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O abandono do “espírito universitário” na construção da Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira1 1 Agradeço a André Nicácio Lima sua inestimável colaboração, tanto na pesquisa das fontes como na redação deste artigo. A Monica Duarte Dantas, a leitura atenta e sugestões. Agradeço também aos funcionários da USP - do Arquivo Geral, Secretaria Geral da Reitoria, Arquivo da Politécnica, Arquivo da FFLCH e Superintendência do Espaço Físico - o auxílio prestado. Em especial, registro meu agradecimento a Eliana Rotolo, bibliotecária do Arquivo Geral da USP. Agradeço a Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA em 2018, o convite para participar do Grupo de Trabalho que elaborou o relatório “USP - Proposta de uma agenda para o futuro”, formado pelos professores Arlindo Philippi Jr., Caio Dantas, Elizabeth Balbachevsky, Eugênio Bucci, Guilherme Ary Plonski, Henrique von Dreifus, Luiz Bevilacqua (Coordenador), Naomar de Almeida Filho, Paulo Saldiva e Roseli de Deus Lopes, com suporte organizacional de Mariza Macedo Gomes Alves. Agradeço ao IEA na pessoa de seu diretor, o prof. Paulo Saldiva, a acolhida e o apoio.

RESUMO

O artigo aborda a história da construção da Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira, em especial o período compreendido entre a fundação da USP, em 1934, e a década de 1960. Nesse período, vários projetos foram elaborados, em princípio pautados pela integração entre as áreas do conhecimento, mas que resultaram num campus marcado pelo isolamento. O objetivo é compreender por que foi abandonado o que havia sido estabelecido no decreto de fundação da USP, em especial no que diz respeito à promoção do “espírito universitário” na construção do campus.

PALAVRAS-CHAVE:
Universidade de São Paulo; Espírito universitário; Cidade universitária; Planejamento; Convivência universitária

ABSTRACT

This article discusses the construction of the University of São Paulo’s main campus, called “Armando de Salles Oliveira”, focusing on the period between the foundation of the University, in 1934, to the 1960s. During this period, several projects for the campus, initially guided by the idea of integrating different areas of knowledge, resulted in a campus marked by the segregation of those same areas. The purpose is to understand why there was such a significant deviation from USP’s founding decree, especially concerning the advancement of a “university spirit” that should have guided the construction of the campus.

KEYWORDS:
University of São Paulo; Academic spirit; University campus; Planning; Academical conviviality

A universidade de São Paulo (USP) desempenha um papel fundamental no Brasil de hoje. Sua contribuição para o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico do país se expressa tanto nos rankings que a apontam como principal instituição de ensino superior do país, quanto no destaque que egressos de seus cursos têm nos diversos setores da sociedade e em seus campos acadêmicos e profissionais. Os programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado da USP vêm formando parte expressiva dos docentes das universidades brasileiras, além de docentes de outros países. A USP contava, em 2018, 59.084 estudantes cursando a graduação e 29.926 pós-graduandos, dentre os quais 14.369 alunos de mestrado e 15.557 de doutorado.2 2 Dados constantes do quadro estatístico mais atualizado, disponível no portal da USP: “USP em Números 2019”, Disponível em: <https://uspdigital.usp.br/tycho/>.

Pensar os fundamentos de uma instituição de tamanha importância cultural, científica e tecnológica requer uma análise atenta aos conflitos que perpassam a história de sua formação e consolidação. Para além das análises que enfocam concepções de universidade, currículos e trajetórias de cursos e de unidades de ensino, a compreensão do processo de formação da USP requer especial atenção à trajetória da construção de seu espaço físico, em especial da atual Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira.

Muitas vezes encarada como uma dimensão essencialmente técnica da trajetória da USP, a construção da Cidade Universitária envolveu debates e conflitos de diversas naturezas, que alteraram profundamente os rumos da Universidade como um todo, com impactos para além de seus muros. Ao mesmo tempo, os conflitos políticos que atravessaram a sociedade brasileira tiveram impacto decisivo na trajetória da instituição. Por exemplo, em 1937, os projetos relativos à construção de uma Cidade Universitária chegaram a ser suspensos por quatro anos em razão da interrupção dos trabalhos legislativos pelo golpe do Estado Novo. Durante o regime militar implantado em 1964, professores e estudantes foram perseguidos de diversas maneiras, desde as mais sutis até as mais brutais. Essa perseguição chegou a lideranças influentes na construção e na administração da universidade, alterando diretamente seus rumos.

O planejamento e construção da Cidade Universitária foi objeto de vários trabalhos, com destaque para aqueles de Ernesto de Souza Campos (1938, 1954a, 1954b), que teve protagonismo nas comissões dedicadas à construção do campus, bem como o livro de Neyde Joppert Cabral (2018CABRAL, N. A. J. A Universidade de São Paulo: Modelos e Projetos. São Paulo: Edusp, 2018.), que analisou extensa documentação e buscou compreender uma história marcada por descontinuidades, projetos abandonados sem explicação e conflitos entre poderes internos e externos à comunidade universitária.

Este artigo se propõe a aprofundar essas análises, com base em pesquisa documental realizada no Arquivo Geral da USP, no arquivo da Escola Politécnica e em outros órgãos e unidades da Universidade. Trata-se de compreender como e por que acabaram por ficar em segundo plano as considerações acadêmicas no processo de construção da Cidade Universitária.3 3 Foram consultados na Universidade de São Paulo os seguintes acervos: Arquivo Geral (processos e fontes a eles anexas); Reitoria (Atas do Conselho Universitário); Arquivo da FFLCH (atas, processos e documentos anexos relativos à FFCL); Arquivo da Escola Politécnica (mapas, anuários, processos e demais fontes); Superintendência do Espaço Físico (mapas e plantas digitalizadas). Também foram consultados o Acervo Digital do jornal “O Estado de São Paulo” e a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Projetada para ser o local onde seria instalada a Universidade de São Paulo, um centro científico, cultural e de difusão de conhecimento, que tinha como núcleo central a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Seus primeiros projetos de urbanismo tinham como norte a preocupação com a promoção do “espírito universitário”, em consonância com as diretrizes do estatuto da USP.4 4 Trata-se do Artigo VII do Estatuto da USP, cujo conteúdo será exposto adiante. As unidades de ensino e pesquisa deveriam estar próximas umas das outras e dispostas de forma a promover a convivência entre professores e estudantes das diversas áreas do conhecimento.

A Cidade Universitária de hoje nega em muitos aspectos as preocupações que orientaram tanto o estatuto, quanto os primeiros projetos de urbanismo e zoneamento do campus. Nela se veem unidades afastadas, em grande medida fechadas em si mesmas, separadas por grandes avenidas e áreas gramadas que não servem à convivência e integração.

Como se partiu daqueles projetos e se chegou a essa realidade é o que este artigo se propõe a responder. Para isso, tratarei primeiramente das concepções que orientaram a fundação da USP e os primeiros projetos para suas instalações físicas; em seguida, farei uma comparação entre alguns projetos para a Cidade Universitária entre os anos 1940 e 1962, destacando os planos de 1949, 1952 e 1954 que essencialmente determinaram o sistema viário e a distribuição dos espaços das unidades no campus. Por fim, tecerei algumas considerações a respeito do campus que resultou de décadas de planejamentos e replanejamentos, planos interrompidos e conflitos opondo projetos e interesses diversos.

Trata-se de discutir a USP de hoje, tendo como subsídio a compreensão do histórico da construção de seu principal espaço físico.

Os fundamentos da USP e de sua Cidade Universitária

A USP foi fundada em 1934, num país sem tradição universitária. Antes dela, só havia sido criada a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), fundada em 1920, mas que teve vida breve. A URJ foi “resultado da justaposição de três escolas tradicionais, sem maior integração entre elas e cada uma conservando suas características” (Favero, 2006FAVERO, M. de L. de A. A universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar em Revista [online], n. 28, p.17-36, 2006., p.22). Propondo-se a ir além da reunião de escolas, a USP se configurou como um projeto avançado, com a pretensão de criar a tradição universitária que faltava ao ensino superior brasileiro. O projeto recebeu importante contribuição dos debates ocorridos ao longo das décadas de 1920 e 1930, quando houve uma intensa mobilização da intelectualidade nacional propondo reformular a educação brasileira. Em São Paulo, um grupo de intelectuais avançou bastante nas propostas para a criação de uma universidade paulista, resultando na fundação da USP. No mesmo contexto, no Rio de Janeiro, então capital do país, foi intensa a atividade educacional sob a liderança de Anísio Teixeira.5 5 Anísio Teixeira (1900-1971) foi um dos principais formuladores de uma educação moderna no Brasil, tendo atuado como secretário de Educação da Bahia e do Rio de Janeiro, além de ser um dos participantes, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Promotor da educação pública, ele liderou a criação da Universidade do Distrito Federal em 1935, mas, em seguida, foi perseguido pelo regime varguista, retornando à participação na política de educação no Brasil e no mundo (como conselheiro geral da Unesco) apenas depois da queda do Estado Novo, em 1945. Em 1962, junto com Darcy Ribeiro, fundou a Universidade de Brasília (UnB). Diversos documentos sobre o ensino superior foram produzidos em ambas as cidades, dentre os quais destacam-se dois inquéritos, um promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1926 e outro pela Associação Brasileira de Educação (ABE), no Rio, em 1928 (Associação Brasileira de Educação, 1929).6 6 O inquérito do jornal O Estado de S. Paulo sobre o ensino público foi publicado de junho a dezembro de 1926. Sobre os inquéritos (Bontempi Jr., 2017).

Os objetivos dos fundadores da USP conjugavam as atividades de formação profissional com aquelas de cunho cultural, científico, de formação de professores do ensino médio e de busca de conhecimentos sem fins utilitários. Seus principais formuladores pertenciam à aristocracia paulista, ligada ao jornal O Estado de S. Paulo, sob a liderança de Júlio de Mesquita Filho e de Fernando de Azevedo.

Uma das razões para a criação da Universidade foi o inconformismo das elites paulistas com a derrota na Revolução Constitucionalista de 1932, que acarretou a perda de poder político do estado. Com a criação da USP, a elite paulista procurou resgatar as posições perdidas por meio do desenvolvimento da ciência, do conhecimento e, em especial, da criação de uma universidade em moldes avançados, inspirados em instituições modernas, sobretudo europeias (Antunha, 1974ANTUNHA, H. C. G. Universidade de São Paulo: fundação e reforma. São Paulo: MEC/Inep/CRPE, 1974.; Cardoso, 1982CARDOSO, I. A. A universidade da comunhão paulista; o projeto de criação da USP. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1982.; Nadai, 1981NADAI, E. Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). São Paulo, 1981. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.).

A criação da USP foi possibilitada pela política formulada no governo provisório de Getúlio Vargas, que, em 11 de abril de 1931, baixou o Decreto n.19.851, conhecido como Estatuto das Universidades Brasileiras. O decreto estabeleceu os requisitos para se criarem universidades no país e as normas para seu funcionamento. Sua regulamentação, no que concerne às condições para a criação de universidades nos estados, foi feita pelo Decreto n.24.279, de 22 de maio de 1934.

A USP foi fundada por meio do Decreto n.6.283, de 25 de janeiro de 1934, assinado por Armando de Sales Oliveira no período em que atuou como interventor federal em São Paulo. Sales Oliveira era empresário e engenheiro formado na Escola Politécnica, genro de Júlio de Mesquita (proprietário do jornal O Estado de S. Paulo) e importante liderança da oposição ao governo Vargas. Sua nomeação como interventor era parte de um novo pacto de Vargas com a elite paulista, após a revolução constitucionalista de 1932. Esse pacto passou por muitos sobressaltos, mas foi fundamental para viabilizar o projeto paulista da Universidade de São Paulo. O golpe de Estado de 1937, o primeiro de muitos conflitos políticos a impactar a instituição, afetou a construção da Cidade Universitária, causando a suspensão dos projetos para o campus entre 1937 e 1941 em razão do fechamento das Assembleias Legislativas.

A trajetória da USP não é conflituosa apenas em decorrência das tensões da política nacional, mas também pelas dificuldades intrínsecas à tarefa de criar uma instituição dessa natureza e porte num país sem tradição universitária.

O decreto que criou a USP, em 1934, incorporou à nova instituição as escolas superiores que já existiam no estado: Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Faculdade de Medicina; Farmácia e Odontologia; Faculdade de Medicina Veterinária; Escola Superior de Agricultura e Escola Politécnica. Além delas, foram criadas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais; e a Escola de Belas Artes.7 7 A Faculdade de Ciências Econômicas só viria a ser instalada como Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas em 1946, e a Escola de Belas Artes foi substituída pela Escola de Comunicações Culturais, criada em 1966 e que, em 1969, passou a ser denominada Escola de Comunicação e Artes. Também faziam parte da estrutura da USP dezoito institutos complementares em várias áreas do conhecimento.

Na época da fundação, as escolas profissionais já haviam contribuído para o progresso do estado, introduzindo novos conhecimentos e métodos em áreas tais como engenharia, agricultura, medicina, dentre outras, e desfrutavam de grande prestígio. A mais tradicional delas era a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, criada em 1827, ao mesmo tempo que a Faculdade de Direito de Recife, sendo essas as duas primeiras instituições de formação jurídica do Brasil. Desde o período imperial, a Faculdade de Direito de São Paulo exerceu uma influência indisputável entre as instituições de ensino do país, formando gerações de profissionais das carreiras jurídicas, mas também muitos dos quadros da política, administração pública e intelectualidade brasileira.

A incorporação da Faculdade de Direito à USP aconteceu quando a escola já tinha mais de um século de história. Sua importância era tamanha que oito dos catorze presidentes que tinham governado o Brasil até então tinham passado pela instituição,8 8 Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Washington Luís e Júlio Prestes (que não exerceu o cargo em razão da Revolução de 1930). além de grandes personagens da cultura, da literatura e da intelectualidade brasileira, como o líder abolicionista Joaquim Nabuco, o jurista Ruy Barbosa, os poetas Alphonsus Guimaraens, Álvares de Azevedo e Castro Alves, e os escritores José de Alencar, Monteiro Lobato e Oswald de Andrade, para mencionar apenas alguns.

A Escola Politécnica foi fundada em 1894, num prédio adquirido do Barão de Três Rios, na Luz, onde foram inicialmente instalados os cursos de Engenharia Industrial, Engenharia Agrícola, Engenharia Civil e o Curso Anexo de Artes Mecânicas. Dentre os personagens de destaque na criação da escola estava Antônio Francisco de Paula Souza, incentivador do desenvolvimento da engenharia e da tecnologia no Brasil que ocupou importantes postos na administração pública durante a República Velha. Também participou da fundação Francisco Ramos de Azevedo, que estabeleceu na mesma época aquele que se tornou o maior escritório de projetos do país, responsável pela construção de muitos dos edifícios públicos e privados que se tornaram ícones no centro antigo de São Paulo, incluindo desde o Teatro Municipal e o quartel de polícia até muitos dos palacetes dos barões do café, na Avenida Paulista.

A Escola Politécnica tinha quatro décadas de história quando foi criada a Universidade de São Paulo. Seus prestígio e influência já estavam consolidados nos campos da engenharia, da arquitetura, da tecnologia e também na política e na administração públicas, na figura de personagens como Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello e Teodoro Augusto Ramos. O processo de incorporação da Escola Politécnica à USP contou com a atuação de Teodoro Ramos, responsável por convidar docentes europeus para compor os quadros da universidade. Além dos cursos profissionais da área de engenharia que hoje compõem a Escola Politécnica da USP, a instituição deu origem a outras unidades, como o Instituto de Astrofísica e Geofísica, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos. Sua contribuição para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil se estende a diversas áreas do conhecimento, para além de sua importância como centro de formação profissional.

A Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo foi criada duas décadas depois, em 1913. A fundação foi liderada pelo Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, então diretor clínico da Santa Casa de Misericórdia. Ele foi nomeado pelo presidente do estado de São Paulo, Francisco de Paula Rodrigues Alves, para dar cumprimento a um decreto de 1891 que previa a criação de uma faculdade de medicina e cirurgia no estado. O projeto de Vieira de Carvalho era estabelecer a escola desvinculada da Santa Casa, constituindo uma instituição realmente nova. Para isso, contou com o apoio de Paula Souza, então diretor da Escola Politécnica, que cedeu instalações para o início das atividades. Também abrigaram a escola instalações cedidas pela Escola de Comércio Álvares Penteado, próxima à Faculdade de Direito. Em 1914, as aulas foram transferidas para uma sede provisória na Rua Brigadeiro Tobias, centro de São Paulo. As instalações definitivas foram construídas a partir de 1928, contando com recursos da Fundação Rockefeller. O prédio principal - concebido por Ernesto de Souza Campos, Luiz de Rezende Puech e Benedicto Montenegro - foi inaugurado em 1931, na então Avenida Municipal, atual Avenida Dr. Arnaldo, justamente em homenagem a Arnaldo Vieira de Carvalho.

Em 1934, a Escola de Medicina e Cirurgia foi incorporada à USP como Faculdade de Medicina e construiu sua influência e prestígio mantendo seu projeto centrado nas instalações da Avenida Dr. Arnaldo. Esse projeto se consolidou com a transferência das aulas práticas de clínica e cirurgia da Santa Casa para o novo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em 1944. A incorporação à USP trouxe à escola renomados professores estrangeiros, como Lambert Meyer, da Faculdade de Nancy, França; Emílio Brumpt, catedrático da Faculdade de Medicina de Paris; o anatomista Alfonso Bovero e o patologista Alessandro Donati, ambos da Universidade de Turim, na Itália.

Assim como a Faculdade de Direito e a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina tem uma trajetória de sucesso que se inicia antes e continua a se desenvolver no interior da Universidade de São Paulo.9 9 A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz também já tinha trazido grandes contribuições para a agricultura no estado de São Paulo e no Brasil. A trajetória da escola não será abordada porque interessa-nos a construção da Cidade Universitária no desenvolvimento da USP, e a Esalq manteve-se sempre instalada no Campus “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, interior de São Paulo. Sucesso no que diz respeito ao progresso científico, à formação profissional, ao atendimento médico de excelência oferecido à população, e também à influência e prestígio social.

Quando a USP foi criada, as três escolas profissionais - Direito, Engenharia e Medicina - não se conformaram com o modelo estabelecido no decreto de fundação. Isso porque o modelo paulista tinha como peça fundamental a criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Essa nova instituição ocuparia um lugar central na formação de um “espírito universitário”, já que deveria ser responsável pelo ensino de disciplinas básicas para todas as áreas e pelo desenvolvimento cultural e científico na universidade. Era nesse núcleo que professores e estudantes compartilhariam espaços de ensino, culturais e científicos, evitando-se a redundância no oferecimento de cursos em diferentes institutos, o que de acordo com Souza Campos (1938, p.111) levaria à “dispendiosa multiplicação de laboratórios e gabinetes idênticos”, motivando o “fraco desenvolvimento dos cursos de ciência pura, com grave prejuízo para o desenvolvimento cultural da nação”.

A FFCL era uma instituição nova, criada no mesmo contexto que a Universidade, contrastando com escolas tradicionais, criadas ao longo do século XIX e início do XX. A compreensão do papel da FFCL é destacado pelo professor Paschoal Américo Senise (2006SENISE, P. Origem do Instituto de Química da USP - reminiscências e comentários. São Paulo: Instituto de Química da USP, 2006., p.128-35):

Fiéis ao pensamento de dar novos rumos aos estudos universitários, e, portanto, convencidos da necessidade de promover real mudança de orientação, os fundadores da USP preocuparam-se em fazer com que a FFCL fosse constituída de maneira a privilegiar a criatividade, mediante a ênfase na pesquisa e, em consequência, com novos enfoques no ensino. Para tanto, resolveram buscar no exterior, em instituições de grande renome, para compor o corpo docente, professores que se dispusessem a vir ao Brasil e a se dedicar a um trabalho pioneiro.

Os fundadores da USP entendiam ser fundamental a vinda de professores do exterior para a FFCL, pois não existia no Brasil pessoas com a formação exigida nas várias áreas da faculdade. Uma delegação de professores da USP foi enviada, então, pelo reitor para contratar professores na França, na Itália e na Alemanha. Além das atividades regulares de ensino e pesquisa, sua tarefa incluía a estruturação dos cursos que comporiam a FFCL e propor linhas de pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento a serem desenvolvidas na nova Faculdade. A delegação traçou uma política de contratar professores para Ciências Físicas e Naturais na Itália; para Ciências Humanas na França; e para Ciências Exatas professores perseguidos pelo regime nazista na Alemanha. Há relatos de que o Prof. Georges Dumas sugeriu à comissão que convidasse professores jovens e não grandes nomes em fim de carreira, pois a seu ver esses não estariam tão interessados em enfrentar o desafio de construir uma Universidade em um país distante e sem tradição acadêmica.10 10 Professor da Sorbonne, em Paris, Georges Dumas participou da cooperação científica e cultural entre França e Brasil, e desde o início dos anos 1920, atuou no sentido de incentivar e ampliar essa parceria. Dentre outras atividades, auxiliou Teodoro Ramos a escolher os professores franceses que seriam contratados pela recém-criada FFCL. Para uma descrição e uma análise da relevância da Cooperação Francesa com o Brasil, ver Ferreira (2005).

A missão chefiada por Teodoro Ramos, professor da Escola Politécnica e diretor da FFCL, teve grande sucesso. Na França foram contratados Robert Garric para Língua e Literatura Francesa; Émile Coornaert para História da Civilização; Pierre Deffontaines para Geografia; Paul Arbousse-Bastide para Sociologia; Michel Berveiller para Língua e Literatura Greco-Latina; e Etienne Borne para Filosofia e Psicologia. Vieram da Itália Francesco Piccolo para Língua e Literatura Italiana; Luigi Fantappié para Matemática; Ettore Onorato para Geologia e Mineralogia; e Gleb Wataghin para Física. Dentre os alemães, foram contratados Ernest Breslau para Zoologia; Heinrich Rheinboldt para Química; e Felix Rawitscher para Botânica. Foram também contratados os professores brasileiros André Dreyfus para Biologia; Plínio Airosa para Etnografia Brasileira e Língua Tupi-Guarani; Luís Cintra do Prado para a cadeira de Física (na subseção de Ciências Naturais), sendo depois substituído por Antônio Soares Romeo.

Esse grupo inicial de treze estrangeiros e quatro brasileiros atuou no corpo docente da FFCL-USP por períodos variados, e alguns se fixaram definitivamente no país. Outros professores notáveis vieram a seguir e ajudaram a fazer prosperar uma escola em moldes sem precedentes. Dentre eles estavam Fernand Braudel e Jean Gagé na História; Pierre Hourcade e Alfred Bonzon na Literatura Francesa; Claude Lévi-Straus e Roger Bastide na Sociologia; Pierre Monbeig na Geografia; e Paul Hugon na Economia. Tamanho esforço para fortalecer a nova faculdade era uma reafirmação do papel que se esperava dela. Ademais, o decreto de fundação da USP já previa que, na FFCL e no Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais, “os professores nacionais ou estrangeiros, que forem contratados para reger cadeiras, gozarão das prerrogativas de professor catedrático, com assento na respectiva Congregação”. Esperava-se, com tudo isso, uma efetivação do ideal de construir uma FFCL forte o suficiente para se consolidar como “célula mater” da USP, capaz de articular em torno de si escolas mais antigas e que já eram influentes na sociedade brasileira.

Um dos problemas imediatos enfrentados pelos fundadores da USP foi o da obtenção de uma sede para suas diversas faculdades. As escolas profissionais existentes, incorporadas à USP na data de sua fundação, tinham sedes próprias localizadas em diversos bairros de São Paulo e mesmo em outra cidade. A Faculdade de Direito ficava no Largo de São Francisco; a Escola Politécnica tinha sede no Edifício Paula Souza, na Praça Coronel Antônio Prestes; a Faculdade de Medicina, na Avenida Doutor Arnaldo; a Faculdade de Farmácia e Odontologia, na Rua Três Rios, no bairro do Bom Retiro; a Escola de Medicina Veterinária estava de mudança para a Rua Pires da Mota, na Aclimação; e a Escola Superior de Agricultura, que viria a ser denominada Luiz de Queiroz, em Piracicaba.

Já a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) - responsável por aglutinar os conhecimentos, atuar na formação geral aos alunos, além de promover a integração cultural e o desenvolvimento da ciência - não tinha sede própria. Suas seções, posteriormente transformadas em departamentos, foram instaladas provisória e precariamente em algumas unidades da universidade. As seções de Física e Matemática foram alojadas na Escola Politécnica, e as de Filosofia, Ciências Sociais e Políticas, Geografia, História e Letras, na Faculdade de Medicina.

Para instalar, em caráter provisório, as seções da FFCL na Faculdade de Medicina, foi feito um acordo entre as faculdades, com o aval do governo do estado. Pelo acordo, o governo se comprometeu a fornecer recursos para a construção de um quarto piso no prédio da Medicina, para alojar as seções da FFCL. Contudo, os alunos de Medicina se opuseram à cessão de espaço para a FFCL e, em represália, retiraram os móveis dos laboratórios e escritórios dos professores da FFCL, que foram deixados nos corredores. Eles também depredaram os andaimes das obras recém-iniciadas do espaço para a FFCL, em 1937. A Congregação da Medicina apoiou os alunos, o que motivou protestos, bem como o pedido de exoneração dos diretores João de Aguiar Pupo, da Faculdade de Medicina, e Almeida Prado, da FFCL.

Em 1937, o renomado matemático italiano Luigi Fantapie, contratado por ocasião da missão chefiada por Teodoro Ramos na Europa, ministrava um curso de Cálculo para uma turma reunida de alunos da Escola Politécnica e da FFCL. Terminado o curso, a Congregação da Escola Politécnica não reconheceu sua validade para seus alunos, atitude que acirrou o conflito com a FFCL, levando a novos desdobramentos. Na visão dos politécnicos, o ensino de Cálculo deveria ser ministrado pela Escola Politécnica, considerando que havia uma diferença substancial entre o cálculo ensinado pelos matemáticos e aquele ensinado pelos engenheiros, pois a especialização moderna tornaria necessário um ensino também especializado.

Levada a questão ao Conselho Universitário, foi deliberado, com o voto do diretor da Escola Politécnica, que as cadeiras básicas de todas as unidades profissionais deveriam ser transferidas para a FFCL. No entanto, a Congregação da Escola Politécnica, contrariando seu diretor, recusou a decisão do Conselho Universitário e interpôs recurso ao Conselho Nacional de Educação (CNE). A decisão foi favorável à Congregação, com base no artigo 44 do Decreto n.19.851 de 11 de abril de 1931, que estabelecia que para haver centralização de disciplinas em uma Faculdade deveria haver concordância das demais.

Desse embate decorreu que as faculdades profissionalizantes da USP mantiveram suas disciplinas básicas, causando prejuízo material e de formação acadêmica para sucessivas gerações. O prejuízo material era causado pela duplicação de instalações, incluindo laboratórios; enquanto, do ponto de vista de formação acadêmica, perdia-se a oportunidade de oferecer aos alunos um início de vida acadêmica com interação com colegas e professores de várias áreas. Note-se que um dos tópicos mais discutidos na universidade atualmente, no que diz respeito ao ensino de graduação, é justamente a questão da interdisciplinaridade. Naquele contexto de conflito com a Escola Politécnica, o então diretor da FFCL, Ernesto Souza Campos, reafirmou, em artigos publicados em O Estado de S. Paulo, o lugar central ocupado pela FFCL no projeto universitário paulista.

Em dezembro de 1937, as seções de Filosofia, Sociologia e Letras, além da administração e da biblioteca da FFCL, foram transferidas para um prédio da prefeitura de São Paulo, localizado na Rua da Consolação, n.16, onde viria a ser construída a Biblioteca Municipal. Em 1938, houve nova transferência, as seções de Letras, Filosofia, Geografia, História, Ciências Sociais e Pedagogia da FFCL passaram então para o prédio da Escola Normal, na Praça da República; enquanto a seção de Física foi alocada na Av. Brigadeiro Luís Antônio, 784; a seção de Matemática instalou-se na Rua Alfredo Elis, na Bela Vista; e, as seções de História Natural e Química foram transferidas para o prédio George Street, na Alameda Glete. Finalmente, ainda entre os anos 1938 e 1939, as seções que estavam na Caetano de Campos foram transferidas para os prédios de números 258 e 294 da Rua Maria Antônia, adquirido pelo estado. Ernesto de Souza Campos (1954a, p.25-37), que assumira a direção da FFCL, mostrou um empenho extraordinário para executar reformas nesses prédios que permitiram manter o calendário das aulas.

O edifício da Maria Antônia número 294 tinha quatro andares e se comunicava com o prédio de número 258 por meio de um pátio interno, onde se localizavam a gráfica e a biblioteca da Faculdade. A maioria das salas de aula, das cátedras e a Congregação estavam situadas no prédio 294; enquanto no subsolo do número 258 ficava a sede do Grêmio da Faculdade. A FFCL, na Rua Maria Antônia, funcionava nos períodos matutino, vespertino e noturno. A ocupação das salas era quase total e, por serem pequenos, os prédios propiciavam o contato frequente entre professores e alunos. Esse encontro ocorria especialmente no saguão do prédio de número 294, nos corredores, nas escadarias entre os pisos, e no Grêmio.

A sede do Grêmio era um grande salão, com uma pequena sala para a diretoria, duas mesas de tênis de mesa e várias mesas de xadrez, em que se reuniam para jogar grande número de professores e alunos. Para a realização das assembleias, esses equipamentos eram retirados. O espaço fornecia um ambiente de encontro entre alunos e professores, contribuindo para a criação de um ambiente cultural, político e acadêmico, muitas vezes associado ao denominado “espírito da Maria Antônia”, como era referida a FFCL. Muito evocado pelos que o vivenciaram, tal “espírito” não decorreu da estrutura curricular dos cursos, pois raramente um aluno de exatas fazia disciplinas de humanas e letras, e vice-versa. Era sobretudo a organização do espaço físico que o promovia.

Na Maria Antônia, as conferências e atividades de cunho não especializado de uma área atraíam docentes e alunos de diversos cursos. Professores interagiam intensamente com os alunos, como era o caso, dentre outros, de Antonio Candido de Mello e Souza, Aziz Ab’Saber, Carlos Benjamin de Lyra, Elza Gomide, Eurípedes Simões de Paula, Florestan Fernandes, João Cruz Costa, Luiz Henrique Jacy Monteiro, Mário Schemberg e Omar Catunda. Outros, mais jovens, tiveram uma formação intelectual vivendo o “espírito” da Maria Antônia, como foi o caso de Oswaldo Porchat, Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Gianotti e Ernesto Hamburger. As próprias reuniões da Congregação eram oportunidades de trocas de ideias e debates intensos entre representantes de diversas áreas do conhecimento.

A FFCL era, na realidade, em funcionamento e espírito, uma verdadeira universidade dentro da universidade. A Maria Antônia poderia ter se tornado uma referência para a construção de um espaço definitivo para a Universidade de São Paulo, agregando as diversas áreas da cultura, ciência e do ensino profissional.

Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira e o Projeto Butantã

Os primeiros projetos para a Cidade Universitária foram elaborados ao mesmo tempo em que ocorriam as sucessivas mudanças nas instalações físicas das escolas, no centro de São Paulo. O planejamento teve início em 1935, aproximadamente um ano após a fundação da USP, quando Armando de Sales Oliveira designou uma Comissão para estudar a localização de uma área para abrigar o campus.

A Comissão foi presidida pelo reitor Reynaldo Porchat, da Faculdade de Direito,11 11 Reynaldo Porchat foi reitor da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1938. Quando nomeado, era diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e juiz do Tribunal Regional de Justiça Eleitoral. e tinha como secretário Alexandre de Albuquerque, professor da Escola Politécnica. Ela era composta também por Ernesto de Souza Campos, professor da Faculdade de Medicina; Ernesto Leme, professor da Faculdade de Direito; Mário de Andrade, diretor do Departamento de Recreação e Cultura da Prefeitura da capital; Afrânio do Amaral, diretor do Instituto Butantã; e Fernando de Azevedo, diretor do Instituto de Educação.

A Comissão trabalhou intensamente entre 21 de junho e 30 de agosto de 1935, data em que o relatório foi entregue ao reitor. Na terceira reunião, pouco antes da leitura do relatório, o Dr. Ernesto Leme, diretor da Faculdade de Direito, comunicou à Comissão um pronunciamento da congregação contrário à transferência das instalações da Faculdade do Largo de São Francisco para o local em que fosse instalada a universidade. No relatório, propunha-se que a área para a Cidade Universitária deveria estar localizada na região compreendida entre a Faculdade de Medicina e o Instituto Butantã. O reitor aprovou o relatório e o encaminhou ao interventor Armando de Sales Oliveira, que criou um Escritório Técnico com o objetivo de delimitar, na região indicada, o local para construção da Cidade Universitária. A escolha recaiu sobre o 11º estudo, que incluía terras da Fazenda Butantã que se estendiam da Estrada Velha de Itu ao Rio Pinheiros e uma pequena área na margem oposta do Rio Pinheiros.

Em 1937, o reitor submeteu o projeto Butantã ao Conselho Universitário. Depois de aprovado, o projeto foi encaminhado ao Governo do Estado, que o enviou à Assembleia Legislativa. O projeto tramitava quando ocorreu o golpe de estado de Getúlio Vargas, em novembro de 1937, quando foram dissolvidas as Assembleias Legislativas estaduais. Em vista disso, foi interrompida a tramitação do projeto e foram paralisados os trabalhos do Escritório Técnico.

Retomada das obras: O Plano da Secretaria de Viação e Obras Públicas do estado de São Paulo

O projeto da Cidade Universitária foi retomado em 1941, quando o interventor do estado, Fernando Costa, baixou o decreto que incorporou à Cidade Universitária uma gleba de 1.800.000 m² retirada da antiga Fazenda Butantã, entre a Adutora de Cotia e o Ribeirão Jaguaré. Essa foi a primeira demarcação oficial de terras da Cidade Universitária.

Em 1942, o reitor Jorge Americano contratou a firma Mário Whately para executar novos estudos de urbanização do campus,12 12 Jorge Americano era professor da Faculdade de Direito e foi reitor da USP entre 1941 e 1946. cujo projeto, contudo, nunca foi localizado.

Em 1943 um novo projeto para a Cidade Universitária foi apresentado pela Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado, então ocupada por Luís Inácio Romeiro de Anhaia Melo, professor da Escola Politécnica e ex-prefeito de São Paulo. A planta e uma breve explicação do projeto foram publicadas na Revista de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (Revista de Arquitetura, 1943) e também pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Governo do Estado de São Paulo, sob o título “Depoimento dos fatos do terceiro ano de governo do interventor Fernando Costa” (Depoimento, 1944).

A publicação do DIP realçava a importância de se construir a primeira Cidade Universitária reunindo as faculdades das mais diferentes áreas do saber, setores de moradia para estudantes e professores, e também um setor de esportes. O documento apresenta uma proposta de construção da Cidade Universitária e compatível com o horizonte de promoção do espírito universitário, expresso no decreto de fundação da USP.

Segundo o interventor, ao se congregar em um “só vasto instituto todas as seções do ensino universitário”, buscava-se a “unificação das ciências, por meio da qual o seu ensino se complete e se exerça na mais perfeita harmonia e amplitude, sem as lacunas, os intervalos e as interrupções do magistério isolado” (Depoimento, 1944).

O terreno ocupado pelo plano é um pouco menor do que o da atual Cidade Universitária, e mais de um terço dele estava designado para a Faculdade de Medicina Veterinária. Nesse plano, foi eliminado o terreno localizado na margem oposta do Rio Pinheiros, que constava do “Esboço Preliminar” de 1937.

Figura 1
Plano desenvolvido pela Secretaria de Viação do estado de São Paulo (1943).

O núcleo da universidade estava bem localizado na planta. Seu eixo central era uma avenida larga, perpendicular ao Rio Pinheiros, que se estendia da margem do rio até o início da área em aclive, aproximadamente onde hoje se situa a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Uma ponte ligando a avenida à outra margem do rio forneceria a principal entrada ao campus.

A avenida central teria pouco mais de um quilômetro, com uma praça circular próxima à entrada do campus, e áreas verdes entre suas pistas por toda sua extensão. Ao final da avenida, num ponto mais elevado do terreno, estariam situados os prédios da Reitoria, da Biblioteca Central e do “Auditorim Maximum”. Os edifícios mais próximos desse núcleo seriam o da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e o da Faculdade de Direito. As demais unidades de ensino e pesquisa estariam, sem exceção, situadas na mesma avenida, separadas por pequenas distâncias. A Escola Politécnica, tendo ao fundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), se situava na zona central. A Faculdade de Medicina Veterinária tinha sua sede na entrada do Campus, mas sua área, indicada no mapa, se estendia até a estrada velha de Itu, hoje Av. Corifeu de Azevedo Marques. O Clube de Professores, a moradia estudantil, o setor de Esportes e uma pista de equitação são indicados na Figura 1.

Ao examinar o projeto nota-se uma inconsistência, a atribuição de área para uma Faculdade de Educação Física que não constava do decreto de fundação da USP e no regimento geral. Ademais, também causa estranheza o espaço reservado à Faculdade de Direito, considerando que seu diretor havia comunicado, por ocasião da terceira reunião do Escritório Técnico, que, por decisão unânime da Congregação, a Faculdade não se mudaria para o local onde fosse construída a Cidade Universitária.

Apesar das inconsistências, o plano contemplava o objetivo de promover o convívio entre os membros da comunidade universitária, sendo que professores e alunos poderiam se deslocar facilmente entre as unidades, distribuídas em ambos os lados da avenida.

O projeto de 1943 foi alterado com a cessão para o IPT de uma gleba com 24 hectares, inicialmente destinada para a Faculdade de Medicina Veterinária. Por fim, o plano foi abandonado.

Em 1944, foi realizada na Galeria Prestes Maia, centro de São Paulo, a Semana da Cidade Universitária, marco importante no planejamento da Cidade Universitária, que, segundo Souza Campos (1954a, p.193), teve à época ampla divulgação. O evento contou com uma “exposição de projetos de urbanização universitária de vários países estrangeiros do novo e do velho mundo, assim como de estudos feitos para São Paulo e Rio de Janeiro”. Durante a Semana, o professor André Dreyfus, em seu discurso, apresentou sua experiência em universidades estrangeiras para defender que a construção da Cidade Universitária não perdesse de seu horizonte a preocupação com o intercâmbio entre as diferentes áreas das ciências. Sua preocupação maior era a de que o “espírito de classe” das escolas profissionais tradicionais fosse um entrave à realização do “espírito universitário”.

O passo seguinte para a construção do campus foi um concurso de ideias e soluções para a Cidade Universitária, organizado pelo reitor Jorge Americano, em maio de 1945. Foi determinado que os concorrentes enviassem seus projetos anonimamente, pelo uso de pseudônimos. O concurso foi vencido pelo projeto intitulado “Accuratus”, de autoria dos engenheiros-arquitetos Oscar de Filippi e Hipólito Gustavo Pujol Júnior, anteriormente arquiteto-chefe do Escritório Técnico por ocasião da elaboração do primeiro projeto para a cidade Universitária, em 1937. Apesar de propor um novo plano urbanístico para o campus, o Accuratus manteve características dos dois projetos anteriores, sendo que o projeto voltava a incluir no terreno uma área na margem oposta do Rio Pinheiros, como no Projeto Butantã dedicada aos esportes.

Como havia ocorrido no plano anterior, o Accuratus incluía terrenos destinados à Faculdade de Direito, e, no caso da Medicina, previa-se a criação de um complexo semelhante ao que já existia na Av. Dr. Arnaldo, com as Faculdades de Higiene e Saúde Pública, a Escola de Enfermagem, um Hospital de Ensino, Clínicas Especiais, uma Policlínica e um segundo hospital, independentemente das instalações principais da faculdade. O plano também previa uma pista de aviação.

Mesmo sendo vencedor do Concurso de Ideias, o Accuratus tampouco foi implementado. Os vencedores e também o segundo colocado, o prof. José Maria da Silva Neves, foram contratados para projetar os edifícios da Escola Politécnica.

O plano do Escritório Técnico, de 1945-1947

Em 1945, o Escritório Técnico apresentou um novo plano para a Cidade Universitária, desenvolvido nos anos seguintes e resultando no “Plano Geral da Cidade Universitária”, de 1947. Nessa versão, foi eliminada a entrada do campus por meio de uma ponte ligando as margens do Rio Pinheiros, optando-se pela construção de uma grande avenida de ingresso, prolongamento da Avenida Afrânio Peixoto, que se subdividia em vias menores, por meio de algumas rotatórias. As ruas principais desembocavam numa grande praça, onde estavam a Reitoria e a Biblioteca Central. Ao redor dessa praça estavam localizadas as escolas e institutos. Apenas a Faculdade de Educação Física estava fora dela, e ainda assim sua localização era próxima. Entre o setor de esportes e as unidades de ensino e pesquisa localizava-se a moradia estudantil. Outros setores do campus eram reservados para residências de professores, hospitais, Jardim Botânico, Observatório Astronômico e Campo de Aviação.

Figura 2
Plano Geral da Cidade Universitária, elaborado pelo Escritório Técnico (Plano de 1945-1947).

Há diversas inconsistências no plano de 1945-1947 com relação à legislação da universidade, como a inclusão de unidades que não constavam do decreto de fundação. Esse foi o caso da Faculdade de Higiene e da Faculdade de Política, Administração Pública e Jornalismo. Também se reservava espaço para a construção da Faculdade de Direito e da Faculdade de Medicina e um complexo de saúde que lhe era anexo, apesar de essas escolas terem mantido a decisão de não se mudar para o campus. Na planta, a FFCL é dividida em Faculdade de Filosofia e Letras, alocada na praça de entrada do Campus, e a Faculdade de Ciências, disposta próxima da Reitoria. A Faculdade de Farmácia e Odontologia também não tinha sido ainda desmembrada, mas apareciam separadas na planta, ainda que em edifícios vizinhos.

Apesar de todas as inconsistências, o plano de 1945-1947 foi o último a se pautar pelo que estava previsto nos decretos e estatutos que deram origem à universidade.

A Comissão da Cidade Universitária

Em 14 de abril de 1947, o reitor Lineu Prestes nomeou uma nova comissão de estudo de projetos para a Cidade Universitária com mandato até 28 de setembro de 1948, tendo como membros os professores Henrique Jorge Guedes (diretor da Escola Politécnica), Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, Jose Maria Silva Neves, Cristiano Stockler das Neves (prefeito de São Paulo de março a agosto de 1947), Ernesto de Souza Campos, além dos engenheiros Francisco da Silva Teles, Eduardo Kneese de Mello e Frederico Brotero. A comissão realizou oito sessões, até setembro de 1948, chegando ao parecer final de que “deveria ser elaborado novo projeto, utilizando-se, como elementos informativos os estudos anteriores” (Souza Campos, 1954a, p.198).

Em 28 de setembro de 1948, por meio da Resolução n.222, foi criada uma nova Comissão da Cidade Universitária (CCU). Nomeada pelo governador Adhemar de Barros, seus membros foram indicados pelo reitor Lineu Prestes: os professores Adriano Marchini, Christiano Stokler da Neves, Ernesto de Souza Campos, José Maria da Silva Neves e Luiz Ignácio de Anhaia Mello. Essa comissão incorporou o Escritório Técnico e funcionou de 3 de novembro de 1948 a 25 de julho de 1950.

A Comissão dedicou-se a estabelecer o sistema viário, resolver questões urbanísticas e a viabilizar as obras do campus. Foi planejada a avenida de ingresso e autorizada a construção dos edifícios do Instituto de Eletrotécnica e do gerador Van den Graaf.13 13 Arquivo Central da USP, Ata da CCU n. 24 (10/02/49), transcrita no processo 49.1.3372.1.1, caixa 115. O trabalho da CCU, “Sistema de Vias Principais e Zoneamento na Cidade Universitária da USP”, foi aprovado pelo Conselho Universitário em 12 de maio de 1949.14 14 Em 10 de maio de 1949, foi designada pelo reitor uma Comissão Especial para apreciar o projeto e emitir parecer. Apesar de algumas críticas com relação ao zoneamento, o parecer foi positivo e o plano foi aprovado pela CCU. Tanto o projeto, quanto o parecer, silenciam acerca de preocupações de cunho acadêmico. Arquivo Geral da USP, processo 332749, CCU.

Os planos de 1949, 1952 e 1954

Três projetos foram elaborados, em 1949, 1952 e 1954, constituindo-se em etapas de um plano iniciado em 1949 e finalizado em 1954. O Plano de 1949 definia como “características fundamentais do planejamento” a “divisão da área em setores”, “diferenciação dos setores entre as diversas categorias de uso” e “subdivisão dos setores em unidades”. Segundo Souza Campos (1954b, p.25), “cada setor se constitui como agregado mononucleado e o conjunto se apresenta como organismo polinucleado. A unidade se realiza por meio de distribuição equilibrada e não por centralização”. No plano de 1949, foi abandonada a concepção dos planos de 1943 e 1947 que estabeleciam uma praça principal, circundada pelos edifícios da maioria das unidades de ensino e pesquisa, dentre os quais a FFCL.

O sistema viário proposto em 1949 era constituído por uma avenida de acesso de quatro pistas, de cem metros de largura,15 15 Sobre a avenida de ingresso, Processo 50.1.11101.1.8, do Arquivo Geral da USP. ligando a entrada do campus a uma rotatória, subdividida em vias menores, delimitando a área onde se situaria a Administração e Reitoria, Biblioteca Central, Teatro, Prefeitura e Torre. À direita da avenida estava o espaço reservado para esportes; à esquerda, o Instituto Butantã e uma área comum para Medicina, Farmácia e Odontologia, fazendo divisa com uma extensa área destinada à FFCL, apresentando, contudo, “topografia muito íngreme, o que dificultaria a integração dessa faculdade com as demais e mesmo entre suas secções”. No plano de 1949, o centro da parte plana era ocupado pela Administração Central e a Engenharia, com área substancialmente aumentada, que se prolongava até as vizinhanças da estrada velha de Itu, atual Avenida Corifeu de Azevedo Marques.

A separação do Instituto Butantã da área comum das Faculdades de Medicina, Farmácia e Odontologia seria feita por uma avenida diagonal, projetada em 1952 e mantida em 1954, que sairia das margens do rio, atravessando a avenida de entrada e circundando a área da FFCL; a avenida terminava em uma rotatória, subdividida em duas vias, uma contornando o outro lado da área da Filosofia e a segunda no sentido da estrada velha de Itu. Em 1952, parte considerável do terreno previsto para a FFCL ocupava uma área de mata, posteriormente reservada para um Jardim Botânico.

Figura 3
“Plano Diretor” de 1954.

O plano de 1952 previa a atribuição de áreas para várias faculdades entre o contorno superior que margeava a área da FFCL e terminava em uma rotatória da qual partiria uma avenida rumando até a atual Avenida Corifeu de Azevedo Marques. No plano de 1952 houve algumas modificações de localização de unidades permanecendo em 1954 a Química, Física, Arquitetura e Urbanismo e Belas Artes, além de uma área adicional para a Escola Politécnica. Em 1954, na faixa contigua que tem divisa com a atual Av. Corifeu de Azevedo Marques, foram alocadas a Veterinária e Campos Experimentais. Já as residências estudantis, que até 1952 estavam nessa faixa, foram transferidas para parte da área que pertencia à Medicina.

Em 1951, o professor Lucas Nogueira Garcez, da Escola Politécnica, foi empossado como governador do estado de São Paulo, e a Universidade passou a receber mais recursos do estado. As verbas chegaram, mas quase metade do montante foi destinado à terraplenagem e infraestrutura. Segundo Felipe Contier (2015CONTIER, F. de A. O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na cidade universitária: projeto e construção da Escola de Vilanova Artigas. São Paulo, 2015. Tese Doutorado)_- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo., p.197), os planos então elaborados para a Cidade Universitária eram “pouco adaptados à topografia”, levando a um consumo excessivo de recursos para terraplenagem. Nesse contexto, por decisão da CCU, foi priorizada a construção dos edifícios localizados na parte plana do terreno. A Escola Politécnica, que já ocupava grande parte da área plana, foi favorecida em detrimento da FFCL, cujo terreno era bastante acidentado.16 16 Arquivo Geral da USP, processo 52.1.1879.1.8.

Segundo Neyde Cabral (2018CABRAL, N. A. J. A Universidade de São Paulo: Modelos e Projetos. São Paulo: Edusp, 2018., p.151), com a retirada da avenida central e da praça que congregava em seu entorno, em uma área plana, todas as unidades de ensino, conforme os planos de 1943 e 1947, abandonou-se a previsão, em tal local, da implantação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, “unidade essencialmente universitária e sem sede na universidade, com grande potencial de crescimento de sua seção de ciências”, optando-se, “porém, por ampliar o terreno do setor de Engenharia”. O resultado foi a dispersão dos setores e a ausência de espaços de convivência comuns a todas as áreas do conhecimento.

A planta de 1954 incluía, nas áreas das respectivas unidades, os edifícios projetados ou já em construção. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais, criado por Anísio Teixeira, Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, doado a USP pelo governo federal, teve uma área reservada na avenida de entrada. O núcleo de administração foi reduzido e fundido com a praça alocado ao final da avenida de ingresso.

Em 1954, Souza Campos (1954b, p.127), que defendera - por ocasião da elaboração dos primeiros projetos para a Cidade Universitária -, a centralização como princípio ordenador do campus, mudara de posição, declarando que se estava compondo um “magnífico parque no campus do Butantã”. Local em que “coletivos internos ou de acesso facultarão rápidas comunicações, ao lado de automóveis, motocicletas e bicicletas”, e onde “cada um dirige-se para o seu setor de interesse, sem necessidade de se pôr em contato com os outros”. A promoção da convivência se realizaria em setores específicos, que permitiriam “comunicar-se com a maior facilidade” (ibidem). A partir daí, parece ter restado, a esse antigo defensor da promoção do “espírito universitário”, apenas a expectativa de se consolidar a convivência em cada “setor específico”.

No plano de 1952, o núcleo central, composto pela administração, biblioteca, teatro, prefeitura e torre, passou posteriormente, segundo Neyde Cabral (2018CABRAL, N. A. J. A Universidade de São Paulo: Modelos e Projetos. São Paulo: Edusp, 2018.), a ser denominado “Centro Cívico”. Para sua construção a CCU contratou o arquiteto Rino Levi e, para o paisagismo, Burle Marx.

A única parte do projeto executada, porém, foi a torre universitária, e quase duas décadas depois, em local diverso do que havia sido previsto. Rino Levi, juntamente com Roberto Cerqueira Cesar, também elaborou um projeto arquitetônico moderno para a moradia estudantil.

Em outubro de 1952 a CCU designou o engenheiro Adriano Marchini, junto com o Prof. Milton da Silva Rodrigues, para acompanhar a formulação de um plano minucioso, contemplando as necessidades da FFCL, pela complexidade de se elaborar um projeto para uma faculdade com 13 seções e em um terreno muito irregular.

Plínio Croce, arquiteto e professor da FAU, foi convidado a apresentar estudos preliminares para a realização desse plano. Croce e seus colaboradores, Carlos Milan, Jacob Ruchi, Gagliano Gianpaglia, Roberto Aflalo e Salvador Candia, levaram para reunião da CCU de 7 de abril de 1953 os estudos solicitados, então aprovados. Croce elaborou um anteprojeto, com base no “Plano Geral de Construção da FFCL”, apresentado ao reitor, estando presentes os professores Eurípedes Simões de Paula, diretor da Faculdade, e Heinrich Hauptmann, membro de seu corpo docente. Segundo Neyde Cabral, a impressão do reitor e dos professores presentes foi ótima, com recomendações de que fossem feitas outras apresentações do anteprojeto.

Apesar de sua ótima acolhida, um parecer de 1953 concluiu que ele não estava pronto para ser executado. O documento - transcrito na ata da reunião da CCU, de 8 de setembro de 1953, sob o título “Observações sobre o anteprojeto dos edifícios para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Cidade Universitária” - foi encaminhado ao referido diretor e a Milton da Silva Rodrigues, coordenador do projeto da FFCL.17 17 A documentação encontrada não permite que se conheça a autoria do parecer e do documento da CCU de 8 de setembro de 1953, citados acima. Nem essa, nem a maioria das demais atas da CCU deste período, foram encontradas ao longo desta pesquisa. Dentre as razões apresentadas para a recusa do anteprojeto de Plinio Croce, o parecer arrolava a impossibilidade de “ampliação, quer horizontal, quer vertical” sem comprometer “a unidade e harmonia do anteprojeto”, sugerindo que o prédio da administração fosse alocado em outro terreno. Ademais, ressaltava-se que as “instalações projetadas para Ciências Sociais (que devem incluir o departamento de Economia)” estavam aquém do que fora pedido, propondo ainda que fossem realocadas as instalações para a Estatística e a Matemática (apud Cabral, 2018CABRAL, N. A. J. A Universidade de São Paulo: Modelos e Projetos. São Paulo: Edusp, 2018., p.180).

Neyde Cabral (2018CABRAL, N. A. J. A Universidade de São Paulo: Modelos e Projetos. São Paulo: Edusp, 2018.) ressalta qualidades do anteprojeto, que resolvia bem o problema da irregularidade do terreno; a insolação dos edifícios; além de ser compatível com uma visão moderna da arquitetura; ainda assim, a CCU acatou as objeções do consultor e o processo foi devolvido a Plinio Croce. No ano seguinte, Croce devolveu uma nova versão do projeto, aprovado em setembro de 1954 pela CCU, mas nunca realizado devido à demissão coletiva de seus membros no mês seguinte.

No “Plano Diretor” de 1954, o Centro Cívico, então denominado Core, passou a ser dividido por uma rua, que tinha, de um lado, a reitoria e, de outro, o conjunto formado pela biblioteca e o teatro, mais uma vez fragmentando os espaços de convivência da universidade.

Nesse período houve também uma mudança na política de projetos da Cidade Universitária, com a contratação de escritórios particulares para a elaboração dos planos de cada unidade. Além dos projetos já mencionados, de Plinio Croce e Rino Levi, foram projetados o Laboratório de Hidráulica por Ariosto Mila, o setor esportivo por Ícaro de Castro Mello, e a Física Nuclear por Gio Ponti. Projetos que avançaram de maneira desigual, já que em seu conjunto as obras superavam, e muito, a capacidade de investimento do Estado (Contier, 2015CONTIER, F. de A. O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na cidade universitária: projeto e construção da Escola de Vilanova Artigas. São Paulo, 2015. Tese Doutorado)_- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo., p.198).

O replanejamento

Em 18 de outubro de 1954, a CCU solicitou coletivamente a dispensa de suas funções. O Conselho Universitário nomeou uma nova comissão, composta pelos professores J. O. Monteiro de Camargo, João Soares da Veiga e Francisco João Humberto Maffei, responsável por apresentar uma “Proposta de Resolução”. Tal proposta foi apresentada no dia 15 de novembro e debatida no conselho quatro dias depois, resultando na reestruturação da CCU. Doravante, a comissão passou a ter cinco membros eleitos para mandatos de dois anos, tornando-se mais diversificada quanto às escolas de origem. Foram eleitos José Maria da Silva Neves e Paulo Ribeiro de Arruda, da Escola Politécnica; Francisco Degni, da Farmácia e Odontologia; João Soares Veiga, da Medicina Veterinária; e Paulo Sawaya, da FFCL. A reestruturação também levou à criação de um Conselho Superintendente, formado por representantes das instituições que tinham edifícios em construção no campus.18 18 Arquivo Geral da USP, processo 54.1.17375.1.6.

Em 1955, o reitor Alípio Correia Neto nomeou o Prof. Hélio Queiroz Duarte para o conselho da CCU e chefia de seu Escritório Técnico da CCU. No ano anterior, ele já havia atuado na construção do campus como chefe do Escritório de Engenharia e Arquitetura. Duarte tinha grande experiência na área de edificações educacionais, tendo colaborado com Anísio Teixeira na construção das escolas parque em Salvador, além de ter coordenado projetos para escolas públicas de São Paulo, no âmbito de um convênio entre o governo do Estado e a prefeitura. Elaborara ainda os projetos dos campi da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, da Engenharia da USP, em São Carlos, dentre outros.

Em 1956, com base em uma análise crítica dos planos elaborados entre 1949 e 1954, Duarte propôs um “Roteiro de replanejamento da Cidade Universitária”, que retomava as preocupações acadêmicas com a construção do campus. O autor conceituava uma cidade universitária como “a ordenação de um organismo físico, moral e pedagógico, materialmente autossuficiente na medida do possível, capaz de, em clima de convivência e compreensão, provocar todos os processos de conhecimento, dando-lhes destino social”.19 19 Arquivo Geral da USP, “Roteiro do Replanejamento” anexo ao processo 57.1.2779.1.1.

Em sua análise, Duarte procurava conciliar os princípios que visavam à criação de um “espírito universitário” com o fato de que a universidade já estava sendo construída em moldes diversos, e com dificuldades de todo tipo. Além de considerar os aspectos conceituais, especificava os padrões construtivos e os prazos para a finalização das obras, o que não vinha ocorrendo, levando ao abandono de vários projetos elaborados por arquitetos renomados.

Tais preocupações estavam também presentes no artigo “Cidade Universitária da Universidade de São Paulo: uma constatação polêmica dos resultados do plano e da execução das obras no Butantã”, de Geraldo Ferras (1956). Assim como Duarte, o texto do crítico de arte questionava características dos planos que vinham sendo executados, como a largura excessiva das avenidas, a falta de contiguidade entre os departamentos e a ausência de espaços de convivência. No mesmo contexto, em outubro de 1956, a Congregação da FFCL aprovou por unanimidade um “Manifesto” ao governador do Estado e ao reitor da Universidade, demandando algumas providências para a consolidação da faculdade. O “Manifesto” defendia que a transferência da FFCL para a Cidade Universitária era urgente e não poderia continuar “na dependência apenas, como está acontecendo, de doações particulares e de verbas federais”.

Percebe-se, portanto, que o “Replanejamento” foi elaborado em consonância com críticas às descontinuidades e à falta de um planejamento conjunto para o financiamento e construção do campus. Essas críticas se sustentavam na defesa de uma concepção de universidade que tinha como aspecto central a realização material de um local de integração entre estudantes e professores de diferentes áreas do conhecimento.

Duarte propunha, em seu “Replanejamento”, a reunião dos institutos em grandes grupos (Humanidades, Ciências, Ciências Biológicas e Artes), de modo a integrar as atividades universitárias. O projeto previa também a reformulação do Core, um “centro de convergência social” de toda a Cidade Universitária, incluído no plano de 1952.20 20 Arquivo Geral da USP, processo. 57.1.2779.1.1. “Cópia autêntica de um trecho da ata da 429ª Sessão do Conselho Universitário realizada em 14-12-1957. Livro de Atas, n. 19”.

No “Roteiro do Replanejamento”, o Core era composto não somente pelo setor administrativo (reitoria e prefeitura), biblioteca central e aula magna, que pertenciam ao Centro Cívico, mas também pelos edifícios que formavam o centro social e comercial da comunidade universitária. As atividades reunidas no Core incluíam imprensa universitária, associações de alunos e ex-alunos, hotel, cooperativas, lojas, correios, caixa econômica, centro telefônico, restaurante, bar, salão de chá, salão de festas e um cineteatro; conjunto interligado por passagens cobertas.

Seu plano mantinha a área da Escola Politécnica conforme estabelecido em 1954. Um setor de institutos de ensino não especificados estava previsto para o outro lado da atual Avenida Luciano Gualberto. O projeto reduzia a largura dessa avenida, propiciando maior integração entre os dois lados. Em verdade, o plano previa a redução da área asfaltada em toda a estrutura viária, em decorrência da diminuição da largura das vias e da eliminação de algumas rotatórias e vias secundárias. A avenida de ingresso, inicialmente planejada como um parkway de quatro pistas, era reduzida para duas pistas. As demais avenidas passavam a ter uma única pista. Como resultado, a área asfaltada passava de 378.665 m² para 224.273 m². A mudança, além de gerar economia de recursos, propiciava uma maior integração, dado que as grandes avenidas separavam vários setores.

Figura 4
“Planta Cadastral” do Replanejamento (1956).

Hélio Queiroz Duarte também propôs solucionar o problema do afastamento da FFCL da parte central do campus, por meio da atribuição do edifício da reitoria, então em construção, para essa faculdade, que comunicou seu interesse em utilizar o prédio para alojar algumas de suas seções. Em seguida, a Escola Politécnica também mostrou interesse pelo edifício. A questão foi ao Conselho Universitário, que designou uma comissão, com participação dos diretores das duas faculdades, e que decidiu acatar o pedido da FFCL, aprovado pelo Conselho Universitário, mas que acabou por não se concretizar.

Na mesma época, foi cedida uma área do campus para a instalação de um reator nuclear, como resultado de um convênio entre a USP e o Conselho Nacional de Pesquisas, para a criação do Instituto de Energia Atômica. Em 1956, a USP cedeu ao Conselho Nacional de Pesquisa um terreno de 282.744 m², delimitando-se um raio de 300 metros em torno do reator, e que entrou em funcionamento já no ano seguinte. A área do Instituto de Energia Atômica foi ampliada em mais 60.000 m² em 1960 e, novamente, em 157.000 m², em 1961.21 21 Fundusp. Coleção de plantas elaboradas por Carlos Lobato Giudice, com desenhos de Miguel Luiz Albignente, sob a direção executiva de Antonio Rodrigues Martins. 1º de fevereiro de 1994.

Os trabalhos de Duarte foram apresentados ao Conselho Universitário em 14 de dezembro de 1956, com a exposição de pranchas e de justificativas das opções adotadas na proposta. Ele esclareceu diversas questões e defendeu a realização de um plano adequado à promoção do espírito universitário, por meio do Core e demais espaços de convivência. Finalizou sua fala dizendo que “a Comissão não teve preocupações arquitetônicas, visto que, nas ocasiões oportunas, os arquitetos serão chamados”.

Apesar de servir de base para a formulação de projetos arquitetônicos nos anos subsequentes, as principais características do “Replanejamento” acabaram abandonadas. Dentre outros pontos, não houve diminuição da largura das avenidas, nem foi superada a falta de um local adequado para a FFCL no campus.

O Plano de Ação e a Cidade Universitária

No início da década de 1960, a construção da Cidade Universitária ganhou novo impulso, devido ao Plano de Ação do Governo do Estado (Page), da gestão do governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto. O Plano foi elaborado por um Grupo de Planejamento coordenado por Plinio de Arruda Sampaio e do qual participavam três docentes da USP: Paulo Mendes da Rocha e Ruy Aguiar da Silva Leme, da Escola Politécnica, além de Antônio Delfim Netto, da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas.

Durante a gestão do reitor Antônio Barros de Ulhôa Cintra, foi criado o Fundo de Construção para a Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira (FCCUASO). Os recursos financeiros destinados à USP - de 210 milhões de cruzeiros entre os anos de 1955 a 1958 - alcançaram então a cifra de 1,5 bilhão, entre 1959 e 1962. Os recursos do Plano de Ação permitiram a elaboração de projetos de edifícios para várias faculdades, com a contratação de arquitetos renomados, que receberam tabelas com especificações das áreas a serem construídas, tomando por base o “Roteiro do Replanejamento”, de Hélio Queiroz Duarte.

Em 1962 um novo Plano Diretor foi elaborado, contemplando uma expansão da área destinada ao Core e ao sistema social foi aumentada, incorporando a moradia estudantil, até então previstas para ocupar a via diagonal, nas proximidades do Instituto Butantã. O plano para os blocos do Conjunto Residencial (Crusp) foi elaborado em 1961 por Eduardo Kneese de Melo, Joel Ramalho Jr. e Sidney de Oliveira. A construção objetivava também a recepção dos atletas que participariam dos Jogos Panamericanos de 1963, sediados em São Paulo. Porém, dos doze blocos previstos, apenas seis foram construídos até a realização dos Jogos.

Figura 5
Plano Diretor (1962).

Nos planos de 1961 e 1962 também foi reduzido o comprimento do parkway, que passou a terminar no cruzamento com a avenida diagonal. O setor esportivo foi mantido, porém, dividido por uma avenida.

O plano também abandonou a ideia de transferir sessões da FFCL para o prédio da Reitoria em construção. O setor de humanas foi projetado ao longo da avenida que hoje é denominada Luciano Gualberto, área que, no Replanejamento, era destinada a institutos de ensino não especificados. Os edifícios da Biologia e da Física, que já vinham sendo construídos em áreas afastadas do núcleo da Cidade Universitária, não se integravam a essa sequência de unidades. O plano, portanto, desconsiderava várias das propostas de Hélio Queiroz Duarte relativas à redução da largura das avenidas e à integração das unidades de ensino em torno do Core e da FFCL.

Os edifícios do setor das humanas foram projetados por Eduardo Corona (História e Geografia); Paulo Mendes da Rocha e João Eduardo de Genaro (Filosofia e Ciências Sociais); Pedro Paulo de Melo Saraiva (Geologia e Paleontologia); Carlos Milan (Letras e o Teatro da FFLCH); e Vila Nova Artigas (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). Em todos os projetos previa-se que o térreo dos edifícios fosse utilizado por estudantes e professores como espaços comuns de convivência. Porém, em razão da falta de recursos, somente foram construídos os prédios da História e Geografia e da FAU. Os demais só foram edificados posteriormente, em padrão modular, com plantas que não atentavam para incorporar qualquer área de integração. O “corredor das humanas” deu então lugar a construções isoladas, separadas do centro social do campus por uma larga avenida, prejudicando a integração com as demais áreas.

A Reforma Universitária e o regime militar

Entre as décadas de 1950 e 1960, o Brasil viveu um período de grande turbulência política, a crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, passando pela renúncia de Jânio Quadros, a Campanha da Legalidade, até as mobilizações que precederam o golpe de 1964. Nas universidades públicas, as mobilizações envolveram tanto discussões mais gerais que pautavam a política nacional, quanto questões relativas às próprias instituições universitárias. Naquele período, buscavam o ingresso na universidade um número de estudantes muito superior à quantidade de vagas ofertada, havendo grande pressão para que todos os candidatos aprovados fossem matriculados. A “crise dos excedentes” levou a um questionamento do papel da universidade e a uma ampla discussão sobre seus fundamentos.

O golpe militar de 1964 reprimiu duramente as mobilizações estudantis, políticas e sociais. Na USP, a repressão atingiu professores, alunos e a própria instituição. Em tal conjuntura, em 1967, o projeto do Conjunto Residencial da USP teve dois de seus blocos removidos, para dar lugar a um prolongamento da avenida de ingresso até o edifício da Reitoria, dividindo o Core em duas partes, com grave prejuízo para a convivência e integração de professores e alunos das diversas áreas.

Os conflitos e a repressão se agravaram a partir de 1968, quando foi promulgado o Ato Institucional n.5 (AI-5), com a abertura de inquéritos e a prisão de professores estudantes e, além de outras formas de perseguição política. O Crusp foi invadido e os estudantes, expulsos; grande parte do espaço passou, então, a ser utilizado para outras finalidades. Além disso, as instalações da FFCL na Rua Maria Antônia foram incendiadas quando do ataque iniciado por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie, levando a uma mudança improvisada para a Cidade Universitária.

Concomitantemente à agravação dos conflitos políticos, o vice-reitor em exercício, Prof. Hélio Lourenço de Oliveira, conduzia um processo de reforma universitária amplamente discutido visando à elaboração de novo estatuto que reorganizaria a USP. Contudo, Lourenço de Oliveira foi aposentado compulsoriamente, juntamente com outras 23 lideranças da universidade, de diversas áreas do conhecimento. Em 1969 foi finalizada uma reforma universitária para a USP que desconsiderava boa parte das inovações propostas no estatuto da gestão Lourenço de Oliveira.

Como resultado da reforma de 1969, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi dividida em Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e nos seguintes Institutos: Biociências, Ciências Biomédicas, Física, Geociências, Matemática e Estatística, Química e Psicologia. A divisão formal da instituição é muitas vezes considerada como marco do abandono de um projeto de universidade integrador e promotor de um “espírito universitário”, contudo, como procurei evidenciar ao longo deste artigo, tal projeto já vinha sendo desestruturado por meio da divisão do espaço físico.

Figura 6
Planta de 1972.

Assim, quando ocorreu a divisão formal da FFCL, mediante a Reforma dos Estatutos da USP de 1970, já estava consolidada a separação geográfica entre as diversas seções da faculdade e dela em relação aos demais edifícios do campus. O “Replanejamento” constituiu-se na última tentativa de criar espaços apropriados para a convivência e integração na Cidade Universitária. Desde então, o sistema viário consolidou uma realidade de unidades de ensino separadas por avenidas largas e por distâncias que chegam a quilômetros. Mudanças posteriores adensaram a ocupação do terreno, mas foram pouco significativas no que diz respeito à promoção do “espírito universitário”. Na década de 1970, a separação se tornou ainda maior, com a construção da Rua do Anfiteatro, que dividiu o conjunto habitacional e eliminou espaços comuns, dificultando a convivência dos moradores do Crusp com outros setores da universidade.

Considerações finais

Ao circularmos pelas vias da Cidade Universitária hoje, raramente encontramos concentrações de estudantes, exceto nos pontos de ônibus. Os belos jardins que a ornamentam não têm função de integrar a comunidade de alunos e professores. Atualmente, mesmo na Escola Politécnica, cujo terreno está em uma área plana, não há contato entre docentes e discentes dos cursos de Engenharia nas áreas externas, todas transformadas em estacionamento.

Como chegamos até aqui? As explicações certamente são várias, e passam pelas constantes mudanças nas equipes responsáveis pelos projetos, como também pelas sucessivas interrupções dos trabalhos, motivadas, em muitos casos, pela falta de recursos. Tudo isso influiu nos resultados dos vários e descontínuos planos para a construção da cidade universitária e para a reformulação de seu conjunto. Dentre essas explicações, parece-nos essencial destacar o paulatino abandono dos debates sobre a criação de um “espírito universitário” como elemento norteador dos planos de construção.

Ao acompanhar as discussões ocorridas nas comissões responsáveis pela construção do campus, e também no Conselho Universitário, percebe-se que as condições necessárias para a efetivação de um “espírito universitário”, conforme o artigo 47 do decreto de fundação da Universidade, quase não foram objeto de debate. Com exceção do “Replanejamento”, as discussões estavam focadas em propostas que visavam vencer o desafio de construir a cidade universitária em um terreno acidentado, mediante projetos arquitetônicos e urbanísticos de qualidade. Optou-se, assim, por um sistema viário composto por grandes avenidas, mesmo numa época em que existiam poucos automóveis. Sugestões para se pensar a integração da Cidade Universitária à “cidade”, desviaram ainda mais sua construção dos objetivos da universidade.

Considerando-se, portanto, a trajetória aqui exposta, pelas condições políticas cambiantes e conflitos que atingiram a universidade em seu período de formação, o aspecto acadêmico não foi levado em conta na elaboração dos projetos que deram forma à Cidade Universitária. Como notou o ex-reitor Jorge Americano, quase todos os reitores da USP, nos seus primeiros anos, se exoneraram por razões políticas e desentendimentos com os governadores. Acima de tudo, afetaram a universidade as condições políticas internas, decorrentes do ambiente de rejeição, por parte das faculdades tradicionais, do papel de destaque dado pelo decreto de fundação da USP à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.22 22 Parte deste artigo apareceu com o título “A Universidade de São Paulo: reflexos da construção da Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira” como um anexo ao artigo “USP proposta de uma agenda para o futuro”, do grupo de trabalho coordenado por Luis Bevilacqua no IEA, em 2018.

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Notas

  • 1
    Agradeço a André Nicácio Lima sua inestimável colaboração, tanto na pesquisa das fontes como na redação deste artigo. A Monica Duarte Dantas, a leitura atenta e sugestões. Agradeço também aos funcionários da USP - do Arquivo Geral, Secretaria Geral da Reitoria, Arquivo da Politécnica, Arquivo da FFLCH e Superintendência do Espaço Físico - o auxílio prestado. Em especial, registro meu agradecimento a Eliana Rotolo, bibliotecária do Arquivo Geral da USP. Agradeço a Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA em 2018, o convite para participar do Grupo de Trabalho que elaborou o relatório “USP - Proposta de uma agenda para o futuro”, formado pelos professores Arlindo Philippi Jr., Caio Dantas, Elizabeth Balbachevsky, Eugênio Bucci, Guilherme Ary Plonski, Henrique von Dreifus, Luiz Bevilacqua (Coordenador), Naomar de Almeida Filho, Paulo Saldiva e Roseli de Deus Lopes, com suporte organizacional de Mariza Macedo Gomes Alves. Agradeço ao IEA na pessoa de seu diretor, o prof. Paulo Saldiva, a acolhida e o apoio.
  • 2
    Dados constantes do quadro estatístico mais atualizado, disponível no portal da USP: “USP em Números 2019”, Disponível em: <https://uspdigital.usp.br/tycho/>.
  • 3
    Foram consultados na Universidade de São Paulo os seguintes acervos: Arquivo Geral (processos e fontes a eles anexas); Reitoria (Atas do Conselho Universitário); Arquivo da FFLCH (atas, processos e documentos anexos relativos à FFCL); Arquivo da Escola Politécnica (mapas, anuários, processos e demais fontes); Superintendência do Espaço Físico (mapas e plantas digitalizadas). Também foram consultados o Acervo Digital do jornal “O Estado de São Paulo” e a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
  • 4
    Trata-se do Artigo VII do Estatuto da USP, cujo conteúdo será exposto adiante.
  • 5
    Anísio Teixeira (1900-1971) foi um dos principais formuladores de uma educação moderna no Brasil, tendo atuado como secretário de Educação da Bahia e do Rio de Janeiro, além de ser um dos participantes, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Promotor da educação pública, ele liderou a criação da Universidade do Distrito Federal em 1935, mas, em seguida, foi perseguido pelo regime varguista, retornando à participação na política de educação no Brasil e no mundo (como conselheiro geral da Unesco) apenas depois da queda do Estado Novo, em 1945. Em 1962, junto com Darcy Ribeiro, fundou a Universidade de Brasília (UnB).
  • 6
    O inquérito do jornal O Estado de S. Paulo sobre o ensino público foi publicado de junho a dezembro de 1926. Sobre os inquéritos (Bontempi Jr., 2017).
  • 7
    A Faculdade de Ciências Econômicas só viria a ser instalada como Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas em 1946, e a Escola de Belas Artes foi substituída pela Escola de Comunicações Culturais, criada em 1966 e que, em 1969, passou a ser denominada Escola de Comunicação e Artes.
  • 8
    Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Washington Luís e Júlio Prestes (que não exerceu o cargo em razão da Revolução de 1930).
  • 9
    A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz também já tinha trazido grandes contribuições para a agricultura no estado de São Paulo e no Brasil. A trajetória da escola não será abordada porque interessa-nos a construção da Cidade Universitária no desenvolvimento da USP, e a Esalq manteve-se sempre instalada no Campus “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, interior de São Paulo.
  • 10
    Professor da Sorbonne, em Paris, Georges Dumas participou da cooperação científica e cultural entre França e Brasil, e desde o início dos anos 1920, atuou no sentido de incentivar e ampliar essa parceria. Dentre outras atividades, auxiliou Teodoro Ramos a escolher os professores franceses que seriam contratados pela recém-criada FFCL. Para uma descrição e uma análise da relevância da Cooperação Francesa com o Brasil, ver Ferreira (2005).
  • 11
    Reynaldo Porchat foi reitor da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1938. Quando nomeado, era diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e juiz do Tribunal Regional de Justiça Eleitoral.
  • 12
    Jorge Americano era professor da Faculdade de Direito e foi reitor da USP entre 1941 e 1946.
  • 13
    Arquivo Central da USP, Ata da CCU n. 24 (10/02/49), transcrita no processo 49.1.3372.1.1, caixa 115.
  • 14
    Em 10 de maio de 1949, foi designada pelo reitor uma Comissão Especial para apreciar o projeto e emitir parecer. Apesar de algumas críticas com relação ao zoneamento, o parecer foi positivo e o plano foi aprovado pela CCU. Tanto o projeto, quanto o parecer, silenciam acerca de preocupações de cunho acadêmico. Arquivo Geral da USP, processo 332749, CCU.
  • 15
    Sobre a avenida de ingresso, Processo 50.1.11101.1.8, do Arquivo Geral da USP.
  • 16
    Arquivo Geral da USP, processo 52.1.1879.1.8.
  • 17
    A documentação encontrada não permite que se conheça a autoria do parecer e do documento da CCU de 8 de setembro de 1953, citados acima. Nem essa, nem a maioria das demais atas da CCU deste período, foram encontradas ao longo desta pesquisa.
  • 18
    Arquivo Geral da USP, processo 54.1.17375.1.6.
  • 19
    Arquivo Geral da USP, “Roteiro do Replanejamento” anexo ao processo 57.1.2779.1.1.
  • 20
    Arquivo Geral da USP, processo. 57.1.2779.1.1. “Cópia autêntica de um trecho da ata da 429ª Sessão do Conselho Universitário realizada em 14-12-1957. Livro de Atas, n. 19”.
  • 21
    Fundusp. Coleção de plantas elaboradas por Carlos Lobato Giudice, com desenhos de Miguel Luiz Albignente, sob a direção executiva de Antonio Rodrigues Martins. 1º de fevereiro de 1994.
  • 22
    Parte deste artigo apareceu com o título “A Universidade de São Paulo: reflexos da construção da Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira” como um anexo ao artigo “USP proposta de uma agenda para o futuro”, do grupo de trabalho coordenado por Luis Bevilacqua no IEA, em 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2019
  • Aceito
    10 Dez 2020
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