecimento da pandemia e a pactuação de normas de segurança e proteção da vida; abono de compensação pelo trabalho arriscado na pandemia; homologação das demissões no sindicato (que a reforma trabalhista desobrigou) e desconto da contribuição assistencial em folha de pagamento.

Embora os instrumentos não tenham sido especificamente provocados pela calamidade (apenas 2 foram assinados exclusivamente por esse motivo), quase todos apresentam cláusulas muito extensas sobre saúde e segurança no trabalho, uma vez que, independentemente de crises sanitárias, o trabalho do/a enfermeiro/a e de outros agentes de saúde está sujeito a muitos riscos. Portanto, existem cláusulas sobre equipamentos de segurança como uma obrigação sem mais dos empregadores (algo também regulamentado pela NR-32 e outras), que, por homologia, se aplica aos EPI para covid-19. Ou seja, nesse aspecto os enfermeiros precisaram contar com regulamentações oriundas da autoridade pública, os sindicatos não conseguiram negociar cláusulas específicas de proteção durante a pandemia.

Vale registrar que a incidência de covid-19 entre enfermeiros e profissionais de saúde em geral é muito alta. Considerando a força de trabalho total ocupada entre maio e novembro de 2020, 23% tinham feito pelo menos um teste para a doença. Entre os profissionais de saúde, a taxa foi próxima a 60%, a mais alta. Mas enquanto apenas 5,6% dos exames resultaram positivos para todos os trabalhadores, entre os enfermeiros e médicos a taxa foi de 15%, e entre os técnicos de saúde de 16,2%.27 27 Fonte: microdados da PNAD-COVID19. O survey é um painel de sete meses nos quais os mesmos domicílios foram entrevistados a cada mês. Concatenei os sete meses para extrair esses resultados. Isso também pode ajudar a explicar por que, em novembro de 2020, um terço dos 1.500 trabalhadores de saúde mortos em 44 países eram brasileiros.28 28 Dados do International Council of Nurses , reproduzidos em COFEN (2021b) . Dados de maio de 2021 mostram que quase 55 mil enfermeiras/os haviam sido infectadas/os e 775 morreram, uma letalidade de 2,57%.29 29 Segundo dados do Observatório da Enfermagem (COFEN, 2021a). A incapacidade de os sindicatos constituírem normas coletivas de proteção deve figurar entre as variáveis explicativas desse drama profissional.

Motoristas de caminhão

Os caminhoneiros são importantes apoiadores do presidente Bolsonaro e, em parte por isso, estão passando por momentos difíceis na pandemia. Seguindo o exemplo do presidente, muitos negaram a gravidade da doença e se recusaram a tomar medidas de segurança.30 30 Muitos estudos encontraram clara correlação entre preferência e/ou voto em Jair Bolsonaro e taxas mais altas de contágio por SARS-CoV-2. Por exemplo, Roubaud et al. (2020), Fernandes et al . (2020), Rache et al. (2021) , entre outros. O índice de exames para detecção da doença na força de trabalho ocupada entre maio e novembro de 2020 foi próximo a 23%, mas entre os caminhoneiros foi próximo a 19% (fonte: microdados PNAD-COVID19). E a taxa de mortalidade de caminhoneiros internados entre março e dezembro de 2020 foi de 48%, ante uma média de 30% do total internado (Fonte: microdados do SIVEP-Gripe do Ministério da Saúde, tabulados para este estudo. Os dados não podem ser tomados pelo valor de face, pois apenas alguns dos hospitalizados têm suas ocupações registrada). Como entre os enfermeiros, apenas 22% dos instrumentos encontrados no Mediador pactuados entre sindicatos de motoristas e empresas ou sindicatos de empregadores de diferentes setores em três grandes cidades do Brasil tinham pelo menos uma cláusula no covid-19.31 31 Selecionei três grandes cidades para a análise porque há mais de 1.5 mil instrumentos coletivos de caminhoneiros, tornando impossível o tratamento sistemático na forma artesanal empregada aqui. Como em outras categorias de linha de frente analisadas aqui, a grande maioria das cláusulas (88%) favorecia os empregadores, pois a maioria facilitou a instanciação das MP 927 e/ou 936. Outras criaram novos bancos de horas específicos para a pandemia, na maioria das vezes tornando-os ainda mais flexíveis em favor dos empregadores.

Mas, em alguns casos, as novas regras sobre a questão também favoreceram os trabalhadores, dando aos seus sindicatos algum controle sobre a negociação individual ou estabelecendo normas claras para o pós-crise. E apenas em dois casos os motoristas pactuaram o direito de exigir o uso de máscaras de quem entra no caminhão. Esses resultados favoráveis a ambas as partes foram encontrados principalmente em Curitiba (ver Tabela 3 ).32 32 Por exemplo, o Sindicato dos Trabalhadores nos Transportes Rodoviários do Estado do Paraná celebrou em ACT dois regimes de banco de horas com uma empresa de turismo, um denominado “Banco de Horas COVID” (Cláusula 30), válido de 1º de maio de 2020 a 30 de abril de 2021, e mais flexível; e outro válido de 1º de maio de 2021 a 30 de abril de 2022 (Cláusula 31). Consultar o instrumento PR003285/2020 no Mediador. O caso do Rio de Janeiro, também favorável aos trabalhadores, estende a validade do ACT anterior, incluindo o percentual de reajuste salarial, mas tem cláusula de revisão caso haja perda salarial ao final da calamidade pública.

Tabela 3
Número de instrumentos coletivos de sindicatos de caminhoneiros e diferentes sindicatos patronais nas cidades selecionadas, proporção com cláusulas Covid e quem favorecem

Uma grande proporção definiu o congelamento dos salários, enquanto outros cancelaram os reajustes por completo. E foi nessa profissão que encontrei a pior (ao considerar os direitos dos trabalhadores) CCT, pactuada entre o Sindicato dos Caminhoneiros do Estado do Paraná e o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do mesmo estado. A convenção estabelece que os motoristas que estão em casa aguardando carga podem ter seu tempo não pago afixado no banco de horas a favor das empresas durante a calamidade pública, à razão de 7h20 por dia de folga, a serem resgatadas durante a calamidade ou depois.33 33 Instrumento PR002525/2020 no Mediador, Cláusula 40, §8. A. Isso pode se acumular de forma que os trabalhadores passem muito tempo no futuro trabalhando sem serem pagos.

Bancários

Os sindicatos de bancários são fortes no Brasil e, embora possam ter perdido poder – como resultado da reestruturação tecnológica que redefiniu completamente as relações cotidianas de trabalho, inclusive tarefas, organização e hierarquias do trabalho, tamanho das empresas e propriedade do capital –, ainda têm grande ascendência no movimento sindical, tendo criado novos padrões de ação coletiva. Mais significativamente, constituíram com sucesso uma confederação (CONTRAF/CUT) que lidera o Comando Nacional dos Bancários (CNB), criado em 1992, com mais de 200 sindicatos e federações, e que negocia coletivamente em âmbito nacional em nome de 95% da categoria, resultando em convenções coletivas nacionais que vinculam os bancários dos setores público e privado. Ao lado dos petroleiros, são o caso mais exitoso de coordenação nacional da negociação coletiva.

Bancos e sindicatos de trabalhadores consolidaram, ao longo de uma história de conflitos acirrados, uma relação que hoje se baseia no reconhecimento mútuo de direitos e deveres, que incluem a negociação coletiva como principal referência normativa das relações de trabalho no setor. Por exemplo, a CONTRAF/CUT e a Federação Nacional dos Bancos (FENABAN), entidade patronal, são as únicas entidades no Brasil que, até a reforma trabalhista de 2017, firmavam pré-convenções estabelecendo parâmetros para a negociação efetiva bianual. Essas pré-convenções instituíam, por exemplo, um princípio de negociação permanente (ou seja, não restrito à data-base anual); negociar de boa-fé (que não é prevista pela CLT); acesso dos trabalhadores a informações sobre o desempenho econômico dos bancos para orientar as negociações; a ultratividade das normas dos instrumentos de negociação anteriores até que as novas entrem em vigor; e muitos outros. As partes também renunciavam ao direito de peticionar dissídios coletivos na Justiça do Trabalho, ou seja, pactuavam a estrita autocomposição de seus conflitos. Escrevo isso no passado porque, nos dois últimos processos de negociação (2017 e a Convenção Covid-19), a FENABAN se recusou a assinar esses pré-acordos, argumentando que eles não eram mais do que peças burocráticas que há muito teriam perdido validade na negociação real.34 34 Entrevista com o diretor-chefe de relações de trabalho da FENABAN, em 25 de maio de 2021. A presidente da CONTRAF/CUT, porém, também em entrevista lamentou a recusa da FENABAN, afirmando que a pré-convenção dava segurança e tranquilidade à negociação coletiva.

Os bancários estiveram no olho do furacão da covid-19, em particular (mas não apenas) os funcionários da Caixa, o banco público responsável pela gestão de todos os programas de auxílio instituídos pelo Governo Federal. A presidente da CONTRAF/CUT entrevistada para este estudo estima que 130 milhões de brasileiros compareceram ao banco todos os meses durante a maior parte de 2020 para receber transferências condicionais de dinheiro, aposentadoria, seguro-desemprego, indenizações e outras medidas de alívio, relacionadas à covid-19 ou não, colocando os trabalhadores da Caixa e a população beneficiada em alto risco de contágio devido às inevitáveis aglomerações. Logo, a Caixa estava particularmente interessada num acordo rápido que estabelecesse medidas de segurança relacionadas à pandemia.

O Comando Nacional dos Bancários (CNB) e a FENABAN negociaram nacionalmente uma Convenção Covid-19 com o movimento sindical unificado, de forma criativa e inovadora, sem paralelo em qualquer outro setor. A iniciativa foi da CONTRAF/CUT, que já em 12 de março (um dia após a OMS declarar a pandemia de Covid-19) enviou à FENABAN um documento com seis demandas, começando com a necessidade de criar um Comitê Bipartite de Crise e instando os bancos a abrir seus protocolos previstos para combater a covid-19 e a serem transparentes quanto à evolução da doença. Em 23 de março, 200 mil trabalhadores de um total de 450 mil (em todo o país) já estavam em home office , chegando a mais de 250 mil em 2 de abril.35 35 Todos os dados são de entrevista com a presidente da CONTRAF/CUT, em 20 de maio de 2021, e com o diretor de relações de trabalho da FENABAN (ver nota anterior); e do site da CONTRAF/CUT, amplamente documentado.

O Comitê Bipartite coordenou a resposta à covid-19 em todo o país, em paralelo à negociação coletiva em curso. Os bancários tiveram várias maneiras de acompanhar o processo de negociação. Além dos contatos diretos com empregadores e dirigentes sindicais, houve diversas publicações, newsletters , sites de entidades representativas, grupos de WhatsApp, Instagram, Facebook, YouTube e mailing lists , além dos meios de comunicação tradicionais. Isso permitiu a eles interações em tempo real com o andamento da negociação coletiva. Assim, em meio a uma grave crise sanitária, uma histórica CCT foi aprovada em assembleias virtuais em todo o país, por cerca de 150 mil trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados. A negociação resultou em 39 instrumentos coletivos, sendo 30 com sindicatos representados pelo CNB e 9 com sindicatos representados pela CONTEC.36 36 Embora negociando de forma unificada, a CCT precisou ser ratificada por cada sindicato membro do CNB, dando origem aos 30 instrumentos, idênticos no conteúdo. A mesma coisa ocorreu com os 9 instrumentos da CONTEC (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito), uma pequena confederação que não está sob o guarda-chuva do CNB. A publicação da FENABAN com todas as Convenções têm 468 páginas.

As cláusulas sobre covid-19 incluem distanciamento social, redução do horário de trabalho, home office , limpeza e desinfecção constantes dos locais de trabalho, fornecimento de EPIs (máscaras e escudos faciais), testes regulares, isolamento e rastreamento de casos suspeitos, medidas especiais para trabalhadores em risco (devido à idade, problemas de saúde, gravidez) e outros. As convenções instituíram que a FENABAN e o CNB retomariam suas reuniões ordinárias para definir medidas para prevenir a disseminação da doença.

Embora legítimo e elogiado por ambos os lados, já que vidas e empregos foram salvos sem afetar os salários e todas as demais cláusulas históricas das convenções coletivas anteriores, o DIEESE e a CONTRAF/CUT realizaram pesquisa junto a mais de oito mil bancários em situação de home office , para mensurar seu impacto no dia a dia e no trabalho. Encontraram que os maiores bancos privados nacionais, como Itaú e Bradesco, juntamente com a Caixa, ofereceram à maioria de seus trabalhadores algum tipo de infraestrutura e/ou equipamento para trabalhar em casa.37 37 Em setembro de 2020, a CONTRAF/CUT fechou um ACT de 12 páginas com o Bradesco, maior banco privado do país, regulamentando o teletrabalho. Outros bancos poderiam aderir ao acordo, abrindo assim a possibilidade de estender os termos mais favoráveis do ACT vis-à-vis a CCT. O acordo ainda não estava no Mediador no momento da redação deste estudo, foi-me fornecido pela presidente da CONTRAF/CUT. Já outros, como o Santander e o Banco do Brasil, beneficiaram menos da metade de seus funcionários. Além disso, 35% dos entrevistados declararam estar trabalhando mais horas do que antes, e que o custo de vida devido ao trabalho em casa (eletricidade, conexão à internet, supermercado e outros) tinha aumentado substancialmente. E 70% achavam que, após a pandemia, iriam tentar ficar em tempo integral no escritório em casa (28%) ou combinar o trabalho presencial com o trabalho em casa (42%).

O setor financeiro é caso excepcional no Brasil no que diz respeito à resposta à pandemia. A maioria dos bancários (82%) tem ensino superior. A taxa de filiação sindical é superior a 50%. A negociação é coordenada nacionalmente há mais de 30 anos. O CNB é bastante responsivo à sua base, e a FENABAN também coordena a ação coletiva dos empregadores. A confiança é mútua, no sentido de que, se o CNB diz que o que for negociado será aceito ou rejeitado (com as consequências conhecidas) pelos mais de 200 sindicatos que congrega, a FENABAN sabe que este será o caso. Impasses ainda ocorrem, e muitas vezes, levam a greves, mas as partes consideram isso parte do jogo.

Lideranças de ambas as partes entrevistadas para este estudo concordam que a Convenção Covid-19 foi possível devido a um acordo fundamental, resultante de iniciativa da CONTRAF/CUT: preservar a vida de trabalhadores e clientes. Antes mesmo da entrada em vigor da Convenção, os protocolos de saúde eram ajustados diariamente de acordo com as novas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) ou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com a realidade econômica de cada agência no vasto território brasileiro. Com isso, segundo a FENABAN, a incidência da covid-19 entre bancários foi 10 vezes menor que a média brasileira de óbitos por 100 mil pessoas (dados de junho de 2021).38 38 A FENABAN não divulga números sobre a incidência real da doença (infecções e mortes) para evitar ações judiciais contra os bancos. Em maio de 2021, o Brasil tinha 206 mortes por 100 mil habitantes. Assim, se nos bancos a incidência é 10 vezes menor, a taxa aproximada seria de 20 por 100 mil trabalhadores, ou cerca de 90 pessoas no total de 450 mil trabalhadores. A presidente da CONTRAF/CUT presume que o número seja bem maior, mas nem uma informação nem outra pode ser verificada com isenção.

UM FUTURO PARA O TRABALHO?

A pandemia teve efeitos mistos (e às vezes antinômicos) nas relações de trabalho. A reforma trabalhista de 2017, em conjunto com a MP 927 e a MP 936, reduziu significativamente a capacidade de o movimento sindical mediar as práticas de trabalho. A maioria das medidas destinadas a salvar empresas e empregos deu aos empregadores o direito de adotá-las unilateralmente. A negociação coletiva da jornada de trabalho e do teletrabalho, por exemplo, foi definida na condicional: os patrões podiam negociá-los. O fato de muitos o terem feito, em um momento de profunda crise dos sindicatos, sugere que, principalmente no caso das médias e grandes empresas, a negociação coletiva foi percebida como menos onerosa e capaz de conferir alguma segurança jurídica às relações de trabalho, ao mesmo tempo em que reduzia tensões no trabalho e suavizava, pelo menos em parte, a travessia de uma pandemia mortal.

A pandemia também abriu portas para práticas inovadoras. Os sindicatos de trabalhadores vêm perdendo membros desde a reforma trabalhista de 2017 e enfrentando enormes dificuldades para atrair jovens trabalhadores ( Galvão, 2019GALVÃO, A. Reforma trabalhista: efeitos e perspectivas para os sindicatos. In: KREIN et al. (ed.). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019. p. 199-223. ). As assembleias e reuniões preparatórias online possibilitaram a inclusão de pessoas que de outra forma não teriam participado das discussões. Mais de 150 mil bancários participaram das assembleias que aprovaram a Convenção Covid-19, um número impensável em “tempos normais”. Muitos sindicatos encontraram nas tecnologias online uma maneira de tornar sua prática mais responsiva, e os líderes sindicais entrevistados para este estudo acreditam que isso se tornará uma prática permanente, complementando as práticas presenciais. Os empregadores entrevistados sentem o mesmo.

Assim também, novos dispositivos de tecnologias da informação (TI) podem facilitar o acesso a membros da base territorial hoje considerados estranhos aos sindicatos de trabalhadores e ao movimento sindical em geral. Conforme declarado por um líder sindical dos metalúrgicos,

é muito diferente ter uma assembleia aprovando um acordo por aclamação, às vezes sem informação clara sobre o que foi realmente acertado, e uma pessoa, um jovem que nunca tinha estado em uma assembleia antes, votando individualmente após ter lido o documento em seu computador ou smartphone e conscientemente pressionando o botão “concordar” em nossa plataforma [online]. Isso é muito mais consciente e o acordo muito mais legítimo. Eu vejo uma oportunidade aí, podemos alcançar os jovens trabalhadores, algo que basicamente não temos conseguido fazer ultimamente.

Do ponto de vista patronal, a flexibilidade necessária a soluções mais imediatas diante da crise foi assegurada, em sua maioria, pelas MPs 927 e 936 (depois convertida na Lei no 14.020). Muitos instrumentos de negociação presentes no Mediador contornam as cláusulas mais danosas, que permitiam redução de salários e jornadas de trabalho em até 75%, com compensação governamental muito abaixo do necessário para manter um padrão de vida mínimo. Mas a maioria dos instrumentos que pude inspecionar apenas instanciaram as normas das MPs, sem possibilidade de intervenção sindical.

A esse respeito, a longa tradição de um modelo legislativo de relações de trabalho está cobrando seu preço. Durante décadas, os sindicatos de trabalhadores tentaram (e tiveram sucesso em) instanciar a lei em acordos e convenções coletivas, selecionando na CLT as normas que queriam validar em seus ambientes de trabalho. É como se sindicatos de trabalhadores e empregadores negociassem para construir “uma CLT para chamar de sua”, cuja validade era garantida pelos ACTs e CCTs. A lei era o enquadramento geral de suas relações, mesmo que fosse negociada coletivamente, e mesmo que acordos e convenções ampliassem as disposições da CLT ou criassem novas, o que foi se tornando cada vez mais raro. Qualquer pessoa que tenha participado de um processo negocial já ouviu representantes de empregadores, diante de uma demanda sem respaldo na CLT, afirmarem que “a lei não nos obriga, não vamos conceder”. Em uma crise como a que foi desencadeada pela pandemia, num ambiente de redução dos direitos do trabalho fruto da reforma trabalhista de 2017 e das MP 937 e 936, os empregadores sempre podem se aferrar ainda mais à lei ao limitar as demandas dos trabalhadores. A FENABAN fez isso ao se recusar a assinar a pré-convenção histórica, após a reforma trabalhista de 2017 banir a ultratividade. E apenas sindicatos fortes puderam resistir à adoção estrita das MPs.

Mirando o longo prazo, a crise orçamentária enfrentada pelos sindicatos tem levado a profundos cortes nos serviços prestados, entre eles os cursos de capacitação de novas lideranças sindicais e de integrantes das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA). As Comissões são instituições bipartites instituídas pela CLT e regulamentadas por Norma Regulamentadora exclusiva (NR-5), devendo existir em todas as empresas com 20 empregados ou mais. Outrora um laboratório para formação de lideranças e um canal para as queixas dos trabalhadores, todos os líderes sindicais entrevistados para este estudo concordam que as CIPAs são, hoje, em sua maioria controladas pelos empregadores. Vimos também que o número de cláusulas de SST caiu drasticamente em 2020, e o presidente da Força Sindical me disse que esta tem sido a resposta dos empregadores ao atual ataque do governo federal ao sistema NR. As cláusulas de SST nos ACTs, na maioria das vezes, simplesmente reproduzem as NR aplicáveis a uma determinada atividade econômica (no mesmo estilo de “uma CLT para chamar de sua”), mas muitos empregadores passaram a resistir a essa inclusão argumentando que não há necessidade de replicar o que está na lei. No entanto, os dirigentes sindicais acreditam que o fazem aguardando a simplificação ou mesmo a derrogação do sistema NR, conforme prometido pela atual administração federal.

Muitas empresas estão aproveitando a fragilidade atual dos sindicatos devido à crise econômica, às taxas de desemprego e informalidade altíssimas, aos baixos salários médios e também à pandemia para cortar severamente cláusulas negociadas historicamente, em particular, mas não apenas, benefícios adicionais e extrassalariais, como as chamadas “cláusulas sociais”. Os dirigentes sindicais têm a percepção de que o fim da ultratividade deu aos empregadores poder de barganha extra para impor unilateralmente normas desfavoráveis aos trabalhadores, inclusive as relacionadas a SST, cruciais na pandemia. Apenas sindicatos de trabalhadores mais fortes foram capazes de forçar a negociação de responsabilidades, benefícios e deveres mútuos. Muitos precisaram recorrer ao MPT para fazer valer o que está na lei ou nas NR, para obrigar as empresas a adotar medidas de proteção contra a disseminação do vírus. Nesse sentido, para muitas categorias de trabalhadores os sindicatos foram os veículos da proteção da vida, embora indiretamente, via petições ao MPT. Isso mostra que a cruzada do governo federal contra essas instituições tornou-se, na pandemia atual, uma cruzada contra a vida.

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  • 1
    Da entrevista com um diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, realizada em 12 de abril de 2021 para este estudo.
  • 2
    Gostaria de agradecer a Iram Jácome Rodrigues, Luiz Azevedo, Marilane Teixeira, Mario Enrique Ladosky, Patrícia Trópia e Roberto Véras de Oliveira por me apresentarem a alguns dos entrevistados e por compartilharem comigo suas pesquisas sobre os temas analisados. Clemente Ganz Lúcio e Luís A. C. Costa (do DIEESE) e Marcos Hecksher (IPEA) me facultaram dados e análises cruciais. José Dari Krein, José Ricardo Ramalho, Marilane Teixeira e Renata Dutra foram interlocutores importantes.
  • 3
    Tavares de Almeida (1988)TAVARES DE ALMEIDA, M. H. Difícil caminho: sindicatos e política na construção da democracia”. In: REIS, F. W.; O’DONNELL, G. (org.). Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Vértice, 1988. p. 327-367. , por exemplo, mostra que a maioria das cláusulas dos instrumentos de NC por ela analisadas apenas reproduziam, literalmente, artigos da Consolidação da Lei do Trabalho (CLT). Ver ainda Horn (2009)HORN, C. H. Negociações coletivas e legislação estatal: uma análise comparada da regulação da relação de emprego de fins dos anos de 1970 ao plano Real. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 85, p. 173-199, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002009000300008.
    https://doi.org/10.1590/S0101-3300200900...
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  • 4
    Com o banco de horas, as horas-extras trabalhadas passaram a ser “economizadas” para ser descontadas em favor dos empregados em algum momento no futuro, cujo período de tempo deve ser negociado coletivamente, não podendo exceder 12 meses. Mas os trabalhadores também podem se tornar devedores se faltarem por motivo injustificado ou se a empresa decidir suspender suas operações por determinado período etc.
  • 5
    Análises aprofundadas das mudanças nos anos 1990 podem ser encontradas em Oliveira (2002)OLIVEIRA, M. A. Política trabalhista e relações de trabalho no Brasil: da Era Vargas ao governo FHC. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia, UNICAMP, Campinas, 2002. , Galvão (2003)GALVÃO, A. Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Unicamp, Campinas, 2003. e Krein (2007)KREIN, J. D. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 2007. , dentre outros.
  • 6
    O número auditores fiscais do trabalho aumentou significativamente, as Comissões de Conciliação Prévia criadas sob F. H. Cardoso para reduzir demandas judiciais foram derrogadas, fomentou-se a fiscalização do trabalho infantil e escravo, bem como a formalização de contratos de trabalho informais etc. Para o caráter ambíguo (os autores chamam de contraditório) das ações do governo Lula em relação aos direitos dos trabalhadores, ver Krein e Biavaschi (2015)KREIN, J. D.; BIAVASCHI, M. B. Brasil: os movimentos contraditórios da regulação do trabalho dos anos 2000. Cuadernos del Cendes, Caracas, v. 32, n. 89, p. 47-82, 2015. Disponível em: http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1012-25082015000200004&lng=es&tlng=pt. Acesso em: 7 jun. 2022.
    http://ve.scielo.org/scielo.php?script=s...
    .
  • 7
    BRASIL. Projeto de Lei n 6.787, de 2016 . Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2016. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01wjc7noijkz59uumykb4fgj0d15376149.node0?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016 , p. 7 Acesso em: 7 jun. 2022.
  • 8
    Ou seja, 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Antes da reforma, isso era limitado a um pequeno número de atividades. Agora é permitido a todas. A questão deve ser negociada coletivamente.
  • 9
    Algumas empresas negociam acordos coletivos por tempo mais longo, de até 5 anos, e no ínterim entre uma negociação e outra firmam termos aditivos para reajustes salariais e aspectos da organização do trabalho. É o caso de boa parte das montadoras de automóveis e de algumas outras grandes empresas, que têm, assim, segurança jurídica e horizonte para seus investimentos.
  • 10
    Demanda histórica do movimento sindical trabalhador, a patronal Confederação Nacional da Indústria (CNI) sempre foi contrária ao estatuto da ultratividade, alegando que ela enrijece os acordos coletivos e inibe a negociação coletiva. Ver CNI (2016).
  • 11
    Carvalho Neto (2001) argumenta que a negociação coletiva no Brasil é centralizada, pois tem predominância de Convenções (válidas para toda a categoria profissional numa base territorial) sobre Acordos Coletivos (válidos apenas para algumas empresas). Mas concordo com Silva (2008)SILVA, S. G. C. L. Relações coletivas de trabalho: configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008. , que sustenta que o sistema é altamente descentralizado, algo que pretendo mostrar aqui. Coordenação mais centralizada se restringe a algumas categorias, como bancários, petroleiros, petroquímicos, metalúrgicos, comerciários de alguns estados e poucas outras.
  • 12
    Por exemplo, em setembro de 2011, quatro sindicatos de metalúrgicos e cinco sindicatos de outras profissões (incluindo administradores e engenheiros) em diferentes cidades de Minas Gerais, negociaram uma CCT com treze sindicatos patronais, compreendendo 101 cláusulas, das quais apenas 20% regulavam questões pecuniárias (incluindo salários e uma miríade de benefícios adicionais). O instrumento tem o número MG001258/2010 no Sistema Mediador.
  • 13
    Estou considerando os instrumentos registrados a cada ano. Inclui instrumentos acordados no ano e instrumentos acordados antes e registrados no ano, mesmo que não tenham mais validade. Cerca de 12 mil instrumentos são registrados após o ano de referência, então os números para 2020 podem aumentar. Isso reduziria a diferença média entre os dois períodos, mas não a ponto de torná-la irrelevante.
  • 14
    Acordos e convenções são negociados em uma data-base, e quando a pandemia surgiu, em março de 2021, milhares de instrumentos estavam em vigor, acordados antes de março. Mais de 2.000 termos aditivos a ACT e CCT foram negociados entre março e junho de 2020, um recorde histórico (fonte: Sistema Mediador).
  • 15
    Como afirma o presidente da CNI, entrevistado para este estudo, as medidas da MP 936 “combinavam a preservação dos empregos, com o recebimento, pelos empregados, de um benefício emergencial pago pelo Governo Federal (BEm). Com isso, apesar da crise sanitária, o Brasil em 2020 ainda apresentava um saldo positivo de geração de empregos”. A última afirmação não procede, porém. Os trabalhadores com carteira assinada, únicos cobertos por negociação coletiva, eram 33 milhões no primeiro trimestre de 2020, número reduzido para 29 milhões no último trimestre do ano. E de uma ponta a outra, seis milhões de pessoas deixaram a força de trabalho, segundo a PNAD-Contínua (microdados tabulados para este estudo).
  • 16
    É o caso dos trabalhadores da petroquímica do estado de São Paulo, dos metalúrgicos do ABC e dos comerciários da cidade do Rio de Janeiro, dentre outros.
  • 17
    Ainda assim, cláusula introdutória típica desses acordos é: “O objetivo deste Acordo Coletivo de Trabalho é suspender o contrato de trabalho e reduzir as horas e salários dos empregados, nos termos da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020”, como encontrado no instrumento SC000628/2020 no Mediador, cláusula 3. Ou seja, em grande medida os acordos apenas replicam os termos da MP.
  • 18
    Nessa classificação não há julgamento de valor sobre as MP. Eu apenas considerei que, se os acordos ampliavam direitos por referência às MP, que em princípio as empresas podiam impor unilateralmente, então eram favoráveis aos trabalhadores, por reduzir o poder discricionário das empresas.
  • 19
    A fragmentação da estrutura sindical também afeta os empregadores. No caso em tela, existem sindicatos de atacadistas de pedras preciosas, bens de construção civil, joias e relógios, café, vidros, cristais e espelhos, drogas e medicamentos, artigos têxteis e de vestuário e muitos outros, além de sindicatos vinculados do setor varejista e um sindicato genérico de “lojistas de varejo”. Há também a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro, que negocia em nome de empresas não integrantes dos sindicatos existentes. O sindicato dos trabalhadores precisa negociar CCTs com todos eles individualmente.
  • 20
    Uma advogada que participou de todos esses processos de negociação garantiu que a grande maioria da categoria estava protegida pelas Convenções de Emergência. O problema, ela acrescentou, foi garantir a conformidade dos empregadores, especialmente em empresas menores, como mercearias e mercados e supermercados periféricos. A inspeção do trabalho é falha no Brasil e o sindicato dos trabalhadores tem pouco pessoal, devido às restrições que enumerei antes.
  • 21
  • 22
  • 23
  • 24
    Os termos de pesquisa nos textos dos instrumentos foram pandemia, calamidade, emergência, Covid-19, corona, 936 (relativo à MP 936) e 14.200 (relativo à lei que substituiu a MP).
  • 25
    O decreto de calamidade pública terminava em dezembro de 2020, e a MP 936 virou a Lei 14.020 definindo dezembro como limite para essas medidas. Eles foram reeditados em abril de 2021 (MP 1.045) com validade de 6 meses.
  • 26
    Um ACT permite aos trabalhadores realizar assembleia presencial ao fim da pandemia. O outro pactua não reajusta salarial, mas ao mesmo tempo define o adicional de insalubridade em seu valor máximo (40%).
  • 27
    Fonte: microdados da PNAD-COVID19. O survey é um painel de sete meses nos quais os mesmos domicílios foram entrevistados a cada mês. Concatenei os sete meses para extrair esses resultados.
  • 28
    Dados do International Council of Nurses , reproduzidos em COFEN (2021b) .
  • 29
    Segundo dados do Observatório da Enfermagem (COFEN, 2021a).
  • 30
    Muitos estudos encontraram clara correlação entre preferência e/ou voto em Jair Bolsonaro e taxas mais altas de contágio por SARS-CoV-2. Por exemplo, Roubaud et al. (2020), Fernandes et al . (2020), Rache et al. (2021)RACHE, B. et al. Quantas vidas cabem em um voto? São Paulo: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, 2021. Nota Técnica #18. Disponível em: https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2021/04/IEPS_NT18.pdf. Acesso em: 7 jun. 2022.
    https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2...
    , entre outros. O índice de exames para detecção da doença na força de trabalho ocupada entre maio e novembro de 2020 foi próximo a 23%, mas entre os caminhoneiros foi próximo a 19% (fonte: microdados PNAD-COVID19). E a taxa de mortalidade de caminhoneiros internados entre março e dezembro de 2020 foi de 48%, ante uma média de 30% do total internado (Fonte: microdados do SIVEP-Gripe do Ministério da Saúde, tabulados para este estudo. Os dados não podem ser tomados pelo valor de face, pois apenas alguns dos hospitalizados têm suas ocupações registrada).
  • 31
    Selecionei três grandes cidades para a análise porque há mais de 1.5 mil instrumentos coletivos de caminhoneiros, tornando impossível o tratamento sistemático na forma artesanal empregada aqui.
  • 32
    Por exemplo, o Sindicato dos Trabalhadores nos Transportes Rodoviários do Estado do Paraná celebrou em ACT dois regimes de banco de horas com uma empresa de turismo, um denominado “Banco de Horas COVID” (Cláusula 30), válido de 1º de maio de 2020 a 30 de abril de 2021, e mais flexível; e outro válido de 1º de maio de 2021 a 30 de abril de 2022 (Cláusula 31). Consultar o instrumento PR003285/2020 no Mediador.
  • 33
    Instrumento PR002525/2020 no Mediador, Cláusula 40, §8. A.
  • 34
    Entrevista com o diretor-chefe de relações de trabalho da FENABAN, em 25 de maio de 2021. A presidente da CONTRAF/CUT, porém, também em entrevista lamentou a recusa da FENABAN, afirmando que a pré-convenção dava segurança e tranquilidade à negociação coletiva.
  • 35
    Todos os dados são de entrevista com a presidente da CONTRAF/CUT, em 20 de maio de 2021, e com o diretor de relações de trabalho da FENABAN (ver nota anterior); e do site da CONTRAF/CUT, amplamente documentado.
  • 36
    Embora negociando de forma unificada, a CCT precisou ser ratificada por cada sindicato membro do CNB, dando origem aos 30 instrumentos, idênticos no conteúdo. A mesma coisa ocorreu com os 9 instrumentos da CONTEC (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito), uma pequena confederação que não está sob o guarda-chuva do CNB. A publicação da FENABAN com todas as Convenções têm 468 páginas.
  • 37
    Em setembro de 2020, a CONTRAF/CUT fechou um ACT de 12 páginas com o Bradesco, maior banco privado do país, regulamentando o teletrabalho. Outros bancos poderiam aderir ao acordo, abrindo assim a possibilidade de estender os termos mais favoráveis do ACT vis-à-vis a CCT. O acordo ainda não estava no Mediador no momento da redação deste estudo, foi-me fornecido pela presidente da CONTRAF/CUT.
  • 38
    A FENABAN não divulga números sobre a incidência real da doença (infecções e mortes) para evitar ações judiciais contra os bancos. Em maio de 2021, o Brasil tinha 206 mortes por 100 mil habitantes. Assim, se nos bancos a incidência é 10 vezes menor, a taxa aproximada seria de 20 por 100 mil trabalhadores, ou cerca de 90 pessoas no total de 450 mil trabalhadores. A presidente da CONTRAF/CUT presume que o número seja bem maior, mas nem uma informação nem outra pode ser verificada com isenção.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2021
  • Aceito
    13 Maio 2022
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