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Operação urbana consorciada Vila Sônia e a possibilidade de diálogo

Resumos

Apresenta-se a Operação Urbana Consorciada como um dos instrumentos urbanísticos mais utilizados nas quatro últimas gestões da prefeitura de São Paulo. Embora criticado como estratégia de atendimento aos interesses imobiliários dos bairros mais valorizados, exige, por lei, o debate e a participação da população e de todos os agentes envolvidos no processo de elaboração e gestão. A Operação Urbana Vila Sônia foi anunciada e apresentada em 2004 e segue frequentando os noticiários e jornais, alarmando a população da região do Butantã, mesmo sem ter sido aprovada na Câmara dos Vereadores. Serve como exemplo da dificuldade da prefeitura em dialogar com os movimentos sociais.

Operação Urbana Consorciada; Legislação urbanística; Movimentos sociais; Participação popular


It presents the Urban Operation as one of the urban instruments more used in the last four administrations of the city of São Paulo. Although criticized as a strategy for meeting the interests of the neighborhoods most valued and the real estate requires, by law, demand open and free participation of the population and all those involved in the drafting and management. Operation Urban Villa Sonia was announced and presented in 2004. Continues to appear on newspapers, alarming the local population of Butantã, even without having been approved in the City of Council. It´s a good example of the inability to dialogue with social movements.

Urban Operation; Urban law; Social movements; Popular participation


DOSSIÊ SÃO PAULO, HOJE

RESUMO

Apresenta-se a Operação Urbana Consorciada como um dos instrumentos urbanísticos mais utilizados nas quatro últimas gestões da prefeitura de São Paulo. Embora criticado como estratégia de atendimento aos interesses imobiliários dos bairros mais valorizados, exige, por lei, o debate e a participação da população e de todos os agentes envolvidos no processo de elaboração e gestão. A Operação Urbana Vila Sônia foi anunciada e apresentada em 2004 e segue frequentando os noticiários e jornais, alarmando a população da região do Butantã, mesmo sem ter sido aprovada na Câmara dos Vereadores. Serve como exemplo da dificuldade da prefeitura em dialogar com os movimentos sociais.

Palavras-chave: Operação Urbana Consorciada, Legislação urbanística, Movimentos sociais, Participação popular.

ABSTRACT

It presents the Urban Operation as one of the urban instruments more used in the last four administrations of the city of São Paulo. Although criticized as a strategy for meeting the interests of the neighborhoods most valued and the real estate requires, by law, demand open and free participation of the population and all those involved in the drafting and management. Operation Urban Villa Sonia was announced and presented in 2004. Continues to appear on newspapers, alarming the local population of Butantã, even without having been approved in the City of Council. It´s a good example of the inability to dialogue with social movements.

Keywords: Urban Operation, Urban law, Social movements, Popular participation.

O início do século XXI, no Brasil, tem se mostrado momento singular de superação de parte do passivo social herdado do fim do século anterior. Desde o início do processo de abertura política iniciado com a "eleição"

de Tancredo Neves, o país vem tateando, experimentando caminhos na busca da construção de sua nova relação de forças sociais e políticas.

A década de 1980 foi o momento da reordenação jurídico/institucional culminada com a Constituição de 1988. Pelo menos no papel a democracia estava construída, os municípios reviram suas leis orgânicas, os cidadãos recuperaram o direito de votar, as estruturas políticas voltaram a funcionar regularmente. Mas será que a sociedade já pode ser chamada de verdadeiramente democrática?

A sociedade brasileira, hoje, é fundamentalmente urbana. Segundo o Censo 2010, a população urbanizada representa 84% da população. Ou seja, embora sigamos com graves problemas no campo - exclusão, violência e desequilíbrio ambiental -, é nas cidades que as batalhas mais importantes pela construção da sociedade mais justa serão travadas.

Os movimentos sociais e as várias estruturas de organização da sociedade concentram-se inevitavelmente nas áreas urbanas. A luta dos vários movimentos ainda enfrenta grandes desafios, pois os problemas estruturais e culturais herdados da sociedade, desigual e injusta, ainda estão por ser superados.

Hoje, não se podem mais simplesmente remover favelas com a utilização de truculência de jagunços. A imprensa (além dos blogs, sites, redes sociais e twitters), as lideranças políticas, religiosas e sociais conseguem expor o absurdo da ação mobilizando a sociedade contra tal ato. Se, como a imprensa expôs recentemente, fatos como esses ainda ocorrem, é de comemorar que virem notícia e motivo de constrangimento e indignação. Atos de violência como esses há algumas décadas não seriam nem noticiados, nem motivo de espanto.

A sociedade está aprendendo, gradualmente, a lidar com os problemas de modo mais condizente com a sociedade que pretende ser democrática.

Na maneira de organizar o debate das ações públicas na ordenação e no planejamento do território igualmente estamos ainda assistindo à construção dos caminhos. Nenhum município brasileiro desconsidera, hoje, a importância da participação popular, mas poucos podem apresentar resultados consistentes de processos verdadeiramente participativos.

Os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 estabeleceram, pela primeira vez, ideias de que a propriedade urbana só cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Tal enunciado claramente contraria o princípio pétreo da propriedade privada e as expectativas das forças mais conservadoras da sociedade.

O Estatuto da Cidade (Lei n.10.257 de 10.7.2001) estabelece o arcabouço jurídico e institucional para a implementação desses artigos, fornece aos municípios arsenal de ferramentas para enfrentar diferentes desafios das cidades brasileiras contemporâneas.

Entre os princípios que pautam o Estatuto, está a gestão democrática por meio da participação da população e das associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Mas não é a lei que pode garantir a participação democrática da sociedade que ainda não é, de fato, democrática.

Não é por dispormos de leis democráticas que temos a sociedade efetivamente participando da gestão da cidade. Essa participação ainda terá que ser conquistada.

Já tive a oportunidade de participar de alguns projetos que foram conduzidos com a participação da população envolvida, mas, até hoje, só pude ver isso acontecer quando o debate se dava entre os iguais, no seio de uma comunidade mais homogênea. Quando a comunidade constrói sua habitação em mutirão, quando na favela se discute o projeto de urbanização, temos dezenas ou milhares de famílias que têm problemas comuns e condições sociais não muito distintas. Mesmo assim, o processo é trabalhoso, demanda tempo, organização, perseverança e compromisso efetivo dos organizadores e dos envolvidos (da população) na busca do interesse comum.

Muito mais difícil é organizar o debate e construir consensos entre diferentes.

Um dos instrumentos mais polêmicos e debatidos previsto pelo Estatuto são as Operações Urbanas Consorciadas (OUC).

As Operações Urbanas Consorciadas surgiram no Brasil nos anos 1980 como instrumento urbanístico capaz de promover a renovação de determinado setor da cidade em época de pouca atividade econômica e baixa arrecadação da prefeitura.

A ideia fundamental é que o investimento público quase sempre gera valorização dos imóveis próximos. A soma dos benefícios dessa valorização muitas vezes supera o investimento realizado, gerando, portanto, problema ético. Os custos dos investimentos são rateados por toda a sociedade, afinal é fruto de recursos públicos, mas os benefícios são privados e privilégio dos que detêm os imóveis da área valorizada. Essa questão torna-se ainda mais grave em um país em que, historicamente, o Estado atende exclusivamente aos interesses das elites que o sustentam, e que ostenta a sociedade das mais injustas, com perversa distribuição de renda.

Na década de 1980, as prefeituras lidavam com orçamentos que espelhavam a estagnação econômica, poucos recursos. Ao mesmo tempo, todo o segmento imobiliário refugiava-se no topo da pirâmide social, limitando-se a atender ao reduzido mercado dos imóveis de alto padrão, tanto corporativos quanto residenciais.

Nesse cenário, as Operações Urbanas Consorciadas surgiram como estratégia para que as prefeituras pudessem investir nas áreas mais valorizadas das cidades, atendendo aos interesses das elites, justificando sua atuação com o argumento de que os recursos investidos seriam recuperados pelo instrumento. Já que dispunham de poucos recursos, as prefeituras podiam investir nos bairros de elite, pois esses investimentos retornariam aos cofres públicos.

Essa recuperação baseava-se em outro princípio urbanístico. O investimento, em tese, permitiria maior adensamento da área por melhorar sua acessibilidade ou infraestrutura. Portanto, após a Operação, poder-se-ia autorizar adensamento acima do que previa o zoneamento vigente. Esse adicional poderia ser "vendido" aos investidores privados - ao mercado imobiliário. Criava-se com isso a Outorga Onerosa, ou seja, a possibilidade de vender o Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac).

Superadas as dificuldades jurídicas para sua comercialização, os Cepac foram leiloados a quem quisesse construir em áreas historicamente valorizadas, e então ainda mais valorizadas pelos investimentos decorrentes da Operação Urbana Consorciada. A OUC Faria Lima arrecadou cerca de 1 bilhão e 600 milhões de reais; a Água Espraiada, cerca de 1 bilhão e 300 milhões.1 1 Informações do site da Prefeitura de São Paulo. Disponível em: < http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/operacoes_urbanas/agua_espraiada>. Acesso em: fev. 2011.

Existe um aspecto relevante para o entendimento e a coerência ideológica do instrumento - todos os recursos auferidos com a venda dos Cepac têm que ser reinvestidos na área da Operação Urbana. Caso a prefeitura realize algum investimento inicial, pode recuperar esses recursos e dispor livremente deles, mas a ideia é que os recursos do Cepac sejam transformados em investimentos, em obras e melhorias na área da Operação, dentro dos seus limites.

A Operação Urbana Consorciada é, portanto, lei municipal específica (debatida e aprovada na Câmara dos Vereadores), que delimita a área para sua aplicação, estabelecendo as regras (e áreas) que permitem ou restringem a edificação, além das obras e melhorias que deverão ser realizadas com os recursos auferidos.

Elas não surgem com o Estatuto da Cidade, pois só em São Paulo quatro Operações já haviam sido propostas antes de sua aprovação.2 2 Operação Urbana Anhangabaú, Lei n.11.090/91; Operação Urbana Centro, Lei n.12.349/97; Operação Urbana Água Branca, Lei n.11.774/95; Operação Urbana Faria Lima, Lei n.11.732/95. Contudo, ante as críticas que foram elaboradas (especialmente durante as gestões Paulo Maluf e Celso Pitta) à Operação Urbana Faria Lima, o Estatuto veio lhe dar maior legitimidade e estabelecer as regras de funcionamento mais transparentes e democráticas.

Já a Constituição de 1988 estabelecia que as Operações Urbanas tinham de ser "baseadas no plano diretor", o que não aconteceu com a OUC Faria Lima. O Estatuto da Cidade reforçou essa condição, na expectativa de garantir alguma coerência entre a ação local e as demais ações públicas municipais.

Tanto a Constituição quanto o Estatuto estabelecem que a Operação Urbana Consorciada é constituída pelo

conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.3 3 Seção X, art. 32, § 1º da Constituição Federal. (grifo do autor)

Daí que se pode observar a distância entre o mundo das leis e o complexo jogo de interesses que constitui o espaço urbano. Para expor esse problema, utilizarei a Operação Urbana Vila Sônia que, embora venha ocupando espaços na mídia e nos debates dedicados à cidade, ainda não foi aprovada na Câmara e, portanto, ainda não existe.

Na gestão Marta Suplicy, as Operações Urbanas seguiram como instrumentos fundamentais para a viabilização de muitas ações urbanísticas. Além de dar prosseguimento e especial atenção às quatro4 4 OUC Faria Lima, OUC Água Branca, OUC Centro e OUC Água Espraiada. já em andamento, propunha-se a criação de mais nove Operações Urbanas: Vila Leopoldina, Diagonal Norte, Norte-Carandiru/Vila Maria, Celso Garcia, Tiquatira, Rio Verde/Jacu Pêssego, Diagonal Sul, Santo Amaro e Vila Sônia.

Até o momento, apenas a Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacu (Lei n.13.872, de 12.6.2004) foi regulamentada, ainda que tenha gerado poucos benefícios.

Parte das dificuldades para que essas Operações sejam efetivadas e gerem frutos reside na dificuldade de estabelecer projetos consensuais em sociedade tão desigual, cindida e desacostumada com o debate; outra parte decorre da maneira como a prefeitura age.

Qualquer arquiteto ou urbanista sabe que, ao desenvolver projeto, precisa encontrar o interlocutor qualificado - de preferência quem de fato detenha o poder decisório. Ao projetar residência ou indústria, de nada adianta consumir horas discutindo o projeto com quem tem interesse, mas não detém o poder de decidir as características do projeto. Caso o poder não resida em uma única pessoa, o caminho é criar as condições para que sejam realizados os debates entre as principais forças em jogo para a construção de consensos e acordos que atendam às diferentes expectativas.

O projeto é sempre consequência e reflexo desse equilíbrio de interesses. Até poucos anos atrás, Mubarak poderia implantar qualquer obra que entendesse necessária no Cairo; certamente, o novo governo egípcio terá de compor com quem lhe dê sustentação para implementar qualquer proposta.

A dúvida reside na capacidade da sociedade brasileira de construir consensos.

A OUC Vila Sônia é boa oportunidade para verificar os limites e as possibilidades. Acredito que essa Operação Urbana vai, cedo ou tarde, concretizar-se por várias razões.

A primeira e mais importante é que existe imenso interesse imobiliário na área. A Vila Sônia e a Vila Leopoldina são áreas que dão continuidade às áreas ao longo do vale do Rio Pinheiros, que constitui a espinha dorsal das áreas de interesse do nosso mercado imobiliário mais elitizado. As operações que foram propostas nas zonas leste e norte buscam atrair investimentos e o interesse do mercado, enquanto nessa região o interesse já existe. Daí que as Operações Urbanas Faria Lima e Água Espraiada são as que efetivamente atraíram investidores e geraram negócios.

O segundo motivo é a implantação da Linha Amarela do Metrô. Segundo estudo da Companhia do Metropolitano de São Paulo, sua construção gerou a valorização dos imóveis da região em 30%. Essa obra é a mais importante em andamento na cidade por alterar o funcionamento de todo o sistema de transportes metropolitanos existente, por articular as Linhas Verde, Azul e Vermelha além da Linha C da CPTM junto à Marginal. A Linha Amarela poderá contribuir, até mesmo, com a melhoria do tráfego de automóveis na zona oeste da cidade.

A principal obra pública, portanto, a que "permitiria" o adensamento e valoriza a área, já está praticamente finalizada. O Consórcio Linha Amarela já colocou em funcionamento as primeiras estações e nos próximos anos terá todo o sistema operando. Diferentemente da Faria Lima ou da Água Espraiada, não há obras viárias consumindo os recursos auferidos pela possível Operação. Pode-se pensar em obras mais comprometidas com outras questões que não o sistema viário simplesmente.

Parte do interesse pela Operação reside no fato de que ela abraça grande parte da bacia de importante córrego paulistano, o Pirajussara. O córrego nasce no município de Embu e percorre 17 quilômetros até desaguar no Rio Pinheiros, junto à Cidade Universitária. Toda essa bacia está sendo urbanizada, adensada e, portanto, impermeabilizada, agravando os alagamentos em vários pontos, as obras para enfrentar o problema não têm logrado sucesso. Piscinões foram construídos, córregos canalizados, mas os problemas persistem.

A área da OUC Vila Sônia está toda dentro da subprefeitura do Butantã, que abarca diversidade social representativa da sociedade brasileira contemporânea. Os bairros de Caxingui, Rio Pequeno e Educandário têm renda muito inferior aos Jardins Guedala, Morumbi e Cidade Jardim.

A Operação Urbana proposta em 2004 estabeleceu seus limites, evitando incluir os bairros de alto padrão, especialmente as áreas exclusivamente residenciais, incorporando apenas as áreas não residenciais (como a área da Avenida Vital Brasil) e os bairros humildes, de baixa renda e alta densidade, como o Jardim Rebouças, o Jardim Brasiliana, o Jardim Trussardi, o Jardim Oriente, o Ferreira e a Vila Ford.

As áreas exclusivamente residenciais - as antigas Zonas 1 da Lei de Zoneamento de 1972 - são consideradas, por parte importante da elite paulistana, como inegociáveis, verdadeiro "patrimônio a ser defendido por todos". Mas a verdade é que seus moradores sempre conseguem que seus bairros sejam excluídos de qualquer Operação Urbana.5 5 Nas Operações Urbanas Água Espraiada e Faria Lima, várias áreas exclusivamente residenciais são tangenciadas, mas nenhuma delas teve nenhum trecho incluído. No desenvolvimento de uma das versões da Operação Urbana Água Espraiada, tentou-se incluir áreas de Z1 que não apresentavam arborização e solo permeável compatível. Propunha-se que, caso esses bairros não lograssem incremento consistente nesses aspectos, em cerca de cinco anos, fossem liberados para outros usos e novos investimentos. A proposta foi rechaçada por todos os interlocutores. O que leva a crer que uma das características das OUC é servir à requalificação e renovação das áreas lindeiras às áreas elitizadas, valorizando-as e elitizando-as, expulsando vizinhos indesejados.

Esse processo de elitização e expulsão de moradores de mais baixa renda não respeita os limites da OUC, sendo por essa razão temido, mesmo pelos moradores dos bairros que não são atingidos diretamente pela Operação. As duas Operações implantadas - Faria Lima e Água Espraiada - não geraram adensamento ou aumento de moradores. Na realidade, a valorização dessas áreas gera a substituição, a troca dos moradores. Saem os densos e populares conjuntos de casas apinhadas em lotes pequenos e entram condomínios com torres e grandes estacionamentos. Normalmente, perde-se população residente e agrava-se o trânsito pela entrada de outros usos como escolas, escritórios, serviços e comércio.

Cabe, portanto, verificar o que a Operação Urbana oferece para os moradores, tanto dos bairros inscritos no seu perímetro quanto dos bairros lindeiros.

Uma das versões mais completas da OUC Vila Sônia foi desenvolvida pelo escritório Hector Vigliecca & Associados,6 6 Projeto desenvolvido em associação com o escritório de Anne Marie Sumner Arquitetura, para a Sempla/CNEC. em 2004. O trabalho foi amplamente divulgado na mídia especializada, os belos desenhos e a maquete foram apresentados ao público.

O projeto define a volumetria ao longo da Avenida Vital Brasil, propõe calçadas largas e a supressão do canteiro central existente. Propõe que a quadra que receberia a estação Butantã do Metrô fosse integralmente dedicada à estação, ao terminal e a seus usuários. Em maquetes apresentadas posteriormente, essa mesma quadra assume variadas feições e arranjos. Certamente, ao longo do processo, ficou claro que o Consórcio da Linha Amarela não pretendia comprar todos os imóveis da quadra.

A estação, ainda não inaugurada, e o terminal de ônibus anexo certamente não permitem ter confiança na melhoria das condições locais. Previsto para receber linhas de ônibus da Rodovia Raposo Tavares, além do corredor Itapevi-São Paulo, certamente não terá a qualidade e generosidade desejáveis, gerando transtornos para os usuários e complicações para o trânsito da região.

Propostas como essas necessitam de debate demorado e detalhado com todos os envolvidos: moradores, usuários, proprietários dos imóveis e investidores.

Em 2005, várias associações de moradores do Butantã tomaram conhecimento sobre a OUC Vila Sônia e o projeto do túnel sob o Parque Previdência. Atendendo ao pedido da comunidade, a Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla) apresentou a Operação Urbana na Subprefeitura do Butantã, no mês de dezembro, para aproximadamente 16 entidades, comprometendo-se a dar continuidade ao diálogo. O segundo encontro foi agendado para o início do ano seguinte, desmarcado e não mais retomado.

Em 2009, foi divulgado em vários jornais que o túnel proposto pela OUC Vila Sônia seria retomado como parte das obras que qualificariam o Estádio do Morumbi como sede de jogos da Copa do Mundo de 2014.

A notícia e a proposta não são absurdas. Sabe-se que o sistema viário da região é pouco conectado. Os quatros principais eixos da região - as avenidas Professor Francisco Morato, Eliseu de Almeida e Corifeu de Azevedo Marques e a Rodovia Raposo Tavares - correm paralelamente até convergirem para a Ponte Eusébio Matoso, ligando os bairros ao centro da cidade e constituindo barreiras que dificultam as ligações norte-sul.

O túnel proposto, contudo, põe em risco a integridade do Parque Previdência, uma das áreas verdes mais preservadas, significativas e utilizadas pela população. Ainda pior é o fato de destruir a Praça Elis Regina, rodeada por escolas e edifícios de apartamentos de padrão simples e que sedia feiras de artesanato e jogos infantis, além de muito utilizada por todos os moradores das imediações.

As notícias rapidamente mobilizaram várias associações da região. Foram as associações que convidaram a prefeitura e organizaram a reunião, em 5 de agosto de 2009,7 7 Estavam presentes pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) o secretário Miguel Bucalen; pela Assessoria Técnica de Operação Urbana, o coordenador arquiteto e urbanista José Geraldo Martins de Oliveira, além do arquiteto urbanista Pedro M. Rivaben Sales por ter participado da elaboração do projeto dessa Operação Urbana no âmbito da implantação do Plano Diretor; o arquiteto urbanista Lisandro Frigerio, membro da equipe; pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e pelo Departamento de Planejamento Ambiental (Deplan), a diretora arquiteta e urbanista Alejandra Devecchi; pelo Núcleo de Gestão Descentralizada Centro-Oeste 5, o coordenador Pedro Agustín Céspedes Perez; pela Subprefeitura do Butantã, o subprefeito Régis Ghelen de Oliveira e seu assessor Maurício. com a presença do secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, a Assessoria Técnica de Operação Urbana, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e o subprefeito. Pelo menos 16 associações de moradores estavam presentes para cobrar informações, esclarecimentos e a participação nos processos decisórios. Os técnicos da prefeitura informaram o que estava sendo realizado na região, não só as obras previstas na OUC Vila Sônia, até pelo fato de essa ainda não existir. Informaram que o projeto do túnel estava sendo desenvolvido, mas que alternativas estavam sendo pesquisadas para seu traçado.

As associações deploraram que a proposta que reunia todos era de mais uma obra viária e nada que objetivasse aumento de áreas verdes ou o enfrentamento das enchentes. Foram moradores que cobraram que o túnel permitisse a passagem de pedestres, ciclistas e transporte público.

O secretário Bucalen enfatizou que não estava lá para defender a proposta do túnel, mas para abrir o diálogo sobre o tema. Com essa ideia foi acertada a pauta da reunião seguinte agendada para o dia 2 de setembro de 2009. Reunião que foi adiada algumas vezes e nunca realizada.

Criou-se, em razão dessa questão, a Associação Butantã Pode. Essa associação buscou restabelecer o diálogo com a prefeitura inúmeras vezes sem sucesso. Como forma de mobilização, organizou festa na Praça Elis Regina, em 20 de março de 2010, na semana em que se comemorava o aniversário da cantora, com música ao vivo, oficinas de pintura e coleta de assinaturas.

Não é difícil imaginar que ninguém da prefeitura compareceu ou agendou qualquer outra reunião.

É notável a dificuldade da prefeitura em estabelecer o diálogo com a população. As duas reuniões, na subprefeitura em dezembro de 2005 e no Parque Previdência em 2009, foram realizadas em gestões diferentes: a primeira na gestão Serra/Kassab (2004/2008) e a segunda na gestão Kassab, ainda em exercício.

Ao longo desses anos, a população segue desinformada acerca do andamento da Operação Urbana e de suas propostas.

O desenho originalmente proposto para a Avenida Eliseu de Almeida previa o destamponamento do Córrego Pirajussara, o alargamento das suas calçadas, sua arborização e a implantação de ciclovia. Todas as propostas têm seu interesse e lógica, certamente encontrariam resistências e quem as apoiasse. Nesses anos todos, os usuários da avenida padeceram por ter o tráfego prejudicado por obras ao longo de sua extensão. As obras foram concluídas no final de 2010 e, só então, o trânsito foi liberado.

O que se vê é o córrego coberto como antes, com buracos de inspeção mal arrematados e gramados malcuidados. As calçadas continuam irregulares e, em alguns pontos, tão estreitas que mal permitem a passagem de pedestres. Os atropelamentos são a consequência dos conflitos entre pedestres, ciclistas e veículos.

Depois de anos de obras de reconstrução da calha do Pirajussara, a situação é a mesma de antes, porém agravada pelas ações desastradas do Consórcio Linha Amarela e por todas as demais obras que foram implementadas sem ter nenhuma relação com o plano elaborado.

As moradias à esquerda seguem sendo adensadas e reformadas pelos seus moradores. As tampas de concreto no gramado são acessos técnicos ao córrego que foi novamente tamponado. O desenho apresentado à sociedade não representou nenhum compromisso do poder público com a população.

Não se faz a sociedade democrática sem diálogo. Além da falta de tradição que nossa sociedade tem de participar do processo de planejamento e gestão da cidade, deve-se destacar que é o poder público que deveria se mobilizar para acolher a organização espontânea ou motivada da população.

Como a prefeitura não abre canais de diálogo e debate, cabe à sociedade conquistar esse espaço. Cabe aos movimentos sociais forçar a construção do diálogo e da democracia.

Segundo Montandon & Souza (2007), experiências japonesas demonstram que as negociações podem ser transparentes, técnicas e bem-sucedidas. Certamente essa sociedade não atingiu esse grau de eficiência sem lutas, esforço, negociação e muito diálogo entre as partes. Estamos apenas começando o processo!

Notas

Referências

BRASIL, Estatuto da Cidade. Estatuto da Cidade: Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001.

BUTANTÃ PODE. Mobilização comunitária contra projetos urbanísticos que prejudiquem o bairro. Disponível em: <www.butanta.com.br > Acesso em: 21 fev. 2011.

MONTANDON, D. T.; SOUZA, F. F. de. Land Readustment e Operações Urbanas Consorciadas. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2007.

PREFEITURA DE SÃO PAULO - Operações Urbanas. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/operacoes_urbanas > Acesso em: 21 fev. 2011.

Recebido em 22.2.2011 e aceito em 1º.3.2011.

Fábio Mariz Gonçalves é arquiteto e urbanista, professor da FAU-USP. Participou da elaboração da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada e desenvolveu projetos de urbanização de favelas, em processos participativos, para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e para a Superintendência de Habitação Popular (Habi). @ - fabiomgoncalves@uol.com.br

  • BRASIL, Estatuto da Cidade. Estatuto da Cidade: Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001.
  • MONTANDON, D. T.; SOUZA, F. F. de. Land Readustment e Operações Urbanas Consorciadas. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2007.
  • Operação urbana consorciada Vila Sônia e a possibilidade de diálogo

    Fábio Mariz Gonçalves
  • 1
    Informações do
    site da Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <
  • 2
    Operação Urbana Anhangabaú, Lei n.11.090/91; Operação Urbana Centro, Lei n.12.349/97; Operação Urbana Água Branca, Lei n.11.774/95; Operação Urbana Faria Lima, Lei n.11.732/95.
  • 3
    Seção X, art. 32, § 1º da Constituição Federal.
  • 4
    OUC Faria Lima, OUC Água Branca, OUC Centro e OUC Água Espraiada.
  • 5
    Nas Operações Urbanas Água Espraiada e Faria Lima, várias áreas exclusivamente residenciais são tangenciadas, mas nenhuma delas teve nenhum trecho incluído. No desenvolvimento de uma das versões da Operação Urbana Água Espraiada, tentou-se incluir áreas de Z1 que não apresentavam arborização e solo permeável compatível. Propunha-se que, caso esses bairros não lograssem incremento consistente nesses aspectos, em cerca de cinco anos, fossem liberados para outros usos e novos investimentos. A proposta foi rechaçada por todos os interlocutores.
  • 6
    Projeto desenvolvido em associação com o escritório de Anne Marie Sumner Arquitetura, para a Sempla/CNEC.
  • 7
    Estavam presentes pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) o secretário Miguel Bucalen; pela Assessoria Técnica de Operação Urbana, o coordenador arquiteto e urbanista José Geraldo Martins de Oliveira, além do arquiteto urbanista Pedro M. Rivaben Sales por ter participado da elaboração do projeto dessa Operação Urbana no âmbito da implantação do Plano Diretor; o arquiteto urbanista Lisandro Frigerio, membro da equipe; pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e pelo Departamento de Planejamento Ambiental (Deplan), a diretora arquiteta e urbanista Alejandra Devecchi; pelo Núcleo de Gestão Descentralizada Centro-Oeste 5, o coordenador Pedro Agustín Céspedes Perez; pela Subprefeitura do Butantã, o subprefeito Régis Ghelen de Oliveira e seu assessor Maurício.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011
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