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NOTAS SOBRE A CONSCIÊNCIA DAS CLASSES SUBALTERNAS EM ALGUNS ESTUDOS BRASILEIROS

NOTES ON THE CONSCIENCE OF SUBALTERN CLASSES IN SOME BRAZILIAN STUDIES

NOTES SUR LA CONSCIENCE DES CLASSES SUBALTERNES DANS CERTAINSETUDES BRESILIENS

Resumos

Neste artigo, destaca-se a importância de alguns estudos que se dedicaram a compreender o agir político das classes subalternas por meio da análise do fenômeno religioso do fanatismo ou do messianismo. É o que se depreende dos ensaios pioneiros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos e das análises sociológicas de Roger Bastide e Maria Isaura Pereira de Queiroz. Com a passagem do ensaio para a sociologia consolidou-se a explicação da crença messiânica pela noção de mana. A partir disso, uma nova interpretação foi elaborada para os anseios políticos da classe subalterna e para a liderança a que ela se conforma.

Consciência das classes subalternas; Messianismo; Pensamento social brasileiro; Sociologia


The article emphasizes the importance of some studies dedicated to understand the subaltern classes performance through the analysis of fanaticism or the messianism phenomena. That can be noticed on pioneer essays of Nina Rodrigues and Arthur Ramos, and in the sociological analysis of Roger Bastide and Maria Isaura Pereira de Queiroz. With the passage from essay to sociology, the explanation of messianism was consolidated by the notion of mana. This new perspective enable us to elaborate another interpretation of the political aspirations of subaltern classes, as well as the leadership that they allow to be subjected.

Conscience of subaltern classes; Messianism; Brazilian social thought; Sociology


L´article met en evidence l’importance de certains études qui se dediquent à comprendre l’actuation politique des classes subalternes à travers de l’analyse du phénomène du fanatisme ou messianisme. C’est cella qui on peut retrouver dans des essais pionniers de Nina Rodrigues et de Arthur Ramos, et dans les analyses sociologiques de Roger Bastide et Maria Isaura Pereira de Queiroz. On observe qui, avec la passage du essai à la sociologie, se consolide la explication de la croyance messianique par la notion de mana . Avec cette nouvelle perspective s`elabore une nouvelle intérpretation sur les aspirations de la classe subalterne, aussi qu’une compreension de la leadership à laquelle cette classe se conforme.

Conscience de la classe subalterne; Messianisme; Pensée socialle brésilienne; Sociologie


A leitura dos primeiros estudos sobre o homem negro no Brasil suscita, ainda hoje, algumas inquietações. Embora tenham sido produzidas com argumentos retirados das ciências médicas, muitas dessas análises obedeciam ao fito principal de compreender o comportamento social da população de cor, daí serem consideradas como estudos pioneiros das ciências sociais no Brasil. Por meio dessa abordagem, formou-se a ideia de que o negro é dotado de uma patologia histérica, por apresentar uma mentalidade animista-fetichista. Ainda que tal argumentação revele os pesados preconceitos raciais vigentes na sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX, nela estão esboçadas as primeiras tentativas de interpretação sobre o agir político da classe subalterna.1 1 Por classe subalterna compreende-se os indivíduos que se situam no nível mais baixo da estratificação social. No artigo, faz-se referência a dois momentos diferentes da formação social brasileira em que a classe subalterna era composta majoritariamente de escravos e homens livres, no período da escravidão, e majoritariamente de agregados, sitiantes e posseiros, no período pós-colonial até meados da década de 1950, época em que o Brasil ainda era uma sociedade majoritariamente agrária. É com essa perspectiva que se fará menção aos escritos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, autores que realizaram estudos sobre a cultura africana com a intenção de apresentar uma explicação para o fenômeno recorrente do fanatismo no meio rural.

A importância dessa discussão se evidencia pelo fato de os estudos subsequentes das ciências sociais fazerem referência a essa tradição intelectual para se compreender o comportamento político das classes subalternas rurais. Faz-se referência a Roger Bastide e Maria Isaura Pereira de Queiroz, intelectuais que superaram a argumentação médica dos primeiros estudos dedicados ao fanatismo, ao preferirem explicá-lo sociologicamente. Com essa abordagem mais sociológica, a ideia de histeria, inicialmente associada à crença animista-fetichista, foi paulatinamente perdendo força para dar lugar a uma explicação mais empírico-descritiva, centralizada na teoria da dádiva de Marcel Mauss.

Pode se dizer, então, que, por seguirem um viés mais sociológico, as análises de Roger Bastide e Maria Isaura contribuíram decisivamente para que o fanatismo pudesse ser reconhecido como um movimento messiânico. Há de se frisar, entretanto, que foram os estudos pioneiros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos que indicaram, pela primeira vez, que os africanismos da mentalidade popular revelavam uma atitude de questionamento das relações sociais vigentes por parte das classes subalternas.

No entanto, a despeito dessa importante descoberta, consolidou-se, no pensamento social, a opinião de Edson Carneiro de que, ao suporem uma herança africana forte na mentalidade popular, os estudos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos caíram no erro de tratar a população de cor como estrangeira, em função de não saberem reconhecer como o sincretismo entre as culturas africana, indígena e euroibérica vinha propiciando a integração do negro na sociedade nacional. Edson Carneiro chegou mesmo a afirmar que os estudos pioneiros sobre fanatismo não deviam acentuar as forças de oposição entre as classes sociais porque essa orientação sociologicamente se revelava errada na medida em que ela redundava em conflitos sociais indesejáveis que dificultavam a inserção do negro na estrutura social.2 2 “Temos de convir que estes estudos não puderam escapar à sobrecarga emocional que qualquer das questões do negro naturalmente traz e, em consequência, em vez de contribuir para a boa solução dos problemas do nosso povo, estimularam ideias e sentimentos acientíficos e anticientíficos que redundaram na produção de conflitos fictícios e indesejáveis” ( Carneiro, 1964 , p.115). Em seguida, os estudos posteriores sobre messianismo, sobretudo os de Roger Bastide e de Maria Isaura, obedeceram ao fito de elogiar a dinâmica social que integrava a população de cor no seio da sociedade nacional.

Ainda que as críticas de Edison Carneiro tenham relevância, sobretudo porque visavam a impedir que os anseios por justiça social da população de cor ganhassem um conteúdo segregacionista,3 3 Edson Carneiro fazia alusão às organizações afro-brasileiras que, pautadas na “precariedade” dos estudos pioneiros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, procuravam fazer justiça ao negro, transformando os anseios da população de cor em exaltação africana. Ele pontuava que, ao fazerem isso, tais organizações dificultavam o processo iniciado com a abolição da escravatura, que vinha transformando o negro num cidadão identificado com as vicissitudes de nossa gente. Referia-se, principalmente, às manifestações segregacionistas que pregavam a supremacia emocional do negro em função de reviverem a fórmula norte-americana. “Que outra coisa se poderia esperar de quase vinte anos de saudosismo, de busca da África, da personalidade cultural do negro, de porquê-me-ufano da contribuição do escravo?” (Carneiro, 1964, p.116). é necessário ressaltar que a preocupação proeminente do autor era, na realidade, invalidar a grande contribuição deixada por Nina Rodrigues e Arthur Ramos: a de que a classe subalterna tinha um comportamento político mais subversivo do que irá supor, posteriormente, o pensamento social brasileiro ( Wegner, 2007WEGNER, R. O sentimento de reforma agrária no pensamento social brasileiro. In: STARLING, H.; RODRIGUES, H. E.; TELLES, M. (Orgs.) Utopias Agrárias. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. ).

A importância dos estudos de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos se revela, então, com a passagem do ensaio para a sociologia, quando se passa a relacionar, por meio de Roger Bastide e Maria Isaura, a crença messiânica à lógica da dádiva. Esse novo ponto de vista indica uma aproximação do pensamento social da perspectiva de Edison Carneiro, de um viés reformista, portanto. Daí a relevância, ainda hoje, de voltar aos estudos pioneiros das ciências sociais para que se desfaça essa rendição do pensamento social ao reformismo.

A CONTRIBUIÇÃO DE NINA RODRIGUES E ARTHUR RAMOS PARA O ESTUDO DA CONSCIÊNCIA DA CAMADA SUBALTERNA

Em seus estudos sobre fanatismo, Nina Rodrigues e Arthur Ramos fazem menção ao registro da psiquiatria e da psicanálise para registrar fenômeno patológico da possessão, que é peculiar à doença da histeria, como uma das possíveis explicações para as loucuras epidêmicas que assolavam o interior do país. Não deixaram de revelar, portanto, o conteúdo etnográfico que também marcava seus estudos quando consideram que eram os traços animista-fetichistas da população rural que desencadeavam o fanatismo. Daí o interesse das ciências sociais, ainda hoje, por suas reflexões.

Vale dizer que, em O animismo fetichista dos negros baianos (1935), Nina Rodrigues chamou a atenção para o fenômeno da “ilusão da catequese”, por considerar que o animismo fetichista era a base da mentalidade popular, sendo essa a explicação para sua propensão a ser acometida por ataques histéricos. Daí ele ter se dedicado a caracterizar as ideias animista-fetichistas para compreender o fanatismo. Nina Rodrigues fez referência a certo animismo difuso, que atribui a cada ser e a cada coisa um double, um fantasma, um espírito que é independente do corpo no qual faz residência momentânea. Foi assim que ele demonstrou que a religiosidade na camada popular atinge quase as raias do politeísmo.

Nina Rodrigues definiu os povos fetichistas como aqueles para quem os objetos são menos Deuses propriamente ditos do que certas coisas dotadas de uma virtude divina, como são os oráculos, os amuletos e os talismãs preservativos. Os povos fetichistas conceberiam Deus como indivisível. Por isso, tais objetos não seriam imagens nas quais Deus gosta de habitar e pelos quais ganharia uma forma material. Não seria assim porque Deus não seria obrigado a morar constantemente nesses objetos; Deus entraria e sairia deles recorrentemente. Por essa razão, para os povos fetichistas, os objetos apenas se tornam sagrados por intermédio de um sacerdote e por processos de encantação e magia. Por essa razão, o pai ou a mãe de santo seria, a um só tempo, pontífice e feiticeiro. Com essa caracterização, Nina Rodrigues afirmava que o negro e, por conseguinte, a camada subalterna, explicava a possessão como resultado de uma intervenção do fetiche.

Munido do arcabouço teórico da psiquiatria, Nina Rodrigues não deixou, contudo, de supor a possessão como um fenômeno estranho e anormal, como uma alienação passageira, que é decorrente de delírios maníacos furiosos ou de ataques histéricos frustros orquestrados pelos oráculos, por meio da sugestão oral, pelas injunções sugestivas ou pela música sacra, ou seja, por meio de técnicas que se assemelham com as da moderna hipnose. Interessa ressaltar que, para ele, assim como para o pensamento popular, era inadmissível a hipótese de fingimento ou de simulação do êxtase.4 4 Em relação à possessão, Nina Rodrigues afirmava: “Do que tenho ouvido, dos casos que tenho observado, dos exames que tenho feito, sou levado a acreditar que os oráculos fetichistas, ou a possessão de santo, não são mais do que estados de sonambulismo provocado, com desdobramento e substituição de personalidade” (Rodrigues, 1935, p. 109).

Embora reconhecesse o poder da sugestão, Nina Rodrigues não deixou de considerar o estado de possessão como uma espécie de delírio histérico-hipnótico, de delírio monoideico, que cria um estado sonambúlico especial, também chamado por ele de parafrônico, distinto do estado sonambúlico ordinário, porque nele ainda há resistências ou oposições às sugestões verbais.5 5 Nina Rodrigues era contundente ao afirmar que a sugestão não criava o sonambulismo, como não incorria na anestesia, embora não refutasse a ideia de que ela podia modificava o aspecto exterior do êxtase. É que a preparação moral feita pelo feiticeiro orquestrava as convulsões, os êxtases do sonâmbulo. Este, ao cair no estado sonambúlico, em respeito às vestes, os ornatos que lhe prepararam o filho de santo, reproduzia a personalidade de seu Deus ou de seu Santo. Isso o levou a concluir que: “Esta divisão da personalidade que se manifesta no sonâmbulo e no médium é precisamente o que nós chamamos de histeria porque nela se encontram todos os fenômenos que se consideram como histéricos.” ( Rodrigues, 1935RODRIGUES, N. O animismo fetichista dos negros bahianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935. , p. 113). A histeria seria, então, decorrência de uma mentalidade excessivamente supersticiosa e imaginativa. E revela também o caráter fitoetnográfico que orientava seus estudos quando afirmou a histeria popular como essencialmente fetichista.6 6 “O animismo fetichista africano, diluído no fundo supersticioso da raça branca e reforçado pelo animismo incipiente do aborígene americano, constitui o subsolo ubérrimo de que brotam exuberantes todas as manifestações ocultistas e religiosas de nossa população. As crenças católicas e as práticas espíritas, a cartomancia, etc., todas recebem e refletem por igual o influxo da feitiçaria e da idolatria fetichista do negro” ( Rodrigues, 1935 , p. 167).

Essa ideia se torna ainda mais evidente em As coletividades anormais (1939), quando Nina Rodrigues supôs ser o animismo fetichista também a principal explicação para os fenômenos místicos que ocorriam no interior do país. Nina Rodrigues afirmou que a história dos cangaceiros do Nordeste repetia a história dos negros fugitivos dos Quilombos. Em função disso, ele desenvolve a mesma perspectiva que orientou suas ilações sobre a vida mística do negro nos estudos dedicados às “loucuras epidêmicas” do Sertão. Tal como o negro, o sertanejo era suscetível a uma endoepidemia que se estabelecia por contágio ou imitação.

Em meio às suas inferências retiradas da psiquiatria, Nina Rodrigues não deixou de reconhecer, entretanto, que o delírio de Antônio Conselheiro refletia as condições sociais do meio em que se organizou. E chegou mesmo a sugerir que o delírio psicótico de Antônio Conselheiro possuía uma orientação comunista,7 7 “Antônio Conselheiro anormaliza extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadoras da província, destituindo-as de suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam de seus recursos em favor dos menos favorecidos de fortuna” (Rodrigues, 1939, p. 56). embora fosse enfático em dizer que as loucuras epidêmicas não chegaram a dar origem a desmandos ou a atentados contra a propriedade privada.7 7 “Antônio Conselheiro anormaliza extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadoras da província, destituindo-as de suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam de seus recursos em favor dos menos favorecidos de fortuna” (Rodrigues, 1939, p. 56).

Nina Rodrigues sugeria, então, que o animismo fetichista era explicação também para o comportamento político da camada subalterna. Afinal, a preponderância dessa mentalidade na população menos favorecida faria com que, nas vastas regiões do Sertão, a existência da civilização europeia fosse apenas aparente. O que imperava, no Sertão, era o choque entre as tendências para uma organização feudal por parte da burguesia abastada e as represálias por parte de uma massa popular orientada por um comunismo incipiente.

Todavia Nina Rodrigues era assertivo também ao afirmar que tal mentalidade imprimia, na massa, o afã de seguir as ordens de um chefe, de um mandão. O fetichismo faria com que predominassem, no Sertão, os interesses pessoais que, na camada subalterna, se constituem como uma vontade sumaríssima. E mais: a tournure fetichista dada pela população às práticas do culto católico faria do nosso povo um povo crédulo e exaltado frente à falsa persuasão do milagre. Daí viria a carência da população, pela coerência lúcida de uma loucura “raciocinante”, única capaz, segundo Nina Rodrigues, de fazer desaparecer os interesses pessoais para fazer surgir uma unidade psicológica, na qual predomina o “caráter inconstante” do índio e do negro, o que explica a existência de um comunismo primitivo na população rural.8 8 Ao atribuir um caráter epidêmico do fanatismo às manifestações histéricas, Nina Rodrigues afirmou que a mentalidade sertaneja podia ser explicada pelo fenômeno da psicologia das multidões. Todavia não deixou de reconhecer que os delírios epidêmicos que assolavam o interior do país revelavam um sentimento de surda condenação e revolta popular contra as instituições do Império. O escravismo é apontado como a instituição que corrompeu e entibiou os ânimos da população menos favorecida.

Nina Rodrigues chegou a se perguntar se não seria esse estado de multidão instalado por um hábil meneur a forma embrionária das multidões organizadas em corporações e em associações. Mas respondeu negativamente a essa indagação, por supor que o estado gregário da humanidade não brota da multidão heterogênea anônima. O estado de multidão, que é despertado pelas epidemias de histeria, seria “evidentemente um estágio de exaltação passional coletiva onde desaparece o controle cerebral e com ele a personalidade consciente e o discernimento” (Rodrigues, 1939, p. 89).

Todavia, apesar de adotar a ideia de histeria para explicar o fanatismo, Nina Rodrigues não deixou de reconhecer a possibilidade de haver uma bilateralidade no mando exercido pelos meneurs . Afinal, a manifestação epidêmica da loucura também pode se evidencia com os menés , retificando, emendando e coordenando o delírio dos meneurs. 9 9 Sobre a possibilidade de bilateralidade no mando, Nina Rodrigues pontuou: “Em primeiro lugar, a existência de um elemento ativo cria o delírio e o impõe à multidão que passa a representar o elemento passivo do contágio. Embora aceitando as ideias delirantes, a multidão reage por seu turno sobre o elemento ativo, retificando, emendando, coordenando o delírio que só então se torna comum” (Rodrigues, 1939, p. 64). É que a influência dos meneurs sobre os menés, no caso da histeria por contato, também pode se exercer de tal maneira a não fazer desses últimos verdadeiros alienados. Esse seria o caso mais frequente da psicose coletiva. Para Nina Rodrigues, a alucinação apenas é sintoma de loucura quando é constante e essencial e reproduz integralmente a psicose dos meneurs . Ele chamava a atenção para a ocorrência de epidemias transitórias de loucura em pessoas normais, como as provocadas pela histeria de contato e até mesmo pelas paixões hu mana s, na quais não há perda de consciência por parte do elemento passivo.

Entretanto ele próprio não via razão alguma para se qualificar de alienação mental apenas os casos de longa duração. É que a população mestiça era vista por Nina Rodrigues como constituída de verdadeiros “degenerados”; daí ela ser considerada como predisposta a ser atingida, em consequência, de uma loucura imposta, de verdadeiros delírios vesânicos. Não seria o fanatismo simples casos de hipnose por contato, mas verdadeiros casos de doença, de loucura epidêmica. Daí ele concluir que o estado delirante coletivo de caráter político-religioso constituía um verdadeiro estado de multidão, que gera uma alienação nos menés . Portanto, o autor não deixava de revelar os pesados preconceitos de sua época, ao supor que o fanatismo tinha sua causa no mestiçamento ou no contato entre civilizações em graus diversos de evolução social.

Com essa elaboração teórica construída também por meio de argumentos retirados da psiquiatria, Nina Rodrigues chamou a atenção para a existência de uma mentalidade fetichista na camada subalterna que explica o fanatismo, ou seja, seus valores comunistas incipientes, bem como sua tendência de seguir cegamente uma liderança com o dom da oratória. Revela o tom preconceituoso de sua análise ao considerar que essa predisposição da população rural a se alienar diante de um líder eloquente que exalta a falsa persuasão do milagre é compatível com um comportamento patológico de histeria, que tinha sua razão última no mestiçamento de nossa população.

Nina Rodrigues adere, então, ao ideal racista que vigorava na sociedade brasileira no final do século XIX e início do século XX, quando afirma que esse tipo de liderança preferido pelas massas era o resultado, necessariamente de uma alienação, de um rebaixamento da consciência. Mas não deixa de admitir que as epidemias de loucura que acometiam os indivíduos predispostos também podiam ter como causas o esgotamento orgânico, a miséria e as doenças. Daí ele ter reconhecido que as ideias de classe, com as emoções e paixões que suscitam, também podiam criar essa predisposição em massa e instaurar um violento estado de multidão, conquanto salientasse que as ideias de classe ainda eram incipientes no pensamento popular.

É por apresentar essa preocupação também com os aspectos político-sociais que as explicações de Nina Rodrigues sobre fanatismo encontraram discípulos que se dispuseram a completar as lacunas e a corrigir os erros que o ensaísta cometera ao endossar o ideal racista de sua época. É o caso, por exemplo, de Arthur Ramos, intelectual que deu continuidade à metodologia inaugurada por Nina Rodrigues, mas que a refinou com as atualidades trazidas pela psicanálise e pela antropologia. Arthur Ramos substitui a noção de raça pela de cultura e chama a atenção para os aspectos progressistas que existiam no fanatismo quando explica o animismo fetichista pela ideia de mana .

Tal como Nina Rodrigues, Arthur Ramos procurou determinar a influência do negro na vida social brasileira (Ramos, 1934). Como seu precursor, considerou necessário observar as práticas e crenças de sua vida religiosa e conhecer a estrutura emocional de sua vida coletiva.10 10 Tal como Nina Rodrigues, Arthur Ramos acreditava que “O estudo do sentimento religioso é o melhor caminho para se penetrar na psicologia de um povo. Leva diretamente a esses estratos profundos do inconsciente coletivo, desvendando-nos essa base emocional comum, que é o verdadeiro dínamo das realizações sociais” (Ramos, 1934, p. 20). Para tanto, ele procurou desvendar as tramas inconscientes do logro e da superstição, sem endossar, todavia, os postulados da inferioridade do negro e a crença de que ele era incapaz de civilização. Arthur Ramos supunha que a mentalidade primitiva do negro se explicava por razões psicológicas e não por razões raciais, podendo ser encontrada em qualquer grupo social atrasado em cultura. Por isso, abraçou os axiomas da psicanálise e da antropologia em suas análises.

Com essa nova perspectiva, ele não deixará de afirmar, todavia, que as classes subalternas têm um pensamento mágico pré-lógico. Arthur Ramos atesta o paganismo das classes incultas, endossando a teoria de Nina Rodrigues de que a catequese aqui foi apenas ilusória. Ele descobrira a adoração do fetiche, embora reconhecesse que já não havia mais, no Brasil, o fetichismo africano puro de origem.11 11 “Já vimos que o pai de santo não quer se confundir com o feiticeiro ou o bruxo. No novo habitat, perdeu seu caráter propriamente social, reservando-se as funções sacerdotais [...]. Vamos assistir à progressiva desafricanização da feitiçaria.” ( Ramos,1934 , p.130). O fetiche e os fenômenos de possessão nada mais seriam do que a busca pela consciência da presença dos espíritos, pelo contato com a divindade suscitado por meio das várias práticas rituais.12 12 Arthur Ramos acreditava que a possessão é uma verdadeira obsessão entre nós, coisa que não se sucedia na África, onde ela é uma prerrogativa apenas dos feiticeiros ou de um número reduzido de pessoas. E lembra que a possessão fetichista, quando acontece de forma espontânea, ou seja, sem decorrer de práticas evocatórias especiais conduzidas pelo pai de santo, como na macumba, chega a provocar um paroxismo extraordinário. Sendo espontânea ou não, os fenômenos de possessão provocariam uma fusão mística com a divindade. Ainda que reconhecesse a crença no fetiche, Arthur Ramos, assim como Nina Rodrigues, atribuiu um caráter patológico ao êxtase, por considera-lo como uma espécie de delírio histérico coletivo. Ou seja, como seu precursor, ele também considerou que o fenômeno causado pela sugestão incorria numa dissociação mental.13 13 Arthur Ramos explica que: “A sugestão é a causa da dissociação, a dissociação é a causa da sugestão” (Ramos, 1934, p. 189).

Para ele, essas manifestações da personalidade tinham uma significação regressiva, por pertencerem a estratos profundos, arcaicos. Seriam restos hereditários de um primitivo estado de vida, daquela esfera mágico-catatímica das reações afetivas. O êxtase decorreria da crença de que cada coisa, cada ser, possui um espírito. Por essa razão, tal qual o homem primitivo, as classes subalternas teriam uma percepção mística que confunde o subjetivo com o objetivo pela projeção que fazem do eu no ambiente.

Arthur Ramos conclui, então, que a população mais pobre era incapaz de conhecer puramente o objeto, de representá-lo por meio de aferições intelectuais e cognitivas sem recorrer a elementos emocionais. Por ter a necessidade de fundir seres e coisas numa essência comum, as representações da classe subalterna obedeceriam à lei da participação.14 14 “A realidade objetiva achar-se-ia assim impregnada de elementos místicos, que o civilizado chamaria de subjetivos” ( Ramos, 1934 , p. 206). A classe subalterna não conceberia, portanto, a ideia de contradição entre ser e objeto. “O eu se confunde com o não eu, onde o microcosmo não se separa do macrocosmo, onde o real não conhece limitação com o irreal” ( Ramos, 1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p. 208).

A lei da participação entre seres e objetos faria a classe subalterna ter uma crença excessiva na onipotência das ideias. Por conta disso, Arthur Ramos estabelece um paralelo entre a antropologia e a psicanálise para justificar a ocorrência do fanatismo pelo fenômeno do narcisismo. Também, nessa “fase da evolução sexual, em que a libido se volta sobre o eu”, o pensamento é fortemente sexualizado, no sentido psicanalítico. Foi assim que ele explicou a crença da classe subalterna no domínio mágico do mundo e a sua convicção inconsciente de poder influenciar as forças exteriores pela força dos desejos, das criações do eu. Arthur Ramos chegou mesmo a afirmar que a população mais pobre não admitia fronteira nítida com o objetivo porque faz uma superestimação do eu, apresentando uma tendência ao desdobramento da personalidade e à histeria. Tal fenômeno seria causado pela crença de que circula uma realidade essencial entre os seres e as coisas. É o mana , espécie de realidade mítica, menos representada do que sentida que não pode, assim como a substância universal dos metafísicos, entrar na forma de um conceito. Essa seria uma força que é deslocável e que explica o processo da magia.15 15 Segundo Arthur Ramos, “O mana é expressão da libido narcisista. Como tal, esse princípio é uma força pessoal que implica um ato de vontade e de poder. É a posição libidinal do primitivo no estado narcísico, pela superestimação do poderio do seu pensamento, que explica toda a magia” ( Ramos, 1934 , p. 284). O mana seria tudo, então, que possui força; seria tudo que causa admiração, que é extraordinário, monstruoso, como os grandes turbilhões.

Para Arthur Ramos, seria justamente o apego ao animismo-fetichismo ou ao mana que faria o pensamento das classes subalternas, no Brasil, estar intimamente ligado a símbolos concretos. No entender da classe popular, assim como na criança, a palavra está associada à fase oral-sádica da libido. Isso explicaria o grande poder mágico concedido às fórmulas verbais pela população. Afinal, para ela, a palavra é um grande condensador de símbolos ( Ramos, 1972RAMOS, A. Notas psicológicas sobre a vida cultural brasileira. In: MENEZES, D. (Org.) O Brasil no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura; Ministério da Educação e Cultura, 1972. ). A linguagem não possuiria apenas a função de comunicar o pensamento: ela cumpriria uma função egotista, por estar relacionada às atividades primitivas da libido, numa fase em que o ser humano seria um reservatório de tendências, de impulsos que procuram desordenadamente pela sua máxima realização.

Entretanto, Arthur Ramos adverte que o mana não possui apenas uma dimensão narcísica. Ele provém de uma identificação com o pai primitivo. É que as cerimônias mágicas ou tabus imprimem prescrições ao sistema totêmico. Entretanto, ocorre que alguns povos primitivos se identificam com o seu totem. Disso decorrem os fenômenos de esquizofrenia ou a lei da participação, fazendo com que, na mentalidade primitiva, a entidade poderosa que se oculta por trás do animal totêmico seja a imago paterna. A imago paterna seria símbolo do irrealizável e, ao mesmo tempo, um imperativo categórico. Daí, segundo ele, o fato de o fenômeno do narcisismo, no primitivo, ter sido reforçado, no sentido de ter dado origem a um ego narcísico que deseja ultrapassar seu totem. Essa predisposição faria com que aquele que detém o mana retenha o phalus paterno. Não é à toa que, “nas práticas mágicas, o feiticeiro é o representante da potência fálica do grupo. Ele detém o princípio vital, manejando-o à vontade” ( Ramos, 1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p. 284). Tanto é que, no ritual mágico-religioso, a dança é a representação dos movimentos do Deus morto, do pai-totem, como a música primitiva é imitação de sua voz.

A constante eleição de um pai-totem pela classe subalterna revelaria o poder que o mana possui na mentalidade popular. Foi dessa maneira que Arthur Ramos explicou a preferência da população pela mudança social, que é expressão dos desejos de líderes contumazes e que se realiza como decretos. Tal como Nina Rodrigues, Arthur Ramos deu ao fanatismo um sentido extremamente negativo em função de conferir legitimidade apenas à mudança social que se executa, destruindo essa ilusão mágica da vida emocional, substituindo os elementos pré-lógicos da consciência das classes subalternas por elementos mais racionais, compatíveis com a cultura ocidental. Era assim que Arthur Ramos acreditava que o Brasil alcançaria etapas sociais mais avançadas. E, traçando um paralelo com a interpretação psicanalítica, considerou que tal processo equivalia à passagem do narcisismo à completa socialização da libido no indivíduo.16 16 “As sociedades valem pelas conquistas progressivas nos graus de erotização de suas relações, no sentido psicanalítico das etapas da libido” ( Ramos, 1934 , p. 297).

Tanto Nina Rodrigues como Arthur Ramos afirmaram, portanto, que a mentalidade animista-fetichista era a explicação para o fato de a população ser constantemente acometida de delírios histéricos. Com esse linguajar demasiadamente médico, eles não deixaram de pontuar que o fato de, no pensamento popular, a palavra estar intimamente ligada à ação, revelava que o fanatismo era a expressão de um comunismo incipiente. Entretanto atribuíram um conteúdo negativo ao fanatismo em função de ele implicar a dominação de um meneur , no dizer de Nina Rodrigues, ou de um pai-totem que maneja o mana à vontade, nas palavras de Arthur Ramos.

Desse modo, a importante indicação de que um comunismo incipiente orientava a consciência das classes subalternas foi preterida pela compreensão de Nina Rodrigues e Arthur Ramos de que o animismo fetichista, ou o mana , faz a mudança social necessariamente ser resultante de uma vontade sumária (Muniz, 1987).17 17 Em, Canudos: a guerra social , Edmundo Muniz também caracteriza o comunismo popular como intuitivo, por notar a presença de utopias na mentalidade das classes subalternas. Segundo ele, a população mais pobre se guiaria por preceitos igualitários herdados do cristianismo primitivo e pelas ideias de Tomás Moro, autor que difundiu o utopismo de uma sociedade igualitária, no imaginário popular (Muniz, op. Cit.). Essa compreensão fez o afã por relações sociais e políticas igualitárias ser contingenciado, comprovando a dificuldade que o pensamento social teve em reconhecer a classe subalterna como politicamente subversiva ( Queiroz, 2009QUEIROZ, M. I. P. de Uma categoria rural esquecida [1963]. In: WELCH, C. A. et al.(Orgs.) Leituras e interpretações clássicas. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento do Rural, 2009. V.1. ).

A despeito disso, as contribuições teóricas de Nina Rodrigues e Arthur Ramos são relevantes porque elas ajudam a evidenciar a presença de um viés reformista no pensamento social. Essa preferência pelo reformismo pode ser demonstrada, entre outras maneiras, pelos estudos posteriores de Roger Bastide e Maria Isaura Pereira de Queiroz, autores que deram uma significação ao mana mais próxima da dádiva.

A CONTRIBUIÇÃO DE ROGER BASTIDE E MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ PARA O ESTUDO DO MESSIANISMO

A despeito de caracterizar o fanatismo como uma patologia, Nina Rodrigues não deixou de reconhecer que a mentalidade animista-fetichista fazia surgir um comunismo incipiente na população mais pobre. Arthur Ramos, por sua vez, refinou a metodologia de Nina Rodrigues, ao se valer da noção de mana para acentuar a presença de um agir subversivo no mundo rural. A preocupação em determinar a função social que o agir político da classe subalterna desempenha na mudança social também marcou os estudos de Roger Bastide e Maria Isaura, embora eles tenham dado preferência ao saber sociológico, marcando sua discordância em relação à abordagem mais etnográfica que orientava os primeiros estudos sobre fanatismo.

Em respeito à tradição ensaísta, Roger Bastide também se valeu dos conhecimentos da psicanálise para discorrer sobre o comportamento político das classes subalternas. Em seu livro, Sociologia e psicanálise (1974), os termos da psicanálise ganham um sentido mais político, por ele se preocupar em caracterizar a consciência mágica das classes populares de acordo com o potencial subversivo que ela apresenta.

Roger Bastide parte do pressuposto de que Freud concede uma importância salutar à sociedade na vida psíquica do indivíduo, chegando a afirmar que havia, na psicanálise, fundamentos sociológicos precípuos. Embora a psicanálise fosse a redescoberta dos dramas da infância perdida e do inconsciente, Bastide supôs que Freud não deriva totalmente a sociabilidade da libido ou do princípio de prazer pelo fato de retratar o instinto social que todo adulto apresenta como algo que se forma com a dessexualização da libido. A contribuição da psicanálise seria fazer da sociedade não apenas uma força inibidora da libido; ela também seria constituinte do indivíduo por indicar o modo como a nossa força psíquica deve se extravasar. Em decorrência disso, a sublimação é tida por Bastide como uma verdadeira contribuição oferecida pela sociedade à constituição do indivíduo.18 18 Bastide compreende que o princípio de prazer ou a libido compele o indivíduo a evitar a dor e a satisfazer todos seus desejos. Contudo a sociedade imporia duras realidades ao indivíduo, que seria forçado a se adaptar constantemente ao meio que o cerca para não ter seus desejos neurosados. O autor chama a atenção para a sublimação, processo que oferece a possibilidade de unificação do princípio de prazer com o princípio de realidade. Seria pela sublimação que a libido iria de encontro às coerções da sociedade, sendo descartada pela censura e inibida e rejeitada para o inconsciente. Contudo, a sublimação não implicaria apenas isso: seria também uma solução para o conflito entre as forças repressivas e as forças reprimidas, na medida em que permite que a energia dessas últimas seja direcionada para outros objetivos (Bastide, op. cit.).

Entretanto, Bastide admite que nem sempre o princípio do prazer se vê assim impregnado por um princípio de realidade que o canaliza e o dirige a certas direções. Pode acontecer também o inverso: o princípio de realidade estar subsumido ao princípio de prazer, deixando se orientar por ele. Esse seria o chamado estágio da onipotência mágica alucinatória, fase na qual não se faz distinção entre o mundo subjetivo e objetivo, entre os laços do eu e do não eu e na qual a libido procura por sua máxima realização.19 19 Segundo Bastide, o estágio da onipotência mágica é paralelo à fase na qual a criança, desejosa de voltar à felicidade do ventre materno, chora e berra na expectativa de conseguir satisfazer o desejo de voltar a fundir-se com a mãe. Procedendo dessa maneira, a criança obtém a atenção da mãe e é, por isso, levada a crer que dispõe de um poder mágico capaz de assegurar a satisfação de todos os seus desejos (Bastide, ibidem ). Daí os objetos parecerem dotados de vida e de um poder divino.

Com essa apropriação da psicanálise, Bastide afirma que o narcisismo da fase da onipotência mágica explica a mentalidade primitiva e também o fetichismo da camada subalterna. Segundo ele, nesse estágio da humanidade, a inteligência se encontra dominada pela afetividade. “O subjetivo funde-se com o objetivo; a intensidade extrema dos desejos acarreta a crença na sua realização. O gesto e a palavra são dotados de eficácia própria. Eis a base da magia” (Bastide, 1974, p. 46). A fase da onipotência mágica seria o período da crença na onipotência dos desejos, por estar a libido altamente sexualizada (afinal, o princípio de realidade se encontra subjugado ao princípio de prazer).

Bastide traça um paralelo entre o processo de deslocamentos da libido vivido pelo indivíduo e o surgimento do capitalismo. Se a maturidade acontece no indivíduo à medida em que ocorrem as transferências da libido para objetos secundários até a fase genital, o capitalismo também se desenvolveria com a progressiva deserotização das relações econômicas. Bastide tinha como referência o fato de que, na criança, a fase oral é substituída pela fase anal, estágio associado à atividade de acúmulo capitalista, por ser nesse momento que a criança aprende a ter controle sobre suas necessidades. Seriam essas as primeiras economias do indivíduo.20 20 Bastide lembra que, para a psicanalise, nos sonhos e nos mitos, o ouro sempre se constitui como um símbolo que é substituto das matérias fecais (Bastide, ibidem ). Todavia, na fase anal, por ser uma fase primitiva da libido, o ouro e a prata, que são sublimações dos excrementos, ainda se revestem de um valor mágico. Os bens ainda estão rodeados de tabus que impedem a posse pessoal de riqueza. Isso levou Bastide a ponderar que, para que o capitalismo pudesse nascer, foi necessário que o ouro e a prata perdessem o seu valor mágico. Daí ele concluir que, “embora a fase anal da humanidade seja primitiva, o capitalismo não o pode ser” (Bastide, 1974, p. 112). O tabu dos metais preciosos criaria, nas sociedades primitivas, um comunismo original em função de os ímpetos da fase oral ainda predominarem sobre a fase anal.

As conclusões de Bastide aparentemente são congruentes com as de Nina Rodrigues, embora expliquem a crença no fetiche em novos termos. Na realidade, ele supunha que o capitalismo pode se desenvolver por meio da regressão da libido da fase genital para a anal. Quando é assim, a deserotização das relações econômicas nunca é completa. É assim que ele explica o fato de o capitalismo moderno, com todo seu séquito de luta de classes, apresentar um componente sádico-masoquista nas relações econômicas, que é uma orientação típica da fase anal da libido.21 21 Segundo Bastide, para que houvesse a superação do componente sádico-masoquista nas representações populares, eram necessários, tal como acontece no indivíduo, os deslocamentos da libido pelas sublimações; e ainda era necessário que ocorresse a deserotização das relações econômicas. Essas observações sugerem haver um conteúdo de ordem econômico-política nas observações psicanalíticas de Bastide. Talvez Bastide considerasse ser esse o caso da sociedade brasileira, pelo fato de a classe subalterna se guiar por preceitos mágicos ainda, a despeito de estar inserida numa sociedade capitalista. Portanto, na contracorrente dos estudos pioneiros sobre fanatismo, Bastide negou que a mentalidade animista-fetichista revelasse a existência de um comunismo popular.

Segundo Bastide, para que houvesse a superação do componente sádico-masoquista nas representações populares, era necessário, tal como acontece no indivíduo, que a libido fosse deslocada pelas sublimações; que ocorresse a deserotização das relações econômicas, portanto. Essas observações sugerem haver um conteúdo de ordem econômico-política nas observações psicanalíticas de Bastide.

Desse modo, Bastide imprime um sentido político a seus escritos, diverso do de Arthur Ramos, divisando o que seriam duas tomadas de opinião divergentes quanto aos princípios que orientam a classe subalterna. Se Arthur Ramos era assertivo ao afirmar que a população se encontrava na fase oral da libido, Bastide não tinha tanta certeza quanto a isso, chegando mesmo a sugerir que o capitalismo mundial vinha se consolidado por meio de uma regressão da libido da fase genital para a anal. Embora Bastide seguisse as mesmas trilhas dos seus antecessores, ele não situava a camada subalterna na fase oral, portanto.

Roger Bastide sumariza assim as três fases da libido: a fase animista corresponde ao narcisismo; a fase religiosa, ao estágio de objetivação, caracterizada pela fixação da libido nos pais; e a fase científica, que encontra seu paralelo no estágio de maturidade, que se caracteriza pela renúncia à busca do prazer e pela escolha de um objeto que é exterior às exigências e conveniências da libido. Essa seria, para ele, a lei dos três estágios de Freud (Bastide, ibidem ).

E mais: para ele, o messianismo brasileiro não tinha suas raízes nos traços africanos da cultura popular. O autor era enfático ao afirmar que a busca pelo paraíso perdido era um apanágio das populações caboclas do interior do país ( Bastide, 1958BASTIDE, R.Le messianisme raté. Archives de Sociologie des Religions. Janvier-Juin, n. 5, 1958. ).22 22 A análise de Bastide torna-se ambígua quando ele reconhece que a prática econômica dos sertanejos não era distinta da dos escravos. Sendo assim, ele mesmo notara que, do ponto de vista sociológico, era para ter havido um messianismo negro no país (Bastide, 1958). E restringiu o afã por generalizações da tradição ensaísta ao sugerir que a crença messiânica, para existir, precisa dar vazão aos ressentimentos de classe.

Bastide argumenta que, mesmo no espiritismo da umbanda, onde os ressentimentos de classe ganham representação com as descidas fulminantes de santos, não se podem perceber os germes do messianismo. Essas práticas religiosas seriam muito heterogêneas, apresentando mais a tendência a organizar igrejas multirraciais do que a criar um movimento reivindicatório messiânico. Os afro-brasileiros, com seus rituais de prestação e contraprestação entre os humanos e os deuses, manteriam estáveis o equilíbrio das forças cósmicas, evitando a crença no apocalipse que guiava os indígenas. Na realidade, Bastide afirmava a mentalidade afro-brasileira como refratária à mentalidade animista-fetichista.23 23 Para Bastide, o messianismo apenas se desenvolve quando há concorrência pelos postos de comando da sociedade. Com efeito, para ele, o paternalismo brasileiro instituiu relações inter-humanas continuas e afetuosas entre dominantes e dominados e vias de ascensão social pelo apadrinhamento, evitando o conflito entre as camadas sociais. Essa opinião o levou a afirmar que “Le ressentiment possible du noir est donc brisé par le fait que la barrière n’est jamais fermée et que cette barrière même fait de’amour et nom de haine” (Bastide, idem ) E conclui que, “pour qu’um messianisme nègre trionphe, il faut qu’um régime de concurrence raciale apparaisse et il faut que le noir ait l’impression que cette concurrence ne joue pas librement – qu’une barrière légale l’impêche de fonctionnner, regimes de castes, statut colonial, etc.” (Bastide, idem ). Em concordância com M. Balandier, Bastide indicou que o messianismo é uma forma de protesto anticolonialista. No Brasil, por conta do paternalismo, não teria se instalado uma situação colonial típica, por isso a ausência do messianismo negro no país.

Essas ponderações não impediram Bastide de reconhecer que o princípio de participação, descrito por Arthur Ramos por meio do mana , de fato, orienta a classe subalterna. Mas ele descobrira que, ao lado do princípio de participação, havia o de cisão.24 24 Dizia Bastide, em relação ao mana: “Nous voudrions aujurd’hui em souligner um aspect nouveaux” ( Bastide, 1958 , p. 493). O princípio de cisão permitiria que a população dividisse o mundo em compartimentos, o que comprova que as ligações místicas entre as coisas e as pessoas, estabelecidas pela lei da participação, não se faziam ao sabor do acaso na sua consciência ( Queiroz, 1983QUEIROZ, M. I. P. de. (Org.) A nostalgia do outro e do alhures: a obra sociológica de Roger Bastide. In: Roger Bastide: sociologia. São Paulo: Ática, 1983. ).25 25 Arthur Ramos definiu o mana pelo princípio de participação, sugerindo que a classe subalterna tem uma tendência a misturar seres e objetos numa mesma força mística. Bastide, de forma análoga, sugeriu que a participação obedecia à lógica da adição, porque ela convertia indefinidamente os valores objetivos em subjetivos (Bastide, 1960). Mas, em meio às participações, ele descobrira também a presença das cisões que devolviam às coisas sua objetividade ( Bastide, 1958 ). Bastide refuta, então, as interpretações de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos de que a classe subalterna se guiava por uma percepção mítica, que confunde o subjetivo com o objetivo, pela projeção que faz do eu no ambiente. A lógica dos afro-brasileiros não seria totalmente distinta da lógica dos ocidentais porque, em meio às participações, havia as cisões (Bastide, 2011). Em termos mais sociológicos, o princípio de cisão comprovava que a mentalidade popular se forma tendo os ditames dos quadros institucionais capitalistas da sociedade brasileira como parâmetro ( Bastide, 2006BASTIDE, R. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. ).

Bastide nega, então, que o fetichismo africano dota indistintamente as coisas de uma força mística ou que seria um tipo de pensamento típico de uma libido altamente sexualizada, que anseia pela sua máxima realização. Pelo contrário, o africanismo popular seria proveniente de uma libido que subsume o princípio de prazer ao princípio de realidade, sendo uma forma de ver e sentir já deserotizada pela sublimação. Desse modo, na contracorrente de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos, Bastide assevera que a crença no fetiche não traduz a busca pelos grandes turbilhões; era, quando muito, um anseio de solução para o conflito que se estabelece entre as forças da libido e as forças da realidade, por meio do desvio da energia pulsional para objetivos que estivessem mais de acordo com o capitalismo.

O fetichismo seria uma crença pautada pela lógica capitalista, estando, portanto, de acordo com dinâmica social brasileira, na qual não há conflitos dialéticos entre as classes sociais ( Bastide, 1960BASTIDE, R. Les religions africaines au Brésil. Vers une sociologie des interpénétrations de civilisations. Paris: Press Universitaires de France, 1960. ). É que o princípio de cisão, ao devolver a objetividade às coisas, fazia nascer um procedimento operatório comum entre a consciência das classes subalternas e a consciência da classe dominante, tornando possível o surgimento de um ideal aliancista entre elas. A noção de sagrado das religiões africanas não seria um reflexo das contradições econômicas; pelo contrário, é uma força que transcende o social.

Bastide deixa transparecer, então, a influência de Durkheim em seu pensamento, quando supõe que o capitalismo brasileiro se constitui por meio de uma dinâmica aliancista entre as classes sociais ( Ortiz, 1989ORTIZ, R. Durkheim: arquiteto e herói fundador. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo v. 4, n.11, p.5-22, out. 1989. ). Pauta-se, também, no conceito de dialética de Georges Gurvitch, para explicar, em termos mais sociológicos, a dinâmica social que a crença no fetiche origina (Gurvitch, 1987). Para ele, as classes sociais não se relacionam segundo uma dialética de oposição, mas por meio de uma dialética de complementaridade. Daí as transformações históricas, no Brasil, não seguirem o ritmo da luta de classes, mas o das pequenas disjunções ( Bastide, 1994BASTIDE, R. Problemas afro-brasileiros. In: Roger Bastide: ensaios e pesquisas. QUEIROZ, M. I P. de. (Org). Textos. CERU/USP, São Paulo, Série 2, n. 5, 1994. ).

Roger Bastide inaugura, então, uma vertente intelectual nova nas ciências sociais brasileiras, ao sugerir que o fetichismo não era, então, uma forma de sentir e de ver que se pauta num comunismo incipiente. Para ele, ao contrário, seria uma mentalidade que impede o capitalismo brasileiro de cometer os mesmos vícios dos países de capitalismo avançado, e que padece com o excessivo egoísmo das classes dominantes, na medida em que faz as classes subalternas se identificarem, em certa medida, com o ideal de lucro (Bastide, 2006). Desse modo, Bastide, em vez de referendar as conclusões de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos, afirma que a classe subalterna obedece a uma lógica capitalista sui generis.

Maria Isaura Pereira de Queiroz também se preocupou em saber que tipo de anseio a busca pela terra sem males gerava na camada subalterna, se o dos grandes turbilhões ou se o das pequenas disjunções. Tal como Bastide, não relacionou a espera messiânica aos traços africanos na cultura popular, por afirmar o messianismo como uma tradição cabocla (Queiroz, 1972), mas inovou em relação a seu mestre quando deu ao mana um novo estatuto teórico, por preferir traduzi-lo por meio da dádiva (Queiroz, 1976a).

Ao observar os meios e modos de vida do campesinato brasileiro, Maria Isaura reconhece que as populações do interior são messiânicas, mas acentua que a crença messiânica está orientada pela lógica do dom e contra dom ou da reciprocidade de favores (Queiroz, 1976b), fazendo uma clara remissão à obra de Marcel Mauss (Mauss, 2003). Maurice Godelier observa que Mauss foi um dos primeiros a compreender o mana pelo ideal de reciprocidade de favores. Ele notou a recusa de Mauss em reconhecer a existência de princípios comunistas na dádiva, por afirma-la como uma moral não contrária ao princípio de propriedade privada ( Godelier, 2001GODELIER, M. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. ). O mesmo se pode dizer de Maria Isaura.

É que a autora notara ser a prática do ajutório ou do mutirão fundamental para se explicar o messianismo, uma vez que ela impõe a necessidade de retribuição do favor alcançado entre os camponeses. Desse modo, foi por meio da teoria do dom e contra dom que Maria Isaura relacionou o messianismo à sociabilidade rústica, traduzindo o anseio campesino em termos teóricos mais sociológicos,26 26 De certo modo, Bastide já havia percebido a existência de uma sociabilidade fundada no ideal da ajuda mútua de origem africana quando destaca que os terreiros de candomblé formavam uma espécie de comunidade axiológica (Bastide, 1974). Mas é apenas com Maria Isaura que a prática da ajuda mútua ganha notoriedade, permitindo que os estudos sobre a consciência da classe subalterna ganhem um enfoque mais sociológico. segundo o paradigma da reforma e da revolução ( Queiroz, 1969QUEIROZ, M. I. P. de Historia y etnologia de los movimientos mesiánicos. Reforma y revolución em las sociedades tradicionales. México: Siglo XXI Editores, S.A, 1969. ).

A socióloga supõe que o ideal de ajuda mútua das comunidades messiânicas possui um teor reformista porque não rompe, de todo, com a lógica capitalista. É que as relações campesinas de compadrio se estendem de alto a baixo da hierarquia social, dando origem a clãs familiares assimétricos ou a parentelas. Em função de a comunidade messiânica repetir a lógica propagada no interior dos clãs familiares assimétricos, Maria Isaura afirma as parentelas como verdadeiros fatos sociais totais. Em termos mais políticos, a lógica da reciprocidade fazia nascer uma moral social comum entre as classes sociais, impedindo que se instalasse uma polarização entre as classes sociais.

Todavia, Maria Isaura percebe que o ideal de ajuda mútua, justamente por ser um fato social total, impunha a necessidade de retribuição do favor alcançado, mesmo para os fazendeiros, abrindo possibilidade para que a camada subalterna pudesse barganhar seu voto. Sua crença era a de que a lógica da reciprocidade dos favores, por fazer nascer uma moral social comum no meio rural, imprimia mais justiça às relações de mando, sem suscitar, todavia, uma crítica ao capitalismo. À exemplo de Bastide, Maria Isaura também julga que o surgimento de um ideal aliancista entre as classes sociais foi fundamental para que os conflitos sociais da sociedade brasileira pudessem ser neutralizados. Com essa interpretação, ela não deixa de realçar também o tipo de mudança social que achava mais factível para a sociedade brasileira: aquela que se situa a meio do caminho entre o ordinário e o extraordinário, marcando sua preferência pelo caminho das pequenas disjunções.

Importa assinalar que Maria Isaura não fazia distinção entre o messianismo reformista e o messianismo revolucionário. Afinal, para ela, também o messianismo revolucionário não rompe com o tempo cíclico, embora obedeça a uma noção de tempo linear. Por estar baseado em preceitos pessoais, o messianismo revolucionário, mesmo seguindo uma orientação contrária à lógica capitalista, não permite que a estrutura social seja questionada em seus fundamentos. Maria Isaura não deixou de notar, entretanto, que o messianismo revolucionário impede o camponês de se inserir na sociedade capitalista, ao passo que o messianismo reformista, por ser uma forma de protesto menos subversiva, propicia a participação dos camponeses nela. Foi assim que Maria Isaura explicou sua preferência pelo messianismo reformista.

Desse modo, Maria Isaura repete a perspectiva de Bastide, embora dê ao mana uma acepção mais sociológica quando o interpreta pela lógica da dádiva. Por meio dessa perspectiva, Maria Isaura pôde corrigir o erro dos primeiros estudos, ao afirmar que o messianismo não é fruto de uma liderança contumaz e eloquente. Para ela, o ideal de ajuda mútua campesino, por ser correlato à lógica das parentelas, tornou possível a barganha política no mundo rural. Ao afirmar a existência de uma bilateralidade nas relações de mando, o grande mérito da sociologia de Maria Isaura foi o de dar ao messianismo um novo estatuto teórico. Afinal, a socióloga foi uma das primeiras a reconhecer o campesinato brasileiro como politicamente ativo.

Todavia, se por meio da dádiva, Maria Isaura recusa o prognóstico fatalista dos estudos de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos, ela consolida a ideia de que o messianismo brasileiro é reformista. Para ela, a busca pela melhoria de vida campesina está em consonância com a dinâmica capitalista; o messianismo seria um meio encontrado pela classe subalterna de se inserir no sistema produtivo mercantil sem que se instalasse uma polarização dialética entre as classes sociais.27 27 Maria Isaura, tal como Bastide, também endossou a ideia de que podia surgir uma dialética de complementaridade entre as classes sociais (Queiroz, 1978). Foi com essa noção que Maria Isaura explicou o dinamismo social brasileiro.

Com a recusa do axioma mais importante deixado pelos primeiros estudiosos do tema – a indicação de que o mana contém princípios comunistas incipientes –, predominou, no pensamento social, a ideia de que a classe subalterna segue uma orientação reformista. Os estudos de Roger Bastide e Maria Isaura ajudam a evidenciar a presença desse viés no pensamento social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que existe, no pensamento social brasileiro, a tendência a representar a sociedade brasileira como se ela fosse um todo monolítico, sem conflitos significativos entre as classes sociais (Wegner, op. cit .). Essa interpretação se consolidou com a consagração da interpretação de Gilberto Freyre de que a dinâmica social brasileira obedece a uma lógica acomodatícia (Corrêa, 1981; Freyre, 2001FREYRE, G. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001. ). A existência desse viés torna-se ainda mais perceptível quando se toma como referência os estudos sobre a consciência das classes subalternas no país. Vale notar que somente na década de 1950 as populações mais pobres do interior foram reconhecidas como ativas politicamente ( Queiroz, 2009QUEIROZ, M. I. P. de Uma categoria rural esquecida [1963]. In: WELCH, C. A. et al.(Orgs.) Leituras e interpretações clássicas. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento do Rural, 2009. V.1. ). As obras de Roger Bastide e Maria Isaura têm sido consideradas imprescindíveis para essa mudança de paradigma ( Botelho, 2007BOTELHO, A. Sequências de uma sociologia política brasileira. Dados, Rio de Janeiro, v. 50, n. 1, p. 49-82, 2007. ).

Todavia, neste estudo, ficou sugerida a ideia de que já havia, nos primeiros ensaios sobre o fanatismo, a indicação da existência de um comunismo incipiente na população. Todavia essa descoberta foi preterida em função de o mana ter sido associado a um tipo de liderança que se exerce sumariamente. Ao mesmo tempo, foi salientado que, se o mérito dos estudos posteriores de Roger Bastide e Maria Isaura foi o de refutar essa ideia, não se pode esquecer que a correção foi feita consolidando a interpretação de que o agir das classes subalternas é reformista. É que, segundo eles, a bilateralidade nas relações de mando comprova que a comunidade messiânica obedece à lógica capitalista. A exemplo de Edison Carneiro, Bastide e Maria Isaura preferem enaltecer a dinâmica social acomodatícia que incorpora os indivíduos subalternos, sem alterar a estrutura social capitalista, do que ressaltar os princípios subversivos que existem na consciência política popular.

Vale dizer que Eric Hobsbawn, em seu livro Rebeldes Primitivos (1983), notou a presença de preceitos comunistas nos movimentos messiânicos latino-americanos, inclusive os brasileiros. A exemplo do que diziam os estudos pioneiros brasileiros sobre o tema, as agitações sociais espontâneas, segundo ele, possuíam um caráter epidêmico e não endêmico, como supôs o pensamento social. Segundo Hobsbawn, havia, no milenarismo, a esperança de mudança total na ordem, e a proposta de derrocada da autoridade constituída. Embora seja caracterizado como espécie de rebelião primitiva, o milenarismo apresenta um caráter revolucionário proeminente: representa a vontade política que acredita na chegada do comunismo sem a consolidação de uma primeira etapa capitalista industrial. Por ter essa orientação, o milenarismo seria um elemento facilitador da propagação das ideologias comunistas modernas América Latina e do surgimento de formas alternativas de revolução.

Todavia Hobsbawn também cai no erro de vincular os movimentos milenaristas ao surgimento de líderes deificados ou de caudilhos demagogos, o que, para ele, comprovava o teor primitivista dessas manifestações. Mas isso não o impediu de reconhecer a possibilidade de esses movimentos originarem uma consciência política de tipo moderna. Com isso, ele pontuava que as revoluções sociais podem seguir um caminho não ortodoxo, difícil de ser classificado segundo as categorias que descrevem os movimentos revolucionários europeus clássicos. Daí ele reivindicar a importância de classificações alternativas que não se pautem em ideias e movimentos sociais importados (Hobsbawn, 1983).

É preciso que a hipótese de que a liderança messiânica comporta algum grau de bilateralidade seja reconhecida sem o arrefecimento do ideal comunista igualitarista campesino por parte do pensamento social. Por essa razão, a retomada dos primeiros estudos brasileiros sobre messianismo ainda se faz atual.

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    Por classe subalterna compreende-se os indivíduos que se situam no nível mais baixo da estratificação social. No artigo, faz-se referência a dois momentos diferentes da formação social brasileira em que a classe subalterna era composta majoritariamente de escravos e homens livres, no período da escravidão, e majoritariamente de agregados, sitiantes e posseiros, no período pós-colonial até meados da década de 1950, época em que o Brasil ainda era uma sociedade majoritariamente agrária.
  • 2
    “Temos de convir que estes estudos não puderam escapar à sobrecarga emocional que qualquer das questões do negro naturalmente traz e, em consequência, em vez de contribuir para a boa solução dos problemas do nosso povo, estimularam ideias e sentimentos acientíficos e anticientíficos que redundaram na produção de conflitos fictícios e indesejáveis” ( Carneiro, 1964CARNEIRO, E. Ladinos e crioulos: estudos sobre o negro no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964. , p.115).
  • 3
    Edson Carneiro fazia alusão às organizações afro-brasileiras que, pautadas na “precariedade” dos estudos pioneiros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, procuravam fazer justiça ao negro, transformando os anseios da população de cor em exaltação africana. Ele pontuava que, ao fazerem isso, tais organizações dificultavam o processo iniciado com a abolição da escravatura, que vinha transformando o negro num cidadão identificado com as vicissitudes de nossa gente. Referia-se, principalmente, às manifestações segregacionistas que pregavam a supremacia emocional do negro em função de reviverem a fórmula norte-americana. “Que outra coisa se poderia esperar de quase vinte anos de saudosismo, de busca da África, da personalidade cultural do negro, de porquê-me-ufano da contribuição do escravo?” (Carneiro, 1964, p.116).
  • 4
    Em relação à possessão, Nina Rodrigues afirmava: “Do que tenho ouvido, dos casos que tenho observado, dos exames que tenho feito, sou levado a acreditar que os oráculos fetichistas, ou a possessão de santo, não são mais do que estados de sonambulismo provocado, com desdobramento e substituição de personalidade” (Rodrigues, 1935, p. 109).
  • 5
    Nina Rodrigues era contundente ao afirmar que a sugestão não criava o sonambulismo, como não incorria na anestesia, embora não refutasse a ideia de que ela podia modificava o aspecto exterior do êxtase. É que a preparação moral feita pelo feiticeiro orquestrava as convulsões, os êxtases do sonâmbulo. Este, ao cair no estado sonambúlico, em respeito às vestes, os ornatos que lhe prepararam o filho de santo, reproduzia a personalidade de seu Deus ou de seu Santo.
  • 6
    “O animismo fetichista africano, diluído no fundo supersticioso da raça branca e reforçado pelo animismo incipiente do aborígene americano, constitui o subsolo ubérrimo de que brotam exuberantes todas as manifestações ocultistas e religiosas de nossa população. As crenças católicas e as práticas espíritas, a cartomancia, etc., todas recebem e refletem por igual o influxo da feitiçaria e da idolatria fetichista do negro” ( Rodrigues, 1935RODRIGUES, N. O animismo fetichista dos negros bahianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935. , p. 167).
  • 7
    “Antônio Conselheiro anormaliza extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadoras da província, destituindo-as de suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam de seus recursos em favor dos menos favorecidos de fortuna” (Rodrigues, 1939, p. 56).
  • 8
    Ao atribuir um caráter epidêmico do fanatismo às manifestações histéricas, Nina Rodrigues afirmou que a mentalidade sertaneja podia ser explicada pelo fenômeno da psicologia das multidões. Todavia não deixou de reconhecer que os delírios epidêmicos que assolavam o interior do país revelavam um sentimento de surda condenação e revolta popular contra as instituições do Império. O escravismo é apontado como a instituição que corrompeu e entibiou os ânimos da população menos favorecida.
  • 9
    Sobre a possibilidade de bilateralidade no mando, Nina Rodrigues pontuou: “Em primeiro lugar, a existência de um elemento ativo cria o delírio e o impõe à multidão que passa a representar o elemento passivo do contágio. Embora aceitando as ideias delirantes, a multidão reage por seu turno sobre o elemento ativo, retificando, emendando, coordenando o delírio que só então se torna comum” (Rodrigues, 1939, p. 64).
  • 10
    Tal como Nina Rodrigues, Arthur Ramos acreditava que “O estudo do sentimento religioso é o melhor caminho para se penetrar na psicologia de um povo. Leva diretamente a esses estratos profundos do inconsciente coletivo, desvendando-nos essa base emocional comum, que é o verdadeiro dínamo das realizações sociais” (Ramos, 1934, p. 20).
  • 11
    “Já vimos que o pai de santo não quer se confundir com o feiticeiro ou o bruxo. No novo habitat, perdeu seu caráter propriamente social, reservando-se as funções sacerdotais [...]. Vamos assistir à progressiva desafricanização da feitiçaria.” ( Ramos,1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p.130).
  • 12
    Arthur Ramos acreditava que a possessão é uma verdadeira obsessão entre nós, coisa que não se sucedia na África, onde ela é uma prerrogativa apenas dos feiticeiros ou de um número reduzido de pessoas. E lembra que a possessão fetichista, quando acontece de forma espontânea, ou seja, sem decorrer de práticas evocatórias especiais conduzidas pelo pai de santo, como na macumba, chega a provocar um paroxismo extraordinário. Sendo espontânea ou não, os fenômenos de possessão provocariam uma fusão mística com a divindade.
  • 13
    Arthur Ramos explica que: “A sugestão é a causa da dissociação, a dissociação é a causa da sugestão” (Ramos, 1934, p. 189).
  • 14
    “A realidade objetiva achar-se-ia assim impregnada de elementos místicos, que o civilizado chamaria de subjetivos” ( Ramos, 1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p. 206).
  • 15
    Segundo Arthur Ramos, “O mana é expressão da libido narcisista. Como tal, esse princípio é uma força pessoal que implica um ato de vontade e de poder. É a posição libidinal do primitivo no estado narcísico, pela superestimação do poderio do seu pensamento, que explica toda a magia” ( Ramos, 1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p. 284).
  • 16
    “As sociedades valem pelas conquistas progressivas nos graus de erotização de suas relações, no sentido psicanalítico das etapas da libido” ( Ramos, 1934RAMOS, A. O negro brasileiro: ethnografia religiosa e psycanalyse. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1934. , p. 297).
  • 17
    Em, Canudos: a guerra social , Edmundo Muniz também caracteriza o comunismo popular como intuitivo, por notar a presença de utopias na mentalidade das classes subalternas. Segundo ele, a população mais pobre se guiaria por preceitos igualitários herdados do cristianismo primitivo e pelas ideias de Tomás Moro, autor que difundiu o utopismo de uma sociedade igualitária, no imaginário popular (Muniz, op. Cit.).
  • 18
    Bastide compreende que o princípio de prazer ou a libido compele o indivíduo a evitar a dor e a satisfazer todos seus desejos. Contudo a sociedade imporia duras realidades ao indivíduo, que seria forçado a se adaptar constantemente ao meio que o cerca para não ter seus desejos neurosados. O autor chama a atenção para a sublimação, processo que oferece a possibilidade de unificação do princípio de prazer com o princípio de realidade. Seria pela sublimação que a libido iria de encontro às coerções da sociedade, sendo descartada pela censura e inibida e rejeitada para o inconsciente. Contudo, a sublimação não implicaria apenas isso: seria também uma solução para o conflito entre as forças repressivas e as forças reprimidas, na medida em que permite que a energia dessas últimas seja direcionada para outros objetivos (Bastide, op. cit.).
  • 19
    Segundo Bastide, o estágio da onipotência mágica é paralelo à fase na qual a criança, desejosa de voltar à felicidade do ventre materno, chora e berra na expectativa de conseguir satisfazer o desejo de voltar a fundir-se com a mãe. Procedendo dessa maneira, a criança obtém a atenção da mãe e é, por isso, levada a crer que dispõe de um poder mágico capaz de assegurar a satisfação de todos os seus desejos (Bastide, ibidem ).
  • 20
    Bastide lembra que, para a psicanalise, nos sonhos e nos mitos, o ouro sempre se constitui como um símbolo que é substituto das matérias fecais (Bastide, ibidem ).
  • 21
    Segundo Bastide, para que houvesse a superação do componente sádico-masoquista nas representações populares, eram necessários, tal como acontece no indivíduo, os deslocamentos da libido pelas sublimações; e ainda era necessário que ocorresse a deserotização das relações econômicas. Essas observações sugerem haver um conteúdo de ordem econômico-política nas observações psicanalíticas de Bastide.
  • 22
    A análise de Bastide torna-se ambígua quando ele reconhece que a prática econômica dos sertanejos não era distinta da dos escravos. Sendo assim, ele mesmo notara que, do ponto de vista sociológico, era para ter havido um messianismo negro no país (Bastide, 1958).
  • 23
    Para Bastide, o messianismo apenas se desenvolve quando há concorrência pelos postos de comando da sociedade. Com efeito, para ele, o paternalismo brasileiro instituiu relações inter-humanas continuas e afetuosas entre dominantes e dominados e vias de ascensão social pelo apadrinhamento, evitando o conflito entre as camadas sociais. Essa opinião o levou a afirmar que “Le ressentiment possible du noir est donc brisé par le fait que la barrière n’est jamais fermée et que cette barrière même fait de’amour et nom de haine” (Bastide, idem ) E conclui que, “pour qu’um messianisme nègre trionphe, il faut qu’um régime de concurrence raciale apparaisse et il faut que le noir ait l’impression que cette concurrence ne joue pas librement – qu’une barrière légale l’impêche de fonctionnner, regimes de castes, statut colonial, etc.” (Bastide, idem ). Em concordância com M. Balandier, Bastide indicou que o messianismo é uma forma de protesto anticolonialista. No Brasil, por conta do paternalismo, não teria se instalado uma situação colonial típica, por isso a ausência do messianismo negro no país.
  • 24
    Dizia Bastide, em relação ao mana: “Nous voudrions aujurd’hui em souligner um aspect nouveaux” ( Bastide, 1958BASTIDE, R.Le messianisme raté. Archives de Sociologie des Religions. Janvier-Juin, n. 5, 1958. , p. 493).
  • 25
    Arthur Ramos definiu o mana pelo princípio de participação, sugerindo que a classe subalterna tem uma tendência a misturar seres e objetos numa mesma força mística. Bastide, de forma análoga, sugeriu que a participação obedecia à lógica da adição, porque ela convertia indefinidamente os valores objetivos em subjetivos (Bastide, 1960). Mas, em meio às participações, ele descobrira também a presença das cisões que devolviam às coisas sua objetividade ( Bastide, 1958BASTIDE, R.Le messianisme raté. Archives de Sociologie des Religions. Janvier-Juin, n. 5, 1958. ).
  • 26
    De certo modo, Bastide já havia percebido a existência de uma sociabilidade fundada no ideal da ajuda mútua de origem africana quando destaca que os terreiros de candomblé formavam uma espécie de comunidade axiológica (Bastide, 1974). Mas é apenas com Maria Isaura que a prática da ajuda mútua ganha notoriedade, permitindo que os estudos sobre a consciência da classe subalterna ganhem um enfoque mais sociológico.
  • 27
    Maria Isaura, tal como Bastide, também endossou a ideia de que podia surgir uma dialética de complementaridade entre as classes sociais (Queiroz, 1978). Foi com essa noção que Maria Isaura explicou o dinamismo social brasileiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2016
  • Aceito
    03 Mar 2019
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