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Aproximações teóricas acerca da Vigilância à Saúde: um horizonte para a integralidade

Aproximaciones teóricas acerca de la Vigilancia en Salud: un horizonte para la integralidad

Resumos

Investigou-se a proposição e o desenvolvimento da vigilância à saúde seja como instrumento ou modelo de atenção à saúde, nas bases de dados LILACS e MEDLINE, sob os descritores vigilância da população e cuidados primários de saúde. Identificaram-se diferentes propostas e terminologias para a vigilância à saúde que se assemelham pelo uso da epidemiologia e da noção de território. Destaca-se o uso de instrumentos como indicadores de necessidades de saúde, geoprocessamento e análise de redes de vigilância em saúde. Conclui-se que a vigilância à saúde se constitui num potencial campo para promover a saúde, o controle social da informação e avaliação das políticas e ações de saúde.

Vigilância da população; Vigilância em saúde pública; Vigilância epidemiológica; Atenção primária à saúde


Se investigó la proposición y el desarrollo de la vigilancia a la salud sea como instrumento o como modelo de atención a la salud, en las bases de datos LILACS y MEDLINE, bajo los descriptores vigilancia de la población y cuidados primarios de salud. Se identificaron diferentes propuestas y terminologías para la vigilancia a la salud que se asemejan por el uso de la epidemiología y de la noción de territorio. Se destaca el uso de instrumentos como indicadores de necesidades de salud, geo-procesamiento y análisis de redes de vigilancia en salud. Se concluye que la vigilancia a la salud se constituye en un campo potencial para promover la salud, el control social de la información y evaluación de las políticas y acciones de salud.

Vigilancia de la población; Vigilancia en salud pública; Vigilancia epidemiológica; Atención primaria de salud


This study was an investigation of the proposition and development of health surveillance as an instrument or model of health. A literature search was conducted in LILACS and MEDLINE databases using the key words population's surveillance and primary health care. The literature indicated the existence of different propositions and terminologies for health surveillance which are used in epidemiology and territorial surveillance. There was emphasis on the use of health indicators, geoprocessing, and analysis of network of health surveillance agencies. Health surveillance can be used to promote health, social control of information, and to evaluate health policies and its implementation.

Population surveillance; Public health surveillance; Epidemiologic surveillance; Primary health care


ARTIGO DE REVISÃO

Aproximações teóricas acerca da Vigilância à Saúde: um horizonte para a integralidade

Aproximaciones teóricas acerca de la Vigilancia en Salud: un horizonte para la integralidad

Liliam Saldanha FariaI; Maria Rita BertolozziII

IMestre em Enfermagem em Saúde Coletiva pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IILivre-Docente do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Liliam Saldanha Faria Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César São Paulo (SP), Brasil - Cep: 05403-000 E-mail: liliamsf@usp.br

RESUMO

Investigou-se a proposição e o desenvolvimento da vigilância à saúde seja como instrumento ou modelo de atenção à saúde, nas bases de dados LILACS e MEDLINE, sob os descritores vigilância da população e cuidados primários de saúde. Identificaram-se diferentes propostas e terminologias para a vigilância à saúde que se assemelham pelo uso da epidemiologia e da noção de território. Destaca-se o uso de instrumentos como indicadores de necessidades de saúde, geoprocessamento e análise de redes de vigilância em saúde. Conclui-se que a vigilância à saúde se constitui num potencial campo para promover a saúde, o controle social da informação e avaliação das políticas e ações de saúde.

Descritores: Vigilância da população; Vigilância em saúde pública; Vigilância epidemiológica; Atenção primária à saúde

RESUMEN

Se investigó la proposición y el desarrollo de la vigilancia a la salud sea como instrumento o como modelo de atención a la salud, en las bases de datos LILACS y MEDLINE, bajo los descriptores vigilancia de la población y cuidados primarios de salud. Se identificaron diferentes propuestas y terminologías para la vigilancia a la salud que se asemejan por el uso de la epidemiología y de la noción de territorio. Se destaca el uso de instrumentos como indicadores de necesidades de salud, geo-procesamiento y análisis de redes de vigilancia en salud. Se concluye que la vigilancia a la salud se constituye en un campo potencial para promover la salud, el control social de la información y evaluación de las políticas y acciones de salud.

Descriptores: Vigilancia de la población; Vigilancia en salud pública; Vigilancia epidemiológica; Atención primaria de salud

INTRODUÇÃO

No Brasil, a difusão do tema da vigilância à saúde tem ocorrido num contexto de experimentação de diversas estratégias e modelos de atenção à saúde, oriundos da Reforma Sanitária brasileira, para atender à necessidade de reorganizar a lógica do processo de produção de serviços de saúde, suas relações entre a oferta, a demanda e a atenção das necessidades de saúde da população. Esse processo foi ocorrendo em movimentos paralelos, no âmbito da construção do Sistema Único de Saúde (SUS). No final dos anos 1980 e início de 1990, com implantação de Distritos Sanitários, a proposta da Vigilância à Saúde constitui-se a partir dessas experiências, fundamentada na noção de Sistemas Locais de Saúde, ganha contribuições de epidemiologistas com a análise de situações de saúde e da geografia humana com a compreensão de território social, administrativo, sanitário e epidemiológico. Nesse sentido, aponta-se a integração das práticas de saúde no interior do Distrito Sanitário, prevendo os diversos níveis de prevenção, a criação de políticas públicas saudáveis para a melhoria da qualidade de vida da população e a reorganização das ações de vigilância ambiental, epidemiológica e sanitária, bem como a assistência a indivíduos e grupos populacionais(1).

Num outro movimento, tal proposta é construída a partir da ampliação das ações de vigilância epidemiológica, no sentido de contemplar os problemas de saúde e as condições de vida em sua amplitude, uma vez que essas ações, em geral, estiveram voltadas ao hospedeiro, ao agente etiológico e ao meio ambiente. Estas, sem dúvida, são de grande importância para romper a cadeia de transmissão das doenças, mas são restritas, pois são focais e de baixa efetividade, por não alcançarem os determinantes das doenças(2-3). A partir do Seminário Nacional de Vigilância Epidemiológica, em 1993, evidenciaram-se importantes avanços conceituais em relação à vigilância epidemiológica, culminando com a vigilância à saúde(4).

A consulta à literatura científica evidencia várias definições para o termo vigilância à saúde. O presente artigo, no entanto, teve o objetivo de identificar como estão postos os conceitos de vigilância na literatura científica nacional e latinoamericana e verificar o quanto as proposições encontradas se articulam no sentido de contribuir para uma prática integral de atenção à saúde.

MÉTODOS

Utilizou-se a base de dados LILACS, a partir do descritor de assunto vigilância da população, no período de 1990 a 2006, que corresponde à etapa inicial de implementação do Sistema Único de Saúde brasileiro até os dias de hoje. Retornaram à busca, 160 estudos, dos quais, 54 foram selecionados. Na base de dados MEDLINE combinou-se os descritores vigilância da população e atenção primária de saúde em que retornaram 137 estudos e foram incluídos sete artigos. Os estudos foram selecionados após leitura dos resumos e dos artigos na íntegra. Foram excluídos aqueles cujo objeto de estudo estava relacionado a alguma questão especifica de vigilância epidemiológica, os que não diziam respeito ao tema e aqueles cuja abordagem de vigilância se distancia da realidade dos países em desenvolvimento.

RESULTADOS

No âmbito da literatura latino-americana verifica-se o emprego do termo vigilância à saúde para designar o desenvolvimento de um sistema de vigilância à saúde em atenção primária em Cuba. Este tem como base o diagnóstico da situação de saúde, construído no nível local, que permite conhecer os principais problemas de saúde e orientar as medidas para sua transformação. A partir desse processo, determinam-se os aspectos que devem submeter-se à vigilância, estabelecendo-se quem, como e quando se deve vigiar e, ao mesmo tempo, definindo-se os componentes táticos e estratégicos. O sistema de vigilância, operacionaliza-se em dois níveis, na atenção básica à saúde e no nível municipal, em que se estabelecem diferentes fluxos de informações e responsabilidades para o desenvolvimento das ações de vigilância articuladas ao trabalho das equipes de saúde da família(5). Tal estudo, apresenta a proposta de organização do sistema de vigilância e não discute, entretanto, qual o impacto se conseguiu alcançar com o referido trabalho.

Em estudo realizado no mesmo país, o levantamento das necessidades de conhecimento sobre vigilância à saúde entre os médicos de saúde da família verificou que a maioria dos médicos de saúde da família desconhecia seu papel na vigilância à saúde e não havia recebido capacitação com a profundidade necessária para realizar atividades condizentes com a vigilância à saúde(6). Numa outra perspectiva, e ainda nesse país, foram definidos quatro estratos territoriais, através da densidade demográfica e atividade econômica predominante em cada região, com o objetivo de implantar locais que seriam considerados como sentinelas para atividades de vigilância e de intervenção. Segundo os autores, esse método permite analisar o comportamento de doenças e agravos à saúde e facilitar o planejamento de recursos e ações de saúde(7).

Os trabalhos citados relacionam a vigilância à saúde, principalmente ao sistema de informação e à organização dos serviços de saúde, sendo que, no último, ressalta-se a advocacia da apreensão e ação em relação aos problemas que ocorrem na base mais local, o território.

Na Bolívia, Argentina e Brasil, o termo vigilância, no campo de saúde, tem sido relacionado principalmente a um sistema que inclui a participação da comunidade e que é dotado de estruturas de informação em saúde que subsidiam a identificação, o planejamento e a intervenção sobre os principais problemas locais de saúde(8-11). A educação popular é referida como instrumento potente para a articulação da comunidade local. Além disso, focaliza a importância da participação de lideranças envolvidas com a comunidade, discutindo a relevância da informação em saúde(9).

Na Bolívia, a comunidade participa ativamente na vigilância, desde a busca e a intervenção comunitária até o registro dos dados, transcendendo o processo de trabalho da vigilância tradicional(12). Nesse país, uma proposta de construção de redes de vigilância de mortalidade infantil é discutida contando com a participação da comunidade no processo de identificação e análise das informações(13). Discute-se na literatura, também, como a vigilância epidemiológica pode, através da ação local, desenvolver consciência sanitária e processos de autogestão(14).

No início da década de 90, no Brasil era apontada na literatura, a necessidade da informação epidemiológica para constituir programas e serviços de saúde, e defendida a necessidade da ampliação do objeto da vigilância epidemiológica. Discutiam-se, ainda, a reorganização e atualização do Sistema de Vigilância Epidemiológica em diferentes níveis e instâncias, o que acabou por resultar na proposição da construção de um modelo de Vigilância Epidemiológica de transição para o SUS(4, 15-16).

Apesar de diversos autores apontarem rumos para a ampliação do objeto da vigilância no Brasil, desde a década de 90, em estudo bibliográfico sobre a vigilância de doenças e agravos não transmissíveis, o autor(17) concluiu que uma pequena parte da produção científica se dedica ao estudo dessa questão, com limitados avanços. Aponta que a construção de um sistema de vigilância de doenças e agravos não-transmissíveis, além de produzir, divulgar informações epidemiológicas e formas de prevenção, deve articular-se à assistência, compondo sistemas de avaliação de serviços. Nesse sentido, caminha-se para a arquitetura de novas práticas de especialidade em vigilância, na medida em que se ampliam e aprimoram as possibilidades de utilização de bases de dados secundários, de notificação compulsória, de registros de base populacional e hospitalar, além de inquéritos epidemiológicos.

Propõe-se a vigilância à saúde como instrumento de saúde pública que parte da análise de situações de saúde de grupos populacionais, e considera suas condições de vida(18). O autor aponta que, nessa perspectiva, a vigilância à saúde possibilita a investigação, monitorização e constituição de bancos de dados sobre outros agravos à saúde, além das doenças transmissíveis, contribuindo para uma abordagem mais abrangente do planejamento em saúde.

Como se pode verificar, progressivamente amplia-se e redefine-se o objeto da vigilância epidemiológica, expressa por diferentes autores, sob diversas vertentes e terminologias, mas mantendo o eixo comum pautado na Epidemiologia(18).

O projeto de Cooperação Técnica da Organização Panamericana da Saúde, que tinha por objetivo a troca de experiências entre o Brasil e Itália(19-20), propunha a vigilância à saúde em distritos sanitários, com intervenções passíveis de serem desenvolvidas a partir de sua caracterização política, social e sanitária. Essa proposta tomava a vigilância à saúde com o objetivo de favorecer a tomada de decisão e a operacionalização das ações, a partir do estabelecimento de problemas prioritários, com vistas à transformação das práticas de saúde.

Nessa perspectiva, a vigilância à saúde é proposta como instrumento de intervenção sobre os determinantes do processo saúde-doença que incidem nos grupos populacionais de dado território adstrito ao distrito sanitário, para a reorganização das práticas de saúde. O autor define distrito sanitário como espaço geográfico, populacional e administrativo, coordenado por uma instância administrativa local, e entendido como um processo social e não burocrático. Nesse modelo, a vigilância à saúde é informada pelos sistemas geográficos de informação e operacionalizada a partir da microlocalizaçäo de problemas, visando o planejamento local em saúde. O território constitui-se em conceito-chave e sua concepção vai além da delimitação de um espaço geográfico, pois se trata de um cenário onde se concretizam, processualmente, as relações de vida e trabalho de uma dada população. Para tanto, no sentido de apreender um recorte desses aspectos num dado território, é necessário que se reúnam informações demográficas, socioeconômicas, político-culturais, epidemiológicas e sanitárias. A partir daí, torna-se possível identificar e analisar os problemas, os perfis epidemiológicos e as necessidades de saúde das pessoas, para definir prioridades de atenção à saúde, por meio de ações intersetoriais, com base na integralidade e na eqüidade(21).

Paralelamente a esse movimento, lança-se a vigilância à saúde como forma de integração institucional entre a vigilância epidemiológica e a vigilância sanitária. Para a autora, essa proposta tem se concretizado através de reformas administrativas de diversas secretarias estaduais de saúde (4). Nesse contexto, a vigilância à saúde no Município de São Paulo, atualmente, tem transcendido o âmbito da vigilância epidemiológica e sanitária, organizando-se a partir da integração coordenada das áreas de vigilância epidemiológica, sanitária, ambiental, de saúde do trabalhador e zoonoses, com o objetivo final de contribuir para a promoção da saúde e prevenção de agravos(22-23).

Com referência à última menção, a vigilância à saúde incorpora a vigilância ambiental como uma nova área que não permanece necessariamente institucionalizada, apresentando-se como um campo de atuação multidisciplinar. Caracteriza-se pela sistematização de dados informatizados, com a incorporação da interdisciplinaridade, para lidar com situações de vulnerabilidade sócio-ambiental. Tem como objetivo, conhecer problemas sócio-ambientais, em determinadas regiões, para que se organizem ações de promoção e prevenção em relação à saúde, além de subsidiar a construção de políticas de desenvolvimento sustentável(24-25). O geoprocessamento é o instrumento que permite focalizar as áreas e populações de risco e subsidiar o planejamento em relação ao saneamento e a vigilância à saúde(26).

De forma semelhante, constrói-se a proposta de vigilância em saúde do trabalhador, para identificar agravos e riscos implicados na atividade laboral, a partir da relação trabalho e saúde. A vigilância em saúde do trabalhador integra-se à vigilância à saúde e à participação da comunidade, na perspectiva do trabalho no território(27). Mais recentemente, esse modelo é defendido como uma proposta de organização de ações transformadoras dos processos e dos ambientes laborais, através do trabalho em redes institucionais(28). A consolidação desse campo específico na área de saúde pública objetiva a promoção da saúde do trabalhador(29).

Entre os estudos dedicados à estruturação de instrumentos para a vigilância à saúde, apresentam-se investigações que se valem da defesa do uso da Epidemiologia, por meio da análise de indicadores demográficos, sociais, econômicos e de saúde nos serviços(30). Nessa linha, no Brasil, há um relato (31) da experiência de implantação em dois municípios, de um modelo de vigilância de endemias em áreas urbanas, orientado pelo referencial da vigilância à saúde, que possibilita conhecer a desigualdade nas cidades, planejar intervenções e proceder ao monitoramento das necessidades, orientado por análises de situações de risco e indicadores epidemiológicos. Para tanto, foi construída uma base territorial digitalizada, para ambos os municípios, utilizando-se o Censo IBGE e mapas digitais de morbidade SINAN de tuberculose e hanseníase. De acordo com os autores, "(....) o modelo de vigilância proposto privilegia a compreensão do processo de produção das doenças em razão da ocupação do espaço urbano, com perspectiva de integração e compatibilização de banco de dados existentes e análise interativa de dados de saúde e sócio-demográficos"(31) .

Contribuindo para o avanço conceitual da vigilância à saúde, outro grupo de autores(32) a define como um modelo de atenção à saúde que organiza os processos de trabalho em saúde em um determinado território. Para os autores, essa vertente conceitual privilegia a dimensão técnica, partindo de um conjunto de combinações tecnológicas, dirigidas ao controle de riscos e danos, além da dimensão gerencial da noção de vigilância da saúde. Aborda de maneira diferenciada o sujeito, o objeto, os meios e a organização do trabalho. Para os autores, a vigilância à saúde constitui-se em modelo assistencial com as seguintes características básicas: intervenção sobre problemas de saúde; ênfase em problemas que requerem atenção e acompanhamento contínuos; operacionalização do conceito de risco; articulação entre as ações promocionais, preventivas e curativas; atuação intersetorial e ações sobre o território. A operacionalização da vigilância à saúde requer, portanto, a valorização dos princípios de regionalização e hierarquização dos serviços, delimitando-se as áreas de abrangência e de influência dos serviços conforme sua capacidade operacional, além do mapeamento da região em micro-áreas de risco, definidas a partir do perfil epidemiológico da população. Dessa forma, "a Vigilância à Saúde pretende dar conta do princípio da integralidade, pensando tanto em uma perspectiva 'vertical', de organização dos serviços segundo níveis de complexidade tecnológica, quanto 'horizontal', no que diz respeito à articulação entre ações de promoção da saúde, prevenção de riscos, assistência e recuperação"(1).

Por esse caráter abrangente, a vigilância à saúde talvez não tenha avançado especificamente na mudança dos processos de trabalho em saúde, mas aproxima-se do movimento da Promoção da Saúde em que se amplia a reflexão sobre políticas e estratégias intersetoriais para a melhoria das condições de vida. Ao mesmo tempo, essa proposta passou a ser referida na utilização da Estratégia de Saúde da Família, justamente por ser um termo amplo que dê conta da integralidade das práticas de saúde (promoção, proteção e recuperação). Há ainda uma grande lacuna para integrar-se o diálogo entre a proposta da vigilância à saúde e a Estratégia de Saúde da Família, no sentido da adequação do levantamento de necessidades e problemas de saúde da população à integração de ações direcionadas ao controle de vulnerabilidades e danos à saúde (prevenção, assistência e promoção da saúde(1).

Reforça-se, entretanto, o potencial da vigilância à saúde para desenvolver o controle social da informação sobre os determinantes de saúde pela população, para supervisionar políticas e ações nas esferas econômica, social, política e cultural, além de mobilizar, no sentido da promoção da saúde. Sendo assim, "(...) a promoção da saúde deve significar também o reconhecimento da complexidade dos problemas de saúde, exigindo-se simultaneamente abordagens mais qualitativas, bem como associações a estratégias participativas e territorializadas de saúde"(33). Nessa perspectiva, a vigilância à saúde deve contribuir para a reorientação dos serviços de saúde na direção da superação das desigualdades de cobertura, acesso e qualidade.

O conceito de redes sociais é incorporado à área de vigilância à saúde, compreendendo o processo saúde-doença nas coletividades e transcendendo as ações burocráticas para alcançar um processo que envolve a participação da população, do governo, de organizações civis e científicas. De acordo com os autores, a rede de vigilância à saúde pode ser entendida como um "(....) sistema complexo formado pela articulação institucional de ações envolvendo, ao mesmo tempo, governo, comunidade, organizações civis e instituições científicas"(34). A construção de redes de vigilância pode ser útil no desenvolvimento de ações solidárias de conhecimento, detecção e prevenção de epidemias sob uma perspectiva que acolha integralmente a idéia de ambiente e sistemas social e coletivo. Com a participação da comunidade, as redes de vigilância podem proporcionar o controle social, e permitir a identificação de nós críticos que obstaculizam os fluxos comunicativos entre instituições públicas e a sociedade civil. Destaca-se o potencial para a mobilização de diversos atores em diferentes instâncias, o que permite maior eficácia e transparência aos programas de caráter epidemiológico do SUS. Para tanto, é essencial disponibilizar amplamente as informações e utilizar a educação em saúde nos microambientes sociais(34). A autonomia e o protagonismo dos sujeitos podem ser reforçados, através dessa perspectiva de vigilância à saúde, possibilitando a intervenção para além dos fatores de risco, incorporando ações orientadas a modificar as condições de saúde(35).

A vigilância à saúde é considerada como uma resposta social organizada, pois parte da distribuição desigual de agravos para trabalhar com grupos prioritários. Para isso, é necessário conhecer os determinantes de saúde-doença desses grupos, a fim de promover a saúde através da intersetorialidade, da inclusão social, da educação e do fortalecimento da ação comunitária. Os autores apresentam uma experiência no Rio Grande do Sul, na década de 1990, que combinou propostas da vigilância à saúde e da Escola Cidadã: "(...) A escola cidadã ou democrática toma como eixos norteadores a integração entre educação e cultura, escola e comunidade; a democratização das relações de poder dentro da escola; o enfrentamento da repetência e da avaliação; a visão interdisciplinar; e a formação permanente dos educadores"(36). A convergência conceitual dessas propostas ocorre em quatro campos de ação da promoção da saúde: o desenvolvimento de habilidades pessoais, o fortalecimento da ação comunitária, a criação de ambientes favoráveis à saúde e construção de políticas públicas saudáveis, envolvendo órgãos governamentais e não governamentais(36).

Partindo do conceito de vigilância à saúde, entendida como um modelo de assistência para a atenção básica à saúde, de caráter intersetorial, que requer a participação da comunidade e o trabalho no território, são elaborados indicadores sociais e de necessidades de saúde, operacionalizados nas categorias: autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e eqüidade, além das redes de apoio familiar e do grau de informação/articulação para a participação social e desenvolvimento da cidadania. Esses indicadores favoreceriam o conhecimento sobre a realidade de vida e saúde dos indivíduos e grupos sociais para orientar as ações de promoção, prevenção e tratamento(3).

No que diz respeito aos estudos que investigam o desenvolvimento da vigilância à saúde em serviços, no nível local, são raros. Em estudo sobre o trabalho da enfermeira na vigilância epidemiológica em uma unidade de saúde, foi verificada a predominância das ações de controle de doenças transmissíveis, cabendo à enfermeira um trabalho parcelar, centrado no modelo clínico, não integrado ao trabalho da equipe e, tampouco, à análise da situação de saúde da população local. As autoras desse estudo concluem sobre a necessária abertura de novos canais de diálogo e de tecnologias de saúde para a redefinição da assistência, atendendo à demanda real e a discussão em serviço, sobre as concepções de trabalho em saúde e sobre o processo saúde-doença, para caminhar em direção a vigilância à saúde(37).

Na Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto as práticas de vigilância epidemiológica são investigadas e constata-se que a potencialidade dessa área está no trabalho no território, a partir de um projeto de trabalho comum às diferentes categorias profissionais, no sentido de construção da vigilância à saúde(38).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de vigilância à saúde vem sendo desenvolvido e aprimorado, por um lado, no sentido da ampliação do objeto da vigilância para além das doenças transmissíveis, abarcando a vigilância da saúde no ambiente e nos locais de trabalho. Por outro lado, observa-se um fio condutor de propostas de vigilância à saúde na América Latina que, basicamente, partem da necessidade de reorganizar a assistência à saúde no âmbito do território dos Distritos Sanitários informada pelo modelo epidemiológico, considerando a participação da população nesse processo.

Identificam-se potencialidades na proposição da vigilância à saúde que superam o modelo médico assistencial tradicional e a fragmentação das práticas de vigilância, o enriquecimento das técnicas de trabalho em saúde no plano intersetorial, por exemplo, com o conhecimento de redes de vigilância, no entanto, ocorrem diversas lacunas para implementação nas práticas de saúde. A conformação de um modelo assistencial, que traz em pauta a reordenação dos processos de trabalho, ou seja, a incorporação de outros sujeitos do trabalho, como os gerentes de serviços, técnicos e representantes da população, outros instrumentos ou meios de trabalho, tanto os métodos gerenciais, quanto a informação georeferenciada para a operacionalização da vigilância à saúde, careceu de uma direção política, ideológica e gerencial nos níveis micro e macro do sistema de saúde.

A redefinição do objeto de trabalho exige a utilização de saberes e tecnologias apropriadas à ampliação e diversificação do rol de ações e serviços, refletindo na necessidade de mudança do perfil dos sujeitos do processo de trabalho, tanto no plano individual quanto coletivo, em que se pese, também, a participação da população organizada. A mudança no objeto, no sujeito e nas finalidades do processo de trabalho, como um todo, incidem sobre as relações firmadas entre os sujeitos, os saberes e as tecnologias que se utilizam para a apreensão do objeto de trabalho num sistema de serviços de saúde. Tal complexidade exige um conjunto de iniciativas no nível micro e a articulação das propostas em situações concretas no âmbito do SUS, avançando pouco a pouco em nível macro da formulação de políticas de saúde, a fim de se contemplar a integralidade da atenção em saúde(1).

Artigo recebido em 21/02/2008 e aprovado em 28/08/2008

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  • Autor Correspondente:

    Liliam Saldanha Faria
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Out 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2008
    • Recebido
      21 Fev 2008
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