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Domínios armados e seus governos criminais - uma abordagem não fantasmagórica do “crime organizado”

RESUMO

Busca-se contribuir para a compreensão das dinâmicas sociais, econômicas e políticas onde se estabelecem domínios armados com suas ambições de hegemonia sobre território e população e de monopólio de mercados ilegais. Parte-se das práticas de governança criminal do PCC em São Paulo e das milícias no Rio de Janeiro como ilustrações de exercício de governos criminais, explorando suas similaridades e diferenças. Propõe-se uma grade conceitual-analítica a partir de alguns elementos centrais como as múltiplas relações com diversos atores estatais, a complexa inserção comunitária e a diversificação criminal e regulação de mercados (i)legais. A abordagem da governança criminal coloca-se como alternativa às narrativas do “crime organizado”, substituindo noções teórico-abstratas por concepções teóricas-conceituais construídas a partir da observação empírica dos efeitos produzidos nos territórios sob domínio armado.

PALAVRAS-CHAVE:
Crime organizado; Governança criminal; Domínio armado; PCC; Milícias

ABSTRACT

This article seeks to contribute to the understanding of social, economic and political dynamics by which armed domains are established, along with their ambitions of hegemony over territories and populations, and monopoly of illegal markets. It starts with the criminal governance practices of the PCC in São Paulo and the militias in Rio de Janeiro as illustrations of the exercise of criminal governments, exploring their similarities and differences. A conceptual-analytical grid is proposed based on some central elements such as the multiple relationships with different state actors, the complex community insertion and the criminal diversification and regulation of (i)legal markets. The criminal governance approach is an alternative to the narratives of “organized crime”, replacing theoretical-abstract notions with theoretical-conceptual conceptions built from empirical observation of effects produced in territories under armed domain.

KEYWORDS:
Organized crime; Criminal governance; Armed domain; PCC; Militias

Crime organizado: decifra-me ou te devoro, uma problematização introdutória

No primeiro dossiê Crime Organizado, realizado pela revista Estudos Avançados 61, Muniz e Proença Jr. (2007MUNIZ, J.; PROENÇA JUNIOR, D. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Dossiê Crime Organizado, Estudos Avançados, v.21, n.61, p.159-72, dez. 2007.) já chamavam a atenção para o fato de que essa categoria ilude mais do que esclarece sobre os fenômenos que circunscreve. Corresponde a uma palavra-performance que cria um efeito de realidade no ato mesmo de sua enunciação. Serve como uma categoria-exílio, uma espécie de depósito de fragmentos empíricos, de conjecturas, prescrições político-jurídicas e raciocínios hipotéticos que conjugam achados de pesquisa com os achismos do senso comum.

Crime organizado aparece no debate público como uma categoria em disputa por uma unidade classificatória no universo acadêmico e por uma hegemonia tipológica no mundo das políticas públicas de segurança. A ausência de consensos científico e normativo possibilita acordos técnicos e procedimentais, mais ou menos tácitos, de seu conteúdo arrolado. Revela-se que o tal crime organizado é um arquivo cumulativo e provisório de presunções, prescrições e prospecções aberto ao devir das experiências sociais, políticas e institucionais em um dado contexto histórico.

Há que problematizar essa nomenclatura e seu rendimento explicativo, diante do álbum de evidências empíricas disponíveis e do acervo crítico da produção acadêmica recente (Salla; Teixeira, 2020SALLA, F.; TEIXEIRA, A. O crime organizado entre a criminologia e a sociologia Limites interpretativos, possibilidades heurísticas. Tempo Social, v.32, n.3, p.147-71, 2020.). Ela possui um forte apelo midiático e político-jurídico que produz efeitos sobre as representações e práticas sociais sobre o crime, a violência e a insegurança, independentemente do que seja capaz de esclarecer sobre grupos que atuam nos mercados ilícitos e que são definidos e/ou auto identificados como criminosos.

A classificação de crime organizado tem sua origem na tradição da criminologia norte-americana e constitui-se num fenômeno empírico-terminológico do século XX. Nesse sentido, seria inútil buscar raízes históricas anteriores porque implicaria negar alguns aspectos fundadores do próprio termo: a estrutura empresarial e o mercado ilícito contemporâneos. Para Zaffaroni (1996ZAFFARONI, E. R. Crime organizado: Uma categorização frustrada. Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, ano 1, n.1, 1996.) crime organizado não compreende qualquer composição de agentes ou associações com fins ilegais anteriores à emergência do capitalismo. Mas essa subordinação à lógica capitalista de mercado, ao mesmo tempo que põe em relevo a composição de interesses e seus cálculos utilitários, encontra problemas na inclusão de grupos de origem pré-capitalista atravessados por atributos tradicionais e modernos como as máfias e que, paradoxalmente, são usados como modelos de crime organizado. Segundo Paoli (2002PAOLI, L. The paradoxes of organized crime. Crime, Law & Social Change, v.37, p.51-97, 2002.), essa incongruência descritivo-funcional é suficiente para ilustrar a inconsistência conceitual decifrada do crime organizado, mas que se sustenta como uma emblemática metáfora a devorar mentes astutas e agradar corações aturdidos.

A alegoria crime-organizado segue, como um ajuntamento de órgãos sem corpo, vivificando o nosso imaginário social, animando as coberturas jornalísticas, justificando exercícios heterodoxos dos poderes de polícia e jurisdicional e, ainda, legitimando políticas restritivas de direitos. Trata-se de uma categoria-índice cujas abertura e maleabilidade para justapor sucessivos qualificativos possibilitam apropriações particularizadas para cada novo episódio jurídico-policial e midiático que se candidata a mais um “caso de repercussão”. Cria a exemplaridade de casos típicos que desafiam a lei, mobiliza cruzadas morais e soluções políticas anticrime e produz um efeito de controle da criminalidade violenta ao estigmatizar, além dos sujeitos, as próprias relações sociais e os lugares por onde estes transitam (Muniz; Cecchetto, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,).

Tal como manobrado nas narrativas do senso comum midiático-político-policial, a categoria crime organizado mesmo que não permita compreender a pluralidade de seus agentes, a distinção dos seus arranjos organizacionais, a diversidade de seu funcionamento, a diferenciação das suas territorialidades, a multiplicidade do mercado de bens e serviços, aponta para um repositório expressionista de aspectos sensíveis identificados no trabalho investigativo policial e/ou jornalístico que servem para apontar os corpos e as coisas processados e apreendidos pelo sistema de justiça criminal. Alguns dos aspectos que, por recorrência e reiteração, fazem parte do seu descritivo são: 1) a estrutura derivada do que é visível (a boca de fumo) e do que aparenta trabalho conjunto (os seus integrantes); 2) a comercialização de bens ilegais, sobretudo drogas e armas cujos fornecedores e seu delivery são misteriosos; 3) a natureza organizacional criminosa distinta de empresas legais que cometem crimes; 4) a composição por criminosos de carreira e de origem subalterna; 5) enraizamento em espaços populares; e 6) participação de agentes estatais. Tal somatório de elementos comporia um rentável amontoado seletivo e episódico que é ficcionado e desvendado pelos dispositivos repressivos do Estado. Têm-se tantos crimes organizados quanto os casos policiais, as coberturas jornalísticas e os processos judiciais construídos e veiculados.

A própria definição legal de crime organizado, no Brasil, torna-se refém, causa e efeito da construção desse ornitorrinco tipológico. Isso amplia a insegurança jurídica por abrir uma enorme avenida interpretativa para as decisões discricionárias e invisíveis dos operadores do sistema de justiça e segurança, fazendo prosperar ativismos policiais e judiciais que sabotam preceitos constitucionais e o devido processo legal. De acordo com a Lei n.12.850, de 2.8.2013:

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A definição legal de “organização criminosa” é tão vaga que a sua imprecisão normativa impossibilita a autolimitação do ius puniendi estatal. O direito do Estado de punir se torna tão ilimitado quanto o arrolamento de atributos identificáveis para justificá-lo. Um dos problemas críticos da caracterização da “organização criminosa” é a comprovação de uma associação efetiva entre seus membros: o animus (intenção de agir conjuntamente) e a affectio societatis (realização do ato conjunto) criminosos que delimitariam a cobertura punitiva. Mas que diante da inconsistência classificatória favorece a produção de sobrealcances incriminatórios no afã de colocar, além de indivíduos, um ente imaterial e intangível, as próprias interações sociais, no banco dos réus.

O empreendimento moral de produzir um efeito de punição e detenção do coletivo requer uma manobra contábil e habilidosa de quantificar qualificativos entre “4 ou mais pessoas”. Na prática, isso confere estatuto de realidade fática e prova legal às categorias nativas: “organização paramilitar” “milícias”, “esquadrão”, “família” ou outros apelidos saídos dos relatos policiais-jornalísticos. Como a listagem é, por natureza, nominalista, cumulativa e aberta, coloca-se como recurso substituto e conclusivo a palavra genérica “grupo” (qualquer um) desde que nele se atribua a “finalidade de praticar crimes”. Vê-se um movimento normativo subordinado a alguma forma (i)legal e (i)legítima de delação. Esse requer tanto a confissão direta pela autoidentificação ou uma autodeclaração incriminatória quanto a confissão indireta oferecida pelo discurso midiático e, sobretudo, a tipificação criminal exterior feita pelos agentes de controle social.

Diante das ambivalências presentes na expressão “crime organizado” e das dificuldades para operacionalizá-la na análise de fenômenos concretos, optamos por adotar a conceituação de “domínio armado” (Muniz; Proença Jr., 2007MUNIZ, J.; PROENÇA JUNIOR, D. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Dossiê Crime Organizado, Estudos Avançados, v.21, n.61, p.159-72, dez. 2007.; Miranda; Muniz, 2018MIRANDA, A. P.; MUNIZ, J. Dominio armado: el poder territorial de las facciones, los comandos y las milicias en Río de Janeiro. Revista Voces en el Fenix, v.68, p.44-9, 2018.) e suas manifestações como “governo criminal” para problematizar as formas de gestão dos territórios e populações e os modos de regulação de mercados que podem ser observados no Brasil, e que apresentam formas de atuação e de representação singulares em diferentes localidades. A noção de domínio armado vincula diretamente a discussão dos governos criminais ao campo da soberania e, portanto, à problemática teórica clássica da ambição de monopólio estatal da violência física legítima e as formas que ele (não) assume no Brasil (Adorno; Dias, 2014ADORNO, S.; DIAS, C. Monopólio Estatal da Violência. In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p.187-97.).

Compreendem-se por domínio armado os grupos ou redes que exercem controle territorial armado e regulam atividades econômicas ilegais e irregulares, em um território específico, fazendo uso da coação violenta como principal recurso de sustentação de seu governo criminal. Sua natureza instável, provisória e fluida demanda disputas continuadas e concessões pactuadas entre atores criminais e destes com agentes estatais (Muniz; Proença Jr., 2007MUNIZ, J.; PROENÇA JUNIOR, D. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Dossiê Crime Organizado, Estudos Avançados, v.21, n.61, p.159-72, dez. 2007.; Miranda; Muniz, 2018MIRANDA, A. P.; MUNIZ, J. Dominio armado: el poder territorial de las facciones, los comandos y las milicias en Río de Janeiro. Revista Voces en el Fenix, v.68, p.44-9, 2018.). O domínio armado como manifestação de um governo autônomo em conflito latente com outros concorrentes (“tráfico” e “milícias”) e em confronto amistoso e transacionado com o Estado (polícias, políticos e burocratas) possibilita apreender as articulações entre os fins de sua política, as estratégias de seus negócios, as táticas comerciais de suas competições e as necessidades logísticas de sustentação territorial (Miranda; Muniz, 2018).

Busca-se pôr em evidência o que se considera indispensável para a ambição de soberanias sobre território e população que instrumentalizam a pretensão de monopólios na criação e regulação de mercados ilícitos: os processos de dominação que possibilitam a constituição de uma economia política ilegal, translocal, itinerante e em rede. Trata-se de trazer as relações de poder de volta ao centro da discussão sobre os tantos crimes organizados assim nomeados, compreendendo que as suas racionalidades econômicas são antes expressões da política em suas paixões e interesses. Procura-se resgatar o complexo e decisivo lugar do Estado na produção de inputs político-criminais como o policiamento reativo-repressivo e o encarceramento massivo que incrementam a constituição e a manutenção de governos criminais relativamente autônomos (Muniz; Cecchetto, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,; Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.). Dadas as múltiplas possibilidades empíricas existentes, iremos considerar somente ilustrações dos casos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O objetivo deste artigo é contribuir para a compreensão das lógicas de controle de territórios e de regulação dos mercados estabelecidos por atores criminais no Brasil, sublinhando singularidades desses e das suas governanças a partir de seus repertórios discursivos-normativos e das bases nas quais apoiam o exercício de seu poder. Nesse exercício analítico, problematizam-se alguns “mitos” que se constituíram na abordagem do crime organizado evidenciando que na emulação de um Estado Policial que instaura a insegurança como projeto de poder, o medo como regime e a exceção como regra, governa-se com o crime organizado e não contra ele. Essa proposta analítica se coloca como alternativa a construtos teóricos-abstratos distanciados dos fenômenos empiricamente verificáveis e da própria expressão crime organizado. Trata-se de uma contribuição que se pretende analítico-teórica, mas que tem como substrato as realidades nos territórios concretos onde se produzem, nos seus efeitos sobre as comunidades e que atravessam a vida das pessoas reais que por ali circulam e vivem.

Veja-me como quero ser visto: narrativas nativas do “crime organizado” e suas serventias

Brodeur (2002BRODEUR, J.-P. Le crime organisé. In: MUCCHIELLI, L.; ROBERT, P. Crime et securité: L’état des savoirs. Paris: La Découverte, 2002. p.242-51.) chama a atenção para o caráter paradoxal do objeto denominado crime organizado que, impossível de ser empiricamente observável, constitui-se em produto de um saber prescritivo que se apoia em juízos morais, registros seletivos, testemunhos parciais, relatos indiretos; enfim, fundamenta-se em seleções arbitrárias de dados enviesados de segunda e terceira mãos. Uma das razões da pobreza desse saber é a ausência de pesquisas empíricas, sendo a maioria dos estudos derivados de fontes policiais e/ou jornalísticas.

Os dossiês policiais são resultantes de distintos níveis de discricionariedade cujas filtragens não são convergentes entre si. Essas vão da demanda do cidadão delator, passando pela avaliação do policial, chegando até as prioridades organizacionais da polícia, do governo e de suas bases de apoio. A produção de informações policiais fala mais do trabalho policial que se quer realizado, legitimado e publicitado do que das realidades submetidas aos processos policiais de relato e registro. Muito do que faz a “imprensa investigativa” é dependente das “fontes oficiais” e privilegiadas, vindas da polícia, o que introduz um filtro a mais na coleta e tratamento das informações, além da seletividade exercida pelo repórter, redação e editoria. Constroem-se levantamentos policiais-jornalísticos que não são pesquisas estrito senso, a serviço das lógicas persecutória do sistema criminal e repercussiva da construção da verdade noticiada das mídias (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,).

Não há um corpo de conhecimento sobre crime organizado que seja coerente e amarre um consenso sobre seus atributos classificatórios. Vê-se a proliferação de realidades ficcionais, sensacionalistas sobre crime organizado dissociadas das suas realidades concretas e possibilidades reais de atuação. No âmbito acadêmico, ora se superestimam, ora se subestimam os domínios armados e suas formas móveis de governo sobre territórios e populações, optando-se, por exemplo, pelo uso da expressão “gestão de ilegalismos” (Telles; Hirata, 2010TELLES, V.; HIRATA, D. V. Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo. Tempo Social, v.22, n.2, p.39-59, 2010.; Salla; Teixeira, 2020SALLA, F.; TEIXEIRA, A. O crime organizado entre a criminologia e a sociologia Limites interpretativos, possibilidades heurísticas. Tempo Social, v.32, n.3, p.147-71, 2020.). Essa desloca o cerne do problema do ator criminal para o ator estatal em abstrato, avançando pouco na compreensão do problema em suas manifestações concretas nos territórios onde eles se encrustam.

Tem-se nas narrativas policiais e jornalísticas a tomada tendenciosa de um partido: a defesa da sociedade contra o crime que, na sua pedagogia discursiva de reprovação moral das práticas delitivas, censura e silencia características importantes do “mundo do crime” de interesse para a pesquisa. Há uma construção apofática do universo criminal reconstruído por fatos sob sanção. Os ritos da reportagem guiados pelos rituais da ação policial dão vida e reforçam mitos sobre o crime organizado que conferem mérito, prestígio e privilégio aos seus operadores que se tornam “arquivos” ambulantes ou “tudólogos” que sabem tudo sobre a vida do crime.

São diversas as fabulações que atendem a projetos de poder e à manutenção de status quo nas agendas de segurança pública. A veiculação substantivada dos domínios armados como uma “firma” é uma delas. Ao reduzi-los à sua função econômica mascaram-se os atributos políticos, sociais e culturais de sua configuração que apontam para relações de convivência, conveniência e conivência com o Estado e com a sociedade.

O jargão “firma”, usado por membros de grupos armados, comunica uma atividade laboral lucrativa e um modo de legitimação. Toma-se a categoria nativa ao pé letra para dar vida à falsa analogia com um poderoso Crime S/A ou com um CNPJ criminoso como uma grande corporação. Esse nativismo descritivo serve como publicidade criminal, indispensável ao efeito de dominação dos grupos armados para se mostrarem mais fortes do que são. Vivifica-se uma moralidade beligerante que autoriza uma guerra (comercial) contra o crime feita pelo Estado Policial. Isso chancela a negociação de armistícios provisórios com a oferta política de uma paz pontual do arrego durável até a próxima extorsão. No discurso aparente faz-se a guerra para conter o “avanço do crime organizado”, reduzir o “aumento do (seu) poderio bélico” divulgado como maior que o Estado e para frear uma “grande ameaça a soberania nacional”. No discurso profundo faz-se a guerra para se obter mais cheques em branco para despachantes do poder de polícia e novas procurações em aberto para representantes dos mandatos públicos. Uns e outros, com elevada autonomia e baixa governabilidade, redimensionam contratos de concessão de territórios e renovam os “alvarás” do funcionamento das firmas criminais (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,).

A narrativa do crime-firma põe em relevo a sua cara metade, a de um “estado paralelo” prepotente que emerge dos grupos criminosos para “desafiar o Estado ausente” nas intituladas “comunidades carentes” de rei, lei e ordem. A ideia de um Estado evoca uma burocracia profissional e estável que exerce autoridade também estável sobre uma sociedade politicamente organizada. Nada mais distante dos domínios armados que exercem governos criminais que se beneficiam das tecnologias da estatalidade e suas práticas de autoridade (Miranda; Pita, 2011MIRANDA, A. P.; PITA, M. V. Rotinas burocráticas e linguagens do Estado: políticas de registros estatísticos criminais sobre mortes violentas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Dossiê Crime, Segurança e Instituições Estatais: Problemas e Perspectivas. Curitiba. Rev. Sociol. Polit., v.19, n.40, p.59-81, out. 2011.) para existirem. A fantasia purista de um Estado criminal que funciona em paralelo ao Estado formal e que é, ao mesmo tempo, uma empresa, quer fazer crer na existência de um mundo criminoso à parte sem articulações com poderes e mercado formais. A autossuficiência criminosa como Estado-firma sobre um território oculta as inter-relações entre os domínios armados (tráfico e milícia) e as estruturas do Estado e do mercado. Eleva também o status do inimigo e o seu reconhecimento como um antagonista que faz jus à construção política de um estado de guerra continuado para sustentar um estado de sobrevivência que promove a conversão das polícias em autarquias sem tutela, reconfigura os contratos informais de exploração de territórios populares e renova os termos de funcionamento dos mercados ilícitos (Muniz; Proença Jr., 2007MUNIZ, J.; PROENÇA JUNIOR, D. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Dossiê Crime Organizado, Estudos Avançados, v.21, n.61, p.159-72, dez. 2007.). De bandos, bondes e quadrilhas desorganizados chega-se, por esta narrativa, ao “Estado empresarial” parceiro dos poderes públicos que organizam o crime na implementação da política econômica da (in)segurança pública.

As generalidades que a expressão crime organizado produz obscurecem os sentidos da autonomeação dos grupos criminosos e as pistas analíticas sobre o exercício armado de seus domínios político-econômicos. “Facção” e “comando” são alegorias nativas, sensíveis e prescritivas, manobradas por detentos, autoridades e mídias que afirmam poderes, legitimam tipos de autoridade, reivindicam posses e, assim, seus regimes de verdade. Indicam formas de poder armado, direto ou indireto, que comunicam modos distintos de exercer governo criminal. Para Muniz (2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,) a “facção” sinaliza uma pretensão de unidade tática de propósito e ação, explora a fragmentação com alianças provisórias e instáveis, reconhecendo a existência de antagonistas e a pertinência de disputa por supremacia econômica no território. E o “comando” indica uma ambição de unidade política de propósito e ação, explora a concentração do mando e a centralização decisória com sujeição e assimilação de rivais, reconhecendo a pertinência de disputa por hegemonia política no território. As duas categorias tratam de modos de governar, atuando na construção e regulação de mercados ilícitos e nas suas interfaces com os poderes públicos constituídos. Facções, comandos, milícias, firmas e famílias são variações empíricas do mesmo tema conceitual: domínios armados e seus dispositivos de governabilidade no plano local. Os mitos de sua origem e reputação, apoiados nos seus ritos de afirmação política de autoridade e de negociação comercial de seus interesses, configuram modos específicos de exercício de governança criminal.

PCC e milícias: mitos de origem e seus ritos de legitimação

Checcheto, Muniz e Monteiro (2020) enfatizam que nem sempre fica claro o que são as teorias nativas que os grupos criminosos constroem para afirmar suas identidades, e o que são as construções analíticas que visam compreender as narrativas destes grupos e suas práticas. Os trabalhos de Muniz e Proença Jr. (2007), Dias (2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.), Feltran (2018_______. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.), Cano e Duarte (2012CANO, I.; DUARTE, T. Só no sapatinho: A evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008-2011). Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll/LAV, 2012.) e Alves (2020ALVES, J.C. Dos Barões ao extermínio. Uma história da violência na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Consequência. 2020.) trazem achados que permitem reconstruir os discursos que o PCC e as milícias constroem sobre si, a vivificação de seus mitos de origem e as formas como são justificados seus rituais ou “modos de proceder”. Permitem perceber como as explicações sobre o PCC e as milícias seguem coladas às suas estratégias legitimadoras, arriscando-se a validar o modo como esses domínios armados querem ser representados e reconhecidos em contraste com outros arranjos criminosos. Aqui problematizam-se essas construções híbridas nas quais se misturam representações sociais e conceituais.

PCC, da firma ao governo: uma irmandade empreendedora?

A narrativa do PCC sobre si permite refletir sobre os dispositivos coercitivos (não) estatais, (i)legais de controle e regulação de pessoas, territórios e mercados, suas composições, relações e implicações no cotidiano da segurança pública. O PCC divulga o seu “mundo do crime” como algo único. Apresenta-se como um ente independente e horizontal em sua composição feita por bandidos da periferia batizados de “irmãos”, sem conexões para o alto da burocracia estatal e para cima com os grupos de poder econômico (Cecchetto; Muniz; Monteiro, 2020). Mostra-se como uma agremiação coesa, com uma unicidade de princípios e verticalizada em sua orientação (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.). Aparece, no seu lugar de fala, como uma fraternidade igualitária que se move por laços de respeito, lealdade, solidariedade, e se afirma como livre para se organizar em células autônomas (Feltran, 2018_______. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.).

A narrativa do PCC sobre si busca legitimar sua atuação prometendo igualdade e justiça entre seus integrantes. Pretende produzir engajamento dos sujeitos enquanto um “comando” que se afirma como unidade centralizadora que unifica rivais pela sujeição, impondo monopólio político de mercado no território. A produção de hegemonia é narrada a partir da transmissão de conhecimentos, comportamentos e dos pressupostos éticos da tal irmandade. Tudo sob o manto da conscientização do bandido convertido em “irmão”, transmitida repetidamente através da via oral e numa profusão de registros escritos (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.; Manso; Dias, 2018MANSO, B. P.; DIAS, C. A guerra - A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.; Miranda; Muniz, 2018MIRANDA, A. P.; MUNIZ, J. Dominio armado: el poder territorial de las facciones, los comandos y las milicias en Río de Janeiro. Revista Voces en el Fenix, v.68, p.44-9, 2018.).

Nos territórios “pacificados” das prisões e periferias de São Paulo, o governo do PCC é exercido de forma não ostensiva, com o recurso de força manobrado de forma indireta. A capacidade impositiva dada pelas armas é mantida como potencial, cuja justificativa é a da desnecessidade de sua ostentação em razão do suposto conhecimento que a comunidade policiada pelo PCC, na qual se incluem bandidos autônomos, tem sobre o (agir) “certo”. A sua hegemonia no mundo do crime aparece no discurso nativo como uma vantagem para todos (polícia, moradores e criminosos) já que minimiza a possibilidade de ataques de rivais garantindo a manutenção das rotinas de quem pertence, circula ou trabalha nos mercados ilegais nestes espaços populares. O controle do território soa imperceptível para quem não tem os olhos atentos aos olhares vigilantes que acompanham as circulações e movimentações nestes espaços.

Além das teias de vigilância horizontalizada compostas por olheiros integrantes do PCC, moradores e agentes públicos, tem-se a instituição de um procedimento ritualístico para a discussão sobre os problemas que emergem nas “quebradas” e a deliberação por meio do “debate”, denominado pela imprensa de “tribunal do crime” e que na comunicação local se conhece como “ir pras ideias”. Cabe a uma junta governamental com atuação na localidade e que pode envolver indivíduos que estão dentro do sistema prisional, proferir decisões que implicam punição violenta. Reafirma-se a posição do PCC como um modo de governo sobre território e população, como uma instância de administração de conflitos e, neste sentido, de “pacificação” para dentro do “mundo do crime” que reforça e legitima o exercício de seu monopólio (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.; Feltran, 2008FELTRAN, G. O legítimo em disputa: As fronteiras do “mundo do crime” nas periferias de São Paulo. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v.1, p.93-148, jul.-set. 2008.; Ruotti, 2016RUOTTI, C. Pretensão de legitimidade no PCC: justificação e reconhecimento de suas práticas nas periferias da cidade de São Paulo. São Paulo, 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.; Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,).

O PCC, como uma expressão do mercado, oculta o conflito e, como uma projeção de governo, invisibiliza as disputas violentas por poder entre seus membros e os acordos políticos com atores estatais e privados (Cecchetto; Muniz; Monteiro, 2020). A paz em São Paulo contrasta com a guerra em territórios e em mercados nos quais o Comando paulista não tem hegemonia e os quais disputa com comandos rivais o controle dos mercados e do território (Manso; Dias, 2018MANSO, B. P.; DIAS, C. A guerra - A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.). O discurso da guerra é elaborado mediante táticas de legitimação nas quais o PCC reclama uma forma de fazer o crime que seria superior aos dos demais grupos, que é inscrita como o “crime verdadeiro” ou “o crime pelo certo”. A construção da hegemonia do PCC é elaborada através de um “consenso” impositivo que bloqueia e elimina o dissenso (Dias, 2013).

A sociologia nativa que emerge dessa saga discursiva é evolucionária-desenvolvimentista e sobrevaloriza as virtudes da iniciativa privada em relação as iniciativas públicas. A modernidade do PCC é veiculada na aposta moral no mercado (ilícito) como um ente superior em fins, meios e modos ao Estado situado como débil e ausente. Mais que um Estado mínimo nos lugares com pontos comerciais ilícitos, a narrativa neoliberal do PCC deixa entrever a existência de um Estado ínfimo, incapaz de garantir soberania sobre território e população e de produzir regulação sob o mercado (Cecchetto; Muniz; Monteiro, 2020). Na epopeia discursiva do PCC depreende-se um estado necessitado de uma parceria público-privado com o crime para gerir territórios e populações sobre os quais teria uma espécie de terceirização da soberania de territórios pobres e periféricos, incluindo os territórios estatais, como as prisões (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.).

Constrói-se e veicula-se uma visão que subestima os dispositivos estatais de força, suas lógicas em uso nos processos institucionais, informais e mesmo ilegais de produção de controle e regulação (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,). Nas falas do PCC, a polícia, assim como toda a máquina coercitiva estatal, além de indistinta, aparece reduzida a policiais avulsos com os quais se negociam os “alvarás” para manter a “loja” aberta (Muniz, 2021). Se o PCC aparece como uma agremiação pacífica e organizada, a polícia, a política em armas e o Estado na “quebrada”, é representada como um amontoado de agentes violentos e corruptos dispostos a fazer negócios com o crime. Os agentes estatais aparecem só no varejo como subalternos, e não como parceiros, prestadores de serviço, sócios ou mesmo patrões (Muniz, 2021). Nota-se um esforço retórico criminal e jornalístico-policial de ocultar o lado Estado e publicitar o lado empresa do PCC.

Conforme ressaltam Cecchetto, Muniz e Monteiro (2020), a teoria nativa do PCC, um arranjo criminoso nascido nas prisões de São Paulo (Adorno; Salla, 2007ADORNO, S.; SALLA, F. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, São Paulo, v.21, n.61, p.7-29, set.-out. 2007.; Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.; Biondi, 2010BIONDI, K. Junto e misturado: Imanência e transcendência no PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010.), apropria-se do mito de origem dos bandeirantes em sua versão heroica. A simbólica das Bandeiras retrata São Paulo como a fonte de desenvolvimento e de progresso que se irradiaria por todo território brasileiro, forjando um sentido comum de nacionalidade a partir do ethos paulista empreendedor e resistente. As representações pujantes do bandeirantismo retratam uma saga pioneira do povo paulista que “traz no sangue” o destemor para desbravar divisas e o empreendedorismo para explorar riquezas. Essas imagens têm sua significação manobrada na narração civilizatória do PCC que ambiciona hegemonia política pela extensão de suas fronteiras, unidade de governo pela assimilação de grupos oponentes e o monopólio no controle dos mercados ilícitos. A antropologia nativa do PCC traz um olhar bandeirante, etnocêntrico, que reproduz a crença de que a “terra do trabalho” (legal e ilegal) conduz o Brasil, ilustrando uma concepção sociológica dos “Anos Dourados” de que a interpretação do Brasil viria do Sudeste, a região mais rica do país (Cecchetto; Muniz; Monteiro, 2020).

Diferentemente do Rio de Janeiro, o PCC tem um papel explícito na gestão nas políticas de segurança de matriz repressiva em São Paulo, cumprindo um lugar estratégico numa equação funcional e perspicaz: o governo aumenta o número de presídios e suas populações vinculadas ao PCC e, em contrapartida, o Comando “organiza o crime” e reduz mortes violentas que promovem o agravamento do temor com impactos negativos para atores políticos que desejam a reeleição para mandatos majoritário e proporcional. A população prisional serve como uma commodity política negociada de fora para dentro e uma mão de obra “uberizada” de dentro para fora. Nessa circularidade retroalimentadora, os presos e egressos enredam-se nas teias dos governos criminais e da sua regulação de mercados ilegais. Assim se conectam as prisões às periferias urbanas, garantindo produção, reprodução, fortalecimento e expansão do PCC com suas diversas conexões com os atores estatais (Dias; Ribeiro, 2019DIAS, C.; RIBEIRO, N. O deslocamento da prisão em três Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) e sua centralidade na conformação de redes criminais transnacionais. Revista Brasileira de Sociologia, v.7, n.17, p.98-124, set.-dez. 2019.).

Tem-se uma constelação de elementos que favorecem que a irmandade empreendedora do PCC participe da manutenção das hegemonias políticas (in)formais que governam repressivamente com o crime. Essas estruturam uma dinâmica social e criminal em que os homicídios perdem espaço e visibilidade conquanto os crimes mais complexos e que demandam maior organização operacional e de pessoal, e manejo de armamentos e explosivos - roubos de cargas, instituições financeiras, por exemplo - se deslocam para uma posição de maior centralidade (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.).

Milícia, do governo a firma: um liga comunitária de autodefesa contra o crime?

A construção narrativa da milícia tem a sua inscrição no campo discursivo da “guerra contra o crime”, inaugurada no governo Alencar (1995-1998) servindo-lhe como mais um dispositivo de validação de sua verdade política e de sua necessidade econômica no Rio de Janeiro (Muniz; Cecchetto, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,). É no contexto da produção político-econômica da ficção de uma guerra transformada em realidade-testemunho, vivida de dentro nas periferias, e em realidade-espetáculo, sentida de longe nos bairros nobres, que se tem a emergência do que se chama milícia no final da década de 1990. Essa foi apresentada como uma força a se somar na luta contra o estado de insegurança constituído e alimentado por governos eleitos que atuam em consórcios informais, por vezes públicos e transitórios, com arranjos privados e (i)legais de proteção nos quais a milícia é uma das variantes e atual protagonista dos domínios armados na região metropolitana do Rio de Janeiro (Muniz; Proença Jr., 2007).

A milícia, como a “polícia de operações”, ambas substitutas dos policiamentos públicos ordinários e convencionais (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,), tem o ilusório crime organizado como seu antagonista e o seu enfrentamento como estruturante das suas retóricas legitimatórias. É na promoção da insegurança como projeto de poder que se foram instituindo no Rio os regimes do medo que instrumentalizam como rotina as práticas de exceção realizadas pelas polícias, milícia e tráfico (Muniz; Cecchetto, 2021). O “tiro, porrada e bomba” torna-se o mote publicitário do marketing do terror vivificado nos confrontos armados entre as forças do Estado e do crime, com a delicada ressalva de serem situados nas subalternidades, mas dramatizados sob a forma de percepção generalizada insegurança para todos os eleitores fluminenses.

A categoria milícia surge como um contraponto policial-jornalístico ao tráfico, erigido como a grande ameaça à sociedade e, por isso, o “Inimigo Público Número 1” dos seus rivais aparentes e de ocasião, milicianos e policiais. É uma categoria engenhosa cujas manobras simbólicas lançam mão de seu conteúdo tradicional para construir uma imagem positiva, distinta do tráfico e anticriminal. Nas propagandas milicianas, dissolvidas nas coberturas discursivas policiais-midiáticas, a milícia seria um grupo de cidadãos comuns armados, dentre eles os agentes da lei, indignados com a “situação da insegurança”, que se organizaram (ou não) em moldes paramilitares para defenderem uma causa justa, a suas vidas e suas posses, de seus familiares e afins postos em risco pela “falta de resposta firme do poder público”. A presença de PM, bombeiros e militares regulares, também moradores, na linha de frente de sua criação e gestão, fazia parte dos anúncios político-publicitários e acreditava-se agregar mais um quantum de credibilidade fundacional atribuída a esses grupos criminais que diziam “combater o crime” e “não permitirem o tráfico na região”. No início de 2000, os policiais milicianos funcionavam como garotos propaganda das milícias que davam garantias de vitória na luta do bem contra o mal teatralizada na guerra às drogas. Ocultavam-se os lados firma e governo das milícias, em favor de sua fachada como um modo particularizado de presença do Estado por meio de seus integrantes armados.

O mito de origem das milícias traz um constructo discursivo que a institui e a propaga como “ligas de autodefesas comunitárias” que seriam “legítimas” diante de sua causa superior e “legais” porque fariam uso do trabalho de agentes da lei que tem a missão institucional de “defenderem a sociedade com suas vidas mesmo na folga”. Os “bicos” policiais prestados no serviço individual varejista da vigilância informal e, sobretudo, realizados no atacado dentro das pequenas firmas clandestinas e nos coletivos milicianos foram tratados como um “mal menor” diante da evocação da “grave crise da segurança no Rio”, um álibi renovado a cada novo episódio da mesma guerra feita para renegociar a paz dos acordos com os domínios armados. As taxas de proteção eram apresentadas como uma retribuição social por um trabalho missionário e voluntário que, apesar de ilegal, atendia às demandas comunitárias por segurança. Servia como uma forma digna e honesta do policial complementar o seu salário e não servir ao tráfico.

Da fantasia da autovigilância comunitária até a anunciação como uma firma ilegal que extorque moradores e comerciantes locais, a narrativa sobre as milícias segue se desviando do seu lugar como um tipo de domínio armado que se institui como um governo criminal que, sob coação direta e indireta, controla território, administra população e regula mercado (i)legal de bens e serviços públicos essenciais como vigilância, moradia, transporte urbano, energia elétrica, gás, internet, TV a cabo e tudo mais que a hegemonia sobre território e população possibilite. As milícias trazem uma superioridade político-organizacional em relação aos arranjos criminais do tráfico por sair de dentro da estrutura do Estado e contar com suas redes de agentes públicos como parceiros dentro das engrenagens públicas estadual e municipal. Esse é o seu principal capital político na relação com o Estado em contraste com o PCC que tem na gestão dos fluxos de bandidos desde as prisões o seu principal patrimônio de negociação.

A leitura ilusória das milícias em oposição moral ao tráfico de drogas segue reciclada já que a narrativa policial-midiática esculpe o termo “narco-milícia”, uma justaposição de itens à moda cumulativa da noção de “crime organizado”, para explicar a recente criação do Complexo de Israel, comandado pelo traficante Peixão que se autodenomina Arão e que unificou as comunidades Cinco Bocas, Pica-Pau, Cidade Alta, Vigário Geral e Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio, como uma população estimada em 134 mil moradores. Esse compreende um arranjo entre milicianos, traficantes e policiais sob a benção de alguns religiosos que se intitulam pastores evangélicos (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,). Tem-se uma clara ilustração de um domínio armado que afirma sua hegemonia como governo criminal, por meios coativos violentos, aumentando sua base aliada, anexando territórios e populações, ampliando mercados e, por isso, diversificando a oferta de bens ilícitos como o ingresso das drogas.

Há alguns elementos empíricos dos domínios armados milicianos que descortinam as narrativas tolerantes que circulam entre as editorias, as unidades policiais e os palácios governamentais e que jogam luz sobre este fenômeno criminal. Os domínios armados milicianos são arranjos político-econômicos locais, daí milícias no plural, estruturados, inicialmente, pelo universo das praças da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro e, em menor expressão da tiragem da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, que se ocupam das atividades de policiamento nas ruas e que estavam inseridos na oferta de serviços (i)legais de segurança às lideranças, comerciantes, políticos e contraventores locais. Sua fragmentação reflete a divisão informal do trabalho da segurança entre a subalternidade policial com suas carteiras segmentadas de clientes e os representantes dos escalões superiores das polícias (oficiais e delegados) que atendem empresas e celebridades por meio de firmas abertas em nome de familiares.

Milicianos não estão escondidos e nem são invisíveis. Além de endereço, trabalho fixo e matrícula pública, eles precisam “ter muito trânsito” dentro das repartições para desembaraçar problemas com a máquina pública e viabilizar a economia política da proteção. Diferentemente dos traficantes, cuja circulação é confinada ao seu território, os milicianos transitam por distintos meios sociais e entre autoridades, um dos seus indispensáveis recursos políticos. Um outro aspecto relevante é que os milicianos, como os policiais, têm “tiro certo” - certeiro e legalizável pelo poder de polícia - em contraste com o despreparo técnico na composição e emprego de armamentos pelo tráfico. As milícias trazem uma expertise na produção de proteção que aporta mobilidade logística com maior cobertura armada e ampliação do deslocamento dos traficantes entre territórios como redução de gastos de armas e munições. Em alguns lugares da região metropolitana a segurança dos traficantes foi terceirizada para a milícia que cobra um percentual sobre o faturamento das bocas. Uma das vantagens desse acordo é poder contar com o lastro policial que confere maior estabilidade aos contratos feitos. Segundo Muniz e Cecchetto (2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,), há relatos de que algumas operações policiais são feitas em domínios do tráfico para preparar uma vindoura ocupação miliciana. Há relatos de casos em que milicianos colocam fardas operacionais e vão na frente das incursões policiais, assumindo a “trocação de tiros” em território que será deles depois das operações. Há, ainda, relatos de milicianos que contam com “reforço” do policiamento ostensivo em seus domínios, com a seção de guarnições policiais ou a prioridade no atendimento do 190. Esses relatos frequentes não apontam para uma realidade consumada. Mas o fato de existirem como relatos possíveis indica a normalização dessas práticas que configuram expressões de governos criminais.

Governança criminal: elementos estruturantes

Propomos o uso da noção domínio armado para compreender os governos criminais em territórios periféricos em todo o Brasil, focalizando nossa análise nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro, que apresentam elementos comuns e singulares e que nos permitem tecer considerações que possam validar aproximações ou distanciamentos com outras realidades no contexto nacional. Domínio armado, uma construção de inspiração weberiana, envolve o exercício da dominação como resultante de embates e acomodações entre agentes estatais e criminosos e que, por isso, são modos de governo instáveis e transientes sobre territórios, populações e mercados.

Abordar a governança criminal em diferentes regiões brasileiras é uma agenda de pesquisa que poderá contribuir para uma abordagem mais ampla que se inscreve na América Latina. Alguns pontos elencados por Durán (2019DURÁN, A. Illicit Drugs and Organized Crime in Latin America: New Scholarship and the Future of Alternative Policies [In press]. In: RIVERA, L.; BADA, X. The Oxford Handbook of the Sociology of Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2019.) e discutidos por Alvarado (2019ALVARADO, A. Organizaciones criminales en América Latina: una discusión conceptual y un marco comparativo para su reinterpretación. Revista Brasileira de Sociologia, v.7, n.17, set./dez., 2019.) permitem aprofundar os efeitos dos mercados ilícitos e das dinâmicas criminais locais e regionais. Eles conformam especificidades que estabelecem diferenças nos distintos contextos geográficos, nacionais, culturais, nas posições que ocupam na produção das drogas e outros produtos, nas relações com atores estatais e legais, avançando em termos das abordagens que ganhem corpo teórico e analítico.

Durán (2019DURÁN, A. Illicit Drugs and Organized Crime in Latin America: New Scholarship and the Future of Alternative Policies [In press]. In: RIVERA, L.; BADA, X. The Oxford Handbook of the Sociology of Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2019.) propõe alguns eixos analíticos para compreender as transformações dos mercados de drogas e das dinâmicas criminais na América Latina. Aqui faz-se uso de três desses eixos, situando as conformações empíricas e teóricas dos casos analisados em São Paulo e Rio de Janeiro, abrindo possibilidades interpretativas úteis para compreender a governança criminal em outros territórios.

Governança criminal e relações sociopolíticas

Compreender as relações sociopolíticas que conformam os mercados ilícitos permite apreciar os comportamentos variados dos distintos atores criminais e civis, as relações comunitárias estabelecidas nos territórios onde a governança criminal produz efeitos econômicos, políticos, culturais e sociais. Abordar relações no seu conjunto permite entender as esferas da sociedade que se intersectam as atividades ilícitas e a interconexão entre os agentes legais e ilegais. Há uma grande variação na forma como os grupos criminais afetam as comunidades onde estão situados e no nível de violência que administram nos territórios sob seu domínio. Compreender a governança criminal em sua complexidade teórica e em suas particularidades empíricas-concretas, possibilita, por exemplo, situar os impactos da violência potencial e concreta que resultam da forma como se produzem os (des)arranjos sociopolíticos entre os atores criminais e não criminais.

Há um conjunto de pesquisas que desde os anos 1980 no Rio de Janeiro (Zaluar, 2004ZALUAR, A. Integração perversa: Pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.; Misse, 1998) e a partir dos anos 2000 em São Paulo (Feltran, 2008FELTRAN, G. O legítimo em disputa: As fronteiras do “mundo do crime” nas periferias de São Paulo. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v.1, p.93-148, jul.-set. 2008.; Telles; Hirata, 2010TELLES, V.; HIRATA, D. V. Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo. Tempo Social, v.22, n.2, p.39-59, 2010.), apresentam os atores criminais inseridos em complexas redes que envolvem a sociedade civil e o poder público. As suas posições acordadas nos negócios ilícitos, apontam para múltiplos papéis exercidos nas comunidades sob domínio armado, implicando em funções de governo, como o policiamento, a arbitragem de disputas, a regulação de mercado, a gestão de processos eleitorais.

No nível micropolítico, a governança criminal pode impor uma ordem sob disputa violenta (Machado da Silva, 2008) ou uma ordem pacificada sob monopólio, tal como as formas de governança que se produzem no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente. Fatores como a força do enraizamento local, dos vínculos comunitários, familiares, religiosos ou sociais, o balanço de poder entre os grupos criminais, seus acordos e capacidades coercitivas, as relações conflitivas constituídas com os atores estatais, podem explicar as formas de governança criminal estabelecidas nos espaços populares.

No Brasil, uma especificidade importante é ter na prisão a base essencial a partir da qual se tecem e entrelaçam as redes criminais e comunitárias em muitos territórios sob governança criminal, como é mais evidente no caso paulista. Em quase todos os espaços urbanos brasileiros, há formas estruturadas de governança criminal através de grupos de base prisional, como PCC, CV, GDE e FDN (Manso; Dias, 2018MANSO, B. P.; DIAS, C. A guerra - A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.; Misse, 1999MISSE, M. Malandros, marginais e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes.). As dinâmicas de governo criminal são distintas nos diferentes estados brasileiros e, como já dito, essas diferenças resultam de uma complexa combinação de fatores diversos como acima elencados.

Um contraponto a essa governança criminal articulada com o universo prisional é aquela exercida pelas milícias que, conforme visto, possui outras intersecções com o Estado. Seus principais quadros vêm de dentro das máquinas públicas estadual e municipal, conferindo-lhes vantagens políticas com apoio de políticos locais e operacionais com o suporte de policiais. Nas milícias, os agentes públicos não estão necessariamente na linha de frente, mas seguem sendo um passaporte para sua constituição e funcionamento.

Nas governanças criminais exercidas por domínios armados, as populações civis são duplamente coagidas já que se subordinam aos atores criminais e estatais em conflito e/ou em acordo. Em geral, tem-se um reconhecimento forçado da capacidade da governança criminal prover ordem, garantido as rotinas da vida comunitária, reduzindo a violência ou tornando-a mais previsível. Tem-se um regime do medo instrumentalizado pela imposição de um domínio armado que normaliza práticas de exceção em seu exercício ilegal e, por vezes, legitimado, de governo. Entre dois polos extremos - completa aquiescência e o medo completo -, a população local dispõe de uma variedade ampla de repertórios de resposta ao controle e à violência de grupos armados não estatais.

Governo criminal e Estado(s): um complexo de relações multidimensionais

A governança criminal exercida pelos domínios armados em alguns territórios urbanos articula-se à forma normativa-procedimental da gestão do Estado, ao tipo de política repressiva executada por governos eleitos e ao uso dos poderes dos agentes públicos nas relações que estabelecem com os atores criminais e civis. Essas relações colocam em relevo a problemática weberiana da pretensão de monopólio da força física legítima pelo Estado que não se realiza plenamente (Adorno; Dias, 2014ADORNO, S.; DIAS, C. Monopólio Estatal da Violência. In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p.187-97.). Isso é suficiente para superar a visão comum da ausência ou complacência do Estado nas áreas onde grupos criminais operam. Têm-se negociações da presença e da tolerância estatais em formas variadas de interação, como a paga de “arrego”, os acordos velados, as parcerias explícitas e até o que produz indistinção do que é ou não o Estado, como na governança miliciana. Observar como as práticas estatais e criminais se entrelaçam e suas serventias é essencial para compreender os efeitos sociopolíticos das redes criminais e a gestão de violência nos territórios. Não há como pensar em economias criminosas independentes das políticas executadas pelas burocracias estatais. A elevada desproporção de poder e de recursos coercitivos entre o Estado e o mercado ilegal faz que grupos criminosos, em seus distintos níveis decisórios, tenham que seguir renegociando com distintas agências de controle, em suas diversas instâncias verticais e horizontais de tomada de decisão, que não começa e nem termina na “propina” do guarda da esquina (Muniz, 2021MUNIZ, J.; CECCHETTO, F. Ingovernabilidade Policial: Pandemia das operações policiais e o pandemônio de sua rotinização. In: BRANDÃO, C.; DORNELLES, J. R.; DULTRA, R.; RAMOS FILHO, W. Pandemônio e Pandemias - Novas Direitas e Genocídio no Brasil. São Paulo: Tirant lo Blach, 2021. p.250-72,). Daí a caracterização de economias políticas do crime itinerante e em rede nas quais as relações com as estruturas estatais tornam-se decisivas. Daí as oportunidades de negócios translocais de atores estatais com poderes de polícia (policiais, fiscais, auditores, gestores etc.) que administram as barreiras internas e externas por onde circulam as mercadorias ilegais.

Em diferentes cenários latino-americanos a soberania fragmentada produz conformações locais diferenciadas. Durán (2019DURÁN, A. Illicit Drugs and Organized Crime in Latin America: New Scholarship and the Future of Alternative Policies [In press]. In: RIVERA, L.; BADA, X. The Oxford Handbook of the Sociology of Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2019.) discute os efeitos dessa fragmentação nos contextos do México, da Colômbia e de países da América Central. Estudos sugerem como o comércio de drogas e grupos criminais não só criam alianças com setores do Estado, como são funcionais para a manutenção do poder de elites políticas e econômicas, local e global. Revelam que esforços estatais para reconstruir sua autoridade mediante intervenções militarizadas, políticas repressivas e ampliação da punição, em geral, aprofundam os problemas. Romper o arranjo organizacional de grupos criminais pode gerar mais violência e aumentar o preço das mercadorias políticas (Misse, 1999MISSE, M. Malandros, marginais e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes.), criando incentivos para outros grupos ampliarem seus domínios armados.

O PCC e as milícias apresentam relações entre agentes criminais e estatais apoiadas em práticas discursivas distintas e se baseiam em arranjos políticos-sociais-institucionais particulares que estruturam modelos específicos de domínio territorial, gestão da população e regulação de mercados que conformam distintas dinâmicas de administração coercitiva das conflitualidades. As interações entre os atores situados em posições específicas nos dois “polos”, o Estado e o crime, são capazes de produzir arranjos de governo mais ou menos estáveis e que se apoiam num controle social que demanda maior ou menor uso direto da violência que assume uma forma armada ostensiva ou não nos territórios onde se estruturam.

Como compreender o uso (in)discreto e a (in)visibilidade das armas nas “biqueiras” ou “bocas” desconsiderando articulações políticas com a gestão pública da segurança acima da guarnição que faz o policiamento local? O Estado com suas várias espadas policiais, por vezes emancipadas, não deixa de exercer algum tipo de governo nos territórios-favela e de regular os mercados ilícitos ali inseridos. Os mercados ilícitos, com suas várias conexões para dentro, ao lado e ao redor do Estado, não deixam de se apoiar em domínios armados, mais ou menos independentes, que conferem lastro, proteção e regularidade nas transações políticas e comerciais (Miranda; Muniz, 2018MIRANDA, A. P.; MUNIZ, J. Dominio armado: el poder territorial de las facciones, los comandos y las milicias en Río de Janeiro. Revista Voces en el Fenix, v.68, p.44-9, 2018.).

Isso é evidente quando se observa um paralelismo entre as lógicas internas de estruturação das agências policiais e a ordenação de redes criminosas. Em São Paulo, constata-se uma gestão superior mais cooperativa nas polícias, com coligações mais estáveis, uma forte articulação corporativista entre elas na defesa de seus interesses comuns que conta com o apoio para cima das elites políticas. Tem-se unidade de governo, unidade nos comandos policiais, unidade no arranjo criminal (Checchetto; Muniz; Monteiro, 2020) e uma estruturação que conecta o urbano-prisional e se retroalimenta da política de encarceramento massivo adotada no estado nas últimas décadas (Dias, 2013DIAS, C. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.).

Já no Rio de Janeiro, tem-se uma elevada autonomização das polícias que expressam uma aguda fragmentação em grupelhos que tocam os seus negócios (i)lícitos de policiamento com alguma autonomia. Têm-se várias polícias dentro das polícias militar e civil, com apoio político local e o seu campo de controle próprios. É como se cada batalhão e delegacia funcionasse como um Vaticano dentro de Roma, cuja oportunidade de comando central depende de coalizões pontuais entre grupos internos rivais. Essa lógica de franquias ocupacionais competitivas, com baixa capacidade de união, também se reconhece nos arranjos criminosos no Rio de Janeiro que se dividem entre distintos comandos, facções e milícias. Têm-se tantos governos, tantas polícias, tantos grupos criminosos, tantas disputas territoriais armadas (Cecchetto; Muniz; Monteiro, 2020).

Das relações Estado e grupos criminais emergem governos criminais, indicando como as formas estatais de intervenção se conectam às disputas entre grupos criminais e conformam novas condições para fluxos ilícitos e atuação violenta nos territórios, permitindo a redistribuição do poder econômico e político. Vê-se que as intervenções estatais estão mais relacionadas aos novos arranjos político-econômicos criminais e menos ao “combate” ao crime, à “guerra às drogas” ou outras retóricas políticas vazias.

Regulação de mercado e diversificação criminal

Embora o comércio de drogas seja um condutor poderoso das dinâmicas criminais no Brasil e na América Latina, não é a única modalidade de economia ilícita capaz de engendrar conflitualidades violentas. A extorsão, um dispositivo essencial na conformação de domínios armados, está presente nos locais onde grupos criminais governam. Os lucros das taxas de proteção impostas no varejo dos moradores e no atacado das atividades econômicas - de pequenos comércios e de veículos de transporte até a produção agrícola e mineral de alguns países - podem ser até maiores do que aqueles advindos do tráfico de drogas. Outro negócio importante é o tráfico de armas que racionaliza os custos do controle territorial armado e se institui numa dinâmica de reforço mútuo com o mercado de drogas. Muitos desses mercados se sobrepõem a mercados informais como a pirataria e o contrabando e aos mercados que transacionam produto de roubos, seja de automóveis (Feltran, 2018_______. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.), de cargas, de empresas de valores ou de combustíveis.

Em São Paulo, tem sido mais conhecida a atuação do PCC em outros mercados como o de construções de moradias em áreas de preservação ambiental, o furto de petróleo em oleodutos e o transporte clandestino e adulteração de combustível. Embora seja ainda bastante pontual, é importante acompanhar esses processos de diversificação criminal e compreender como se conectará com as demais atividades nas quais o PCC está envolvido e quais as relações serão tecidas com as dinâmicas prisionais.

No Rio de Janeiro, como já visto, as milícias proveem um amplo repertório de serviços e produtos ilícitos que se inauguram com a cobrança impositiva de taxas de proteção a moradores e comerciantes que se desdobram na oferta coativa e monopolista de bens urbanos essenciais como policiamento, construção, venda e aluguel de imóveis, luz, água, gás, transporte alternativo, internet, TV a cabo. Há, ainda, o provimento de segurança para os grupos do tráfico que garante uma maior mobilidade de seus integrantes por seus domínios e uma paz negociada mais estendida com a polícia e grupos rivais.

A diversificação dos mercados criminais é fundamental para compreensão da governança criminal de um território e a regulação dos mercados ali existentes. Suas causas e as consequências, considerando os casos analisados, evidenciam dois elementos importantes. Primeiro, as relações sociais, ideias e valores que sustentam atividades ilegais permitem a ampliação do portfólio criminal a partir de uma estrutura prévia. As redes previamente estruturadas com múltiplos atores - criminais, estatais, civis - possibilitam as conexões e os fluxos num determinado território, agregando vantagens para fazer circular outros produtos e serviços. Segundo, é importante situar a diversificação criminal como efeito político do domínio armado. Os grupos criminais adquirem independência para controlar territórios, às vezes, tornando-se altamente predatórios e se engajando em quaisquer oportunidades econômicas que surgirem em mercados ilícitos ou lícitos passíveis de serem explorados no território controlado.

As observações dos processos de inserção e enraizamento comunitário de atores criminais e das relações sociopolíticas que estabelecem nas localidades; da centralidade do papel exercido por atores estatais nas atividades ilícitas; e por fim, das dinâmicas sociais, políticas e econômicas que favorecem diversificação do portfólio criminal permitem avançar na compreensão das configurações de governos criminais dos domínios armados e seus efeitos sobre territórios, populações e mercados. Sobretudo, a gestão de violências mais ou menos expressivas e intensivas.

Os dados empíricos e a base conceitual apresentada aqui nos permitem avançar numa compreensão dos governos criminais situando o problema como disputas por soberania nos espaços populares. Esse caminho analítico ultrapassa as generalizações e abstrações que pouco contribuem para explicar os fenômenos e os efeitos perversos concretos que são produzidos sobre a população que vive nos territórios sob domínio armado.

Em síntese...

A governança criminal pressupõe o controle do território, o que envolve administrar os fluxos e a circulação de pessoas, bens e serviços. Os mercados ilícitos precisam de governo que garanta previsibilidade no seu funcionamento. Há que ter regularidade na aquisição de estoque, nos contratos com fornecedores e trabalhadores, na oferta das mercadorias à clientela, na manutenção dos pontos de venda e, para isso, nos acertos com os atores estatais a fim de garantir algum lastro para a atividade comercial. Há que ter dispositivos de vigilância, isto é, de policiamento. O domínio territorial torna-se central, o que significa a demarcação sob disputa das fronteiras, o que envolve o estabelecimento de complexas formas de relação com a comunidade local, os agentes estatais e atores dos mercados lícitos.

Os grupos que exercem governança criminal por meio do controle territorial armado estabelecem relações diversas com as várias esferas estatais, em especial com as agências de controle e correição, articulando as dinâmicas de policiamento e prisionais. Essa governança se apresenta por meio do controle territorial e da gestão da população, desdobrado na extorsão, na produção de policiamento e justiça, e das formas de legitimação construídas para sustentar moral e simbolicamente seu governo. Por sua vez, a regulação do mercado envolve a diversificação da oferta de bens e serviços, a construção violenta de monopólios pela tentativa de eliminar disputas e concorrências e uma atuação que se estrutura através do domínio armado em âmbito local, mas, conforma redes comerciais de alcance regional e até internacional. A forma de estruturação da governança criminal pode se dar mediante combinação de distintas lógicas, conforme seu alcance territorial. No âmbito local se apresentam como arranjos armados, mais ou menos estruturados, e conforme se considere as áreas mais ampliadas de atuação, percebe-se a sua projeção em redes complexas, abarcando distintos atores, a produção de vínculos que se apoia nas regras impermanentes de mercado e nos perenes imperativos morais e políticos.

As relações de poder instituídas nos domínios armados podem se apresentar pelo uso ostensivo de armas e a ameaça de coação explícitas, como é o caso mais comum no Rio de Janeiro. Podem também se expressarem mediante ameaça do uso da violência ocultada nas narrativas da pacificação, mas que permanece latente e sinalizada como disponível pelos mecanismos de vigilância mais ou menos sutis, como ocorre no governo criminal do PCC em São Paulo.

A caracterização dos governos criminais por meio de domínios armados permite ultrapassar as armadilhas teórico-abstrata-fantasmagóricas instituídas pelas narrativas do “crime organizado” ou da “gestão dos ilegalismos”. Possibilita uma caracterização empírica destes fenômenos em territórios marcados pela infraestrutura urbana débil, pela pobreza e pela precarização da vida, delineando a atuação concreta de grupos armados em suas distintas relações com atores estatais e comunitários voltadas para a gestão político-econômica dos mercados (i)legais.

A proposta empírico-analítica para compreender os governos criminais rompe com a circularidade de um campo de análises que ora adota a expressão crime organizado como um dado da realidade, ora se esmera em apontar os equívocos do uso da expressão, sem, contudo, apresentar uma alternativa que contemple a dimensão concreta-empírica dos fenômenos inscritos nesse campo discursivo e que desvele a complexidade das relações sociais, econômicas e políticas que se conformam nesses domínios armados e que produzem efeitos dramáticos na vida das pessoas que vivem e circulam nestes territórios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    28 Dez 2021
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