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Memória, historiografia e política: a independência do Brasil, 200 anos depois

RESUMO

Este artigo discute as origens de certos saberes acadêmicos e não acadêmicos em torno da independência do Brasil, inserindo-os em um jogo de permanente tensão entre memória, política e escrita da história. Ao longo de 200 anos, essa tensão tem acompanhado a temática da Independência, garantindo-lhe uma condição central na história do Brasil e renovando sua atualidade.

PALAVRAS-CHAVE:
Independência; Historiografia; Memória

ABSTRACT

This article discusses the origins of certain types of academic and non-academic knowledge about the Independence of Brazil, examining them as an interplay of permanent tension between memory, politics and the writing of history. For 200 years, this tension has accompanied the country’s Independence, ensuring it as a central condition in the history of Brazil and reinforcing its relevance today.

KEYWORDS:
Independence; Historiography; Memory

“[...] Não parece incrível, por exemplo, que após tudo o que a historiografia acadêmica produziu acerca da Independência do Brasil, tanta gente ainda a trate como um conflito maniqueísta de interesses nacionais entre brasileiros e portugueses, ou como um processo de simples reacomodação de interesses elitistas em prol da manutenção da ordem, ou finalmente, como uma miríade de vontades individuais a moverem a história? Estas não são “verdades” apenas dos não especialistas em História; também muitos profissionais da matéria ainda parecem dispostos a sustentá-las...”

(Pimenta et al., 2014PIMENTA, J. P, et al. A Independência e uma cultura de história no Brasil. Almanack, n.8, p.5-36, 2014., p.35)

“A ambiguidade do processo histórico da Independência e as contradições resultantes nas abordagens historiográficas, conferiram ao tema tal dubiedade ao ponto que o termo ‘Independência’ é usado frequentemente com bastante reserva [...] aos estudiosos do tema compete a tarefa contínua de recuperar ângulos, aspectos, questões ainda não abordadas ou insatisfatoriamente analisadas, discutindo sobre a nova forma de pensar a história da Independência...”

(Lyra, 1992LYRA, M. de L. V. História e historiografia: a Independência em questão. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.153, n.377, p.124-27, out./dez. 1992., p.124)

A independência é uma das temáticas mais polêmicas da história do Brasil.1 1 Quero agradecer a João Paulo Pimenta as valiosas sugestões durante a elaboração deste artigo. Sempre atento a tema que há anos vem investigando, as contribuições de João Paulo permitiram clarear certas passagens do texto, incorporar autores e, especialmente, articular às interpretações historiográficas questões relacionadas à cultura de história, amplamente compartilhada por inúmeros setores da sociedade brasileira, e que ele e seu grupo de alunos descortinaram com pertinência (Pimenta et al., 2014). A razão para isso não está apenas na enorme quantidade e variedade de obras a ela dedicada, desde o século XIX, mas, sobretudo, nos vínculos diretos que mantém com a formação da nacionalidade e com representações que, ao longo do tempo, foram sendo construídas e atualizadas sobre a nação brasileira, seu percurso histórico e os brasileiros em geral, o que amplia enormemente o debate no qual se insere. As imbricações entre o tema e a imagem da nação são intrínsecas ao campo da política e ganham contornos singulares no momento em que, por diversos e antagônicos agentes históricos, suas possíveis significações são revigoradas pelas celebrações do Bicentenário.

Como nos mostra Régine Robin (2016ROBIN, R. A memória saturada. Trad. C. Dias; G. Costa. Campinas: Ed. Unicamp, 2016.), “o passado é uma questão fundamental do presente” e “não é livre”, posto que a cada tempo pode ser relembrado, reescrito, reinventado, omitido ou comemorado, servindo a vários usos e muitos abusos também. No caso da independência, tão relevante quanto essas observações são os problemas levantados pelas epígrafes citadas acima. Enquanto Maria de Lourdes Viana Lyra joga o foco nas ambiguidades e contradições historiográficas, convidando os estudiosos do período a empreender outras e diferentes formas de pensar aquele momento e suas posteriores repercussões políticas e imaginárias, João Paulo Pimenta e seu grupo de alunos realçam a força e estabilidade de “consensos” e “verdades” em torno de um tema a despeito de inúmeras e consistentes revisões que vem recebendo nos últimos trinta anos. A maioria dos brasileiros parece acreditar que a independência foi tão somente uma luta nacionalista entre brasileiros e portugueses, um acordo entre elites garantidor de uma transição política pacífica, ou ainda um conjunto de eventos assentado em perfis e vontades individuais. E seja como um acontecimento memorável, glorioso e de edificante lembrança, seja como uma grande comédia a ser ridicularizada, a independência preserva tais características, quase nunca endossadas pelas melhores reavaliações historiográficas acerca do tema.

O ponto é: por que essas reavaliações e, em muitos casos, inovadoras interpretações, sustentadas em espectro imenso de fontes e em propostas metodológicas criativas, não conseguem abrir fissuras efetivas em premissas que compõem uma cultura de história que desde o século XIX foi sendo engendrada em torno do tema? Por que essas supostas “verdades” persistem e são adotadas como referenciais para a compreensão do processo histórico brasileiro, a despeito de se pautarem por argumentos e preconceitos que conformaram a memória com a qual os protagonistas da independência e da fundação do Império deram sentido às suas próprias ações?

Em primeiro lugar, há que considerar que uma temática histórica jamais se confina ao domínio de historiadores profissionais ou mesmo amadores. Em qualquer sociedade, saberes, representações e memórias acerca do passado se distribuem por diversos cantos, enraizando-se em sistemas escolares, mercados editoriais e midiáticos, festividades cívicas e disputas políticas que interagem reciprocamente. O resultado são convenções intelectuais estáveis e poderosas, capazes de resistir à postura crítica típica do trabalho do historiador.

Em segundo lugar, constata-se que o próprio trabalho do historiador não está isento de influências e convergências com convenções em torno do passado estabelecidas pela sociedade de modo geral. É verdade que seu trabalho possui relativa autonomia, pautando-se por critérios, paradigmas e experiências próprios; no entanto, essa autonomia jamais se converte em plena independência, e desde cedo seu trabalho é influenciado e parcialmente condicionado pelo meio social em que atua.

Finalmente, não se pode jamais ignorar o fato de que uma sociedade não apenas usa o passado de acordo com interesses do presente, mas também que a memória histórica, por mais desviante que seja em relação a certos saberes historiográficos, nela desempenha um papel coesivo. E ao lembrar, selecionar, narrar e reinventar o passado, a memória está sempre desafiando o trabalho do historiador.

Pode-se dizer, assim, que a história da independência vem se constituindo nos últimos duzentos anos como um jogo entre passados e presentes a envolver não só historiadores, mas também muitos outros agentes sociais, em uma dinâmica em que inovações são permanentemente desafiadas por heranças e persistências.

Encaminhar questionamentos como esses exige muito mais do que o óbvio reconhecimento das dificuldades que cercam o enfrentamento de um amplo conjunto de afirmações simplificadas e muitas vezes depreciativas sobre a história da independência, mas profundamente introjetadas social e culturalmente. Uma enriquecedora vereda que poderia ser percorrida nessa direção está, a nosso ver, na retomada de observações feitas por Carlos Alberto Vesentini (1997VESENTINI, C. A. A teia do fato. Uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec; PPG História Social da USP, 1997., p.18) na década de 1980:

[...] entender a história como uma memória e perceber a integração que ocorre de maneira contínua entre a herança recebida e projetada até nós, e a reflexão a debruçar-se sobre esse passado, constituiu-se em questão e pareceu-me relevante para a aproximação do que é tomado tão-somente por historiografia. Esta poderia deixar ao leitor menos avisado a percepção de que o objeto mesmo sobre o qual ela se debruça - temas, fatos, agentes ali colocados - tem existência objetiva independentemente do seu engendramento no processo de luta...

Essas ponderações nos levam, em primeiro lugar, à compreensão de que os testemunhos do passado que chegaram até nós não são neutros, pois, produzidos como recursos e registros da luta política, se tornaram agentes vigorosos da memória projetada para a posteridade, construída muitas vezes de forma deliberada, como é o caso, por exemplo, de decretos e decisões de governo, tratados diplomáticos, monumentos e retratos, bem como da pintura histórica. Trata-se, assim, de pensar sobre o estatuto conferido aos documentos, relembrando, com Lucien Febvre (1965FEBVRE, L. Combats pour l´histoire. 2.ed. Paris: Armand Colin, 1965., p.114), a crítica à suposição de que “fatos”, “personagens” e “narrativas” seriam “dados à história como realidades substanciais”, esfumaçando-se as mediações entre os processos históricos, os modos pelos quais foram contados e fixados pelos contemporâneos e o trabalho do historiador que, por intermédio do presente em que vive, seleciona, recorta e ilumina o que se propõe a estudar e comunicar. Também Claude Lefort (1979LEFORT, C. As formas da história. Trad. M. Chauí. São Paulo: Brasiliense,1979., p.256-7) sublinhou a importância de questionar o que denominou “convicção realista”:

[...] julgamos que a história se processa antes que o historiador faça dela seu objeto. Acreditamos poder afirmar, em consequência, que fatos se produzem em data e lugar determinados e são o que são enquanto esperam vir a ser conhecidos; e ainda, que se transformam de fatos “reais” em fatos do conhecimento quando a ele se reporta um observador que se tornou capaz de apreendê-los sem nada projetar na sua superfície das paixões que o habitam....

Nesse sentido e, em segundo lugar, tanto Vesentini quanto Lefort sublinham o necessário procedimento do historiador em atentar para seus próprios envolvimentos em relação - no caso da independência do Brasil - à identidade nacional e ao processo de delineamento da nação por meio de suas origens no passado e de seus desdobramentos no presente, como as investigações de Pimenta e seus alunos demonstraram. Os objetivos mais aparentes da historiografia, conforme observou Maria de Lourdes Janotti (1998JANOTTI, M. de L. O diálogo convergente: políticos e historiadores no início da República. In: FREITAS, M. C. (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto/USF, 1998. p.119-44., p.119), são “explicar, compreender a vida das sociedades e registrar os acontecimentos presentes e passados [...] Essas ações estão impulsionadas pela busca, sempre renovada, dos elementos constitutivos de uma identidade coletiva que se articula dialeticamente com o amplo campo das relações político-sociais...”.

Isso quer dizer que os laços entre memória, política e escrita da história são tão delicados e indissolúveis quanto as imbricações entre o movimento da história e os modos pelos quais os contemporâneos registraram-no e perpetuaram sua memória. A independência do Brasil, como temática nodal e polêmica da história do Brasil dos últimos duzentos anos, se insere de modo exemplar nessas imbricações.

Um trabalho diligente em relação às obras historiográficas que se tornaram referência obrigatória para quem deseja se aproximar daquele período evidencia que interpretações incongruentes se sobrepuseram com raras exceções a um enredo histórico aceito e atualizado continuamente, ao longo dos séculos XIX e XX. Em detrimento do abrangente e multifacetado debate político e dos conflitos armados que se desenrolavam em diferentes regiões da América portuguesa, notadamente após a revolução portuguesa de 1820, o enredo que até hoje tem prevalecido é o de que a independência foi processo desencadeado pela transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, que se desdobrou em um confronto de natureza colonial protagonizado pelas Cortes constituintes em Lisboa e o governo do príncipe D. Pedro. O então Regente, por intermédio de ministros e conselheiros, como José Bonifácio, por exemplo, teria conseguido centralizar em torno de si a legitimidade necessária para declarar a separação do Brasil em relação ao Reino europeu e organizar uma monarquia constitucional que acabou por receber a adesão das diferentes forças políticas provinciais, mostrando-se como única alternativa viável para a preservação da ordem social e para a configuração de uma nova nacionalidade (em algumas variações dessa narrativa, repita-se, essa nacionalidade já existia).

Esses eventos e essa narrativa receberam qualificações muito diversas na historiografia: Armitage os descreveu como “uma revolução liberal”; Varnhagen os definiu como uma “transição pacífica” do estágio de colônia à nação; já Oliveira Lima preferiu a expressão “desquite amigável” para avaliar a separação entre os dois Reinos. E se José Honório Rodrigues compreendeu a independência como uma “revolução nacionalista e popular”, Maria Odila da Silva Dias sublinhou seu caráter de “reação conservadora das elites” às premissas constitucionais das Cortes. Como compreender esses antagonismos apesar do quadro de fundo se reproduzir?

São, sem dúvida, instigantes leituras engendradas em momentos históricos particulares e formuladas por meio de procedimentos analíticos e interrogações marcados pela historicidade de sua produção. Mas as argumentações e propostas antagônicas que resultaram muitas vezes da consulta às mesmas fontes não se limitam a essas peculiaridades. Remetem a uma outra questão: a enorme complexidade que cercou os conflitos políticos e sociais nos quais a independência se inscreveu, dos quais muitos aspectos, detalhes e protagonistas restam ainda a serem conhecidos e problematizados, abrindo-se o leque para que outras leituras da época sejam possíveis, recuperando-se não apenas saberes acumulados como sugestões investigativas que as circunstâncias do presente possibilitam. No entanto, cabe indagar, com os instrumentos de hoje, como foi forjada a narrativa da independência que se consagrou e em quais possíveis pilares residiria sua resistência?2 2 As considerações apresentadas aqui foram tratadas mais profundamente em dois artigos recentes: “Historiografía y memoria de la Independencia” (Oliveira, 2021a); e “O peso de imagens sacramentadas e os desafios científicos e educativos do Museu Paulista” (Oliveira, 2021b).

As primeiras versões sobre a independência do Brasil foram veiculadas em decretos e manifestos produzidos durante a Regência de D. Pedro, em periódicos e folhetos, editados no Rio de Janeiro e em outras províncias, na correspondência de diplomatas europeus e americanos, radicados na Corte do Rio de Janeiro, e também em discursos e textos religiosos (Bittencourt, 2007BITTENCOURT, V. L. N. De alteza real a imperador: o governo do príncipe D. Pedro, abril/1821-outubro/1822. São Paulo, 2007. Tese (Doutorado) - Faculdade de Fiosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.). Todavia, na construção da narrativa e na projeção das personagens que se consolidaram e reverberaram especialmente ao longo do século XIX talvez nenhum registro se compare ao discurso pronunciado pelo recém-aclamado imperador quando da abertura dos trabalhos legislativos, em 3 de maio de 1823.

Naquela ocasião solene, D. Pedro dirigiu-se aos deputados provinciais, saudando-os, mas ao mesmo tempo ponderando que a Constituição deveria ser digna da aceitação imperial. Esse recado, que nos dias que se seguiram foi duramente contestado por alguns dos deputados, estava ao final da narrativa em que D. Pedro apresentou os motivos, as condições e a cronologia do movimento de independência, associando-o diretamente à separação de Portugal.3 3 Durante as lutas políticas em curso no Brasil e em Portugal, entre 1821 e 1822, nem todos os protagonistas utilizavam a associação entre independência e separação do reino europeu. Pelo contrário, a expressão “independência”, especialmente na imprensa do Rio de Janeiro e das demais províncias da América portuguesa, representava a organização de um governo representativo e constitucional, sendo utilizada tanto por aqueles que apoiam os objetivos da Revolução de 1820 quanto pelos que desconfiavam dos propósitos das Cortes em Lisboa. Foram interpretações historiográficas do século XIX, a partir das afirmações de D. Pedro I, que selaram essa associação, a exemplo da obra de Silva Lisboa (Oliveira, 2020, cap.3). Inscrevendo-o na dinâmica de uma luta política que opôs colônia e metrópole, brasileiros e portugueses, D. Pedro reportou o início do movimento à chegada, em 1808, da família real de Bragança ao Rio de Janeiro, indicando a data da elevação do Brasil à condição de Reino, decretada em 16 de dezembro de 1815, como o marco da superação do período colonial. Sempre lidando com as imagens de que, naquele momento, o Brasil era uma entidade homogênea e unificada, submetida à autoridade da Corte fluminense, e que o Império era uma realidade tangível, D. Pedro responsabilizou as Cortes em Lisboa pela separação que os “brasileiros não desejavam”, mas decidiram porque se viram vítimas de leis e tropas que visavam reconduzir as províncias à opressão colonial. Assumindo o total protagonismo do governo e do movimento separatista, em resposta a apelos feitos pelo “povo”, ressaltou que os passos decisivos para a independência foram: o “Fico”, em 9 de janeiro de 1822, quando, a pedido do “povo” e em defesa do Império, permaneceu no Rio de Janeiro, desobedecendo as Cortes em Lisboa; a expulsão de tropas portuguesas do Rio de Janeiro, em fevereiro desse ano; a atuação de um governo autônomo e empenhado em organizar recursos econômicos e militares para enfrentar as Cortes, por ele liderado; a viagem à província de Minas Gerais, em abril de 1822, para derrotar o “arbítrio” do então governador; a viagem à província de São Paulo, em agosto do mesmo ano, para desfazer um “partido de portugueses e brasileiros degenerados afeitos às Cortes”; a proclamação da independência em 7 de setembro no “sempre memorável sítio do Piranga”; e a coroação como imperador, em dezembro de 1822 (Diário da Assembleia Geral e Constituinte, 2003, p.15-18).

Fixava, desse modo, a data da proclamação da independência, às margens do riacho do Ipiranga, na província de São Paulo. Foi essa afirmação do imperador que selou a memória de sua própria figura como libertador, bem como da associação entre independência, separação de Portugal e o dia 7 de setembro.

Esse relato recuperava argumentos já utilizados em pelo menos dois outros documentos de ampla circulação produzidos pelo governo de D. Pedro: os Manifestos datados de 1 e 6 de agosto de 1822. O Manifesto de 1º de agosto estava endereçado aos “povos do Brasil” e procurava justificar a conduta do então regente na condução de uma “guerra” contra as Cortes reunidas em Lisboa, reivindicando a legitimidade de ações que afrontavam decisões adotadas em Portugal. O Manifesto de 6 de agosto foi dirigido às “nações amigas”, em especial Grã-Bretanha, França e Áustria, e seu objetivo era afirmar que, ante as ameaças “recolonizadoras” impetradas pelas Cortes de Lisboa à soberania do Reino do Brasil, D. Pedro, herdeiro da Coroa portuguesa, teria sido obrigado a adotar medidas para garantir a “independência política” e a existência de um centro comum de poder que articulasse as províncias assim como preservasse relações de comércio e amizade com todas as nações (Coleção das Leis e Decisões do Brasil, 1822, parte II, p.125-41).

Explicitadas dessa forma, as justificativas expostas para a independência não só naturalizavam a separação de Portugal e o governo monárquico constitucional que o imperador e os grupos que o apoiavam pretendiam ver concretizado, como demonstravam a “adesão” consensual dos “povos” e províncias do Brasil às medidas adotadas no Rio de Janeiro, o que estaria comprovado supostamente pela reunião de representantes provinciais eleitos na Assembleia constituinte. Além de as dissidências serem reduzidas a focos isolados e ínfimos de adeptos das Cortes, o herdeiro da Coroa portuguesa, colocando-se como protagonista principal, procurava afastar, no momento em que estavam em discussão os tratados de reconhecimento da independência por potências estrangeiras, a imagem de uma ruptura revolucionária, pois fora a autoridade nomeada pelo rei de Portugal para comandar o governo no Brasil que conduziu o processo de rompimento entre partes do Império português, salvaguardando-se a legitimidade dinástica.

Dois anos depois desse registro, D. Pedro I nomeou um de seus conselheiros mais próximos para elaborar aquela que pode ser considerada a primeira e seminal interpretação detalhada da independência. Em janeiro de 1825, José da Silva Lisboa foi encarregado de reunir documentos verídicos, “extraídos de todos os arquivos da nação” para perpetuar a “memória” dos eventos que teriam resultado na fundação do Império (Coleção das Decisões do Governo do Brasil, 1825, p.5-6).4 4 Sobre a vida e obra de José da Silva Lisboa, consultar: Kirschner (2009). Organizada em quatro tomos ou seções, a obra foi editada na Tipografia Imperial, entre 1827 e 1830, mas apesar de ser idealizada em dez partes, somente foram produzidas a primeira, dedicada ao descobrimento do Brasil, e a décima, referente aos acontecimentos ocorridos entre fevereiro de 1821 e março de 1823, com o objetivo claro de valorizar o governo de D. Pedro e a gradual adesão de lideranças provinciais à autoridade exercida pela Corte do Rio de Janeiro após a separação de Portuga (Araújo, 2011ARAÚJO, V. L. Cairu e a emergência da consciência historiográfica no Brasil, 1808/1830. In: NEVES, L. M. B. P. das et al. (Org.) Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. p.75-92.; Oliveira, 2009OLIVEIRA, C. H. de S. Repercussões da revolução: delineamento do Império do Brasil, 1808/1831. In: GRINBERG, K.; SALLES, R. (Org.) O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v.1, p.15-54.; Diniz, 2009DINIZ, B. Cairu e o primeiro esboço de uma história geral do Brasil independente. História da Historiografia, n.2, p.260-6, mar. 2009.).

A História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil (Lisboa, 1827-1830) foi editada em momento marcado pela perda significativa de popularidade do imperador, em virtude, particularmente, das repercussões provocadas pelo violento fechamento da Assembleia Constituinte e Legislativa, em novembro de 1823; pela imposição da Carta constitucional em 1824; pela repressão a movimentos de contestação ao Imperador e pelo envolvimento de D. Pedro na sucessão da Coroa portuguesa, entre outras questões (Monteiro, 1982MONTEIRO, T. História do Império: primeiro reinado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1982. 2v.). Quando a Câmara dos deputados, eleita em 1824, iniciou os trabalhos legislativos em 1826 agravaram-se ainda mais as críticas ao governo imperial, recompondo-se as forças de oposição no parlamento e na imprensa.

Para construir sua narrativa, Silva Lisboa valeu-se de inúmeros documentos produzidos em Londres, em Lisboa, no Rio de Janeiro e nas províncias do Brasil, reunidos e editados ao final de cada tomo. A esse aspecto aliou sua própria reputação de literato e político, o que transformou a obra em fonte de consulta para vários dos historiadores que escreveram sobre o tema ao longo do século XIX, a exemplo de João Manuel Pereira da Silva e Francisco Adolfo de Varnhagen.

Quando confrontada ao imenso e controverso leque de versões veiculadas em periódicos, folhetos e inúmeros outros registros de época (Carvalho; Bastos; Basile, 2014CARVALHO, J. M. de; BASTOS, L.; BASILE, M. (Org.) Guerra Literária. Panfletos da Independência, 1820-1823. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 4v.), a crônica composta por Silva Lisboa apresenta-se como reconstituição deliberada de cenas e personagens destinada a embasar a memória que D. Pedro havia traçado de si mesmo e de seu pai, afirmada na Fala do Trono de maio de 1823. Coerente e “fidedigna”, posto que ancorada em documentos chancelados por autoridades públicas, a narrativa consolida os vínculos entre independência e separação de Portugal, aprisiona o processo político à imagem incruenta de uma transição continuísta e sustenta a convicção de que a sociedade fora espectador passivo diante do brilho de certas figuras, especialmente D. Pedro. Não deixou de reconhecer a atuação de outros interlocutores nas lutas políticas, a exemplo da “cabala antibrasílica” nas Cortes em Lisboa, que pretendia “recolonizar” o Brasil, e de “anarquistas” e “republicanos”, que pleiteavam a autonomia provincial, questionando a centralidade político-administrativa da Corte, bem como defendendo a soberania do poder legislativo sobre a Coroa e sua capacidade de propor e vetar leis.5 5 Sobre a emergência de diferentes projetos a respeito tanto da reorganização do Império português após 1808 quanto do leque de alternativas políticas em debate na década de 1820, consultar: Jancsó (2003; 2005). Mas deles retirou a iniciativa e pertinência das ações, colocando-as, inicialmente, no âmbito restrito da pessoa de D. João e depois na do príncipe regente. Ao subtrair o espaço de atuação da sociedade, dos grupos políticos e de seus porta-vozes, faz crer que a cronologia dos eventos seja ditada pela sucessão linear de medidas tomadas pelas autoridades, como se, no Brasil, a “revolução da independência”, como ele mesmo designou, fosse obra e graça do Estado monárquico, enraizado desde 1808, mas cujas tradições e legitimidade remontavam aos primórdios da monarquia portuguesa.

A “revolução”, inaugurada no Rio de Janeiro com o juramento de D. João aos princípios constitucionais expostos pelas Cortes, em fevereiro de 1821, teria se desdobrado na separação de Portugal, em razão das atitudes arbitrárias de deputados portugueses, e redundou na fundação de um Império na América, legítimo porque sustentado pelo direito dinástico e pela defesa da soberania do Brasil, vitimados pelas Cortes. Mais ainda, a ação “revolucionária” do Príncipe teria desfeito a trama de outra “revolução”, essa sim perigosa, pois inspirada nas experiências francesas de fins do século XVIII e espanhola de 1812 que, a semelhança de um “turbilhão”, teriam destruído a autoridade monárquica.

Silva Lisboa procurou convencer o leitor de que tanto o Império quanto a autoridade que o monarca e o governo estabelecido no Rio de Janeiro poderiam exercer estavam consolidados nos inícios do século XIX. Nesse sentido, o engrandecimento da figura do herdeiro da monarquia portuguesa e o caráter continuísta e legalista da “revolução da Independência” ensejaram a simplificação das lutas políticas e sua redução a dois eixos: um enfrentamento externo de cunho colonial, opondo as Cortes “recolonizadoras” e D. Pedro, apoiado por “brasileiros” e “portugueses” radicados no Brasil; e um antagonismo interno entre monarquistas e republicanos, que se encerrou com a aclamação do Império e do imperador, única alternativa política, segundo Silva Lisboa, para a continuidade da ordem social e da configuração da nação legada pelo governo joanino.

O fato de essa interpretação ter se transformado em referência política e historiográfica no século XIX não quer dizer que o debate em torno do tema tenha esmorecido ao longo do período. Pelo contrário, outros políticos e cronistas sublinharam aspectos e situações que nuançaram e mesmo contraditaram seriamente a argumentação de Silva Lisboa. Esse foi o caso, em especial, da obra de John Armitage.

Negociante inglês radicado no Rio de Janeiro durante a década de 1820, Armitage publicou uma History of Brazil, em 1836, na Inglaterra.6 6 Publicado em 1836, em inglês, pela casa Smith, Elder e Cia, em Londres, em dois volumes, o livro cobre o período que vai da chegada de D. João VI ao Brasil em 1808 até a abdicação de D. Pedro I e sua partida para Portugal, em 1831. E, afirma o autor, é uma História do Brasil “compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais, formando uma continuação da História do Brasil, escrita pelo poeta Robert Southey, obra editada em Londres, entre 1810 e 1819, composta em três volumes”. Durante muito tempo, a obra de Armitage foi alvo de especulação sobre sua autoria, já que acreditava-se tratar-se de um brasileiro que a escrevera sob pseudônimo. Porém, periódicos britânicos do início do século XIX ajudaram a confirmar a identidade de Armitage. Nascido em Failsworth, em 1807, aos 21 anos, empregou-se na casa Philips, Wood & Cia, que o enviou ao Brasil. Regressou à Inglaterra no mesmo ano da publicação de seu livro e morreu em Manchester em 1856. A primeira edição em português foi publicada em 1837. Ver Armitage (1981). Muito embora sublinhasse os objetivos comerciais que o moviam, considerava-se um observador imparcial do “progresso da nação brasileira”. A seu ver, a finalidade da História era registrar experiências e eventos que demonstrassem as vantagens de governos representativos, bem como os benefícios da livre circulação de ideias, pessoas e mercadorias. Assim, ao mesmo tempo, buscou apreender as peculiaridades da sociedade que se constituiu na América portuguesa e descrever os fatos que geraram o movimento de independência. Sua narrativa pretendeu revelar a paulatina superação das instituições coloniais pelos “brasileiros” bem como a organização da sociedade civil e do governo monárquico constitucional. Reiterou a cronologia estabelecida por Silva Lisboa, reforçando as datas de 1808, 1815 e 1822, agregando, porém, a esse encadeamento a Abdicação do Imperador, em 1831, episódio que, a seu ver, teria completado a “revolução da Independência”. Qualificou-a como uma revolução liberal positiva e adequada para o momento, pautada pela destruição de práticas políticas atrasadas e absolutistas que os “portugueses” haviam deixado como herança. Nesse sentido, em sua narrativa a expressão “independência” não estava associada apenas à separação de Portugal, mas apontava, sobretudo, para a ruptura que a construção de um governo liberal simbolizava do ponto de vista da quebra de tradições legadas pela colonização e da promessa de um futuro de “civilização”, representado pelo ingresso do Brasil no mundo do livre comércio em conjunto com as demais nações ocidentais (Varella, 2011VARELLA, F. F. Da impossibilidade de aprender com o passado: sentimento, comércio e escrita da História na História do Brasil de John Armitage. São Paulo, 2011. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.; Marson, 2009MARSON, I. A. Do império das “revoluções” ao império da escravidão: temas, argumentos e interpretações da história do Império, 1822/1950. História: questões & debates, Curitiba, n.50, p.125-74, jan./jun. 2009.).

Desse modo, sua História fundamentava-se na crítica às heranças coloniais, enfatizando descontinuidades. Interpretava dessa perspectiva a reorganização da corte portuguesa no Rio de Janeiro bem como a Revolução de 1820 em Portugal e suas repercussões, especialmente, em termos do agravamento das rivalidades entre “portugueses” e “brasileiros” no âmbito das relações comerciais e da extensão da presença estrangeira. Foram decisões ambíguas das Cortes em Lisboa e, notadamente, a tentativa de “recolonização” que provocaram o movimento separatista. Mas o foco principal da narrativa estava na descrição de como os “brasileiros” envolveram-se com a política, transformaram-se em cidadãos e demonstraram condições para enfrentar as atitudes das Cortes e as dificuldades de reunião das províncias em torno de um centro de poder.

Se a proclamação da independência foi etapa necessária no caminho da “civilização”, não representou, entretanto, o apaziguamento das lutas políticas. Armitage procurou acompanhar, por meio da oposição entre “patriotas liberais” e “realistas”, entre “colônia” e “metrópole”, os embates de uma nação que se formava e contestava um Estado ainda absolutista que buscava reprimi-la pela perseguição aos opositores e pelo engrandecimento de “portugueses”. Esse conflito que pautou o Primeiro Reinado foi vencido, segundo Armitage (1981, p.227), pelos representantes da nação, em especial os “liberais moderados” que, na Câmara dos Deputados e na imprensa, impuseram a D. Pedro - um monarca que não soube “mostrar-se verdadeira e inteiramente brasileiro” - a derrota às suas pretensões absolutistas e a Abdicação. A data de 1831 simbolizava a vitória da nova nacionalidade e a consolidação da ruptura com o passado colonial, expressa na organização do Império do Brasil em bases liberais.

Importa destacar que a expressão “liberais moderados” foi muito utilizada pelos periódicos que circularam no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, durante o primeiro reinado (1825/1831) para designar de forma genérica grupos políticos que na Câmara dos Deputados e na imprensa faziam oposição aberta ao governo de Pedro I. Armitage se identificava com as reivindicações contra o poder da Coroa assim como com o movimento pela abdicação que esses agrupamentos políticos protagonizaram, considerando que Evaristo da Veiga, por exemplo, era um de seus mais importantes representantes. A denominação “liberais moderados” atingia políticos com múltiplos e contraditórios matizes liberais que, depois de 1831, desarmaram alianças anteriores e promoveram uma fragmentação do campo político na Corte. Mas é importante sublinhar que, durante o período da Regência (1831/1840) muitos deles colaboraram na organização do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fazendo que, do ponto de vista da narrativa histórica, as divergências e oposições políticas entre eles fossem amortecidas por uma memória compartilhada, pautada pela continuidade entre o passado colonial e o presente monárquico, valorizando-se o papel da monarquia na construção da nacionalidade (Ribeiro; Pereira, 2009RIBEIRO, G. S.; PEREIRA, V. O primeiro reinado em revisão. In: GRIMBERG, K.; SALLES, R. (Org.) O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v.1, p.137-74.; Basile, 2009BASILE, M. O laboratório da nação: a era regencial, 1831/1840. In GRINBERG, K.; SALLES, R. (Org.) O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v.2, p.53-119.; Guimarães, 2001GUIMARÃES, L. M. P. O Império de Santa Cruz: a gênese da memória nacional. In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A. A. P. (Org.) Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Acess, 2001. p.265-85.).

As interpretações e críticas lançadas por Armitage foram recuperadas em várias ocasiões, durante o século XIX, principalmente por políticos do campo liberal. Esse foi o caso do folheto Libelo do Povo, escrito em 1849 por Francisco Sales Torres Homem, sob o pseudônimo de Timandro, e do opúsculo A Estátua Equestre elaborado por Teófilo Ottoni, em 1862OTTONI, T. A estátua equestre. Carta de Teófilo Benedito Ottoni. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, março de 1862. Acervo Digital da Biblioteca Nacional, códice 994, 5, 26..7 7 Sobre a trajetória de Francisco Sales Torres Homem (1812/1875) e o opúsculo Libelo do Povo, consultar: Magalhães Júnior (2009). Sobre Teófilo Ottoni (1807/1869), ver Ferreira Neto, (2013). O opúsculo sobre o conjunto escultural em homenagem a D. Pedro, inaugurado em 1862, integra o acervo da Biblioteca Nacional (ver referências). A despeito dos objetivos específicos para os quais foram criados e de serem publicados em momentos muito diferentes do processo político no Império, ambos valorizaram a “revolução da Independência”, conferindo ao movimento um caráter liberal e libertário do passado colonial.

Dois pontos merecem ser destacados nessas versões sobre a História do Império. O primeiro deles diz respeito à negação de que a nação fosse um legado da colonização portuguesa, enfatizando-se, ao contrário, a atuação da sociedade e das forças políticas liberais que, ao longo da primeira metade do século XIX, teriam enfrentado os resquícios do absolutismo para construir um governo constitucional adequado ao tempo histórico. O segundo ponto, relevante pelas repercussões posteriores, é o de que a “revolução da Independência” não teria se completado inteiramente para Timandro na década de 1840, e para Ottoni no início dos anos 1860. Ambos os documentos carregam as marcas das lutas políticas para as quais foram escritos, mas na medida em que esses agentes lançaram mão de reconstituições históricas, produziram argumentos que podem conduzir à compreensão equivocada de que ambos falavam do mesmo projeto liberal que supostamente vinha se desenvolvendo, desde 1822, e que não havia ainda se concretizado seja pela ação do Estado herdado da colonização seja pelo atraso e carências que marcavam a sociedade, aspectos que, a despeito dos profundos questionamentos historiográficos que sofreram nos últimos anos, ainda hoje sustentam muitas das avaliações sobre o país e sua trajetória histórica (Bresciani, 2007BRESCIANI, M. S. M. O charme da ciência e a sedução da objetividade. 2.ed. São Paulo: Unesp; Fapesp, 2007.).

Entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, duas interpretações que alcançaram ampla repercussão contribuíram fortemente para consolidar a versão conservadora da independência fundamentada na narrativa que D. Pedro delineou e que recebeu acabamento documental e literário por Silva Lisboa. A despeito de divergentes, Pereira da Silva e Varnhagen reforçaram três pressupostos históricos e políticos: o primeiro, diz respeito à suposta continuidade entre o período colonial e a emergência da nação garantida pela atuação da dinastia de Bragança no comando do governo; o segundo, estabelece uma sólida vinculação entre a monarquia, a figura de autoridade do imperador e o processo político de sublimação da inorganicidade social herdada da colônia, o que teria permitido a manutenção da ordem e a estruturação político-jurídica da nação por meio da Constituição de 1824; e, finalmente, a desqualificação tanto das oposições ao projeto monárquico vitorioso, em 1822, quanto das demais forças políticas e sociais que, posteriormente à separação de Portugal, lutaram para revolucionar o regime ou para modificar sua estrutura, a exemplo dos protagonistas da Confederação do Equador e das atuações de Torres Homem e Teófilo Ottoni.

A História da Fundação do Império Brasileiro, escrita pelo literato e político fluminense do partido conservador João Manuel Pereira da Silva foi editada em sete tomos, entre 1864 e 1868. Mereceu elogios de seus pares e tornou-se muito popular, recebendo uma segunda edição nos anos seguintes, acontecimento raro naquele período. Bastante ambiciosa, a obra buscava preencher a “ausência” de uma história detalhada da época da independência e da trajetória política de Brasil e Portugal, entre 1808 e 1825.

Essa cronologia demarcava, segundo o autor, a “revolução brasileira”, motivada pela transferência da dinastia de Bragança para o Rio de Janeiro, episódio que provocou uma “inversão política” e transformou a colônia em metrópole, abrindo caminho para o desmembramento “da família e da monarquia portuguesas”. Procurando a “verdade”, Pereira da Silva fundamentou-se em documentos textuais e também na tradição oral. Defendendo a “imparcialidade” do historiador e sua capacidade de “julgar” a história, abordou detalhadamente o período entre a chegada da Corte e os tratados de reconhecimento da independência por Portugal, procurando traçar uma história nacional, distante da crônica do passado colonial, o que o aproximava dos desígnios mais gerais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde a concepção da história mestra da vida e dos exemplos heroicos aliava-se à invenção de uma nacionalidade singular.

Se, por um lado, o autor considerou que D. Pedro foi agente da separação entre os dois reinos e da prevalência da “unidade” do Brasil sob a monarquia herdada de D. João VI, por outro lado, utilizou o vocábulo “revolução” no sentido de “evolução”, considerando que o estatuto de colônia era etapa que necessariamente seria vencida com o tempo e o “progresso moral e material” da sociedade, o que se configurou com a Corte portuguesa no Rio de Janeiro. As transformações propiciadas por esse acontecimento imprevisível, afora os efeitos administrativos e comerciais, ensejaram a reunião das capitanias em torno de um centro político comum. Por esses motivos, Pereira da Silva consolidou, no âmbito da historiografia, as palavras “independência” e “emancipação” como sinônimos.8 8 É importante lembrar que, na imprensa das primeiras décadas do século XIX, as duas expressões eram muito utilizadas e, dependendo do interlocutor político, eram compreendidas como equivalentes. Sobre a expressão “emancipação” e suas implicações, ver Pimenta (2010). Essa construção semântica articula-se, sobretudo, à compreensão de que o “desmembramento da nação portuguesa”, diante dos confrontos gerados pelas tentativas de “recolonização” impostas pelas Cortes em Lisboa, não representavam um rompimento definitivo. Para o autor, superado o momento crucial das negociações, em 1825, ambos poderiam “lucrar” recompondo ligações mercantis e políticas. Também se reveste de originalidade a maneira pela qual descreveu os agentes da independência, políticos que cercavam o príncipe, protagonista principal, e que se dividiam entre monarquistas liberais, liderados por José Bonifácio, e os grupos mais “democráticos”, com tendências “republicanas” enredados na maçonaria, na Câmara do Rio de Janeiro e nas tropas. Destacava, dessa maneira, contradições internas e competições políticas em torno da fundação do Império, o que explorou mais intensamente em obras posteriores, quando se voltou para as polêmicas que cercaram o governo de Pedro I, a Abdicação e o período regencial (Silva, 1871; 1878).

Na obra em que historiou o governo de D. Pedro I, Pereira da Silva proferiu críticas ao imperador e ao modo como conduziu suas relações com o parlamento, o que gerou incompatibilidades dentro do Instituto e especialmente junto ao Paço Imperial. Além disso, foi acusado de cometer equívocos em relação a pessoas e episódios, sendo criticado pela falta de critério e imparcialidade no uso de documentos e depoimentos que teria coletado (Enders, 2010ENDERS, A. João Manuel Pereira da Silva, Francisco Adolfo de Varnhagen et les malheus de l´histoire moderne du Brésil. In: PIRES, F. M. (Org.) Antigos, modernos e selvagens: diálogos franco-brasileiros de História e Antropologia. Edição especial da Revista de História. São Paulo: Universidade de São Paulo; Departamento de História, 2010. p.115-30.). Essas contestações foram reforçadas ainda mais por Francisco Adolfo Varnhagen, o que contribuiu para que a História formulada por Pereira da Silva fosse praticamente esquecida.

Logo no prefácio da História da Independência do Brasil, Varnhagen esclareceu que não pretendia escrever uma obra especial sobre o período, mas que foi obrigado a fazê-lo não só para complementar a História Geral do Brasil (1854/1857) como, especialmente, para corrigir “erros” cometidos por outros escritores em referência direta e nominal à obra de Pereira da Silva.9 9 A obra de Varnhagen (s. d.) sobre a independência foi escrita nos anos de 1870, mas somente foi publicada postumamente pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com anotações do Barão do Rio Branco. Varnhagen tomou como fio condutor o desenrolar encadeado, evolutivo e ininterrupto dos eventos que aconteceram na Corte do Rio de Janeiro, entre 1808 e 1825, e que resultaram na “fundação do Império”, replicando periodização e expressão usadas por Pereira da Silva, mas com a clara intenção de denegar sua interpretação e argumentos.

O foco inicial de sua interpretação está no passado colonial, na valorização das instituições coloniais portuguesas e no “processo civilizatório” por elas ensejado, onde estariam fincadas as origens nacionais que teriam como corolário a presença da Corte bragantina na América. Nessa versão, impregnada pelas propostas políticas dos ilustrados luso-brasileiros de fins do século XVIII, a construção do Império português que a Corte no Brasil viabilizava teria promovido um desenrolar pacífico e gradual à independência, estabelecendo-se paulatinamente um sistema de governo constitucional, comandado por D. João VI. Entretanto, as Cortes em Lisboa adotaram conduta “desagregadora” esfacelando qualquer possibilidade de preservação do Reino Unido.

Para Varnhagen, o governo joanino deveria ter se antecipado às circunstâncias, implantando reformas políticas para minimizar o impacto da Revolução de 1820 e das exigências dos “revolucionários” em Portugal e no Brasil. Lamentou a falta de ação da Coroa, pois o agravamento das tensões, em razão das atitudes “arbitrárias e intolerantes” dos deputados portugueses, fez que o rompimento entre os dois reinos se tornasse “inevitável”. No entanto, não compreendia que a independência fosse um confronto entre “brasileiros” e “portugueses” ou uma oposição entre colônia e metrópole, pois o próprio governo português tomou a iniciativa de conceder a “emancipação” ao Brasil, transformando-o em reino. Nesse sentido, a questão da “união” ou “separação” entre Brasil e Portugal relacionava-se, para ele, ao fato de “brasileiros” e “portugueses” residentes na porção americana não se submeterem aos encaminhamentos que as Cortes pretendiam conferir às relações luso-brasileiras. E foi em razão da ameaça de “recolonização” que as províncias de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo se articularam, em 1822, em torno do príncipe real, para organizar um governo “perpetuamente livre”.

A despeito de descrever dissidências internas aos “partidistas” da independência, explorando, em especial, o confronto entre José Bonifácio e o “partido liberal”, a atenção de Varnhagen estava na figura de D. Pedro. Tal como Silva Lisboa, procurou acompanhar a trajetória do príncipe que vai pavimentando o caminho para se tornar imperador, o que pode ser interpretado como um espelho das veredas que a nação percorreu desde os primórdios da colonização até o momento da separação de Portugal. De início com poderes frágeis e contestados, D. Pedro vai adquirindo, ao longo da narrativa, liderança e carisma, tornando-se o símbolo da autoridade suprema e unificadora da nação, o que para o autor possibilitou a “transição” rumo à consolidação da independência.

O legado historiográfico do século XIX foi revisitado e recomposto desde os primeiros anos da proclamação da República e, notadamente, por ocasião do centenário em 1922. No início do século XX, como observou Ângela de Castro Gomes (2004GOMES, A. de C. Rascunhos da história imediata: de monarquistas e republicanos em um triângulo de cartas. Remate de Males. Campinas, n.24, p.9-31, 2004.; 2014), foram estabelecidos novos parâmetros para as formas de narrar a história da nação, afirmando-se a República sem rupturas com o passado monárquico, o que conduziu a uma leitura conciliadora do Império. Delineou-se o que Maria de Lourdes Janotti (1998JANOTTI, M. de L. O diálogo convergente: políticos e historiadores no início da República. In: FREITAS, M. C. (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto/USF, 1998. p.119-44.) definiu como um “diálogo convergente” entre monarquistas e republicanos vinculados às elites cafeeiras, os desiludidos com o novo regime e membros das oligarquias regionais, o que abriu caminho para um consenso entre intelectuais e políticos reunidos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Academia Brasileira de Letras em torno de uma interpretação positiva da monarquia e seu papel na construção da nacionalidade que se articulava à compreensão de uma necessária evolução do país para a república e sua missão de reconstrução nacional. Esse “diálogo” está espelhado de modo emblemático na obra de Manuel de Oliveira Lima, de enorme influência até hoje, o que conferiu contornos originais ao enredo da independência já consolidado desde o século XIX.

Particularmente na obra O movimento de Independência, lançada em 1922, Oliveira Lima, seguindo caminhos abertos por Silva Lisboa, Armitage e Varnhagen, formulou uma argumentação a respeito do tema fundamentando-se em três hipóteses. A primeira foi que a independência e a “unidade nacional” decorreram do estabelecimento da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, pois atribuiu a esse evento a ruptura do regime colonial e a organização de um governo soberano, o que teria transformado o Brasil em reino autônomo e emancipado. Nesse sentido, a proclamação de 7 de setembro seria a reafirmação de uma situação já configurada, adotando-se a separação diante das “recolonizadoras” Cortes em Lisboa. A segunda hipótese foi a de que a sociedade colonial podia ser equiparada às demais sociedades coloniais americanas, assim como às sociedades europeias, pois a colonização portuguesa havia promovido a formação de uma “democracia racial e social”, preservada na transição para o período nacional. Para Lima, o antigo regime não havia se fixado nos “trópicos”, os proprietários de terras e escravos não formavam uma aristocracia e eram imprecisos os limites entre as categorias sociais, já que as diferenças estavam ancoradas muito mais na riqueza do que em privilégios de nascimento. A chegada da corte portuguesa só fez aprofundar essas características, configurando-se uma monarquia “híbrida”, mescla entre absolutismo e democracia que, segundo o historiador, podia ser designada de “democracia coroada”. Sempre preocupado em inserir as circunstâncias brasileiras no âmbito do continente americano, Oliveira Lima creditava às Cortes em Lisboa a responsabilidade da separação, o que inviabilizou uma monarquia dual, mas, ao mesmo tempo, demonstrou a capacidade ordenadora e construtiva do governo de D. Pedro. Em razão desses entendimentos, Oliveira Lima lançou uma terceira hipótese: a de que o Império era uma “república disfarçada”. Externamente projetava o aparato da realeza, mas internamente condensava conteúdos liberais, constitucionais e adequados aos princípios americanos e republicanos da época.

As tradições interpretativas que cercaram a independência e a configuração da nacionalidade no século XIX foram revisitadas, também, por vários dos intérpretes do Brasil nas décadas seguintes, que delas se apropriaram para explicitar as singularidades e os descompassos da sociedade brasileira em relação aos padrões tidos como modelares de desenvolvimento capitalista, o que em parte ajuda a entender a resiliência do enredo historicamente consagrado e das repisadas versões dadas a ele (Marson; Oliveira, 2013MARSON, I. A.; OLIVEIRA, C. H. L. de S. (Org.) Monarquia, liberalismo e negócios no Brasil, 1780/1860. São Paulo: Edusp; Museu Paulista; Capes; CNPq, 2013.; Bresciani, 2007BRESCIANI, M. S. M. O charme da ciência e a sedução da objetividade. 2.ed. São Paulo: Unesp; Fapesp, 2007.). Todas essas interpretações historiográficas moldaram saberes acadêmicos e não acadêmicos sobre a independência, interagindo com outros suportes de concepção, produção e divulgação, situados também no campo da memória.

Só mais recentemente, a partir dos anos de 1960, as tradições resultantes dessa interação começaram a ser questionadas a fundo e outras leituras da independência puderam ser apresentadas e debatidas em virtude, especialmente, de uma conjunção entre a produção acadêmica gerada pelos vários programas de pós-graduação em História, espalhados pelas universidades públicas brasileiras, e questões de natureza histórica e política contemporâneas como o neoliberalismo, a globalização e a crise dos centros de poder mundiais, obrigando, como havia sugerido Anderson (2008ANDERSON, B. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Trad. D. Bottmann. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.), a uma profunda investigação sobre o liberalismo e os processos de engendramento das nações e dos nacionalismos no pós-guerra.

No estágio atual dos conhecimentos, a independência do Brasil despregou-se da “História-memória nacional” que a articulava a episódios recortados - como a proclamação de 7 de setembro de 1822 - , a personagens e situações fragmentadas e, particularmente, a uma compreensão restritiva dos processos em curso no início do século XIX, pois estava associada ao marco cronológico e simbólico de uma “emancipação”, transcorrida entre 1808 e 1822, que pouco ou quase nada parecia representar para a sociedade e a política à época.

Nesse sentido, a desvinculação da Independência a um evento singular possibilitou a recuperação de sua dimensão como tema da política, tratado exaustivamente no âmbito das diferentes partes constitutivas do então Império português, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII (Lyra, 1994_______. A utopia do poderoso império. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994.). Além disso, ganhou força a compreensão da impossibilidade de investigar a independência fora dos horizontes das revoluções liberais que ocorreram no final do século XVIII e no século XIX tanto na Europa quanto na América (Pimenta, 2009PIMENTA, J. P. A Independência do Brasil como revolução: história e atualidade de um tema clássico. História da Historiografia, v.3, p.53-82, 2009.). Vale dizer, o movimento separatista integra os processos políticos, sociais e culturais que resultaram na formação das nações e dos Estados nacionais no mundo ocidental, o que não só aproxima os eventos que ocorriam na América portuguesa das demais experiências coetâneas como provoca o redimensionamento dos aspectos e problemas que os singularizaram.

Na atualidade, muito em razão dos questionamentos e contribuições de vigorosas pesquisas, desenvolvidas por uma plêiade de persistentes e criativos historiadores, não só se abriram novos e enriquecedores horizontes de conhecimento para o tema da independência, como continuam em vivo debate os entrelaçamentos entre escrita da História, política e memória.

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  • RODRIGUES, J. H. Independência: revolução e contrarrevolução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. 5v.
  • SILVA, J. M. P. da. História da fundação do império brasileiro. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864/1868. 7v.
  • _______. Segundo período do reinado de D. Pedro I no Brasil, 1825/1831. Rio de Janeiro: Garnier, 1871.
  • _______. História do Brasil, 1831/1840. Rio de Janeiro: Dias da Silva Júnior, 1878.
  • VARELLA, F. F. Da impossibilidade de aprender com o passado: sentimento, comércio e escrita da História na História do Brasil de John Armitage. São Paulo, 2011. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • VARNHAGEN, F. A. de. História da Independência do Brasil. 4.ed. Anotações do Barão do Rio Branco e de Hélio Vianna. São Paulo: Melhoramentos, s. d.
  • _______. História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1854/1857. 2t.
  • VESENTINI, C. A. A teia do fato. Uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec; PPG História Social da USP, 1997.

Notas

  • 1
    Quero agradecer a João Paulo Pimenta as valiosas sugestões durante a elaboração deste artigo. Sempre atento a tema que há anos vem investigando, as contribuições de João Paulo permitiram clarear certas passagens do texto, incorporar autores e, especialmente, articular às interpretações historiográficas questões relacionadas à cultura de história, amplamente compartilhada por inúmeros setores da sociedade brasileira, e que ele e seu grupo de alunos descortinaram com pertinência (Pimenta et al., 2014).
  • 2
    As considerações apresentadas aqui foram tratadas mais profundamente em dois artigos recentes: “Historiografía y memoria de la Independencia” (Oliveira, 2021a); e “O peso de imagens sacramentadas e os desafios científicos e educativos do Museu Paulista” (Oliveira, 2021b).
  • 3
    Durante as lutas políticas em curso no Brasil e em Portugal, entre 1821 e 1822, nem todos os protagonistas utilizavam a associação entre independência e separação do reino europeu. Pelo contrário, a expressão “independência”, especialmente na imprensa do Rio de Janeiro e das demais províncias da América portuguesa, representava a organização de um governo representativo e constitucional, sendo utilizada tanto por aqueles que apoiam os objetivos da Revolução de 1820 quanto pelos que desconfiavam dos propósitos das Cortes em Lisboa. Foram interpretações historiográficas do século XIX, a partir das afirmações de D. Pedro I, que selaram essa associação, a exemplo da obra de Silva Lisboa (Oliveira, 2020, cap.3).
  • 4
    Sobre a vida e obra de José da Silva Lisboa, consultar: Kirschner (2009).
  • 5
    Sobre a emergência de diferentes projetos a respeito tanto da reorganização do Império português após 1808 quanto do leque de alternativas políticas em debate na década de 1820, consultar: Jancsó (2003; 2005).
  • 6
    Publicado em 1836, em inglês, pela casa Smith, Elder e Cia, em Londres, em dois volumes, o livro cobre o período que vai da chegada de D. João VI ao Brasil em 1808 até a abdicação de D. Pedro I e sua partida para Portugal, em 1831. E, afirma o autor, é uma História do Brasil “compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais, formando uma continuação da História do Brasil, escrita pelo poeta Robert Southey, obra editada em Londres, entre 1810 e 1819, composta em três volumes”. Durante muito tempo, a obra de Armitage foi alvo de especulação sobre sua autoria, já que acreditava-se tratar-se de um brasileiro que a escrevera sob pseudônimo. Porém, periódicos britânicos do início do século XIX ajudaram a confirmar a identidade de Armitage. Nascido em Failsworth, em 1807, aos 21 anos, empregou-se na casa Philips, Wood & Cia, que o enviou ao Brasil. Regressou à Inglaterra no mesmo ano da publicação de seu livro e morreu em Manchester em 1856. A primeira edição em português foi publicada em 1837. Ver Armitage (1981).
  • 7
    Sobre a trajetória de Francisco Sales Torres Homem (1812/1875) e o opúsculo Libelo do Povo, consultar: Magalhães Júnior (2009). Sobre Teófilo Ottoni (1807/1869), ver Ferreira Neto, (2013). O opúsculo sobre o conjunto escultural em homenagem a D. Pedro, inaugurado em 1862, integra o acervo da Biblioteca Nacional (ver referências).
  • 8
    É importante lembrar que, na imprensa das primeiras décadas do século XIX, as duas expressões eram muito utilizadas e, dependendo do interlocutor político, eram compreendidas como equivalentes. Sobre a expressão “emancipação” e suas implicações, ver Pimenta (2010).
  • 9
    A obra de Varnhagen (s. d.) sobre a independência foi escrita nos anos de 1870, mas somente foi publicada postumamente pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com anotações do Barão do Rio Branco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    21 Dez 2021
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