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Liderança e comportamento empoderador: compreensões de enfermeiros-gerentes na Atenção Primária à Saúde

Liderazgo y comportamiento empoderador: percepciones de enfermeros-gerentes en la Atención Primaria de Salud

Resumo

Objetivo

Conhecer o comportamento empoderador do enfermeiro em sua prática gerencial no contexto da Atenção Primária à Saúde.

Métodos

Pesquisa exploratória de caráter qualitativo realizada com enfermeiros-gerentes que atuam em Unidades Básicas de Saúde em um município do estado de São Paulo, Brasil. Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas para coleta de dados e o conteúdo das entrevistas foi transcrito na íntegra. Utilizou-se a saturação teórica de dados para o encerramento da coleta que se deu no sétimo participante. O referencial da análise de conteúdo guiou a organização do corpus qualitativo em temas e subtemas.

Resultados

O enfermeiro-gerente como líder utiliza do comportamento empoderador para interpretar suas percepções e suas atitudes, para influenciar positivamente o trabalho em equipe e mediar conflitos. Dimensionamento de pessoal e dificuldades em realizar reuniões de equipe e em compartilhar os processos decisórios geram desafios que tensionam a efetivação do comportamento empoderador.

Conclusão

Aspectos relacionados ao trabalho gerencial do enfermeiro-líder nas Unidades Básicas de Saúde são compreendidos como comportamento empoderador e os desafios para sua efetivação relacionaram-se à organização e ao planejamento do processo de trabalho da Atenção Primária à Saúde.

Liderança; Enfermeiros e enfermeiras; Empoderamento; Atenção Primária à Saúde; Administração de serviços de saúde

Resumen

Objetivo

Conocer el comportamiento empoderador de los enfermeros en su práctica gerencial en el contexto de la Atención Primaria de Salud.

Métodos

Estudio exploratorio de carácter cualitativo realizado con enfermeros-gerentes que trabajan en Unidades Básicas de Salud en un municipio del estado de São Paulo, Brasil. Para la recopilación de datos, se realizaron entrevistas semiestructuradas y se transcribió su contenido completamente. Para finalizar la recopilación, se utilizó la saturación teórica de datos, que sucedió con el séptimo participante. El marco referencial del análisis de contenido guio la organización del corpus cualitativo en temas y subtemas.

Resultados

Los enfermeros-gerentes como líderes utilizan el comportamiento empoderador para interpretar sus percepciones y sus actitudes, para influir positivamente el trabajo en equipo y para mediar conflictos. El dimensionamiento del personal y las dificultades para realizar reuniones de equipo y compartir los procesos decisorios generan desafíos que tensionan la materialización del comportamiento empoderador.

Conclusión

Los aspectos relacionados con el trabajo gerencial del enfermero líder en las Unidades Básicas de Salud son percibidos como un comportamiento empoderador, y los desafíos para su materialización se relacionan con la organización y la planificación del proceso de trabajo de la Atención Primaria de Salud.

Liderazgo; Enfermeras y enfermeiros; Empoderamiento; Atención primaria de salud; Administración de los servicios de salud

Abstract

Objective

To understand the empowering behavior of nurses in their management practice in the Primary Health Care context.

Methods

Exploratory qualitative study of nurse managers working in Basic Health Centers in a city in the state of São Paulo, Brazil. Semi-structured interviews were conducted for data collection and the content of interviews was fully transcribed. Data collection was ended after reaching theoretical data saturation in the seventh participant. The content analysis framework guided the organization of the qualitative corpus into themes and sub-themes.

Results

As leaders, nurse managers use empowering behavior to interpret their perceptions and attitudes in order to positively influence teamwork and mediate conflicts. Staff sizing and difficulties in holding team meetings and sharing decision-making processes generate challenges that create tension in the implementation of empowering behavior.

Conclusion

Aspects related to the management work of nurse leaders in Basic Health Centers are understood as empowering behavior and the challenges for its implementation are related to the organization and planning of the work process in Primary Health Care.

Leadership; Nurses; Empowerment; Primary health care; Health service administration

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem a Atenção Primária à Saúde (APS) como a coordenadora e ordenadora do cuidado, organizado na lógica das Redes de Atenção à Saúde (RAS), sendo base do sistema e resolutiva. Esta APS tem diversos modelos, tais como as Unidades de Saúde da Família (USF), as Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais e as UBS mistas, que integram os processos de trabalho da Estratégia Saúde da Família (ESF) com o modelo tradicional para a mesma população.( 11. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). A construção Social da atenção primária à saúde. Brasília (DF): CONASS; 2014 [citado 2022 Jan 7]. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf
https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf...
) O modelo da ESF, que ainda é prioritário da política de saúde brasileira, tem como foco o cuidado integral da população adscrita, na tentativa de romper com o modelo hegemônico.

Nesse contexto, a Enfermagem é propulsora, tanto por ser a maior força de trabalho, como pela resolubilidade do enfermeiro baseada em sua competência técnico-científica.( 22. Silva MC, Machado MH. Health and Work System: challenges for the Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2019;25(1):7-13. , 33. Ferreira SR, Périco LA, Dias VR. The complexity of the work of nurses in Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 1):704-9. ) Dentre seus atributos, o enfermeiro tem a gestão, o cuidar e o educar, sendo estas atividades indissociáveis na rotina deste profissional.( 44. Barbiani R, Dalla Nora CR, Schaefer R. Nursing practices in the primary health care context: a scoping review. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2721. ) Destaca-se ainda que a maioria das Unidades de Saúde é gerenciada por enfermeiros.( 55. Aguiar RS. Gestão da Prática e Liderança da enfermagem na Planejamento na Atenção Primária à Saúde. In: Cunha CL, Souza IL, organizadores. Guia de trabalho para o enfermeiro na Atenção Primária à Saúde. Curitiba: CRV; 2017. ) Apesar da importância do empoderamento nas práticas gerenciais do enfermeiro, ainda há poucos estudos no contexto da APS, tanto na literatura nacional, quanto na internacional.( 66. Li H, Shi Y, Li Y, Xing Z, Wang S, Ying J, et al. Relationship between nurse psychological empowerment and job satisfaction: a systematic review and meta-analysis. J Adv Nurs. 2018;74(6):1264-77. Review. , 77. Fragkos KC, Makrykosta P, Frangos CC. Structural empowerment is a strong predictor of organizational commitment in nurses: a systematic review and meta-analysis. J Adv Nurs. 2020;76:939-62. )

A competência essencial para gerenciar uma unidade de saúde é a liderança, uma vez que se espera que o gerenciamento e a gestão dos serviços de saúde sejam realizados de modo participativo.( 55. Aguiar RS. Gestão da Prática e Liderança da enfermagem na Planejamento na Atenção Primária à Saúde. In: Cunha CL, Souza IL, organizadores. Guia de trabalho para o enfermeiro na Atenção Primária à Saúde. Curitiba: CRV; 2017. ) Apesar das fragilidades que se identificam em seu aspecto conceitual observadas, por exemplo, por meio de diferentes definições, estilos e aportes teóricos; a liderança apresenta-se como um elemento transversal e fundamental para o trabalho do enfermeiro.( 88. Doherty DP, Hunter SM. Developing nurse leaders: toward a theory of authentic leadership empowerment. Nurs Forum. 2020;55:416-24. )

A liderança transformacional é um estilo que se relaciona com o desenvolvimento de competências do líder e de sua equipe relacionando amplamente com a enfermagem por inspirar e capacitar os liderados a partir do coletivo e da confiança mútua estabelecida entre toda a equipe a alcançarem metas e objetivos dando suporte às instituições no alcance de resultados.( 99. Dhaliwal KK, Hirst SP. Correctional nursing and transformational leadership. Nurs Forum. 2019;54:192–97. Review. )

Destarte, as teorias de empoderamento têm sido associadas com estratégias que possibilitam ao líder atingir resultados no contexto de seu trabalho,( 1010. Wong C, Laschinger HK. Authentic leadership, performance and job satisfaction: the mediating role of empowerment. J Adv Nurs. 2013;69(4):947-59. , 1111. García-Sierra R, Fernández-Castro J. Relationships between leadership, structural epowerment, and engagemente in nurses. J Adv Nurs. 2018;74:12:2809-19. ) despertando o interesse da enfermagem para a articulação desses referenciais teóricos na prática gerencial.

O comportamento empoderador do líder tem sido objeto de investigação na área da Enfermagem há, aproximadamente, quatro décadas. O construto foi elaborado a partir da necessidade de investigar a prática de empoderar os subordinados como componente no processo de liderança e gerenciamento das organizações.( 1212. Mutro ME, Spiri WC, Juliani CM, Bocchi SC, Bernardes A, Trettene AS. Adaptation and validation of the Brazilian Portuguese version of the Leader Empowering Behavior scale. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):20180757. )

Um estudo finalizado em 2017 trabalhou na adaptação e na validação para o português brasileiro da escala, do tipo likert, Leader Empowering Behaviourque apresenta 21 itens distribuídos em quatro domínios: trabalho significativo; tomada de decisão participativa; confiança dos funcionários; facilitando o alcance das metas. Argumenta-se que o referido instrumento possibilita conhecer o comportamento do líder para empoderar sua equipe evidenciando que a forma de liderar associa-se com a eficiência dos resultados apresentados pelos liderados, um ambiente de trabalho saudável e a segurança do paciente.( 1212. Mutro ME, Spiri WC, Juliani CM, Bocchi SC, Bernardes A, Trettene AS. Adaptation and validation of the Brazilian Portuguese version of the Leader Empowering Behavior scale. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):20180757. )

O empoderamento relacionado à organização do serviço pode ser conceituado a partir das dimensões estrutural e psicológica. O primeiro diz respeito à mobilização de recursos e alcance de metas por parte do enfermeiro, tendo como base o acesso à informação, suporte, recursos e oportunidades. Em suma, o acesso à informação refere-se ao conhecimento voltado à profissão e ao cargo; o acesso a suporte é o apoio obtido da equipe e superiores; o acesso a recursos relaciona-se à capacidade de conseguir recursos materiais; e por último a oportunidade que envolve momentos que proporcionam aprendizados e desenvolvimento ao trabalhador. Já o empoderamento psicológico está articulado às condições de trabalho, que se adequadas trazem valorização, motivação e satisfação profissional.( 1313. Friend ML, Sieloff CL. Empowerment in nursing literature: an update and look to the future. Nursing science quarterly. 2018;31(4):355-61. Review. )

Escassez de apoio da gestão, sobrecarga de atividades devido acúmulo da assistência e do gerenciamento, valorização da volumetria de atendimento em detrimento da qualidade do cuidado ofertado e conflitos interpessoais são dificuldades e desafios que atravessam o trabalho do enfermeiro na APS e refletem as dimensões estrutural e psicológica do empoderamento.( 1212. Mutro ME, Spiri WC, Juliani CM, Bocchi SC, Bernardes A, Trettene AS. Adaptation and validation of the Brazilian Portuguese version of the Leader Empowering Behavior scale. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):20180757. , 1414. Braghetto GT, Sousa LA, Beretta D, Vendramini SH. Dificuldades e facilidades do enfermeiro da Saúde da Família no processo de trabalho. Cad Saude Colet. 2019;27(4):420-6. ) Além de baixa fixação de profissionais médicos, processos de trabalhos com interferências verticalizadas por parte da coordenação, e ausência de espaços sistematizados de educação permanente e de plano de carreiras e incentivos profissionais.( 1515. Oliveira C, Santos LC, Andrade J, Domingos TS, Spiri WC. A liderança na perspectiva de enfermeiros da Estratégia Saúde da Família. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190106. )

No contexto internacional observam-se as contribuições do comportamento empoderador do líder nos processos gerenciais, como por exemplo, a satisfação no trabalho,( 1616. Fallatah F, Laschinger HK, Read EA. The effects of authentic leadership, Organizational Identification and Occupational Coping Self-efficacy on new graduate nurses’ job turnover intentions in Canada. Nurs Outlook. 2017;65(2):172-83. ) o compromisso profissional,( 1717. Asiri SA, Rohrer WW, Al-Surimi K, Da’ar OO, Ahmed A. The association of leadership styles and empowerment with nurses’ organizational commitment in an acute health care setting: a cross-sectional study. BMC Nursing. 2016;15:38. ) a criatividade e o ambiente favorável.( 1818. Dahinten VS, Lee SE, MacPhee M. Disentangling the relationships between staff nurses’ workplace empowerment and job satisfaction. J Nurs Manag. 2016;24(8):1060-70. ) Sua aplicação tem sido explorada na formação de enfermeiros-líderes ao possibilitar autoavaliação sobre o desempenho do comportamento empoderador e os reflexos nas equipes.( 1919. MacPhee M, Dahinten VS, Hejazi S, Laschinger H, Kazanjian A, McCutcheon A, et al. Testing the effects of an empowerment-based leadership development programme: part 1 - leader outcomes. J Nurs Manag. 2014;22(1):4-15. )

Logo, tendo a APS como o principal nível de cuidado no SUS e que deve ser resolutiva para a maioria das necessidades de saúde da população, são primordiais estudos que envolvam o empoderamento do enfermeiro na prática gerencial, uma vez que este contribui para a satisfação profissional e a qualidade da assistência.( 66. Li H, Shi Y, Li Y, Xing Z, Wang S, Ying J, et al. Relationship between nurse psychological empowerment and job satisfaction: a systematic review and meta-analysis. J Adv Nurs. 2018;74(6):1264-77. Review. , 77. Fragkos KC, Makrykosta P, Frangos CC. Structural empowerment is a strong predictor of organizational commitment in nurses: a systematic review and meta-analysis. J Adv Nurs. 2020;76:939-62. , 2020. Moura LN, Camponogara S, Santos JL, Gasparino RC, Silva RM, Freitas EO. Structural empowerment of nurses in the hospital setting. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3373. )

Nota-se no território nacional uma lacuna de investigações que se debrucem sobre o comportamento empoderador do líder que se associa ao atual interesse da liderança nos processos gerenciais de enfermeiros que atuam no contexto da APS. De modo a guiar este estudo, propõe-se responder à pergunta de pesquisa: como os enfermeiros-gerentes de Unidades Básicas de Saúde compreendem o comportamento empoderador para o exercício da liderança?

Ao objetivar conhecer o comportamento empoderador do enfermeiro em sua prática gerencial no contexto da Atenção Primária à Saúde, espera-se que esse questionamento contribua para o conhecimento sobre o papel do comportamento empoderador do enfermeiro-líder no contexto gerencial dos serviços da APS, avançando na incorporação desse construto nos processos de formação inicial e continuada, bem como, na reflexão-crítica sobre a liderança na Enfermagem.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo( 2121. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 416 p. ) que tomou como objeto de investigação o comportamento empoderador na liderança desempenhada pelo enfermeiro gerente no contexto da APS. Fundamentou-se nos itens propostos pelo Consolidated criteria for reporting qualitative research ( 2222. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. ) para garantia do rigor metodológico.

O estudo ocorreu em um município de médio porte no interior paulista com aproximadamente 195 mil habitantes. No que se refere à APS, aproximadamente, 58% da população estava sob sua cobertura, contando com a distribuição de 17 Unidades Básicas de Saúde (UBS), sob gestão de uma Organização Social de Saúde, responsável pela contratação e supervisão de todos os profissionais envolvidos na APS.

Em cada UBS há um enfermeiro que atua como Responsável Técnico e gerente do serviço. Dessa forma, tendo como critério a amostragem intencional,( 2323. Minayo MC. Amostram e saturação em pesquisas qualitativas: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017;5(7):1-12. ) os 17 enfermeiros gerentes foram convidados a participar dessa pesquisa. Destes, dois recusaram-se em virtude de manifestarem falta de tempo. Assim, 15 enfermeiros se disponibilizaram e, conforme critério de saturação dos dados, sete foram incluídos no estudo.

Inicialmente, agendou-se um horário com cada participante separadamente em seu local de trabalho para explicações preliminares sobre a pesquisa, esclarecimento de dúvidas e obtenção da aceitação verbal do participante. Em seguida, uma data e um horário eram pactuados para realização da entrevista, segundo a conveniência dos participantes.

O período de coleta de dados estendeu-se entre março e maio de 2018, sendo conduzido por uma pesquisadora do sexo feminino, mestranda e graduada em Enfermagem que não tinha relação prévia estabelecida com os participantes. O procedimento de coleta iniciou-se com a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após, a pesquisadora realizava as primeiras perguntas do instrumento de coleta de dados que versavam sobre a caracterização demográfica (sexo, idade, cor autodeclarada, estado civil, número de filhos), ocupacional (local de trabalho, carga horária semanal, tempo de trabalho na instituição) e acadêmica (formação e nível acadêmico) dos participantes.

Ao término dessa primeira parte, conduziram-se as entrevistas em profundidade guiadas por questões abertas e norteadoras que se basearam nos domínios elucidados na escala Leader Empowering Behaviour e nos recursos utilizados pelo líder para que os liderados percebam o trabalho desenvolvido como significativo de forma que as metas estabelecidas sejam alcançadas.( 1212. Mutro ME, Spiri WC, Juliani CM, Bocchi SC, Bernardes A, Trettene AS. Adaptation and validation of the Brazilian Portuguese version of the Leader Empowering Behavior scale. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):20180757. )

Todas as entrevistas foram audiogravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra, tiveram duração média de 30 minutos e ocorreram em ambiente privativo na própria UBS onde o participante estava atuando. Para garantir o sigilo dos participantes, atribuiu-se um código alfanumérico composto pela letra “E” sucedida de um algarismo para apresentação de excertos oriundos das entrevistas.

Os dados oriundos das entrevistas foram processados segundo o referencial metodológico da análise de conteúdo proposto por Graneheim e Lundman que envolve a redução do texto em que se preserva o núcleo de sentido e a essência dos discursos, chamado de condensação. E conta com as seguintes etapas: Unidades de significado; Unidade de significado condensado; Interpretação da unidade de significado; Subtemas e Temas.( 2424. Graneheim UH, Lundman B. Qualitative content analysis in nursing research: concepts, procedures and measures to achieve trustworthiness. Nurse Educ Today. 2004;24(2):105-12. Review. ) Já o fenômeno estudado foi interpretado à luz do referencial teórico-conceitual do empoderamento.( 1010. Wong C, Laschinger HK. Authentic leadership, performance and job satisfaction: the mediating role of empowerment. J Adv Nurs. 2013;69(4):947-59. , 1313. Friend ML, Sieloff CL. Empowerment in nursing literature: an update and look to the future. Nursing science quarterly. 2018;31(4):355-61. Review. )

Em consideração aos preceitos éticos o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em 20/03/2018 sob o Parecer nº 2.558.970 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 82299318.9.0000.5411). Todos os participantes foram esclarecidos dos detalhes da pesquisa e consentiram na sua participação por meio da assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando a Resolução n.º 466 do Conselho Nacional de Saúde.( 2525. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466/2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 2012 [citado 2022 Jan 7]. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
)

Resultados

Os participantes da pesquisa foram sete enfermeiros gerentes, sendo seis do sexo feminino e um do sexo masculino, com idade entre 28 e 46 anos. Cinco participantes se autodeclararam brancos e dois pardos, quatro possuíam filhos, três eram casados, três solteiros e um divorciado. Em relação aos aspectos ocupacionais, a totalidade realizava jornada de 40 horas semanais em um único vínculo institucional. Três participantes afirmaram trabalhar na APS entre três e cinco anos, e quatro há dez anos. No que se refere à formação, nenhum participante referiu possuir pós-graduação na área da gestão. A análise do corpus qualitativo permitiu construir dois temas centrais relacionados ao comportamento empoderador do enfermeiro gerente no contexto da APS, conforme ilustrado na figura 1 que apresenta recorte e agrupamento realizado a partir da análise de conteúdo empregada.

Figura 1
Apresentação de temas e subtemas

O tema “ O enfermeiro como líder e seu desempenho no processo de trabalho” expressa as atitudes e as ações do enfermeiro no desempenho de sua liderança, bem como, sua influência para o trabalho em equipe, na perspectiva dos participantes esses elementos que repercutem significativa e positivamente sobre seu comportamento empoderador. A atuação como gerente do serviço conduz ao exercício da liderança de forma acessível e flexível, ponderando oportunidades em que possa ora tomar decisões coletivamente com a equipe, ora atuar de modo mais diretivo, para que as atividades nos serviços sejam executadas.

A gente tem que ser acessível, o líder tem que ser flexível, tem que ter empatia com o funcionário, tem que muitas vezes se colocar no lugar deles, tanto funcionário quanto usuário. E tem que ser democrático! A coisa não pode ser rígida e pondo regras e sendo só da sua maneira. (E3)

[...] tem processo de trabalho que não tem como estar mudando e adaptando. Então tem coisas que a gente coloca [impõe] e outras que a gente compartilha pra ver o que a gente consegue estar implantando. (E4)

Observa-se que o comportamento empoderador do líder foi identificado como facilitador para o alcance das metas e dos indicadores a serem atingidos pela equipe. Para tanto, as ações de coordenação do processo de trabalho precisam ser planejadas e implementadas de forma que permita aos profissionais da equipe compreender a articulação entre os objetivos do serviço aos da instituição. Desse modo, as tarefas podem ser compartilhadas coletivamente, estimulando a participação de todos os envolvidos na execução das atividades propostas. Ao coordenar esse processo, o líder tem a possibilidade de implicar e corresponsabilizar os colaboradores frente aos resultados alcançados.

As metas a gente trabalha sempre com protocolos, utilizando ferramentas para que ilustre aquelas metas numericamente, planilhas, listas para eles visualizarem as metas que eles têm, eu acho que fica melhor deles alcançarem tal objetivo. (E4)

A gente procura fazer uma devolutiva e trazer deles como é que a gente vai fazer, por exemplo, para atingir o indicador de crianças de zero a dois anos, então levo pra eles a problemática e eles vão dando as ideias e aí a gente vai colocando em prática desde que não saia fora do que é padronizado pela secretaria de saúde. (E6)

A compreensão sobre o propósito das atribuições executadas no trabalho engloba uma habilidade a ser desempenhada intencionalmente pelo enfermeiro líder. Essa atuação exige a descentralização com concomitante compartilhamento das ações do trabalho e, em especial, ter habilidade para lidar com os desafios iniciais que surgem na implementação dos processos de mudança. Com o tempo, os benefícios passam a ser observados e os envolvidos adquirem maior grau de autonomia e envolvimento para atuarem nos processos decisórios.

Dei pra cada um uma atribuição, porque era tudo vinculado ao enfermeiro. Se o enfermeiro não estava, ninguém fazia, então procurei dar uma atividade para cada um. No começo [...] eu tive um pouco de resistência, porque eles estavam acostumados a realmente centralizar tudo no enfermeiro, mas depois eles já começaram a gostar, [...] depois que eles começaram a ver que eles tinham o poder de gerenciar aquela atividade. (E1)

O comportamento empoderador para a liderança apresenta-se como uma estratégia para construção de resoluções e para o compartilhamento das responsabilidades. A comunicação inerente aos processos interacionais apresenta-se nesse contexto como primordial para o empoderamento do enfermeiro, pois, relaciona-se com a capacidade de um indivíduo mediar, tomar e influenciar as decisões debatidas na equipe e os possíveis conflitos que possam surjam entre seus membros.

Eles costumam trazer muito problema pra mim esperando de mim a solução. Eu gosto de trabalhar de uma maneira que eles trazem o problema, mas também eu faço eles tentarem trazer a solução. Não eu chegar com a solução pra eles, porque isso se torna mais fácil pra eles. (E2)

A resolução de conflitos aqui a gente tenta buscar primeiro na conversa, eu acho importante estar escutando sempre as duas partes, e num segundo momento colocar as partes para conversarem juntos. (E4)

Além do papel de mediador direto frente aos conflitos que surgem entre os membros das equipes no processo de trabalho, o espaço de reunião de equipe é lembrado como potencial para o planejamento e a organização do processo de trabalho, e empoderamento dos colaboradores para que se percebam como parte de um coletivo organizado.

[...] A gente tenta fazer uma democracia, a gente senta, eu coloco as metas que a gente tem que atingir e a gente senta junto em reuniões pra ver qual melhor maneira da gente atingir as metas, os indicadores. Então a gente conversa todo mundo junto pra achar a melhor solução pro problema [...] (E3)

Eu trago os indicadores e em reunião de equipe a gente discute como a gente vai fazer pra melhorar. (E6)

O comportamento empoderador da liderança apresenta-se como uma estratégia que possibilita ambientes de trabalho em equipe positivos, refletindo sobre a importância de os profissionais da equipe atuarem de forma colaborativa. Elucida-se que o enfermeiro desempenha uma liderança que é conduzida com foco nos objetivos de trabalho e da organização e no modo como as etapas do processo estão articuladas para a entrega por meio de um processo corresponsável, relacional e um propósito coletivo.

O segundo tema, “As barreiras relacionadas à organização do processo de trabalho”, abarca o modo como o enfermeiro líder gerencia os entraves existentes para a execução das atividades planejadas e como essas influenciam no seu comportamento empoderador. Alguns obstáculos são considerados como justificativa para o não alcance dos resultados idealizados, seja unicamente pelo enfermeiro ou por toda a equipe, dentre elas a articulação da sobrecarga de trabalho oriunda do dimensionamento de pessoal de Enfermagem aquém do necessário e preconizado.

Como eu tenho pouquíssimos funcionários, eu não consigo tirá-los do setor e dividir a equipe pra sentar e conversar. (E5)

Essa sobrecarga é geral nos enfermeiros. Sinto que aqui é uma das únicas unidades que o enfermeiro consegue fazer somente o que é de atribuição do enfermeiro. Isso é possível por causa do número reduzido de pacientes. É uma coisa muito difícil, porque quando o fluxo é muito grande você não consegue parar, porque se você para o atendimento o paciente também não consegue esperar 10 minutos. Os pacientes já reclamam... é complicado parar.” (E7)

Os obstáculos e os desafios repercutem na satisfação profissional e por consequência recaem sobre o comportamento empoderador dos enfermeiros. Com a escala de funcionários reduzida e a demanda por atendimentos é necessário elencar prioridades na execução de atividades diárias, a comunicação se torna mais difícil e os conflitos interpessoais se tornam mais frequentes.

Os momentos para reunião de equipe foram lembrados como potentes para o planejamento e a organização do processo de trabalho, e empoderamento dos colaboradores para que se percebam como parte de um coletivo organizado. Identificaram, contudo, dificuldades para realizar reuniões de equipe com todos os membros da equipe e com a manutenção do serviço aberto à população, tornando incipientes os espaços para os colaboradores expressarem suas opiniões em e no grupo.

Nós fazemos reunião separado por categoria ainda. A cada 15 dias a gente divide enfermeiros, auxiliares, recepção, agentes comunitários, auxiliar de serviços gerais, farmácia. A gente não consegue ainda um dia para parar o atendimento e reunir [...] a unidade inteira. (E2)

A gente fazia por setores. Sempre por partes, nunca uma reunião com todos. (E7)

Identificou-se aspectos atitudinais dos membros da equipe como desafios para a efetivação do comportamento empoderador. Fragilidades na proatividade e acomodação no cumprimento das atribuições profissionais foram alguns exemplos, às vezes, mantidos mesmo diante do encorajamento exercido pelos participantes, estimulando-os a tomarem iniciativa de expressarem suas opiniões relacionadas ao trabalho.

Falta iniciativa deles. As vezes pela correria, ou desmotivação ou até da própria personalidade da pessoa mesmo, que tipo assim: eu fico no meu canto, eu não tenho ideia, eu não trago iniciativa pro posto, só faço o que me pedem. (E2)

O que eu observo as vezes é que eles até opinam e trazem diferentes ideias que acaba contribuindo, em outros momentos a gente vê que por mais que a gente converse, a gente acha melhor manter as propostas do processo que vem [da gestão municipal]. (E4)

Fragilidades na coerência entre posicionamentos e comportamentos também foram observadas entre as atitudes dos liderados e repercutem negativamente na confiança entre os membros da equipe e na participação no processo decisório.

Eu vejo que hoje tem muita reclamação que eles querem se sentir mais instruídos, mais participativos em tomada de decisões, inclusive de reuniões, porém, na prática vejo pouca iniciativa da equipe como um todo. (E5)

Tem profissionais que a gente vê [...] não são tão dependentes da figura do gerente, do enfermeiro, ou do superior imediato. Agora outros não, eles já têm essa maior dependência. As vezes eles ficam buscando respaldo de alguém [...] acho que alguns não acreditam que podem dar boas ideias e assim mudar a rotina do serviço. (E4)

Outro fator entendido como uma justificativa para o distanciamento da tomada de decisão por parte de alguns membros das equipes reside na falta de conhecimento acerca dos princípios e diretrizes da APS.

A maior parte não sabe o que é estratégia de saúde da família, não sabe a importância, o porquê. Muitas pessoas veem isso só como um trabalho, mas não sabe o que são indicadores, qual é o intuito de se trabalha na estratégia de saúde da família, então tem alguns funcionários que compreendem, então é mais fácil o diálogo quando vem alguma exigência da secretaria, outros a gente já tem maior dificuldade porque não teve esse embasamento dessa importância da atenção básica. (E6)

Nesse contexto, o comportamento do enfermeiro pode facilitar o acesso da equipe às informações e às oportunidades de aprendizado e de crescimento, por meio de ações de educação permanente, com vistas a criar ambientes empoderadores para o trabalho.

O segundo tema explicita que o comportamento empoderador na liderança do enfermeiro gerente no contexto da APS articula-se em caráter dependente à dimensão organizacional do processo de trabalho e à formação dos trabalhadores da equipe, tais obstáculos repercutem negativamente sobre as relações interpessoais e sobre a satisfação no trabalho em saúde.

Discussão

Os resultados tornam visíveis as características que compõem, na perspectiva de enfermeiros que atuam na APS, o comportamento empoderador do líder. Tal análise evidencia uma complexa intencionalidade que se expressa em ações focadas no objetivo, articulando e explicitando suas etapas por meio do exercício corresponsável e relacional com os pares.

As perspectivas elaboradas e compartilhadas pelos participantes demonstram o quanto o modelo de liderança adotado pelo líder, suas percepções e atitudes reverberam na relação líder-liderado e no desenvolvimento de ambientes de maior empoderamento, melhorando a comunicação, capacitando o liderado a realizar seu trabalho em equipe e de forma colaborativa com todos os membros da equipe de saúde, favorecendo assim uma assistência ao paciente com qualidade.( 99. Dhaliwal KK, Hirst SP. Correctional nursing and transformational leadership. Nurs Forum. 2019;54:192–97. Review. )

No contexto de trabalho da APS discute-se que liderança envolve a organização do trabalho e de seus recursos,( 2626. Mattos JC, Balsanelli AP. A liderança do enfermeiro na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Foco. 2019;10(4):164-71. Review. ) entendido por meio do comportamento empoderador do líder, como parte do empoderamento estrutural no acesso a recursos e na habilidade de mobilizá-los ao encontro dos objetivos organizacionais.( 88. Doherty DP, Hunter SM. Developing nurse leaders: toward a theory of authentic leadership empowerment. Nurs Forum. 2020;55:416-24. )

Quatro elementos são comuns no quadro conceitual da liderança nas organizações: ter a característica de processo, implicar em influência, ser exercido no contexto de um grupo e efetivar objetivos que refletem uma visão comum.( 2727. Cummings GC, Tate K, Lee S, Wong CA, Paananen T, Micaroni SP, et al. Leadership styles and outcome patterns for the nursing workforce and work environment: a systematic review. Inter J Nurs. 2018;85:19-60. Review. ) O último está relacionado ao primeiro subtema, que expressa as percepções e as atitudes dos participantes em torno do comportamento empoderador. Em síntese, a compreensão foi observada no foco dos objetivos organizacionais e no planejamento das tarefas do trabalho da equipe.

O relacionamento interpessoal pode ser considerado a dimensão central para ambos empoderamento estrutural e liderança autêntica,( 2828. Valle RB, Balsanelli AP, Taminato M, Saconato H, Gasparino R. A relação entre a liderança autêntica dos enfermeiros e o empoderamento estrutural: revisão sistemática. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03667. Review. ) e segundo as compreensões dos participantes, o comportamento empoderador foi atrelado à dimensão relacional do trabalho, observada positivamente na vinculação aos pares. Essa mesma dimensão, contudo, trouxe elementos desafiadores para o comportamento empoderador: conflitos interpessoais, postura desimplicada e incoerência atitudinal. Importa ressaltar e entender que há diferentes intensidades de implicação entre os liderados ao longo do tempo, representa abrir um espaço para a flexibilidade na dimensão relacional.

Quando há menos contato e interação entre os indivíduos, mais difícil se torna o processo de comunicação e o relacionamento interpessoal e por isso o papel do enfermeiro-líder como mediador de conflitos torna-se imprescindível. Como pode ser exemplificado pela equipe de enfermagem em que a existência de muitas tarefas a serem cumpridas, bem como a falta recursos humanos e materiais suficientes para realizar uma assistência com mais qualidade, levam-na a conviver em um contexto desfavorável às interações e atos comunicativos.( 2929. Fischer AS, Jones J, Verran JA. Consensus achievement of leadership, organisational and individual factors tha influence safety climate: implications for nursing management. J Nurs Manag. 2017;26(1):50-8. Review. )

O dimensionamento pessoal guarda íntima relação e implica positiva ou negativamente sobre o processo de trabalho em equipe e assistência prestada.( 3030. Santos LC, Andrade J, Spiri WC. Dimensioning of nursing professionals: implications for the work process in the family health strategy. Esc. Anna Nery. 2019;23(3):e20180348. ) Importar ressaltar que, particularmente para a APS, as especificidades dessa ferramenta foram instituídas há poucos anos, situação que pode refletir em serviços que precisam rever seu dimensionamento, lidando com menos profissionais na equipe de Enfermagem do que o esperado para o desempenho do trabalho.( 3030. Santos LC, Andrade J, Spiri WC. Dimensioning of nursing professionals: implications for the work process in the family health strategy. Esc. Anna Nery. 2019;23(3):e20180348. , 3131. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN nº 543/2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem. Brasília (DF): COFEN; 2017 [citado 2022 Jan 7]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Resolu%C3%A7%C3%A3o-543-2017-ANEXO-II.pdf
http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploa...
)

Demonstrou-se que o comportamento empoderador na perspectiva da liderança no contexto da APS guarda relação interdependente com a organização do trabalho em saúde. As fragilidades que atravessaram o dispositivo de reunião de equipe, enquanto uma atribuição comum, possibilitam inferir um esgarçamento de um espaço propício para a integração e para a articulação entre os profissionais que atuam na equipe. Consequentemente, sobrevêm implicações negativas para o planejamento e organização do processo de trabalho,( 3232. Voltolini BC, Andrade SR, Piccoli T, Pedebôs LA, Andrade V. Reuniões da Estratégia Saúde da Família: um dispositivo indispensável para o planejamento local. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170477. ) fragilizando o estabelecimento do comportamento empoderador.

Na esteira do empoderamento estrutural, o desenvolvimento da autoconsciência nos liderados antecede a autorregulação dos comportamentos e, de determinada forma, guarda relação de dependência com acesso a oportunidades, tais como desenvolvimento de competências e habilidades avançadas no trabalho e acesso a um sistema de reconhecimento e recompensa.( 88. Doherty DP, Hunter SM. Developing nurse leaders: toward a theory of authentic leadership empowerment. Nurs Forum. 2020;55:416-24. ) Qualquer forma de impedimento no acesso à oportunidade explica, segundo o referido modelo, uma fragilidade no desenvolvimento da autorregulação de comportamentos que, em última instância, culmina nos elementos que foram compreendidos como desafios para o comportamento empoderador .( 2828. Valle RB, Balsanelli AP, Taminato M, Saconato H, Gasparino R. A relação entre a liderança autêntica dos enfermeiros e o empoderamento estrutural: revisão sistemática. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03667. Review. )

Destarte fomentar a participação na tomada de decisões exige um esforço dos líderes no que tange a solicitação de contribuição dos funcionários no processo de tomada de decisão. Essa participação facilita a realização dos objetivos e proporciona autonomia e liberdade, das restrições burocráticas, permitindo a melhor utilização dos talentos e recursos empregados para obter melhores resultados de desempenho de trabalho possíveis.( 3333. Carvalho AG, Cunha IC, Balsanelli AP, Bernardes A. Authentic leadership and the personal and professional profile of nurses. Acta Paul Enferm. 2016;29(6):618-25. )

A efetivação do comportamento empoderador do líder encontrou como fronteira as múltiplas ações desempenhadas por esse no contexto da APS. A multiplicidade de atividades que esse profissional executa, envolvendo desde a coordenação das ações da equipe de enfermagem à escala de serviço e de tarefas, dimensionamento de pessoal, organização e implementação da assistência, realização do trabalho intelectual, constituem-se como fragilidades para o empoderamento do enfermeiro frente a sua equipe.( 3434. Rodrigues FC, Lima MA. A multiplicidade de atividades realizadas pelo enfermeiro em unidades de internação. Rev Gaúcha Enferm. 2004;25(3):314-22. )E também pelo fato da liderança permear as ações do enfermeiro em virtude da sua ocupação cada vez mais frequente em cargos de destaque nos serviços de saúde relacionados a gestão de pessoas e ao gerenciamento do cuidado.( 3535. Belrhiti Z, Giralt NA, Marchal B. Complex leadership in healthcare: a scoping review. Int J Health Policy Manag. 2018;7(12):1073-84. Review. , 3636. Nieuwboer MS, Sande RV, Marck MA, Rikkert MG, Perry M. Clinical leadership and integrated primary care: a systematic literature review. Eur J Gen Pract. 2019;25(1):7-18. )

Tal desafio reside também em unir esforços que permitam formar e capacitar profissionais com pensamento crítico-reflexivo, capazes de promoverem mudanças sociais e que atendam as reais necessidades de saúde da população.

Intervenções educativas implementadas por meio de metodologias ativas de ensino desde a graduação são eficazes para desenvolver práticas de lideranças e o comportamento empoderador do enfermeiro-líder.( 3737. Cummings GG, Lee S, Tate K, Penconek T, Micaroni SP, Paananen T, et al. The essentials of nursing leadership: a systematic review of factors and educational interventions influencing nursing leadership. Int J Nurs Stud. 2021;115:103842. Review. ) A informação como um elemento do empoderamento estrutural, torna também o processo de educação permanente um recurso potente e primordial nas instituições de saúde por oportunizar o preparo do enfermeiro para que esse aposte em mudanças em seu ambiente de trabalho, com vistas a melhorias na qualidade da assistência e na colaboração entre os membros das equipes, conciliando os objetivos organizacionais com as necessidades da equipe de enfermagem e dos pacientes.( 3535. Belrhiti Z, Giralt NA, Marchal B. Complex leadership in healthcare: a scoping review. Int J Health Policy Manag. 2018;7(12):1073-84. Review. , 3636. Nieuwboer MS, Sande RV, Marck MA, Rikkert MG, Perry M. Clinical leadership and integrated primary care: a systematic literature review. Eur J Gen Pract. 2019;25(1):7-18. )

São limitações do estudo a saturação teórica encerrada no sétimo participante e o local de pesquisa, contudo os resultados dessa investigação contribuem para a compreensão em profundidade do exercício gerencial em suas dimensões de liderança e de comportamento empoderador. Implica para a coordenação e a organização da APS a considerar o diálogo e a negociação junto aos enfermeiros gerentes de seus serviços para o alcance da assistência de qualidade e segura. O modelo exploratório do estudo, seus temas e subtemas contribuem para o estabelecimento de modelos teóricos para avançar na produção do conhecimento na temática da liderança e comportamento empoderador na Enfermagem.

Conclusão

Analisar qualitativamente o comportamento empoderador na perspectiva da liderança de enfermeiros gerentes no contexto da APS permitiu compreender os pontos fortes, como por exemplo as percepções e atitudes no desempenho da liderança, as contribuições para o trabalho em equipe e a mediação dos conflitos; que são resultados obtidos a partir do processo de formação que avança no desenvolvimento do perfil de liderança para serviços do SUS, bem como, conquistas galgadas pela Enfermagem no que se refere ao seu trabalho na APS.

Trouxe à tona desafios centrais voltados ao empoderamento do enfermeiro, dificuldades no dimensionamento de pessoal, no dispositivo de reunião de equipe e na participação compartilhada das tomadas de decisão, cuja importância embora seja discutida nas produções científicas e no mundo do trabalho, exige ainda a procura por formas de instituir a constância desses meios de trabalho, dada a condição fundamental no processo de trabalho e, consequentemente, na liderança na APS. Esse contexto convoca trabalhadores, gestores e estudiosos para refletir acerca dos espaços de negociação e pactuação que escute as necessidades de enfermeiros gerentes de Unidades Básicas de Saúde voltadas aos seus comportamentos empoderadores para o exercício da liderança. Recomenda-se que novos estudos envolvendo a temática possam ser desenvolvidos em outros cenários e contextos a partir de diferentes instrumentos de coletas de dados. Sugere-se também a aplicação da Escala Leader Empowering Behaviour validada para o português com vistas a avaliar o comportamento do enfermeiro líder no Brasil.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli ( https://orcid.org/0000-0003-3757-1061 ) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2022
  • Aceito
    20 Jun 2022
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