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Qualidade de vida e desempenho de atividades cotidianas após tratamento das neoplasias mamárias

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a capacidade funcional, a qualidade de vida e a correlação entre essas variáveis, de mulheres com câncer mamário, que terminaram o tratamento oncológico há, no máximo, um ano. MÉTODO: Estudo descritivo, exploratório, transversal e quantitativo por meio da aplicação de questionários: formulário com dados pessoais; Índice de Katz e Índice de Lawton para Capacidade Funcional; EORTC QLQ-C30 e EORCT QLQ-BR23 para Qualidade de Vida. RESULTADOS: Quanto à funcionalidade, este tratamento prejudicou a realização das Atividades Instrumentais de Vida Diária, o que compromete as atividades cotidianas destas mulheres. Houve, também, comprometimento nas funções físicas e psicossociais, nas atividades de lazer e de participação social, sendo que estas se correlacionaram com a piora da Qualidade de Vida. CONCLUSÃO: Evidenciou-se que as mulheres com câncer de mama vivenciam alteração na capacidade funcional, o que prejudica a realização de suas atividades cotidianas e sua participação social, levando a um comprometimento na qualidade de vida.

Enfermagem oncológica; Atividades cotidianas; Qualidade de vida; Pesquisa em enfermagem; Avaliação em Enfermagem


OBJECTIVE: Assess the Functional Capacity, Quality of Life and the correlation between these variables in women with breast cancer, who finished cancer treatment, there is at most one year. METHODS: A descriptive, exploratory, transversal and quantitative research the use of questionnaires: form with personal data; Katz Index and Index Lawton Functional Capacity; EORTC QLQ-C30 and QLQ-BR23 EORCT for Quality of Life. RESULTS: As for functionality, this treatment impaired the performance of the Instrumental Activities of Daily Living, which compromises everyday activities of these women. There was also involvement in physical and psychosocial functions, leisure activities and social participation, and these correlated with worsening of quality of life. CONCLUSION: It was found that women with breast cancer experience changes in functional capacity, which hinders the performance of their daily activities and social participation, leading to an impairment in quality of life.

Oncologic nursing; Activities of daily living; Quality of life; Nursing research; Nursing assessment


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida e desempenho de atividades cotidianas após tratamento das neoplasias mamárias

Leticia Meda Vendrusculo Fangel; Marislei Sanches Panobianco; Leonardo Martins Kebbe; Ana Maria de Almeida; Thais de Oliveira Gozzo

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leticia Meda Vendrusculo-Fangel Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, CEP: 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil leticiamvto@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a capacidade funcional, a qualidade de vida e a correlação entre essas variáveis, de mulheres com câncer mamário, que terminaram o tratamento oncológico há, no máximo, um ano.

MÉTODO: Estudo descritivo, exploratório, transversal e quantitativo por meio da aplicação de questionários: formulário com dados pessoais; Índice de Katz e Índice de Lawton para Capacidade Funcional; EORTC QLQ-C30 e EORCT QLQ-BR23 para Qualidade de Vida.

RESULTADOS: Quanto à funcionalidade, este tratamento prejudicou a realização das Atividades Instrumentais de Vida Diária, o que compromete as atividades cotidianas destas mulheres. Houve, também, comprometimento nas funções físicas e psicossociais, nas atividades de lazer e de participação social, sendo que estas se correlacionaram com a piora da Qualidade de Vida.

CONCLUSÃO: Evidenciou-se que as mulheres com câncer de mama vivenciam alteração na capacidade funcional, o que prejudica a realização de suas atividades cotidianas e sua participação social, levando a um comprometimento na qualidade de vida.

Descritores: Enfermagem oncológica; Atividades cotidianas; Qualidade de vida; Pesquisa em enfermagem; Avaliação em Enfermagem

Introdução

Mulheres com câncer mamário podem desenvolver um senso de incapacidade, ao deixarem de realizar algumas de suas atividades cotidianas, como serviços domésticos, e cuidados, tanto os pessoais quanto os voltados aos familiares. Entre os eventos adversos do tratamento oncológico pode-se observar, portanto, um desempenho ocupacional deficitário, que se caracteriza pelo abandono de certas atividades ou sua execução de maneira precária.(1,2)

Como Desempenho Ocupacional designam-se as atividades cotidianas dos indivíduos dispostas em oito áreas ocupacionais: Atividades Básicas de Vida Diária; Atividades Instrumentais de Vida Diária; Sono e Descanso; Educação; Trabalho; Brincar; Lazer e Participação Social. Essas atividades estão relacionadas às necessidades humanas de autocuidado, entretenimento e participação social, e, por serem realizadas de acordo com valores culturais, fornecem estrutura e significado à vida das pessoas.(3)

Um dos integrantes do desempenho ocupacional é a capacidade funcional, na qual está inserida a avaliação funcional, que, por sua vez, busca verificar em que nível as doenças ou agravos impedem o desempenho das atividades cotidianas de forma autônoma e independente, ou seja, realizadas sem a necessidade de adaptações ou de auxílio de outras pessoas. É, portanto, a avaliação funcional que vai permitir o desenvolvimento de um planejamento assistencial mais adequado.(4-6)

A capacidade funcional está associada à habilidade de um indivíduo em realizar suas atividades básicas de vida diária e instrumentais de vida diária de maneira independente de outras pessoas, sendo caracterizada pela eficiência na execução das tarefas da vida cotidiana, e é dependente da preservação de habilidades motoras e cognitivas, estando diretamente ligada à qualidade de vida.(5)

Sabe-se que os tratamentos para o câncer de mama, sejam a quimioterapia, radioterapia ou a cirurgia, podem levar a eventos adversos, que nem sempre são passíveis de controle. Além de que, quando não são manejados adequadamente, podem comprometer o desempenho ocupacional e acarretar piora na Qualidade de Vida.(1,7)

As alterações das funções físicas e emocionais e, sobretudo, da Capacidade Funcional também prejudicam a Qualidade de Vida de mulheres tratadas por câncer das mamas. A capacidade funcional caracteriza-se pela eficiência na execução das tarefas cotidianas e depende da preservação de habilidades motoras e cognitivas, estando diretamente ligada à Qualidade de Vida.(7,8)

Historicamente, a sobrevida livre de doença e a sobrevida global foram os principais parâmetros empregados na avaliação dos resultados do tratamento oncológico. Porém, tornou-se evidente que eles são insuficientes. Na comparação entre diferentes opções terapêuticas, a qualidade de vida é um importante parâmetro a ser considerado, auxiliando médicos e pacientes a decidir com relação à terapia mais adequada. Nesse sentido, o Food and Drug Administration dos Estados Unidos recomendou a inclusão da avaliação da qualidade de vida nos ensaios clínicos para a aprovação de novos fármacos antineoplásicos, devido ao comprometimento das funções físicas, emocionais e sociais, principalmente em vigência do tratamento e logo após o mesmo.(9,10)

Com relação às mulheres com câncer de mama e aos aspectos biopsicossociais problemáticos que lhes são impostos, a Qualidade de Vida vem se revestindo de grande importância, sobretudo no momento de planejamento do tratamento e da reabilitação da paciente. A avaliação da Qualidade de Vida em pacientes oncológicos deve considerar aspectos que envolvam a melhora, a estabilização ou a piora da doença, com base no tratamento, incluindo o bem-estar físico, psicológico e social.(10-13)

O pressuposto deste estudo é que o impacto gerado pelo diagnóstico e as implicações dos tratamentos podem alterar a Capacidade Funcional, comprometendo o Desempenho Ocupacional ao dificultar a realização das atividades cotidianas e provocando importantes alterações na Qualidade de Vida. Sendo assim, teve como objetivo avaliar a Qualidade de Vida e a Capacidade Funcional de mulheres com câncer de mama, até um ano após o tratamento quimioterápico e/ou radioterápico e a correlação entre estas variáveis.

Métodos

Estudo exploratório, transversal e quantitativo, realizado em um núcleo especializado na reabilitação física e psicossocial para mulheres com câncer de mama. Este núcleo, organizado de forma interdisciplinar, é composto por uma equipe com enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e nutricionista.

Para a seleção das participantes, os critérios de inclusão foram: participar do núcleo de reabilitação para mulheres mastectomizadas; ter terminado o tratamento quimioterápico e/ou radioterápico há até um ano; não apresentar metástase ou doença ativa.

Para o cálculo da amostra deste estudo investigou-se a existência de publicações de dados clínicos sobre as variáveis utilizadas. Dessa forma, tomou-se como base o estudo realizado por Osoba et al., que acompanharam pacientes oncológicos, a partir do início do tratamento quimioterápico, com o questionário EORTC QLQ-C30. Neste estudo há a comparação entre o questionário considerado padrão-ouro - SF-36, e o EORTC QLQ-C30, entre dois grupos de pacientes oncológicos. Assim, observa-se que uma variação inferior a dez pontos entre os escores obtidos no EORTC QLQ-C30 não representava piora ou melhora clinicamente significativa. O contrário acontecia quando se obtinha uma variação maior que dez, representando uma diferença clinicamente significativa. E, ainda, uma diferença entre dez e 20 pontos é considerada moderada, e a diferença maior que 20 pontos que representa uma alta alteração clínica entre a primeira e a segunda avaliação.(14)

Dessa forma, utilizou-se o valor de dez como o coeficiente de variação, como definido pela literatura, o, de 5% como coeficiente de confiabilidade, e poder estatístico de 95%, e obteve-se como valor da amostra o número de 42 mulheres.

No período de coleta de dados, de janeiro a julho de 2010, 123 mulheres iniciaram o tratamento no serviço. Após o cálculo amostral, 42 delas foram convidadas e aceitaram participar do presente estudo.

Para a coleta dos dados, foram aplicados alguns instrumentos, sendo um formulário com dados pessoais, tais como idade, escolaridade, estado civil, atividades de lazer, ocupação, moradia e tratamentos realizados. Para a avaliação da Capacidade Funcional, foram aplicados o Índice de Katz para Atividades Básicas de Vida Diária e o Índice de Lawton para avaliação das Atividades Instrumentais de Vida Diária.

Na aplicação do Índice de Katz, em cada questão, o escore variou de zero a um. O valor total foi obtido por meio da soma dos escores de todos os itens. O cálculo foi realizado, conforme a orientação do questionário e, ao final, obteve-se o valor total que caracterizou as participantes nas categorias: Dependente ou Independente. No Índice de Lawton, o escore para cada questão variou de um a três. Após a soma dos escores obtidos, as participantes foram categorizadas como: Dependentes (nove a 13 pontos), Semidependentes (14 a 22 pontos) e Independentes (acima de 22 pontos).

A avaliação da Qualidade de Vida foi realizada com a aplicação do questionário EORTC-QLQ-30 (European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnarie) e do módulo específico para mulheres com câncer de mama - EORTC-BR 23, traduzidos e validados para o português. (11,13)

O instrumento QLQ C-30 (versão 3.0), traduzido para o português, é um questionário que contém 30 itens, englobados em 16 domínios que formam quatro escalas: Escala de Estado de Saúde Global e Qualidade de Vida (um domínio; dois itens); Escala Funcional (cinco domínios; 15 itens); Escala de Sintomas (nove domínios; 12 itens), e Escala de Dificuldades Financeiras (um domínio; um item).

O modelo de Qualidade de vida da European Organisation for Research and Treatment of Cancer é multidimensional, e o questionário autoadministrável, este inclui sintomas específicos do câncer, efeitos colaterais do tratamento, sofrimento psicológico, funcionamento físico, interação social, imagem corporal, sexualidade, saúde global e satisfação com o cuidado médico. Atualmente, essas características conferem-lhe a indicação de melhor medida de Qualidade de Vida desenvolvida para pacientes com câncer.(11,13)

O questionário QLQ-C30 apresenta módulos que são definidos como grupos de itens que não são abordados ou não são explorados suficientemente no questionário central e são relevantes para a avaliação da Qualidade de Vida de um grupo específico.(11)

O módulo QLQ-BR23 foi criado especificamente para mulheres com câncer de mama. Este módulo contém 23 questões divididas em dois grupos: Escala Funcional e a Escala de Sintomas.(13)

A coleta de dados foi realizada no próprio núcleo especializado, durante o período das atividades, em horário pré-estabelecido junto à participante. Os questionários foram respondidos pelas próprias participantes, após leitura em voz alta feita pela pesquisadora.

Para a análise, todos os dados foram inicialmente agrupados e ordenados em uma planilha do Excel® 2007 do Microsoft® Office Enterprise 2007. Os dados sociodemográficos foram avaliados por meio de uma análise descritiva das variáveis do formulário, para caracterização da amostra.

Para atender aos objetivos propostos, foi feita a análise estatística descritiva dos dados sociodemográficos, clínicos e terapêuticos e do QLQ-C30, através do cálculo da média, desvio-padrão e cálculo do Coeficiente de Correlação de Pearson entre o Índice de Lawton e os instrumentos de Qualidade de Vida.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Será apresentada a caracterização sociodemográfica e dados referentes ao trabalho, atividade de lazer e ao tratamento oncológico nas tabelas abaixo (Tabelas 1 e 2).

As 32 (76%) mulheres que mantiveram as atividades de lazer, identificaram-nas como: passeios, caminhadas, visitas a familiares, utilização da internet e, ainda, bordar, ler e cozinhar. Referiram que seus principais acompanhantes nessas atividades foram os filhos (90%), marido (70%), outros familiares (20%) e amigos (20%).

Em relação ao tempo de cirurgia, encontrou-se média de 6±2, 8 meses, sendo o maior tempo de 11 meses e o menor de dois meses. Vale ressaltar que todas as participantes já haviam terminado o tratamento, como a quimioterapia e radioterapia, sendo possível a mesma mulher ser submetida a mais de um tratamento.

A avaliação da capacidade funcional foi dividida em atividades básicas de vida diária e atividades instrumentais de vida diária, conforme os instrumentos. Nas atividades básicas de vida diária, todas as participantes obtiveram a pontuação máxima (seis), demonstrando independência na realização de tais atividades e, assim, foram classificadas como Independentes.

No Índice de Lawton, obteve-se uma média de 21,8±3,1, que classificou as mulheres como Semidependentes. Quando analisadas individualmente, 56% delas foram classificadas como Semidependentes, ou seja, necessitam de auxílio em algum momento da realização da atividade.

As participantes apresentaram comprometimentos nos domínios de Função Física e Função Social, com médias de 60,5 e 64,5, respectivamente. Destaca-se o domínio de Função Emocional, em que houve alteração mais acentuada, com média de 48,4. Nos demais domínios, as alterações foram leves (Tabela 3).

Os dados da próxima tabela mostram que os comprometimentos foram leves, mas observou-se que, em todos os domínios, os desvios-padrão foram altos, indicando grande variabilidade nas pontuações obtidas, entre os valores dos escores máximos e mínimos. Algumas mulheres referiram ausência desses sintomas, e outras relataram sua presença e com forte intensidade.

Na análise de correlação entre a capacidade funcional e a qualidade de vida, observa-se, nos domínios Função Física e Função Emocional, do EORTC-QLQ-C30, uma correlação moderada e positiva com a capacidade funcional, o que indica que quanto maior o comprometimento nesses domínios, maior será a dificuldade em realizar as atividades instrumentais de vida diária. Além desses, encontrou-se correlação moderada, mas, inversa entre os sintomas Dispneia e Insônia.

Na correlação entre o Índice de Lawton e o EORTC QLQ BR23, encontrou-se maior correlação do que o EORCT QLQ C30 (Tabela 5). Nos domínios Perspectiva Futura, Sintomas da Mama e Queda de Cabelo, ocorreu uma correlação moderada e positiva, ou seja, quanto maior o comprometimento nessas categorias maior será a dificuldade encontrada na capacidade funcional. Houve também uma correlação moderada, mas, inversa da funcionalidade com a Satisfação Sexual, indicando que as mulheres que referiram menor satisfação sexual apresentaram maior comprometimento na capacidade funcional. Nos demais domínios, essa correlação foi fraca.

Não foi feita a análise de correlação da capacidade funcional em relação às questões abordadas no Índice de Katz, pois as participantes não apresentaram comprometimento nesses itens.

Para avaliar a consistência interna desses instrumentos, calculou-se o alfa de Cronbach para cada um dos instrumentos. Para o EORTC QLQ-C30, obteve-se um resultado de 0,73. No EORTC QLQ-Br23, encontrou-se um α de 0,82. Para as escalas de capacidade funcional, os valores referentes ao Índice de Katz e ao Índice de Lawton foram, respectivamente, 1,0 e 0,97.

Discussão

Os resultados mostraram que mulheres com câncer de mama apresentam limitações na realização de atividades cotidianas, que se referem à organização de sua vida, tais como administração domiciliar e administração dos seus cuidados, entre outros. As atividades básicas de vida diária são atividades referentes ao autocuidado, como vestir-se, alimentar-se, realizar a higiene pessoal, entre outros; e as atividades instrumentais são aquelas que necessitam de maior esforço físico, pois apoiam a vida cotidiana dentro de casa e na comunidade e, frequentemente, requerem maior elaboração emocional, cognitiva e função física. Nos resultados deste estudo encontrou-se uma grande variabilidade em relação à qualidade de vida das pacientes, sendo que no geral, elas não apresentaram alterações na qualidade de vida global, somente em alguns aspectos da mesma.

Isso pode estar relacionado ao fato de todas serem integrantes de um núcleo de reabilitação, que facilita e orienta seus cuidados e proporciona-lhes espaço para troca de experiências e possibilidade de recuperação biopsicossocial. Este pode ser um fator limitante do estudo e, além disso, o tempo pode ter interferido nesses resultados, pois se sabe que o tratamento possui eventos adversos tardios e imediatos, sendo estes últimos os mais expressivos.(15,16)

Nesse sentido, estudos afirmam que o tratamento para o câncer de mama acarreta à mulher várias mudanças relativas à sua autonomia e independência, gerando dificuldades psicossociais.(1,17-20) Corroborando outros autores,(21,22) as mulheres referiram que a dependência e a perda da identidade geram angústias e medos, que prejudicam a função emocional e sua qualidade de vida, sendo esse aspecto intensificado entre as que vivenciam o tratamento oncológico.

O câncer de mama tem importante influência nos aspectos emocionais da mulher, pois gera mudanças relativas à sua autonomia e independência.(20) Há também a proximidade, real ou idealizada, com a morte e a incapacidade, que leva ao medo, angústias, vergonha e sentimento de discriminação, gerando prejuízos nos aspectos emocionais.(22)

Pelo menos, um terço dos pacientes que recebe tratamento oncológico irá apresentar algum tipo de angústia(21) que irá refletir de modo negativo em sua QV.(22)

Observa-se, neste estudo, um comprometimento nos aspectos psicossociais das participantes. Apesar da manutenção das atividades de lazer, estas foram, quase sempre, realizadas com familiares ou isoladamente, em ambiente domiciliar, ou seja, atividades que não necessitaram de interação social com pessoas estranhas. Esses dados corroboram estudos que apontam alterações provocadas pelo câncer e que o tratamento predispõe as mulheres ao isolamento social e, portanto, as acometidas por esta doença merecem mais atenção da equipe que as assiste em relação ao estímulo às atividades de lazer e à participação social.(16,17)

Após o tratamento oncológico, as mulheres com câncer mamário iniciam um período de reconstrução da vida cotidiana; nesse período, as atividades menos complexas são as primeiras a serem retomadas.(22) O fato foi observado neste estudo, pois as participantes já conseguiam realizar de modo independente as atividades básicas de vida diária, sendo estas atividades mais simples, que necessitam de menor dispêndio físico e menor planejamento cognitivo.

No entanto, esse tempo ainda não foi suficiente para se tornarem independentes para as atividades instrumentais de vida diária, que necessitam de um maior esforço físico e cognitivo, pois se referem às atividades mais complexas. Estas, portanto, apoiam a vida diária dentro de casa e na comunidade e têm uma complexidade maior que o autocuidado, que compõe as atividades básicas de vida diária. Alguns estudos apontam que um comprometimento nas atividades instrumentais pode gerar uma redução na participação sócio-ocupacional destas mulheres, no que se refere ao envolvimento em uma situação de vida por meio da ocupação.(16,18,22)

Outros estudos apontam que as atividades rotineiras e de lazer podem ser comprometidas pela diminuição da amplitude de movimento no braço homolateral à cirurgia, edema na área da cirurgia, linfedema, dificuldade de cicatrização, piorando a mobilidade do braço.(19,20)

Apontam, ainda, que esses eventos diminuem a amplitude do movimento do braço homolateral à cirurgia da mama, comprometendo a Capacidade Funcional e a Qualidade de Vida das acometidas.(17-20) Os resultados do presente estudo corroboram essas afirmações, pois muitas das atividades interrompidas integravam o papel sócio-ocupacional desempenhado pelas mulheres nos diferentes contextos de que faziam parte, como sua casa, o trabalho, a igreja, entre outros.

Já em relação à Escala de Sintomas do EORTC-QLQ-C30, não houve comprometimentos mais sérios. Isto pode estar relacionado ao tipo de tratamento, tipo de cirurgia, entre outros fatores que, por sua vez, podem gerar maior ou menor limitação física e, consequentemente, dor.(22) Mas, vale ressaltar que, embora haja poucas referências a alguns sintomas, deve-se atentar a eles quando se pensa em reabilitar mulheres com câncer de mama, pois mesmo que estes não se apresentem tão acentuados, podem influenciar negativamente na qualidade de vida das acometidas pela doença.

Por estar em um período próximo do término do tratamento, a Perspectiva Futura é considerada um limitante na qualidade de vida. Algumas pesquisas mostram que a preocupação com o futuro, próximo ou distante, acontece pelo medo da recidiva, sobretudo quando se aproxima a época da realização dos exames periódicos de acompanhamento.(22) Além disso, há a preocupação com a possibilidade de complicações do tratamento, como as deiscências, infecções, entre outras.(18,19)

Os resultados deste estudo vêm contribuir para o manejo das dificuldades enfrentadas pelas mulheres com neoplasia mamária, em uma vertente do cuidado integral, possibilitando aos profissionais de saúde, inclusive aos de enfermagem, um olhar sobre o impacto causado pelo adoecimento e tratamento oncológico sobre a vida cotidiana destas mulheres, que deixam de desempenhar seus papéis sociais e passam por momento de dependência física e emocional, o que se correlaciona com a piora de sua qualidade de vida. O presente estudo mostrou que a diminuição dos eventos adversos dos tratamentos do câncer de mama leva à possibilidade de uma reconstrução positiva e efetiva da vida ocupacional das mulheres que passam por esses tratamentos.

É relevante o fato das integrantes participarem de um núcleo de reabilitação e receberem orientações para continuar realizando as atividades básicas de vida diária, mesmo no período pós-operatório, além serem estimuladas à manutenção do autocuidado. Os resultados deste estudo sugerem, ainda, que, em comparação com dados da literatura pertinente, a adesão a um serviço de reabilitação integral, composto por uma equipe multiprofissional, fez com que as participantes apresentassem menos queixas relativas aos sintomas da doença e menos dificuldades, após o tratamento oncológico.

Além disso, após o término do tratamento oncológico, as mulheres puderam iniciar o processo de reconstrução de suas vidas cotidianas e, com isso, tornarem-se mais independentes, o que melhorou a sua qualidade de vida.

Conclusão

A neoplasia mamária maligna prejudicou a realização das atividades cotidianas e o desempenho ocupacional das participantes do estudo nas atividades instrumentais de vida diária, como: limpar a casa, cozinhar e preparar alimentos, utilizar instrumentos domésticos. administrar medicamentos , cuidar do outro, controlar seu próprio dinheiro, fazer compras e usar o transporte particular ou público; dificultou a realização das atividades de lazer.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Colaborações

Fangel LMV; Panobianco MS, Kebbe LM e Almeida AM participaram da concepção, projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e da aprovação final da versão a ser publicada. Gozzo TO participou da redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e da aprovação final da versão a ser publicada.

Submetido: 01 de Julho de 2012

Aceito: 21 de Fevereiro de 2013

Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

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  • Endereço para correspondência:
    Leticia Meda Vendrusculo-Fangel
    Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre,
    CEP: 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2012
    • Aceito
      21 Fev 2013
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