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COMBLIN: HISTORIOGRAFIA, HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA* * Para a realização deste artigo, contei com a generosa leitura crítica, as sugestões, indicações documentais e bibliográficas de Alzirinha Souza, Mauro Passos, Sérgio Coutinho, Daniel Aarão e Regina Guimarães. Meus sinceros agradecimentos. A narrativa construída e as análises realizadas são da minha inteira responsabilidade.

Comblin: Historiography, oral history, and memory

Comblin: Historiografía, historia oral y memoria

RESUMO

Este artigo tem como referência um texto divulgado na imprensa, com ampla repercussão no espaço público, e duas entrevistas de história oral que remetem à crise entre a Igreja Católica e o regime civil-militar. Escrito pelo padre José Comblin para assessorar Dom Helder Camara na Conferência Episcopal em Medellín, 1968, o texto é divulgado por um vereador anticomunista. Já a expulsão de Comblin do Brasil, em 1972, é analisada a partir do seu testemunho oral. Os registros e vestígios documentais são estudados em múltiplas temporalidades. Nessa trilha, este artigo apresenta reflexões que confrontam relatos de história oral, historiografia e memória.

PALAVRAS CHAVES:
Igreja e Ditadura; Testemunho e historiografia; Relatos de memória

ABSTRACT

This article is based on a text published by the press, with wide repercussions in the public sphere, as well as two oral history interviews, which refer to the crisis between the Catholic Church and the civil-military regime. Written by Father José Comblin to assist Dom Helder Camara at the Episcopal Conference in Medellín, 1968, the text has been released by an anti-communist council member. The expulsion of Comblin from Brazil, in 1972, is analyzed according to his oral testimony. Records and documentary traces are studied in multiple temporalities. Along this path, the current article presents reflections that confront reports of oral history, historiography, and memory.

KEYWORDS:
Church and Dictatorship; Testimony and Historiography; Memory Reports

RESUMEN

Este artículo se basa en un texto publicado en prensa, con amplia repercusión en el espacio público y dos entrevistas de historia oral, que hacen referencia a la crisis entre la Iglesia católica y el régimen cívico-militar. Escrito por el Padre José Comblin para ayudar a Dom Helder Camara en la Conferencia Episcopal en Medellín, 1968, el texto es publicado por un consejero anticomunista. Se analiza la expulsión de Comblin de Brasil, en 1972, a partir de su testimonio oral. Los registros y trazas documentales se estudian en múltiples temporalidades. En este camino, este artículo presenta reflexiones que confrontan relatos de historia oral, historiografía y memoria.

PALABRAS CLAVE:
Iglesia y Dictadura; Testimonio e Historiografía; Informes de Memoria

ESTUDOS, PESQUISAS, CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO JOSÉ COMBLIN

Para muitos que não são conhecem a Teologia da Libertação e a história da Igreja no Brasil, algumas informações biográficas e análises historiográficas ajudam a dimensionar o interesse pela vida e obra do padre belga José Comblin, que escolheu o Brasil e o Nordeste como opção de moradia para realizar seu projeto missionário. Esse padre teve uma significativa atuação na Igreja Católica de diversos países da América Latina.

Destaca-se, entre os inúmeros livros, artigos, teses e dissertações relacionados a sua atividade pastoral, sem ordem de importância, o livro de Monica Maria Muggler, Padre José Comblin: uma vida guiada pelo Espírito. A obra é uma biografia escrita por uma missionária leiga que viveu e trabalhou com ele desde a década de 1980 na Paraíba até seu falecimento em 2011, em Salvador, Bahia. A autora escreve um capítulo do livro sobre o período em que Comblin atuou na Diocese de Olinda e Recife, de 1965 até sua expulsão do Brasil, em 1972. Dedica um tópico desse capítulo ao texto que escreveu em 1968, que gerou uma crise entre setores anticomunistas e a Diocese, além do relato sobre a expulsão do Brasil em 1972 (Muggler, 2012MUGGLER, M. M. Padre José Comblin: uma vida guiada pelo espírito. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012. p. 90–103.: 90-103).

Importante contribuição historiográfica para essa temática encontra-se na tese de Marcos Roberto Brito dos Santos ao pesquisar significativa documentação apresentada na tese Padre José Comblin e a Ditadura Militar: religião, discurso e práticas cristãs nos anos de chumbo (1968–1972). A pesquisa realizada contempla a crise em razão do texto para Medellín em 1968 e sua expulsão em 1972. A partir da análise documental, Marcos Santos constrói uma narrativa sobre esses dois eventos marcantes na vida do padre Comblin e o modus operandi dos agentes policiais no período do regime civil-militar (Santos, 2014SANTOS, M. R. B. Padre José Comblin e a Ditadura Militar: religião, discurso e práticas cristãs nos anos de Chumbo (1968–1972). 2014. 181 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.).

A tese A Igreja Católica nos “Anos de Chumbo”: resistência e deslegitimação do Estado Autoritário Brasileiro 1968–1974, de José Cardonha, realiza um estudo sobre a perseguição de que foi alvo a Igreja Católica. Entre os temas pesquisados, narra as arbitrariedades contra padres missionários de outros países. Relata a expulsão do padre Comblin e a mobilização de setores da Igreja Católica e da sociedade civil, com denúncias no nível nacional e internacional (Cardonha, 2011CARDONHA, J. A Igreja Católica nos “Anos de Chumbo”: Resistência e deslegitimação do Estado Autoritário Brasileiro 1968–1974. 2011. 543 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) — Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.).

Em 2012, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, Paulo Cappelletti defendeu a dissertação Conversão e Justiça Social em José Comblin. Embora o objetivo da dissertação fosse pesquisar o conceito de conversão e justiça social no pensamento de Comblin, o autor também analisou o confronto dos militares com a Igreja Católica em 1968 em razão do texto escrito por Comblin e sua expulsão em 1972 (Cappelletti, 2012CAPPELLETTI, P. Conversão e Justiça Social em José Comblin. 2012. 146 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) — Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.).

Em 2019, a Revista de Cultura Teológica1 1 Revista de Cultura Teológica, ano XXVII, número especial, 2009. I Jornada José Comblin PUC-SP & UNICAP. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/culturateo/rt/printerFriendly/46025/0>. Acesso em: 22 jan. 2021. publicou um número especial com os textos das conferências e mesas redondas da I Jornada José Comblin. Esse dossiê refletiu sobre diversas dimensões do seu pensamento, sobretudo com base na leitura de diferentes áreas da teologia e de outros campos do conhecimento, como as ciências sociais, a filosofia e a história.

A documentação relacionada à vida e à obra do padre José Comblin pode ser encontrada no Centro de Pesquisa e Documentação José Comblin, na Universidade Católica de Pernambuco2 2 O Centro de Pesquisa e Documentação José Comblin, localizado na Universidade Católica de Pernambuco, disponibiliza uma significativa documentação relacionada ao padre José Comblin. Disponível em: <http://www.unicap.br/comblin/>. Acesso em: 22 jan. 2021. , bem como no Centro de Documentação e Informação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo3 3 O CEDIC da PUC-SP disponibiliza uma vasta documentação relacionada à Igreja Católica e também ao padre Comblin. Disponível em: <http://www4.pucsp.br/cedic/formulario.html>. Acesso em: 22 jan. 2021. .

As primeiras lembranças que guardo do nome José Comblin foram comentários familiares. Ele era apresentado como um religioso muito inteligente e combativo. Esses traços eram apreendidos nos relatos do meu pai quando atuou como advogado da Comissão Justiça e Paz de Pernambuco nos idos de 1970 (Paz, 2005PAZ, J. S. Cristãos e comunistas, uma só defesa: história da Comissão da Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife (1977–1980). 2005. Dissertação (Mestrado em História) — Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.).

Passaram-se duas décadas e as pesquisas historiográficas me conduziram a estudar os embates do Partido Comunista Brasileiro e das Ligas Camponesas nos enfrentamentos com a Igreja Católica. Disputavam a condução das lutas dos trabalhadores rurais no Nordeste do Brasil no final da década de 1950 até as vésperas do golpe militar de 1964. Deparei-me, nas transversais da pesquisa, com os padres nomeados Fidei Donum. Esse era o nome da encíclica publicada pelo papa Pio XII em abril de 1957, que exortava as dioceses dos países do Norte a enviarem padres para a África e, posteriormente, para a América Latina. A missão desses religiosos, além de atender a carência de vocações sacerdotais, deveria ser impedir o avanço do comunismo e do protestantismo e o culto dos ídolos.

PROJETO MISSIONÁRIO: BRASIL, CHILE, BRASIL (1958–1972)

Narra o padre José Comblin que, em abril de 1958, após aguardar o pedido encaminhado ao bispo, seu superior, cardeal Van Roey, para atuar como missionário na América Latina, recebeu a resposta positiva. Esta coincidiu com o pedido do bispo de Campinas, São Paulo, Dom Paulo de Tarso Campos, que solicitava três padres belgas que tivessem concluído o doutorado (Muggler, 2012MUGGLER, M. M. Padre José Comblin: uma vida guiada pelo espírito. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012. p. 90–103.: 45-48).

Padre Comblin desembarcou em 30 de junho de 1958 em São Paulo. Nos três anos e meio na diocese de Campinas, o bispo nunca disse qual seria a sua missão. Resumiu sua estada em São Paulo a atividades docentes, como professor de física e química no seminário, professor de filosofia na faculdade, curso de exegese do Novo Testamento para os dominicanos na Escola de Teologia em Perdizes, São Paulo, e assessor da Juventude Operária Católica. Embora o período inicialmente acordado para a permanência na Diocese de Campinas fosse de cinco anos, ao solicitar transferência, após três anos, Dom Paulo de Tarso não apresentou nenhuma objeção (Muggler, 2012MUGGLER, M. M. Padre José Comblin: uma vida guiada pelo espírito. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012. p. 90–103.: 49-55).

Assim, em 1962 viajou para o Chile a convite do decano da faculdade de teologia padre Marcos Gregorio McGrath Renauld. O projeto era desenvolver uma nova abordagem teológica que rompesse com a então dominante, voltada para o século XIX. O projeto não prosperou porque padre McGrath foi nomeado bispo auxiliar de Santiago de Veraguas no Panamá, e o seu substituto, Carlos Oviedo, não compartilhava da mesma orientação teológica. Apesar da não realização do projeto, cumpriu os três anos de magistério na faculdade de teologia em Santiago do Chile. Nesse período, viajou diversas vezes ao Brasil, quando estabeleceu relações com o padre Marcelo Carvalheira, que o convidou para atuar no novo Seminário Regional do Nordeste, em Recife. Entretanto, por razões de planejamento, esse seminário foi fechado, e fundou-se o Instituto de Teologia do Recife (Muggler, 2012MUGGLER, M. M. Padre José Comblin: uma vida guiada pelo espírito. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012. p. 90–103.).

Narra Comblin que seu projeto era “[…] passar o resto da vida no Recife. Só passei sete anos, mas valeu a pena” (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 140). O plano foi interrompido em março de 1972, quando retornava dos cursos que ministrava, nos meses de janeiro e fevereiro, na Universidade de Louvain, na Bélgica. Ao desembarcar no aeroporto em Recife, a polícia o prendeu e declarou persona non grata no Brasil. Relata que se estabeleceu um impasse, porque a polícia em Recife não sabia como proceder, tinha apenas recebido um telegrama das instâncias superiores para impedir o desembarque do padre José Comblin. Após diversas consultas, embarcaram-no com destino ao Rio de Janeiro. Contou que foi interrogado, no aeroporto dessa cidade, por um coronel que tinha em mãos uma carta sua que enviara ao bispo de Crateús, Dom Antonio Fragoso (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 145–152; Muggler, 2012MUGGLER, M. M. Padre José Comblin: uma vida guiada pelo espírito. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012. p. 90–103.: 98-103).

Constatou que a correspondência para o bispo de Crateús havia sido interceptada pelos órgãos de informação. Por precaução, havia endereçado ao bispo auxiliar de Fortaleza para que este a entregasse a Dom Fragoso. Não imaginou que a correspondência para um religioso, sem envolvimento com os temas sociais, também estivesse vigiada (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 149).

Ao relembrar o interrogatório, afirma que o militar citou termos escritos na carta que o incriminariam como comunista. Esse tipo de acusação, em que empregam-se determinadas palavras ou mesmo fala-se em manter relações com pessoas consideradas comunistas, tornava-se justificativa para acionar sequestros, prisões, interrogatórios, ameaças a familiares, torturas e mesmo execuções, práticas que hoje se encontram documentadas e analisadas, sobretudo, por historiadores, sociólogos, cientistas políticos e jornalistas (Carneiro e Cioccari, 2010CARNEIRO, A.; CIOCCARI, M. Retrato da repressão política no campo: Brasil 1962–1985 – camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Brasília, DF: MDA, 2010.; Godoy, 2014GODOY, M. A casa da vovó: uma biografia do DOI-CODI (1969–1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar: histórias, documentos e depoimentos inéditos dos agentes do regime. São Paulo: Alameda, 2014.; Reis Filho, 2014REIS FILHO, D. A. Luís Carlos Prestes: um revolucionário entre dois mundos. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.). Em sua entrevista de história oral, padre Comblin constrói o seguinte relato:

A carta que o coronel apresentou-me era o original. Não era nenhuma fotocópia, era a própria carta; não havia como negar. O coronel tomou um ar severo: “Então, o senhor confessa?” Eu disse: “Não há nada para confessar. Escrevi uma carta, e pronto.” “Mas esta carta é marxista”, disse o coronel. Respondi que não sabia absolutamente porque a carta era comunista. E perguntei o que ela tinha de comunista. Então o coronel tomou um ar inteligente, como de quem não se deixa enganar, e me mostrou a carta: “Aqui! Está escrito ‘as bases’. Isto é comunista.” Respondi que a mim não me constava, porque a palavra “base” estava sendo usada em muitos contextos diferentes com muitos sentidos diferentes, inclusive na química. Olhou para mim com um olhar severo de quem ainda não sabe se deve entender essa resposta no sentido da ignorância ou da má-fé e afirmou: “É comunista!” Não havia nada para responder. Ele tinha decidido que a palavra era comunista e ninguém tinha autoridade para mudar essa opinião. Só se um general dissesse o contrário. “Por sinal, acrescentou, esta carta mostra que o senhor tem relações íntimas com esse senhor.” Respondi: “Mas sempre dentro dos limites da moralidade”. Ele pareceu não entender, e assim continuou o interrogatório nesse estilo, durante quatro ou cinco horas (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 149-150).

A experiência do interrogatório, contada com o tropo linguístico da ironia, reproduz procedimentos policiais e militares no sentido de confirmar culpabilidades definidas como verdades evidentes. Centenas de entrevistas de homens e mulheres que foram alvo de interrogatórios policiais e militares registram idênticos procedimentos aos dos agentes dos órgãos do Estado. E, ao fazer contato com essas entrevistas, associo à leitura que o escritor Milan Kundera efetua da obra O processo, de Franz Kafka. Afirma que este nos legou em sua obra ao menos duas palavras-conceito indispensáveis para a compreensão do mundo moderno: tribunal e processo:

O tribunal: não se trata de instituição jurídica destinada a punir aqueles que transgrediram as leis de um Estado; o tribunal, no sentido que Kafka lhe deu, é uma força que julga e que julga porque é força; é sua força, e nada além disso, que confere ao tribunal sua legitimidade […]

O processo movido pelo tribunal é sempre absoluto; isso quer dizer: diz respeito não a um ato isolado, um crime determinado (um roubo, uma fraude, uma violação), mas à personalidade do acusado em seu conjunto (Kundera, 2017KUNDERA, M. Os testamentos traídos: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 236).

Esses dois conceitos ajudam a compreender o embate que se estabelece entre o religioso e o militar. Ao associar o relato do interrogatório aos conceitos de tribunal e processo, é possível perceber que o coronel se comporta como um tribunal, em que a força é a norma que rege os procedimentos acusatórios e confere legitimidade para a produção da prova de culpabilidade. E o padre Comblin, ao ser inquirido de relações íntimas com o destinatário da carta, possibilita antever que a acusação do coronel “diz respeito não a um ato isolado, um crime determinado (um roubo, uma fraude, uma violação), mas à personalidade do acusado em seu conjunto” (Kundera, 2017KUNDERA, M. Os testamentos traídos: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 236).

Cabe destacar que, ao rememorar, numa entrevista de história oral, o tenso cenário da experiência vivenciada, quando da expulsão do Brasil em 1972, o entrevistado constrói uma conexão e relata o episódio de 1968.

Esse percurso testemunhal de 1972 a 1968 — relacionado à entrevista — possibilita compreender que a temporalidade dos registros memorialísticos não é reflexo do tempo cronológico. Algumas vezes, acontecimentos que se sucederam em diferentes períodos, ao serem relembrados/narrados, são associados como se estivessem submetidos a um mesmo tempo histórico. As referências subjetivas da memória individual, irremediavelmente também social, atuam para instituir diferentes níveis de interligação e significação de distintas vivências (Deleuze, 2003DELEUZE, G. Proust e os signos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.).

Assim, o padre Comblin, ao relacionar o ocorrido em 1968 ao mesmo plano vivenciado em 1972, quando narrava o interrogatório no aeroporto e o impedimento de permanecer no Brasil, teria nas experiências vividas no período da ditadura os fios que permitiram a sincronia da memória reconstruída. Dessa maneira, a ditadura e suas práticas arbitrárias foram apreendidas como signos que estabeleceram a conexão diacrônica entre os dois acontecimentos.

Por outro lado, quero destacar a relação que o historiador constrói com os registros documentais particularmente, os relatos de memória, em que é utilizada a metodologia da história oral, tendo em mente o seu estatuto discursivo e suas condições de produção “[…] como uma instigante tarefa que adentra universos desconhecidos, de modo algum engessada em questionários, modelos de análise e regras estabelecidas a priori […] (Guimarães, Neto 2012GUIMARÃES NETO, R. B. Historiografia, diversidade e história oral: questões metodológicas. In: LAVERDI, R. (org.). História oral, desigualdades e diferenças. Recife: Florianópolis: Editora da UFPE; Editora da UFSC, 2012. p. 15–37.: 109).

Dessa forma, é, muitas vezes por meio de curtos relatos, colhidos por meio da metodologia da história oral, que é possível adentrar experiências rememoradas com as marcas da tensão e do perigo, próprias daqueles que as vivenciaram. E, embora narradas na primeira pessoa, as experiências individuais são sociais, o que implica relacionar a outros que também foram alvos de semelhantes vivências, sobretudo nesse período do regime ditatorial que dominou o Brasil após o golpe de 1964.

JUNHO DE 1968: MEMÓRIA

O testemunho de Comblin sobre o episódio de 1968 em Recife, durante as reuniões preparatórias convocadas por Dom Helder para Conferência do Episcopado Latino-Americano do Conselho Episcopal Latino-Americano, em Medellín, constitui-se num relato de história oral possível de resumir-se em quatro tópicos.

Primeiro, destaca que Dom Helder solicitou que escrevesse um texto para subsidiar os debates que ocorreriam na Conferência em Medellín. O texto, contendo 17 páginas, foi distribuído a um grupo de 12 assessores. E, nesse sentido, considero oportuno relacionar esse fato às reflexões teóricas-metodológicas realizadas por Verena Alberti sobre as cartas escritas pelo historiador Joel Rufino dos Santos ao filho de 8 anos quando esteve preso entre 1973 e 1974.

Para saber o que a carta documenta, precisamos ter claro para quem ela fala e por que ela fala. […] O mesmo se passa com uma entrevista de história oral e com qualquer outra fonte histórica: não basta considerar o enunciado; é preciso refletir sobre as condições do enunciado (Alberti, 2012ALBERTI, V. De “versão” a “narrativa” no Manual de história oral. História Oral, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 159–166, 2012. https://doi.org/10.51880/ho.v15i2.263.
https://doi.org/10.51880/ho.v15i2.263...
: 162).

Nesse sentido, o texto escrito por Comblin para o grupo de assessores foi repassado para um ex-agente da polícia que exercia o mandato de vereador na Câmara em Recife. Este distribuiu para jornais de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, que o publicaram na íntegra em inúmeras reportagens (Souza, 2018SOUZA, A. R. Do Recife a Medellín: aspectos históricos e pastorais. REVER – Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 35–45, 2018. https://doi.org/10.23925/1677-1222.2018vol18i2a3.
https://doi.org/10.23925/1677-1222.2018v...
: 39-45).

O segundo aspecto que Comblin assinala é a campanha realizada pela Sociedade Tradição Família e Propriedade no Brasil, no Uruguai e na Argentina angariando assinaturas. Na campanha eram denunciados os planos subversivos de Dom Helder e solicitava-se a condenação papal ao padre Comblin. No entanto, Comblin diz que conseguiu barrar o recebimento pela Cúria Romana dos abaixo-assinados. Alertou o cardeal Suenens e, assim, nenhuma repartição do Vaticano recebeu o abaixo-assinado (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 146-147).

O terceiro aspecto que associa a esse episódio foi o veto de Roma a sua participação em Medellín. Relata que havia sido convidado pelo presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano, Dom Avelar Brandão. Contudo, não foi o único vetado; quatro religiosos belgas, vistos como representantes do pensamento católico da Universidade de Louvain, também foram impedidos de participar (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 148).

O quarto aspecto foca na repercussão entre os militares e no fato de terem se alarmado. Para contornar esse impasse, diz ter tido o apoio do ex-governador de São Paulo Paulo Egydio Martins, ministro no governo Castelo Branco e próximo ao general Golbery do Couto e Silva (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 147-148).

Paulo Egydio agendou uma conversa com um coronel do Serviço Nacional de Informações (SNI), que, após as explicações recebidas de Comblin, recomendou que se afastasse do Brasil por umas semanas. Viajou para o Equador, onde permaneceu três meses. Porém afirma que, a partir desse momento, passou a ser uma pessoa visada pelos órgãos de informação (Montenegro, 2019MONTENEGRO, A. T. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950–1990). Recife: CEPE Editora, 2019. p. 109–214.: 148).

No entanto, ao ler o testemunho de Paulo Egydio Martins sobre como evitou a prisão de Comblin em 1968, minha análise é que este permaneceu no Brasil enquanto houve força política que o protegesse (Martins, 2007MARTINS, P. E. Paulo Egydio conta: depoimento ao CPDOC/FGV. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. p. 328–330.: 328-330). Logo, concluo que sua expulsão não foi decretada em 1968, como o próprio Comblin narra. Admitir essa explicação histórica seria concordar com o determinismo histórico embutido numa perspectiva causal e teleológica.

Porém, com a ascensão do general presidente Garrastazu Médici (1969–1974) e o ministério da Justiça ocupado pelo catedrático paulista Alfredo Buzaid, a configuração do poder político se modificou e a proteção de Paulo Egydio não teria mais eficácia. Logo, sua permanência no Brasil estava relacionada às disputas de poder no interior do aparato militar e suas relações com setores do poder político e religioso. Dessa forma, a leitura que faço é que a reconfiguração das forças hegemônicas não deve ser lida numa perspectiva teleológica predefinida, porém como uma variante das disputas de poder que se constituem com a ascensão do grupo político-militar sob a presidência de Garrastazu Médici. Ou, como aponta Foucault, “as forças que estão em jogo na história não obedecem nem a uma destinação, nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta. Elas não se manifestam como formas sucessivas de uma intenção primordial; tampouco têm a aparência de um resultado” (Foucault, 2000FOUCAULT, M. Ditos & escritos II: Arqueologia das ciência e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.: 173). Assim, embora Comblin estabeleça em seu testemunho uma relação entre o evento de 1968 e a expulsão em 1972, minha leitura é a de que esta decorre da nova configuração de poder político-militar, que se constituiu gradualmente após a promulgação do Ato Institucional n° 5.

O TESTEMUNHO DE PAULO EGYDIO MARTINS

O ex-ministro do general Castelo Branco e ex-governador de São Paulo Paulo Egydio Martins, em entrevista para uma equipe do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil em 2006, relembra como evitou a prisão do padre José Comblin em 1968. Esse fato, já relatado por Comblin, é narrado por Paulo Egydio com novas informações que possibilitam outras leituras (Martins, 2007MARTINS, P. E. Paulo Egydio conta: depoimento ao CPDOC/FGV. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. p. 328–330.: 328-330).

Em termos historiográficos é possível atestar que a intermediação de Paulo Egydio ao setor militar para o Comblin dar esclarecimentos sobre o texto divulgado pela imprensa, em que é acusado de ser o assessor marxista de Dom Helder, ocorreu. Porém o ex-governador, em seu testemunho, apresenta os fios urdidos pela Ditadura para produzir a imagem de Comblin como líder de um grupo de camponeses rebelados no Norte do Brasil. E, ao mesmo tempo, possibilita reafirmar, em termos de análise historiográfica, que criar discursos e imagens de pessoas como sendo comunistas é o modus operandi dos órgãos de informação e repressão do regime. São inventadas histórias para avalizar prisões, sequestros, torturas e assassinatos. O testemunho de Paulo Egydio é mais um registro documental da prática da Ditadura de taxar cidadãos de comunistas, que passam a ser tratados como inimigos. Diversos pesquisadores têm analisado como agentes do Estado, religiosos, políticos e mesmo setores da imprensa já operavam construindo discursos sobre a ameaça comunista em períodos anteriores ao golpe de 1964 (Ferreira e Gomes, 2014FERREIRA, J.; GOMES, A. C. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.: 177-373; Motta, 2002MOTTA, R. P. S. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917–1964). São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2002.: 231-278; Porfírio, 2009PORFÍRIO, P. F. A. Medo, comunismo e revolução: Pernambuco (1959–1964). Recife: Editora Universitária da UFPE, 2009.: 89-136). Paulo Egydio, ao rememorar a ameaça de prisão a Comblin, localiza o evento como relacionado ao Ato Institucional n° 5, promulgado em 13 dezembro de 1968. No entanto, todo esse conflito — Igreja e Ditadura — ocorreu nas primeiras semanas de junho de 1968. O relato de memória do ex-governador, ao não articular com exatidão uma correspondência com a temporalidade cronológica, possibilita ao historiador pensar que muitas práticas instituídas pelo ato institucional de 13 de dezembro já haviam sido adotadas pelos órgãos de repressão. As reflexões de Bergson sobre os princípios da memória corroboram essa análise ao afirmar: “O mecanismo cerebral é feito precisamente para recalcar a quase totalidade do passado no inconsciente e só introduzir na consciência o que for de natureza que esclareça a situação presente, que ajude a ação em preparação, que forneça, enfim, um trabalho útil” (Bergson, 2006BERGSON, H. Memória e vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006.: 48). Dessa maneira, é possível afirmar que a leitura teórica da memória se encontra em sintonia com a perspectiva histórica. Afirma Paulo Egydio na entrevista de história oral para a equipe do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil:

Até que veio o AI-5, que para nós castelistas, foi uma surpresa. Eu mesmo passei problemas desagradáveis, como a perseguição ao padre Joseph Comblin […] Fiquei conhecendo o padre Joseph Comblin através do padre Michel Schooyans, que é meu querido amigo até hoje. Os dois são belgas. Comblin é um intelectual, foi muito ligado ao início do movimento da Teologia da Libertação. Naquela ocasião já devia ter publicado uns 20 livros […] No governo Costa e Silva, quando era ministro da Justiça Gama e Silva, foi considerado um subversivo perigoso, que estava levantando as massas no Norte! Eu o conhecia demais. Se há uma pessoa fisicamente frágil e extremamente tímida, essa pessoa chama-se Comblin. Pois um belo dia o padre Michel Schooyans entrou em contato comigo e disse: “Paulo, vão prender o Comblin, sob a acusação de fazer um levante enorme lá no Norte. E ele está aqui no meu apartamento, na rua da Consolação”. Eu disse: “Não é possível!” Constatou-se que realmente existia uma ordem de prisão do SNI contra o padre Comblin, e passei então um telex para o presidente — afinal, nós tínhamos sido companheiros no ministério do Castello —, dizendo a ele quem era o Comblin e que era um absurdo tentar prendê-lo. Ele me respondeu o telex dizendo: “De acordo com suas informações, concordo em não mandar prender o padre, desde que você assuma a responsabilidade total por ele e pelos seus atos”. Respondi: “Muito bem, assumo” (Martins, 2007MARTINS, P. E. Paulo Egydio conta: depoimento ao CPDOC/FGV. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. p. 328–330.: 328).

O contato de Paulo Egydio com Costa e Silva impediu a prisão do padre. No entanto, narra o ex-governador que passou a receber ligações diárias do coronel chefe do SNI em São Paulo, que dizia estar Comblin com uma tropa de camponeses revoltados que caminhava do Amapá para Belém. Até que um dia o coronel foi à casa de Paulo Egydio informar que o padre, à frente de um grupo revolucionário, marchava para uma cidade no Pará. Essa afirmação pode ser lida como uma ameaça explícita a Paulo Egydio, que atuava como protetor assumido do padre Comblin:

“Como o senhor é o responsável por ele, venho aqui lhe comunicar isso”. Eu disse: “Coronel, o avião mais rápido do mundo leva quanto tempo do Pará a São Paulo?” Ele: “Bom, no máximo, duas horas”. Eu disse: “Então, nós vamos agora no seu carro à rua da Consolação, e eu vou lhe apresentar o padre Comblin, que o senhor diz que está à frente desses camponeses lá no Pará”. Ele pensou que eu estava brincando, mas entrei no carro dele e fomos ao apartamento. Quem abriu a porta? O padre Comblin. Quando o apresentei, o coronel quis ver o passaporte. O Comblin pegou o passaporte, e entregou a ele e nos convidou a entrar. O coronel viu aqueles livros todos pela sala e perguntou: “Quem escreveu esses livros?” O Comblin, com voz baixinha, tímido respondeu: “Vários escritores. Tem uns aí que são meus”. O coronel foi pesquisar e viu lá uns 20 livros escritos pelo Comblin. “Nas minhas horas de pensar eu escrevi isso. Mas são bobagens, coronel, são bobagens”. Encerrou-se a conversa, e o coronel nunca mais me procurou (Martins, 2007MARTINS, P. E. Paulo Egydio conta: depoimento ao CPDOC/FGV. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. p. 328–330.: 239).

Esse testemunho, construído por meio de uma entrevista de história oral, possibilita refletir sobre a ampla potencialidade dessa metodologia para a pesquisa historiográfica, como observa a historiadora Angela de Castro Gomes:

A informação nova está, na verdade, na forma pela qual o relato dimensiona e faz emergir um acontecimento, dando contextualidade às escolhas realizadas, e cor e movimento aos personagens do relato. […] Essa dimensão subjetiva da entrevista, potencializada pela interação que produz entre os envolvidos, é ainda muito mais refinada quando da análise realizada pelo historiador (Gomes, 2020GOMES, A. C. (org.). História oral e historiografia: questões sensíveis. São Paulo: Letra e Voz, 2020.: 186).

Diante do exposto no testemunho de Paulo Egydio, é possível compreender que, mesmo com o escudo da proteção oficial, o SNI continuou pressionando o ex-governador com histórias inventadas para justificar a possível prisão e expulsão do Padre Comblin em 1968. Porém nesse momento não alcançou seu objetivo.

DO TEXTO AO ACONTECIMENTO/DOCUMENTO

O movimento para desnaturalizar o testemunho oral remete ao foco da reflexão em múltiplas direções. Por um lado, o próprio narrador apresenta os fios com os quais modela a arquitetura do evento rememorado. O fato ocorrido — conflito entre Igreja Católica e o regime civil-militar — remete ao texto escrito para assessorar Dom Helder em Medellín. Por outro lado, também se associa ao momento em que uma cópia é apreendida por agentes infiltrados na Diocese de Olinda e Recife e tornada pública. Essa divulgação ativa a rede anticomunista, que recorre aos meios de comunicação e aos órgãos do Estado para atribuir ao texto um significado marxista e subversivo. Assim, os adjetivos subversivo e comunista associados ao texto são relacionados ao autor e ao seu superior hierárquico. Por meio dessa estratégia, adquirem visibilidade na cena pública e projeção nacional e internacional.

Um texto escrito por um religioso para subsidiar um debate eclesiástico interno à diocese de Olinda e Recife torna-se peça acusatória em razão de adjetivações atribuídas pelas redes anticomunistas que vicejam na sociedade. Ao mesmo tempo, é construída uma campanha de apoio a Dom Helder e ao padre Comblin no nível da sociedade civil, bem como do poder legislativo e judiciário.

Uma batalha de discursos é documentada na imprensa, que, nesse período, ainda não é censurada de publicar notícias relacionadas a Dom Helder ou impedida de reproduzir suas declarações (Santos, 2014SANTOS, M. R. B. Padre José Comblin e a Ditadura Militar: religião, discurso e práticas cristãs nos anos de Chumbo (1968–1972). 2014. 181 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.: 78-80; Teólogo prega reformas…, 1968).

Relacionada à narrativa historiográfica desse embate, destaco especialmente a tese de Marcos Santos (Santos, 2014SANTOS, M. R. B. Padre José Comblin e a Ditadura Militar: religião, discurso e práticas cristãs nos anos de Chumbo (1968–1972). 2014. 181 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.) e o artigo de Alzirinha Souza (Souza, 2018SOUZA, A. R. Do Recife a Medellín: aspectos históricos e pastorais. REVER – Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 35–45, 2018. https://doi.org/10.23925/1677-1222.2018vol18i2a3.
https://doi.org/10.23925/1677-1222.2018v...
), em que se apresenta uma significativa pesquisa documental de mais um enfrentamento do governo com setores da Igreja Católica nomeados de progressistas.

A publicação do texto escrito pelo padre Comblin, no jornal Diario de Pernambuco, teve como título Teólogo prega reformas e diz que igreja é colonialista e subdesenvolvida (1968: 6–7). Veio à público na quarta-feira 12 de junho de 1968, porém, na segunda-feira, um vereador apresentou o texto no plenário da Câmara dos Vereadores. Conclamou a transferência de Dom Helder da Arquidiocese de Olinda e Recife e a expulsão do Brasil do padre Comblin. Diante do impacto causado pela divulgação na imprensa, o próprio arcebispado distribuiu o texto para jornais nacionais e internacionais (Comblin, 1968COMBLIN, J. Documento do Pe. José Comblin. Revista SEDOC – Serviço de Documentação, Petrópolis, v. 1, fasc. esp., p. 451–466, 1968.: 452-466)4 4 Em julho de 1968 realizou-se a IX Assembleia Geral da CNBB. A Revista SEDOC publicou um fascículo com documentos relacionados a este evento, entre eles, o texto de Comblin, na íntegra, um artigo com críticas e um artigo em apoio. E também um breve comentário de Comblin ao seu próprio texto que intitula A propósito de um documento que se torna fantasma. Revista SEDOC, Petrópolis, v. 1, fasc. esp., set. 1968. .

Este texto dá a ler uma análise crítica da sociedade e da Igreja Católica latino-americana e um conjunto resumido de propostas para efetivar as transformações avaliadas fundamentais. Algumas críticas sociais, políticas, culturais e econômicas neste documento também são encontradas no texto final aprovado na Conferência de Medellín, sobretudo em relação à condição de pobreza, desigualdade e injustiça da população pobre do continente latino-americano (CELAM, 1970). Entretanto a diferença fundamental, do meu ponto de vista, que embasa as propostas nos dois documentos é a forma de superar a condição de miséria, exploração e injustiça deste continente.

No documento conclusivo de Medellín, é apresentada a defesa por uma transformação global nas estruturas latino-americanas. Essa transformação tem como requisito a reforma política, porque o exercício da autoridade política e suas decisões frequentemente favorecem sistemas que atentam contra o bem comum. E a Igreja latino-americana, no seu testemunho de fé, coloca-se como capaz de colaborar por meio da educação que forme a consciência social e a percepção realista dos problemas da comunidade e das estruturas sociais como parte integrante da Pastoral de Conjunto. Todas essas ações deverão ser articuladas à Comissão Justiça e Paz, criada no nível nacional (CELAM, 1970: 8). Ainda como fundamentação do documento final da Conferencia de Medellín, os bispos declaram que “a violência não é nem cristã, nem evangélica”, e, mesmo que haja a tentação da violência diante de uma situação de injustiça das atuais estruturas que violam os direitos fundamentais, “o cristão acredita na fecundidade da paz como meio de chegar à justiça” (CELAM, 1970: 13).

No texto escrito por Comblin, este realiza uma análise das injustiças e desigualdades sociais nos países latino-americanos e propõe realizar as reformas sociais, econômicas, culturais e políticas a ruptura da ordem institucional. Defende o uso da força e que os atuais governantes sejam afastados. Afirma que:

as reformas fundamentais não ocorrerão por evolução política normal […] a conquista do poder ocorrerá por um grupo decidido a fazer as reformas e seu exercício ocorrerá de forma autoritária ou ditatorial, que irá impor pela força do governo as transformações (Comblin, 1968COMBLIN, J. Documento do Pe. José Comblin. Revista SEDOC – Serviço de Documentação, Petrópolis, v. 1, fasc. esp., p. 451–466, 1968.: 460).

Inspirado em Max Weber, aponta a necessidade de um líder carismático:

[…] pois atendem as expectativas das classes populares, que acreditam na força e preferem a virtudes carismáticas às virtudes administrativas… o poder legítimo é a força a serviço da lei (da lei verdadeira e justa). O poder deve contar com uma força […] Às vezes poderá contar com as forças armadas, outras vezes é necessário dissolvê-las. Às vezes será necessário distribuir armas ao povo […] O poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das forças armadas se forem conservadoras: controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão, censura das críticas destrutivas e reacionárias. Supressão dos privilégios, das imunidades do direito ou de fato, supressão das administrações ineficazes, eliminação dos dirigentes incapazes […] (Comblin, 1968COMBLIN, J. Documento do Pe. José Comblin. Revista SEDOC – Serviço de Documentação, Petrópolis, v. 1, fasc. esp., p. 451–466, 1968.: 460).

Pelo exposto nos dois documentos, embora tenham pontos de aproximação no que tange à crítica das estruturas sociais, econômicas e políticas da América Latina, os métodos propostos para enfrentá-los são opostos. É possível reconhecer na escrita do padre Comblin as marcas de um período em que setores da Igreja estavam próximas de parcelas da esquerda, que defendem como única forma de realizar as reformas, avaliadas como necessárias, a retirada dos governantes do poder pelo uso da força. Marcelo Ridenti, em uma passagem do seu livro O fantasma da revolução brasileira, afirma que “a ideia de revolução política, e também econômica, cultural, pessoal, enfim, em todos os sentidos e com os significados mais variados, marcou profundamente o debate político, este, especialmente entre 1964 e 1968” (Ridenti, 2010RIDENTI, M. O fantasma da revolução brasileira. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010.: 77). Para Denise Rollemberg, a questão da exportação da Revolução em Cuba teria concorrido para construção de um dos maiores mitos da esquerda latino-americana nos anos de 1960, o foco guerrilheiro (Rollemberg, 2007ROLLEMBERG, D. 2007. Esquerdas revolucionárias e luta armada. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. A. N. (orgs.). O Brasil republicano: o tempo da ditadura, regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 43–93.: 60–61). Embora Comblin tenha criticado a teoria do foco guerrilheiro, é importante registrar que um conjunto de ideias e de experiências históricas, que eram citadas como justificativa para a defesa do uso da força como meio adequado para superar a sociedade injusta e desigual da América Latina, são por ele também defendidas naquele período.

RELEITURAS HISTORIOGRÁFICAS: MEDELLÍN FUTURO PASSADO

Em 2008, Comblin publicou o artigo Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois (Comblin, 2008COMBLIN, J. Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois. Cadernos de Teologia Pública, São Leopoldo, v. 36, ano V, p. 1–31, 2008.). Um ensaio de história e memória. A narrativa é de um conhecedor da história da Igreja Católica latino-americana e das políticas da Cúria Romana. Analisa os papados de João XXIII a João Paulo II e as políticas religiosas daquelas cinco décadas. Comblin foi ator presente em diversos eventos que constituíram a escrita do seu artigo, porém não utilizou o recurso do testemunho de quem viveu a experiência narrada, para agregar foro de autoridade ou de veracidade às suas afirmações (Ricoeur, 2007RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.: 172).

O artigo apresenta características de relato de memória, pois quase não estabelece diálogo com publicações que poderiam apresentar distintas leituras sobre o tema e o período analisados. A única menção é ao livro de José Marins et al. (1979)MARINS, J. et al. De Medellín a Puebla: a Práxis dos Padres da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1979., De Medellín a Puebla: a práxis dos padres da América Latina.

A escrita de Comblin se pauta numa linha histórica diacrônica e teleológica, expressa em análises que afirmam o distanciamento dos compromissos assumidos nas Conferências de Medellín e Puebla:

Medellín e Puebla foram sinais que tornaram a Igreja muito visível. Naquele tempo, a Igreja era importante na sociedade. […] Lembremo-nos: Medellín foi preparada por mais de 10 anos de experiências pastorais novas com homens e mulheres novos em torno de bispos proféticos (Comblin, 2008COMBLIN, J. Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois. Cadernos de Teologia Pública, São Leopoldo, v. 36, ano V, p. 1–31, 2008.: 28).

O texto é urdido numa imagem do passado que não mais voltará — “a Igreja era importante” — e evocatória do caráter inovador, inspirada num episcopado que antevia o futuro, um período de práticas pastorais novas, homens e mulheres novos e bispos proféticos. Marcas que, afirma, não mais se repetiram (Comblin, 2008COMBLIN, J. Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois. Cadernos de Teologia Pública, São Leopoldo, v. 36, ano V, p. 1–31, 2008.: 28).

Diz que Medellín, ao pactuar o primado da opção preferencial pelos pobres, pela justiça e pela educação libertadora, constituiu-se no evento maior da Igreja latino-americana.

Sublinho em seus comentários o tema da libertação dos pobres e que a violência armada era pensada por alguns como a estratégia para enfrentar a violência institucionalizada. No entanto, escreve que o papa Paulo VI a rejeitou e firmou que a resposta cristã à violência é a não violência:

O grande problema daquele tempo era a libertação pela violência armada, isto é, por movimentos de guerrilheiros, ou então sem violência. No seu discurso inaugural, Paulo VI referiu-se expressamente a esse dilema e rejeitou claramente toda solução violenta, mas insistiu na urgência de transformações sociais. […] A resposta cristã é uma resposta não violenta a uma violência permanente das nações latino-americanas (Comblin, 2008COMBLIN, J. Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois. Cadernos de Teologia Pública, São Leopoldo, v. 36, ano V, p. 1–31, 2008.: 19-20).

Comblin não faz nenhuma alusão a essa diferença de perspectiva política entre o uso da força e até de armas para superar as injustiças e desigualdades sociais, tese que defendeu no texto em 1968, e o discurso cristão da não violência, abraçado pelos bispos em Medellín.

O historiador Daniel Aarão, em suas reflexões sobre a memória, afirma: “São conhecidas as artimanhas da memória. Imersa no presente, preocupada com o futuro, quando suscitada, a memória é sempre seletiva. Provocada, revela, mas também silencia” (Reis Filho, Ridenti e Motta, 2004REIS FILHO, D. A.; RIDENTI, M.; MOTTA, R. P. S. (orgs.). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964–2004). Bauru: EDUSC, 2004. p. 29–52.: 29).

A história que Comblin constrói nesse artigo, numa leitura retrospectiva de quatro décadas (1968–2008), é a da derrota dos princípios defendidos na Conferência de Medellín e reafirmados em Puebla. Uma reflexão que entrelaça o plano político econômico global ao papado, como forças que concorrem para enfraquecer a Igreja que estava sendo construída na América Latina na década de 1960.

A leitura do artigo Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois possibilita formular algumas questões sobre a escrita macro-histórica que lhe dá forma e conteúdo. Primeiro, o texto contempla um período histórico pontilhado de eventos religiosos, sociais, econômicos e políticos de grande impacto na sociedade latino-americana e mundial. Porém, como assinalado, não há referência a livros, artigos e pesquisas acadêmicas que constroem distintas análises, sobretudo os estudos que operam numa escala micro-histórica. Alguns autores relatam a presença e a atuação de forças que resistem e não se alinham ao papado de João Paulo II.

O historiador Oscar Beozzo, em seu livro A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II, de Medellín a Santo Domingo (1993), ao comentar sobre a Conferência de Puebla escreveu: “Nesse sentido, podemos quase dizer que, independentemente dos resultados do encontro, Puebla já aconteceu em milhares de Comunidades e grupos e na própria vida da Igreja latino-americana” (Beozzo, 1993BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II, de Medellín a Santo Domingo. Petrópolis: Vozes, 1993.: 136). Diferentemente da narrativa de Comblin, essa conferência é lida numa perspectiva que amplia o significado do evento ao incorporar a experiência dos debates preparatórios.

Em 1998, Oscar Beozzo publicou o artigo Medellín: inspiração e raízes. É uma leitura após três décadas, porém ainda na vigência do papado de João Paulo II. Apresenta uma genealogia das articulações para realização da Conferência de Medellín desde o Concílio Vaticano II. Também comenta as aproximações e os distanciamentos das propostas daquele concílio em relação a Medellín (Beozzo, 1998BEOZZO, J. O. Medellín: inspiração e raízes. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 58, n. 232, p. 822–850, 1998. https://doi.org/10.29386/reb.v58i232.2341.
https://doi.org/10.29386/reb.v58i232.234...
: 829-842).

No mesmo ano da publicação do artigo de Comblin em 2008, o professor doutor padre Ney de Souza publicou o artigo Do Rio de Janeiro (1955) à Aparecida (2007): um olhar sobre as Conferências Gerais do Episcopado da América Latina e do Caribe. Embora Comblin possivelmente não tenha tido conhecimento desta publicação, contemporânea do seu artigo, ela é reveladora de que as Conferências do Conselho Episcopal Latino-Americano são um campo de múltiplas narrativas historiográficas (Souza, 2008SOUZA, N. Do Rio de Janeiro (1955) à Aparecida (2007). Um olhar sobre as Conferências Gerais do Episcopado da América Latina e do Caribe. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 16, n. 64, p. 127–146, 2008. https://doi.org/10.19176/rct.v0i64.15533.
https://doi.org/10.19176/rct.v0i64.15533...
: 127-146).

Na perspectiva da resiliência às diretrizes apostólicas da Cúria Romana, destaco uma passagem da tese do historiador Sérgio Coutinho que relata que em pleno papado do papa João Paulo II, uma parcela do episcopado e dos fiéis da diocese do Maranhão se rebelaram contra a orientação de Roma.

Narra que na visita ad limina apostolorum dos bispos do Maranhão ao Papa João Paulo II, em 2002, foram polidamente admoestados por suas práticas religiosas pois estavam “[…] limitando-se a algumas questões importantes, mas circunstanciais, relativas à política local, à concentração da terra, à questão do meio ambiente e assim por diante” (Santos, 2015SANTOS, S. R. C. “Verbalização do Sagrado” em tempos de fronteiras: a recepção do Concílio Vaticano II no Maranhão 1959–1979. 2015. 241 f. Tese (Doutorado em História) — Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.: 17). Porém os bispos não acolheram essa admoestação papal, e, em 2004, foi convocada uma assembleia na Arquidiocese de São Luís do Maranhão. Foram três dias de debates, com a participação de 1.200 delegados, que reafirmaram o compromisso com as recomendações do Concílio Vaticano II. E, dessa forma, fiéis e parcela dos religiosos do Maranhão reafirmaram o compromisso social da Igreja do Maranhão com a realidade eclesial e política (Santos, 2015SANTOS, S. R. C. “Verbalização do Sagrado” em tempos de fronteiras: a recepção do Concílio Vaticano II no Maranhão 1959–1979. 2015. 241 f. Tese (Doutorado em História) — Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.).

Para finalizar, registro como este artigo foi sendo lançado em várias trilhas — não sabidas na partida — à medida que a pesquisa operava com diferentes registros documentais e a historiografia. Tinha em mente, no início, estabelecer um confronto entre o testemunho oral do padre Comblin sobre o texto que escrevera para assessorar Dom Helder e sua completa ressignificação quando se tornara público. No entanto, a pesquisa historiográfica possibilitou conhecer análises que já contemplavam os embates que se seguiram quando o texto foi divulgado na sociedade, especialmente por meio da pesquisa nos jornais, onde se encontram registrados os enfrentamentos entre apoiadores de Dom Helder e do padre Comblin e seus opositores. Desloquei então o foco do artigo para a temática da memória; passei a valorizar como Comblin nas décadas seguintes lia seu texto, sobretudo a passagem em que defendeu o uso da força e a possível distribuição de armas para a população, na defesa de uma sociedade mais justa. Em parte, encontrei a resposta para esta questão no artigo Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois, que escreveu em 2008.

O acesso à entrevista de história oral do ex-governador Paulo Egydio Martins remeteu a uma nova a estratégia narrativa. Paulo Egydio rememora a ajuda que prestou a Comblin em 1968, dialogando diretamente com o general presidente Costa e Silva e, em seguida, com um coronel do SNI. Assim barra a sua expulsão. O próprio Comblin, em sua entrevista em 1998, comentou a ajuda que recebeu do político paulista. No entanto, o relato de Paulo Egydio dá a conhecer uma série de procedimentos do SNI na tentativa de incriminar Comblin como agitador comunista. Essas informações concorreram para fundamentar teoricamente o argumento que elaborei — em divergência com a narrativa de Comblin — de que a sua expulsão em 1972 não deveria ser lida como uma decisão tomada pela Ditadura em razão do texto que escreveu em 1968.

Assim, como aponta Certeau (2000CERTEAU, M. A escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.: 94), “[…] enquanto a pesquisa é interminável, o texto deve ter um fim […]”. Porém não poderia colocar um ponto final sem remeter ao significado dos testemunhos de história oral de Comblin e Paulo Egydio para o presente artigo. Eles atualizam experiências históricas pessoais/sociais de percepções de perigo e medo, partilhadas no espaço público. Walter Benjamin, no texto “Sobre o conceito de História”, acentua a importância do fazer historiográfico das imagens do passado que alcançam o presente: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo” (Benjamin, 1994BENJAMIN, W. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política – Ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.: 224). Em momentos históricos distintos, Comblin, em entrevista de história oral em 1998 e Paulo Egydio em 2007, rememoram experiências de perigo compartilhadas que vivenciaram em tempos de ditadura civil-militar e a certeza de que “nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história” (Benjamin, 1994BENJAMIN, W. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política – Ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.: 223).

NOTAS

  • 1
    Revista de Cultura Teológica, ano XXVII, número especial, 2009. I Jornada José Comblin PUC-SP & UNICAP. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/culturateo/rt/printerFriendly/46025/0>. Acesso em: 22 jan. 2021.
  • 2
    O Centro de Pesquisa e Documentação José Comblin, localizado na Universidade Católica de Pernambuco, disponibiliza uma significativa documentação relacionada ao padre José Comblin. Disponível em: <http://www.unicap.br/comblin/>. Acesso em: 22 jan. 2021.
  • 3
    O CEDIC da PUC-SP disponibiliza uma vasta documentação relacionada à Igreja Católica e também ao padre Comblin. Disponível em: <http://www4.pucsp.br/cedic/formulario.html>. Acesso em: 22 jan. 2021.
  • 4
    Em julho de 1968 realizou-se a IX Assembleia Geral da CNBB. A Revista SEDOC publicou um fascículo com documentos relacionados a este evento, entre eles, o texto de Comblin, na íntegra, um artigo com críticas e um artigo em apoio. E também um breve comentário de Comblin ao seu próprio texto que intitula A propósito de um documento que se torna fantasma. Revista SEDOC, Petrópolis, v. 1, fasc. esp., set. 1968.
  • Fonte de financiamento: Bolsa de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • *
    Para a realização deste artigo, contei com a generosa leitura crítica, as sugestões, indicações documentais e bibliográficas de Alzirinha Souza, Mauro Passos, Sérgio Coutinho, Daniel Aarão e Regina Guimarães. Meus sinceros agradecimentos. A narrativa construída e as análises realizadas são da minha inteira responsabilidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    09 Jul 2021
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