Acessibilidade / Reportar erro

Fronteiras corpóreas e incorporações prisionais1 1 . Uma versão modificada deste texto consta em The Cambridge Journal of Anthropology, 38 (1), 2020.

Corporeal boundaries and carceral embodiments

Resumo

Comparam-se materiais etnográficos de uma pesquisa numa prisão antes e depois do advento do encarceramento concentrado que a entrelaçou a um conjunto de bairros urbanos. Tornados mundos contínuos, anteriores limites intraprisionais colapsaram, espoletando mudanças inclusive em aspetos corpóreos e sensoriais da experiência carceral. O corpo confinado é descrito não tanto como um objeto de poder disciplinar, mas como constituído antes de mais por relações sociais e morais, tornando as experiências corporais da prisão altamente contextuais. A comparação entre formas mais e menos moldadas por uma relação particular prisão-bairro/s sugere que tais experiências variam não apenas em função de circunstâncias próprias à prisão, mas também em função da especificidade das circunstâncias sociais que a atravessam.

Prisão; Incorporação; Corpo; Sentidos

Abstract

This paper compares materials drawn from fieldwork in a prison before and after the rise of concentrated incarceration that tightly interlocked it with a handful of urban neighborhoods. As these worlds became continuous, former intra-prison boundaries collapsed, entailing changes that included corporeal and sensorial aspects of prison experience. The imprisoned body is described not as a bounded object of disciplinary power but as constituted first and foremost by social and moral relations, rendering bodily experiences of confinement highly contextual. A comparison between forms more and less shaped by a particular prison-urban relation suggests that these experiences vary according to prison-specific circumstances, but also to social-specific circumstances.

Prison; Embodiment; Body; Senses

Introdução

As conexões entre mundos prisionais e mundos extramuros na sua órbita têm vindo a ser exploradas de diferentes formas na pesquisa internacional das últimas décadas2 2 . Para um balanço, ver Cunha (2014). . A minha própria pesquisa sobre o nexo bairro-prisão em Portugal procurou elucidar em particular uma dessas formas deslocando o enfoque etnográfico e analítico para a dobradiça entre tais mundos e trazendo à tona a sua afetação mútua e continuidade. Especificamente, procurei mostrar como, por um lado, o sistema carcerário se tornou uma realidade embebida no tecido social de alguns bairros urbanos, onde a vida daqueles e daquelas que neles residem é forjada na sua presença inescapável, e, por outro lado, como a socialidade carceral deixou de estar circunscrita ao dia a dia da instituição para se tornar uma extensão da socialidade desses mesmos bairros (Cunha, 2002CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.; 2008CUNHA, Manuela Ivone. (2008), “Closed circuits: kinship, neighborhood and imprisonment in urban Portugal”. Ethnography, 9 (3): 325-350.).

Continuidade, importa sublinhar, não significa sinonímia. O fato de tais realidades se terem assim entrelaçado não quer dizer que se equivalham ou que se constituam uma à outra da mesma maneira a todos os níveis do cotidiano. Mas as facetas translocais que despontaram na vida social da prisão como consequência desse entrelaçamento impuseram um recentramento da pesquisa nessa interface entre os mundos dentro e fora da instituição. É por essa razão que o enfoque adotado não foi já o mesmo daquele que regera uma pesquisa etnográfica anterior conduzida na mesma instituição (Cunha, 1994CUNHA, Manuela Ivone. (1994), Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa, Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, CEJ.), embora a etnografia continuasse, como ela, ancorada em pesquisa de campo prisional.

Que há um reconhecimento crescente da permeabilidade dos muros prisionais a vários títulos é já uma evidência. Mais difícil de determinar, porém, é se esse reconhecimento repercute principalmente mudanças ocorridas nas lentes etnográficas e reorientações teóricas mais amplas, que dão agora mais ênfase a aspectos de fluxo do que de fechamento (Geschiere e Meyer, 1998GESCHIERE P. & B. MEYER. (1998), Globalization and identity: dialectics of flow and closure. Oxford, Blackwell.), ou se, pelo contrário, a atenção mais dedicada à interconexão entre mundos intra e extramuros reflete acima de tudo transformações de relevo nas realidades empíricas. Até que ponto o estreitar desse entrelaçamento reconfigurou a vida prisional, as experiências de confinamento – e os significados que tanto prisioneiros/as como pesquisadores/as atribuem a tais experiências?

Tenciono contribuir para este debate comparando materiais produzidos por pesquisa de campo na principal prisão de mulheres em Portugal3 3 . Estabelecimento Prisional de Tires (Tires ou EPT, daqui em diante). Criado em 1954 nos arredores de Lisboa, continua a ser a mais importante instituição prisional de mulheres no país. em diferentes décadas, antes e depois do advento do encarceramento concentrado que veio articular de maneira estreita esta instituição a uma mão-cheia de bairros urbanos na mira do controlo penal. Proponho fazê-lo centrando-me no modo como a reorganização de fronteiras intraprisonais desencadeada pela interconexão entre os mundos intra e extramuros se repercutiu nas dimensões mais subterrâneas da experiência da prisão, como sejam as corpóreas e sensoriais.

Retrospectivamente, o fim dos anos 1980 e o fim dos anos 1990 surgem como períodos-chave numa paisagem carcerária em mutação, ao revelarem na sua forma mais pronunciada diferentes padrões que hoje se encontram combinados ou reproduzidos noutros contextos prisionais, embora mais mitigados nalguns aspetos. É o caso, por exemplo, de uma outra prisão de mulheres numa diferente área metropolitana, que foi objeto de uma comparação mais recente com a instituição aqui mencionada (Cunha & Granja, 2014CUNHA, Manuela Ivone & R. GRANJA, Rafaela. (2014), “Gender asymmetries, parenthood and confinement in two Portuguese prisons”. Champ Pénal, XI.)4 4 . Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. Inaugurado em 2005 perto da cidade do Porto, foi projetado para acolher uma população penal semelhante à de Tires. . Centrar-me-ei pois nestas diferentes configurações tal como emergiram claramente definidas nesses dois momentos no mesmo estabelecimento prisional.

O trabalho de campo desenrolou-se em períodos de dois e um ano, respectivamente. Em ambas as ocasiões se beneficiou de acesso irrestrito a todas as dependências prisionais, sem limitações de calendário ou horário, diurno ou noturno. Além de entrevistas em profundidade, tal acesso permitiu a observação e a participação no cotidiano de atividades prisionais, bem como em conversas informais individuais e em grupo numa base regular e em circunstâncias variadas. No caso das entrevistas, em ambos os períodos as reclusas foram selecionadas combinando, por um lado, uma progressão de contactos em bola de neve que refletia redes “naturais” e, por outro, uma amostra teórica sistemática que os diversificou em termos de perfil sociográfico e penal, bem como de duração da pena e experiência prisional. Contudo, os dados mais ricos resultaram, de fato, da participação no cotidiano da prisão, várias vezes por semana, por períodos de 6 a 48 horas, acompanhando as suas rotinas, enredos e episódios, e interagindo com quem os protagonizava à medida que se desenrolavam. Em geral, quanto mais ia sabendo e as minhas interlocutoras ficavam cientes disso, mais me era dado a saber sem ter de perguntar.

Limites

O corpo aprisionado tende a ser conceptualizado sobretudo enquanto objeto de poder penal – em particular de poder disciplinar – ou enquanto lugar de resistência. Na influente perspectiva de Michel Foucault (1977), as prisões procuravam produzir “corpos dóceis”, inculcando normas nas práticas corporais através da monitorização, treino e agenciamento de rotinas ao pormenor. Quão dóceis, maleáveis e “disciplinados” eram realmente os corpos confinados na prisão “disciplinar”, essa é uma outra questão (Garland 1990GARLAND, D. (1990), Punishment and modern society: a study in social theory. Oxford, Clarendon Press.), que o próprio Foucault (1980) considerava de natureza inteiramente diferente.

Mas independentemente do modo como o corpo e os sentidos são afetados pelo poder institucional e pelo ambiente ecológico da prisão, as experiências corporais e sensoriais dentro de muros não cessam de ser mediadas e constituídas por relações sociais e morais. Da mesma maneira que não somos sujeitos unitários, mas influenciamos e somos influenciados por outros (Blackman, 2008BLACKMAN, L. (2008), The body: the key concepts. Oxford/Nova York, Berg,), também o corpo sensível não é uma entidade singular fechada contendo o eu, mas um permanente processo relacional. Nesse sentido, os corpos estão conectados a outros corpos e são permeáveis a eles (Mol, 2002MOL, A. (2002), The body multiple: ontology in medical practice. Londres/Nova York, Duke University Press.). Seguindo essa linha de raciocínio, este texto incidirá sobre como a socialidade enquadra aspectos da corporalidade. Mais especificamente, sobre como a transformação de uma socialidade enquadrou a transformação de uma incorporação na prisão e da prisão.

No intervalo de uma década que separou as duas pesquisas etnográficas aqui em foco, a população prisional conheceu mudanças sociológicas de relevo5 5 . Em Portugal, a população reclusa cresceu neste período de 7.965 para 14.236, registando a taxa de presos por 100 mil habitantes mais elevada na União Europeia. O país encabeçou a EU ao longo da década de 1990 com taxas de reclusão entre 128 e 145 por 100 mil habitantes (Ministério da Justiça, 1987, 1997, 1987-2000). . Por razões detalhadas noutro lugar (Cunha, 2005CUNHA, Manuela Ivone. (2005), “From Neighborhood to prison: women and the war on drugs in Portugal”. In: SUDBURY, J. (org.), Global lockdown: imprisoning women, engendering resistance. Nova York/Londres, Routledge, pp. 155-165.; 2008CUNHA, Manuela Ivone. (2008), “Closed circuits: kinship, neighborhood and imprisonment in urban Portugal”. Ethnography, 9 (3): 325-350.), o seu crescimento súbito acompanhou-se de uma vincada homogeneização penal e social. No final dos anos 1990, 76% da população total (823) do EPT estava presa por tráfico de droga, em comparação com 30% na década anterior, e os crimes contra a propriedade não representavam mais de 13%. A maior parte das condenadas (69%) cumpriam penas superiores a cinco anos. Cada vez mais as presas provinham dos patamares mais baixos da estrutura de classes, com escasso capital econômico e escolar: do final dos anos 1980 ao dos anos 1990, a proporção de mulheres cujos empregos integravam o escalão mais baixo da economia de serviços subiu de 4% para 33%, e a proporção das que nunca tinham ido à escola ou além da quarta classe subiu de 47% para 59%.

Além disso, essa população era agora oriunda em massa de alguns bairros estigmatizados das duas principais áreas metropolitanas do país, Lisboa e Porto. Uma proporção importante tinha parentes e vizinhos a cumprir pena nessa mesma prisão ou noutros estabelecimentos. De acordo com uma estimativa conservadora baseada em dados socioeducativos, que não inclui parentes masculinos noutros estabelecimentos, entre metade e dois terços das presas em Tires tinham familiares nessa instituição (irmãs, primas, tias, sobrinhas, mães, avós). A causa próxima dessas novas configurações sociais carcerais residia nas políticas de controlo penal das drogas desenvolvidas nos anos 1990. As intervenções policiais concentraram-se então em bairros urbanos desqualificados conotados com a economia da droga, que se tornaram assim zonas de proveniência por excelência de recrutamento da população prisional. Assim tornadas alvos coletivos, amplas constelações de presos e presas já se conheciam antes do encarceramento. Tais redes de interconhecimento eram, por conseguinte, um efeito não de extensas e estruturadas organizações criminais operando nesses territórios, mas sim de uma repressão penal apertada exercida sobre uma pequena economia da droga facilmente acessível, na qual residentes dos mesmos bairros participavam de maneira independente e irregular (Cunha, 2005CUNHA, Manuela Ivone. (2005), “From Neighborhood to prison: women and the war on drugs in Portugal”. In: SUDBURY, J. (org.), Global lockdown: imprisoning women, engendering resistance. Nova York/Londres, Routledge, pp. 155-165.).

Tanto as tangíveis relações pré-prisionais transpostas para a prisão, como uma proveniência socioespacial comum, passariam a estruturar a comunidade prisional e criariam uma continuidade entre a vida na prisão e no/s bairro/s de origem. O curso da vida intramuros passou a entrançar-se com o fluxo da vida cotidiana no exterior através das muitas ramificações e cruzamentos das várias redes de interconhecimento que articulavam as presas não apenas entre si, mas também a círculos externos comuns de parentes, amigos e vizinhos. Como referi noutros textos, esses círculos sociais mudaram a experiência da reclusão e do tempo intramuros, sincronizando a temporalidade prisional com os ritmos do mundo exterior (Cunha, 2002CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.; 2008CUNHA, Manuela Ivone. (2008), “Closed circuits: kinship, neighborhood and imprisonment in urban Portugal”. Ethnography, 9 (3): 325-350.).

Mas o esbatimento das fronteiras entre os mundos dentro e fora gerou um outro efeito ainda. No seu reverso, correspondeu-lhe o esbatimento das fronteiras entre presas que governara a vida intramuros na década anterior. Desqualificar as correclusas e marcar uma distância social e simbólica em relação a elas era então também uma maneira de esconjurar a ameaça do estigma associado à prisão (Cunha, 1994CUNHA, Manuela Ivone. (1994), Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa, Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, CEJ.). A negociação desse estigma exprimia-se na recusa do nivelamento por uma condição comum, num jogo de distanciação mútua através do qual quaisquer diferenças (e. g. entre tipos de crime) eram ampliadas pelas próprias presas como forma de demarcação do resto do mundo condenado. Uma prisioneira podia assim considerar o seu delito como o resultado acidental de circunstâncias excecionais, enquanto essencializava o das suas companheiras como a manifestação de uma natureza criminal.

É certo que uma década depois esses elementos diferenciadores tinham-se tornado mais difíceis de mobilizar na edificação de fronteiras simbólicas. A anterior variedade de categorias criminais dera lugar à predominância maciça de crimes relacionados com drogas. Mas se a prévia dinâmica de estigmatização mútua lograva gerar oposições mesmo no interior de uma mesma classe de ofensoras (e.g. entre traficantes e traficantes-usuárias), agora a tendência que prevalecia era a de apagar estas e outras diferenças. Uma ampla e inclusiva categoria coletiva de autoidentificação tinha emergido na asserção estamos aqui todas por droga. Esta abrangente categoria local incluía não apenas o próprio tráfico, mas todo o tipo de delitos relacionados com drogas ou na sua órbita (e.g. furto, receptação)6 6 . Uma estimativa conservadora baseada nos processos das detidas indica uma proporção de delitos na órbita da pequena economia da droga na ordem dos 88%. .

Porém, embora a economia da droga pudesse surgir nesta designação como denominador comum, não definia por si só a esfera de identidade e agencialidade coletiva de tal categoria. Primeiro, esta identidade se estabelecia também por uma posição partilhada na base da estrutura de classes e pelo estigma pré-prisional da pertença a bairros mal reputados e conotados com a droga. A prisão apenas vinha ratificar a marginalização estrutural e simbólica que agora afetava coletivamente essa população (Cunha, 2002CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.; 2008CUNHA, Manuela Ivone. (2008), “Closed circuits: kinship, neighborhood and imprisonment in urban Portugal”. Ethnography, 9 (3): 325-350.). O estigma não era já negociável através de quaisquer processos intraprisionais, tornando fútil o anterior jogo de diferenciação mútua. A prisão banalizara-se já no cotidiano dos territórios urbanos de origem da maior parte das presas e tornara-se um elemento normal de muitas biografias. Descrevi já, por exemplo (Cunha, 2002CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.), como quase todos os residentes tinham então um familiar ou conhecido que estava ou tinha estado na prisão. As presas estavam, pois, cientes de que no seu universo social não seriam votadas a um especial desprezo e censura após a libertação. Esconder o encarceramento tornara-se agora uma preocupação rara em comparação com a década anterior, quando a remota possibilidade de se cruzar no exterior com uma ex-colega e assim arriscar expor o próprio passado ensombrava a perspectiva de libertação de cada uma. Originárias elas dos mesmos bairros, tal ocultação não seria sequer viável.

Em segundo lugar, a perceção de um destino partilhado e de uma identidade comum passaria a alimentar-se também de laços interpessoais pré-prisionais, quer dizer, de laços de parentesco, de amizade, de vizinhança. Várias categorias prévias de representação, tais como categorias criminais, encontravam-se agora frequentemente misturadas neste círculo de relações na vida pré-carceral: uma traficante não usuária de drogas com um marido usuário não traficante e um filho usuário que furtou bens de casa para fazer algum dinheiro.

Contágio

Esta conjunção era similar a, e coerente com, um outro conjunto combinado de circunstâncias na vida prisional. As situações de confinamento prestam-se a exacerbar o receio de doenças transmissíveis, ao implicarem a coabitação forçada, a participação conjunta em atividades cotidianas e a utilização comum de instalações e utensílios. Porém, na década anterior, o medo do contágio – votado especialmente à hepatite B e ao HIV – funcionava também como um canal apropriado para exprimir física e metaforicamente distância e sublinhar a não identificação entre prisoneiras. A tensão entre a dissolução dos limites interpessoais operada todos os dias pelo dispositivo prisional (pense-se na ausência de privacidade) e o ensejo de reposição de fronteiras identitárias e simbólicas parecia encontrar aqui um campo de explicitação particularmente adequado.

O medo do contágio era então dramatizado e expresso de modo enfático. A pronunciada demarcação higiênica, constatada, por exemplo, em manifestações privadas e na exibição ostensiva do receio de sentar-se nas cadeiras utilizadas pelas codetidas, decorria da ideia de uma ameaça difusa e onipresente. O “mal”, como me dizia uma delas, “pode vir de qualquer lado”. O “mal”, contudo, não se limitava a uma referência microbiana ou a simples patógenos. Tinha também uma ressonância moral. Circulava, com efeito, o medo da contaminação deliberada, provocada intencionalmente. Por essa razão, mesmo prisioneiras que no meio livre defendiam a não segregação de pessoas com doenças infetocontagiosas, reclamavam agora unidades separadas para presas com problemas transmissíveis vários, desde doenças venéreas a Aids.

No caso do HIV, existia uma suspeição generalizada entre as detidas, que se entregavam então a um exercício de interpretação de sinais suscetíveis, a seus olhos, de permitirem identificar coprisioneiras infetadas: uma que obtinha uma libertação considerada demasiado fácil dada a sua situação jurídica; certas outras que sofriam uma revista pessoal cotidiana mais ligeira (ou que numa determinada ocasião não haviam sido de todo revistadas); cuja cela era objeto de inspeções menos rigorosas por parte do pessoal de vigilância; outras ainda que eram pouco importunadas pelas guardas no dia a dia prisional (porque teria sido, decerto, a doença que lhes inspirara sentimentos de compaixão) (Cunha, 1996CUNHA, Manuela Ivone. (1996), “O corpo recluído: controlo e resistência numa prisão feminina”. In: VALE DE ALMEIDA, Miguel (org.). Corpo presente: treze reflexões antropológicas sobre o corpo. Oeiras, Celta, pp. 72-86., p. 81).

Uma década depois, este panorama desvanecera-se. Tal fato é tanto mais significativo quanto a prevalência das doenças transmissíveis mais receadas aumentara substancialmente A proporção de presas infetadas com HIV, por exemplo, ultrapassava 20%, enquanto dez anos antes a soroprevalência nesta prisão era sensivelmente a mesma que na população em geral. Do mesmo modo, enquanto as automutilações eram quase inexistentes no estabelecimento, passariam depois a pontuar o seu cotidiano, a ponto de exasperar o pessoal penitenciário e torná-lo tão impaciente quanto esta guarda, que as desvalorizava nestes termos:

Corta-se na medicação – elas cortam-se; os amores não vão bem – cortam-se; a chefe não lhe deu atenção – corta-se; até uma, que não conseguiu fazer um telefonema porque já estava na hora do fecho: “Não posso telefonar? Então, corto-me!” [Na verdade as reclusas submetem-se muitas vezes a uma espera interminável, amontoadas junto ao gradão, para poderem telefonar. O particular telefonema de que fala esta guarda era, além disso, de uma importância fulcral para a detida em causa.] (Guarda Prisional, EPT).

Dado o crescimento de práticas autolesivas como incisões nas pernas, braços e antebraços em situações de estresse e vulnerabilidade, poder-se-ia esperar um aumento das reivindicações de segregação como as que emanavam da comunidade prisional no passado. Porém, em vez de se avivarem num terreno que os potenciaria, os espetros do contágio atenuaram-se. Além disso, as precauções tomadas – se tomadas – são de ordem sanitária e não têm quaisquer reverberações morais. Durante a minha segunda estadia de campo, nunca me deparei com palavras ou comportamentos de distanciação. Em vez disso, as anteriores práticas de evitamento deram lugar a preocupação de sentido inverso: não pôr em risco – com uma constipação, uma gripe, uma micose… – o sistema imunitário fragilizado de uma colega com Aids ou simplesmente soropositiva.

Ainda assim, um pequeno segmento7 7 . Esse grupo de detidas representa uma proporção de pouco mais de 10% dessa população prisional. de detidas de estratos sociais mais elevados, alheias ao universo dos bairros e não incluídas na ampla categoria de identidade coletiva mencionada acima, reproduzia agora a uma escala residual as mesmas noções, práticas e percepções que governavam no passado a socialidade da prisão em geral. Esse pequeno grupo de presas, por exemplo, dizia preferir usar o chamado balde sanitário, comumente encarado no passado como degradante e reservado apenas para uso noturno, em vez das casas de banho comuns8 8 . Tais utensílios foram, entretanto, erradicados das prisões portuguesas. . Faziam-no não porque considerassem as casas de banho pouco limpas, mas porque temiam que não fossem desinfetadas em profundidade.

Da mesma maneira, nesse círculo minoritário, as reclusas muniam-se de tupperwares com os quais iam buscar comida ao refeitório, tomando depois a refeição na cela. Quando não os tinham, dirigiam-se para o refeitório mais tarde, “quando não há tanta mistura de gente”. Quando perguntei a um desses grupos-tupperware se usavam recipientes próprios em razão de uma má lavagem dos pratos e marmitas do estabelecimento, responderam-me que não, mas que “tinham nojo” de servir-se da “louça usada por toda a gente”. Além disso, acrescentaram, mesmo assim se sentiam humilhadas por terem de “pedir comida às presas da copa”. De novo, as razões para o uso de utensílios pessoais e para não tomarem parte na comensalidade coletiva cotidiana não decorriam apenas do receio de contágio físico. Participavam de uma demarcação de natureza mais vasta, lembrando as lógicas de marcação de fronteiras do passado, que sobreviviam agora nessa pequena minoria.

Sons e odores

Estas eram também as detidas que se manifestavam profundamente incomodadas – acossadas, até – pelo barulho da prisão: o do movimento de portas, gradões e ferrolhos, mas acima de tudo o das vozes. Não, porém, de quaisquer vozes, mas especificamente daquelas ampliadas pelas reverberações da acústica carceral que então associavam a uma altissonante vozearia popular. Uma das presas da franja minoritária em questão referia-se-lhes assim: “São pessoas habituadas a falar assim, está-lhes no sangue. Não conseguem falar baixo”.

Principalmente tais detidas dizem-se perseguidas pelos cheiros. Mais uma vez, porém, não qualquer cheiro. Às minhas narinas perturbavam em especial os penetrantes odores do estrume da quinta prisional, dos restos de comida das marmitas vazias, da onipresente lixívia e outros desinfetantes generosamente derramados por todos os recintos. Esses desconfortos olfativos eram partilhados com a generalidade das reclusas, que também aludiam a eles, embora não pretenda colocar aqui a minha experiência sensorial no mesmo plano que a delas. Desde logo, ao contrário das presas, eu tinha a possibilidade de me furtar a essa agressão dos sentidos, abandonando o local, o que influi decerto nos limiares de tolerância face a ela. Já o pequeno grupo de detidas, quanto a ele, queixava-se não tanto do odor das coisas prisionais, mas sim dos odores de pessoas outras na prisão, quer dizer, das codetidas: “É este cheiro a suor, a catinga, as drogadas que vomitam… É um cheiro que se entranha na cadeia, entranha-se na gente”.

O olfato põe de fato em jogo categorias e seus limites. Os odores têm essa qualidade de se desprender dos corpos e de atravessar fronteiras. Como mostraram há muito David Howes (1991)HOWES, D. (1991), “Olfaction and transition”. In: HOWES, D. (org.). The varieties of sensory experience: a sourcebook in the anthropology of the senses. Toronto, University of Toronto Press, pp. 128-174. e Alfred Gell (1977)GELL, A. (1977), “Magic, perfume, dreams”. In: LEWIS, I. (org.), Symbols and sentiments: cross-cultural studies in symbolism. Londres, Academic Press, pp. 25-88., são por isso especialmente apropriados para exprimir a ideia de contágio ou de ação à distância9 9 . Ver Cunha e Durand (1999) para um desenvolvimento desse ponto. . Não terá sido por acaso, de resto, que no século XVIII as prisões se tornaram laboratórios de experimentação da ventilação, da desodorização e de outras técnicas sanitárias que, de seguida, se generalizaram às habitações familiares: a ambição higienista encontrava-se então declaradamente cometida a uma preocupação moralizadora e ao ensejo de evitar o contágio criminógeno (Corbin, 1986CORBIN, A. (1986), The foul and the fragrant: odor and the French social imagination. Leamington Spa, Berg.). Às reclusas dessa minoria preocupava-as, tal como às da maioria na década precedente, um outro contágio, um outro nivelamento: aquele que dissolve as fronteiras entre os corpos, que esgaça os limites entre pessoas e categorias de pessoas. Essas presas queriam distância, impermeabilidade e diferença. Os odores, pelo contrário, homogeneizam, aproximam, sincronizam (Howes, 1991HOWES, D. (1991), “Olfaction and transition”. In: HOWES, D. (org.). The varieties of sensory experience: a sourcebook in the anthropology of the senses. Toronto, University of Toronto Press, pp. 128-174., p. 5; Simmel, 1986, p. 237).

Como se referiu acima, a socialidade prisional na década anterior podia ser caracterizada no essencial como uma dinâmica proliferante de delimitação de fronteiras, exercício esse agora quase impercetível e limitado a uma discreta minoria de detidas. Com a notória exceção deste grupo, a globalidade da população reclusa deixou de se pautar pelo pavor da contaminação microbiana e de o subsumir no receio mais amplo da insalubridade intrínseca das coprisioneiras, uma impureza essencializada que se propagaria às coisas e resistiria a qualquer lavagem ordinária.

De modo similar, não se via mais ontologicamente afetada por certos barulhos e certos odores. Sons e cheiros perturbadores deixaram de assumir significados sociais diferenciados consoante o seu potencial para subverterem fronteiras simbólicas e intersubjetivas. Quando muito, o desconforto que provocavam seria da mesma natureza do induzido por outros. Não se lhes atribuía uma propriedade distinta por serem identificados com uma categoria particular de pessoas que os tornaria especialmente intoleráveis. Passaram a ser percebidos como emanando genericamente, como todos os outros, do ambiente físico e humano da prisão. Assim, apesar de em ambos os períodos as prisioneiras estarem expostas a uma paisagem sonora e olfativa comum, não experimentavam nem falavam do mesmo modo de cheiros e ruídos. O sentido da experiência corporal era mediado por relações sociais (Howes, 2003HOWES, D. (2003), Sensual relations: engaging the senses in culture and social theory. Ann Arbor, University of Michigan Press.; Classen, 1998CLASSEN, C. (1998), The colour of angels: cosmology, gender, and aesthetic imagination. Londres/Nova York, Routledge.; Wacquant, 2015WACQUANT, L. (2015), “For a sociology of flesh and blood”. Qualitative Sociology, 38: 1-11.).

Isso é tanto mais assim quanto se considera a importância do corpo como sede da noção de pessoa e cena de processos identitários. Dada a lógica de oposição recíproca que no período anterior – e residualmente no presente – estruturava a identidade na prisão, era estreito o elo entre corpo, subjetividade e sentido individuado do eu10 10 . “This connection should evidently not be taken as a given. Its form and content vary, as different cultural notions of person make apparent: more or less individuated and bounded by the body, more or less structurally enmeshed in social relations” (e.g. Csordas, 1994; Strathern e Stewart, 2011; Turner, 1994, 1995). . É certo que o poder institucional acicatava essa justaposição. Como acontece com frequência nas instituições prisionais, não era uma coincidência que o sentido do eu fosse desestabilizado pelo modo como a máquina niveladora da instituição agia sobre o corpo, desde a padronização da aparência pelo porte de uniforme, à também uniforme comida institucional. Ou, inversamente, que a resistência a ela passasse também por essas mesmas vias, ingerindo a comida trazida por visitantes, renunciando à alimentação prisional (Cerbini, 2012CERBINI, F. (2012), La Casa de Jabón: etnografía de una Cárcel Boliviana. Barcelona, Bellaterra.; Cunha, 2018CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.; Smoyer, Lopes e Giza, 2017SMOYER, A. B. & LOPES, G. (2017), “Hungry on the inside: prison food as concrete and symbolic punishment in a women’s prison”. Punishment & Society, 19 (2): 240-255.; Ugelvik, 2011UGELVIK, T. (2011), “The hidden food: mealtime resistance and identity work in a Norwegian prison”. Punishment & Society, 1: 47-63.), sobreinvestindo na aparência (por relação à vida antecarceral) e ficando particularmente atenta ao corpo (Cunha, 1996CUNHA, Manuela Ivone. (1996), “O corpo recluído: controlo e resistência numa prisão feminina”. In: VALE DE ALMEIDA, Miguel (org.). Corpo presente: treze reflexões antropológicas sobre o corpo. Oeiras, Celta, pp. 72-86.). Como defendeu Drew Leder (1990LEDER, D. (1990), The absent body. Chicago, University of Chicago Press., pp. 90-91), um corpo mudo e ausente no dia a dia reimpõe-se à consciência quando das suas disfunções ou em situações anômalas (Cunha, 1996CUNHA, Manuela Ivone. (1996), “O corpo recluído: controlo e resistência numa prisão feminina”. In: VALE DE ALMEIDA, Miguel (org.). Corpo presente: treze reflexões antropológicas sobre o corpo. Oeiras, Celta, pp. 72-86.).

Mas a consciência aguda da corporalidade não estava apenas associada ao sentido de alienação induzido pelo poder decisivo da instituição sobre o corpo. Em situação de clausura está-se permanentemente à escuta dos seus sinais, já que a resolução de um eventual problema de saúde não depende apenas da iniciativa própria e da disponibilidade do médico. Entre ambos interpõe-se um processo burocrático extramédico cujo desenlace, do ponto de vista das presas, era sempre incerto. A consciência exacerbada do corpo era também a consciência do esboroar das fronteiras entre indivíduos, pelo que a preservação das fronteiras do sujeito dependia da preservação da impermeabilidade corpórea.

No período da primeira pesquisa, não apenas a densidade física e a sobrelotação em si eram vividas como invasivas da esfera individual. Esse para-sentido que é a proxemia – a relação social, culturalmente definida, com o espaço (Hall, 1969) – também depende do contexto. A exposição permanente ao olhar de outrem resultava particularmente intrusiva na esfera privada. Várias reclusas sofriam de problemas metabólicos (obstipação, cálculos renais) em consequência de inibições na coabitação celular, dado o forte sentimento de pudor e opróbrio face às excreções corporais.

Uma década depois, porém, era frequente que as colegas de cela pertencessem ao círculo dos íntimos. Parentes, amigas e vizinhas não atentavam tão criticamente contra a intimidade e a integridade pessoal quanto os estranhos. Alguns contraexemplos ocorriam ainda, normalmente no pequeno grupo de prisioneiras de proveniência socioespacial distinta da da maioria, como quando uma delas evitava despir-se em frente às outras antes de entrar no chuveiro. Em lugar de ser atribuído a embaraço ou timidez, esse comportamento tendia então a ser causticado como esquisito e distanciador, presumindo que a colega se consideraria superior às outras e diferente delas.

Recusar ofertas e apoio das codetidas, fosse de alimentos ou de qualquer tipo de ajuda, era também entendido como uma conduta estranha e altiva. Suscitava por isso o mesmo tipo de reprovação, em especial se a pessoa em questão fosse originária dos mesmos bairros que as restantes. Foi o que sucedeu com Mina, uma cabo-verdiana condenada por tráfico. Precisamente por ser vista como uma igual, a atitude dessa reclusa tornou-se mais conspícua e foi considerada ainda mais ofensiva. As tensões a que alude em baixo foram tanto mais reveladoras quanto a sua única falta foi a de “não pedir” nada a ninguém. Recém-chegada na altura, não se tinha ainda dado conta de que, dentro da categoria coletiva com que foi identificada, a oferta não é geralmente nem agonística nem caridosa, exercendo-se antes como uma simples partilha. A ressonância maussiana do seu entendimento da dávida é inescapável:

Estão-me sempre a acusar que eu sou esquisita, porque eu não peço nada a ninguém, mesmo se não tenho. “Não pede, é esquisita”; “Ai, é esquisita, pensa que somos menos que ela.” Não imagina o que é… Estou a ficar com os nervos em pé por causa disto. Não é por mal, é que eu não quero ficar a dever favores. Quem dá fica por cima dos outros e eu não quero ficar por baixo (Mina).

Dentro dessa categoria coletiva – definida, lembre-se, por uma proveniência socioespacial comum –, veleidades distanciadoras como a de Mina são vivamente censuradas e consideradas ilegítimas: não se vendo como “menos que ela”, as colegas escarneceram das pretensões que lhe imputaram e rapidamente a reabsorveram numa comunidade de iguais através da dádiva. Meses mais tarde, Mina louvaria de modo entusiástico as práticas de partilha e apoio mútuo entre colegas, uma solidariedade que acabaria depois por abraçar sem reservas. E ao contrário do que antevira, a dádiva não a inferiorizou, apenas a realinhou com as codetidas.

Em suma, onde antes o desvinculamento ostensivo era a norma, uma década depois seria desvio; onde o que perturbava eram os signos de homogeneização, seriam depois os signos de distinção; onde se tentava preservar a diferença, procurava-se agora assegurar a semelhança. Para mais, na década precedente, a dinâmica de interposição de fronteiras era essencialmente inter-individual, tratando-se de enjeitar o nivelamento estigmatizante pela condição reclusa. Dez anos mais tarde, porém, a demarcação residual que subsistia comportava uma acentuada dimensão socioespacial e de classe. As prisioneiras da pequena minoria de classe média não se distanciavam tão somente das codetidas como tal. Distanciavam-se, também, do pessoal “dos bairros e da droga”. A clivagem social pré-prisional era agora demasiado cavada para ser mascarada por quaisquer eventuais hierarquias ou diferenciações intraprisionais – as quais, de resto no passado, pouco repercutiam a estratificação extramuros.

Inscrições

A clivagem social encontrava-se também inscrita na superfície do corpo. Ao contrário do que foi reportado para outras instituições prisionais (Demello, 1993DEMELLO, M. 1993. “The convict body: tattooing among male American prisoners”. Anthropology Today, 9 (6): 10-13.), as tatuagens não comunicavam aqui diferenças ou traçavam fronteiras entre categorias de pessoas, fossem de gangue, étnicas ou de bairro. O bairro é sem dúvida um referente identitário importante e é investido como lugar de pertença, pertença essa que pode ser codificada por uma tatuagem específica. Assim mo assegurou uma detida, que me explicou serem os pontos que marcara na face a assinatura do seu bairro: “É porque sou da Musgueira”. Porém, outras reclusas, de outros bairros, ostentam o mesmo sinal: um ponto ao cimo de uma face e um outro na face oposta, no canto inferior da boca. “Usa-se assim”, ou “Agora vê-se muito”, parecendo neste caso limitar-se a uma valência decorativa. Gadget simbólico ou não – ou, como todos os símbolos, plurívoco –, podia ostentar para algumas uma pertença, mas não comunicava fronteiras, pois, sendo amplamente emprestado e partilhado por muitas, não tinha eficácia enquanto signo distintivo.

O mesmo se passava com outros ícones que poderiam exprimir o estatuto recluso. Contavam-se entre eles a quina de pontos entre o indicador e o polegar (desenhando, segundo algumas detidas, o cerco das grades ou da cela) e o trevo, os vértices de um triângulo estilizado numa mão. O trevo era um voto de que a carreira prisional se interrompa a breve trecho (“É para cortar a cadeia às que já levam muitos anos disto”), mas também o signo de que essa carreira é longa (“Já sou castarola”, dizia uma das detidas). Inscrevia portanto no corpo uma história, para ser lida por si e por outros. Era porém uma história que não conferia um especial prestígio, por exemplo promovendo as veteranas e distinguindo-as das novatas. Era aliás com displicência, não com orgulho, que esta detida acedia a mostrar de perto o seu trevo às colegas que queriam comparar técnicas e tamanhos.

Quanto à quina, não se reveste de um particular valor iniciático, assinalando a entrada na cadeia. Várias reclusas já a traziam desenhada previamente, inspiradas, segundo contam, nas tatuagens de parentes, amigos e vizinhos que enfrentaram a detenção antes delas. É certo que esse símbolo é usado por uma grande variedade de pessoas no mundo livre e não se esgota na valência do cárcere (há quem lhe chame, simplesmente, “o solitário”), tal como o trevo será, para muitos, o signo da felicidade. No contexto desses bairros, contudo, um e outro situam-se, de fato, na órbita da prisão, estreitando-lhes o sentido e vergando-o a ela. Também aqui se trata, mais uma vez, da incorporação da prisão no bairro, literalmente inscrita agora na pele.

Mas se as tatuagens não inscreviam fronteiras e diferenças, deixavam ver distâncias. Em particular, tornavam hipervisível a disparidade social entre a maioria das presas de meios pobres e a minoria de meios mais favorecidos. Quando se tratava de decorar o corpo, recorria-se a uma gama iconográfica variada, desde rosas e morangos a sereias, passando pelos motivos dos signos do Zodíaco e do yin-yang. No entanto, um mesmo motivo podia revelar coisas diversas. De um lado, uma sofisticada rosa colorida, de traço fino e discretamente disposta no ombro; do outro, uma rudimentar rosa monocromática, de traço grosso e impreciso, desenhada em grande formato numa zona mais pública (o braço ou a perna). Essa diferença estilística parece decorrer, porém, menos do gosto do que de constrangimentos técnicos, que resultam, por sua vez, de discrepâncias socioeconômicas. Como notou Demello (1993)DEMELLO, M. 1993. “The convict body: tattooing among male American prisoners”. Anthropology Today, 9 (6): 10-13., o recurso a um tatuador profissional permite aceder a uma outra qualidade que não a das tatuagens artesanais, feitas com molas de roupa, agulhas de coser e tinta da China. Realizadas pela própria (ainda que nalguns casos ajudada pelas colegas), dispõem-se em locais mais acessíveis – e expostos; realizadas à mão, e não à máquina, o traço é inevitavelmente tosco e o processo doloroso (a agulha terá de passar repetidamente na pele). Além de grosseiras, tropeça-se, por isso, em tatuagens incompletas, pedaços de figuras e de nomes que não se teve a coragem nem o afinco de levar até ao fim.

Se já não vinham marcar fronteiras entre bairros, as tatuagens reuniam-nos numa mesma imperfeição. O fosso social cavou-se, também ele, à superfície do corpo. Tal divisão cruzava-se, além disso, com uma distância envolvendo noções de gênero. Uma detida que se identificava como de classe média falava-me não só de corpos demasiado legíveis e demasiado marcados, mas ainda de corpos que se situariam nos antípodas das suas noções de feminilidade: “Aquilo é tão feio. Ainda p’ra mais numa mulher. As [tatuagens] TÃO à mostra […] Tudo torto, tudo malfeito… Dá cá um mau aspecto… Depois querem arranjar emprego e têm aquilo nos braços, mais as cicatrizes dos cortes [automutilações]. Depois essa gente dos bairros admira-se de não sair da cepa torta!”.

Essa “gente dos bairros” expressão pela qual se referia à maioria das prisioneiras – definia na prisão, como vimos, uma zona de identidade e agencialidade coletiva sem paralelo no passado, assente em laços de parentesco e vizinhança e num estigma pré-prisional partilhado. Nesse sentido pode falar-se de “comunidade”, manifesta em práticas coletivas e em narrativas locais. Atos de partilha e interajuda eram correntes, incluindo assistência a usuárias de drogas recém-chegadas em síndrome de abstinência, lavando-as, tratando-as e alimentando-as. Manifestações de solidariedade organizada à grande escala não eram incomuns, como cotizações a favor de colegas desmunidas na iminência de sair; petições assinadas por 90% das internadas intercedendo por codetidas, alvo de castigos considerados injustos ou excessivos. Dez anos antes, apenas testemunhara duas ações concertadas de amplitude análoga, mas de sentido inverso. Uma delas exigia a divulgação dos resultados dos rastreios de doenças transmissíveis e o isolamento das codetidas afetadas.

Essas transformações no sentido das práticas acompanhavam-se de transformações no sentido das percepções. Na década anterior, a noção de amizade era explicitamente negada na prisão. Embora existissem, de fato, relações de amizade caracterizadas pela entreajuda estreita e apoio afetivo, não eram reconhecidas como tal, e essa existência era velada discursivamente. À pergunta “Tem amigas [na prisão]?”, as detidas respondiam quase invariavelmente que não, embora as mesmas interlocutoras enumerassem sem hesitação os nomes de algumas codetidas quando a reformulava como “Quantas amigas tem?”.

Uma delas dissera-me numa ocasião que “Amigas é lá fora; aqui há é boas companheiras”. Na verdade, essa detida não estava a classificar o seu leque específico de relações dentro e fora da prisão, mas sim a exprimir a oposição dentro/fora que organizava as representações das prisioneiras sobre o seu mundo social. Possivelmente no mundo exterior essas mesmas “boas companheiras” seriam descritas como “amigas”. Essa distinção terminológica parecia na realidade traduzir diferentes graus de proximidade do que o fato das relações “reais” serem apenas concebíveis no mundo “real”, entendido como o mundo livre.

Dez anos depois, designações como “amiga” circulavam sem reserva. Não apenas porque “amigas” do exterior encontravam-se agora também elas na prisão, mas porque passou a haver continuidade, em vez de oposição, entre os mundos sociais e morais intra e extramuros. Para mais, emergia agora uma nova retórica de comunidade, reiterada em expressões como “Estamos todas no mesmo barco”. Isso não implica, sublinhe-se, a ausência de tensões e conflitos interpessoais no cotidiano prisional, que poderiam ser tão frequentes e vívidos como no período anterior. Mas a sua natureza não era já a mesma e decorria do caráter pré-prisional da maior parte das relações carcerais. Ao contrário do que sucedia no passado, as codetidas eram criticadas sobretudo enquanto amigas, parentes ou vizinhas falhadas no seu papel – não alterizadas enquanto “condenadas”. A comunidade passaria a ser afirmada espontaneamente, não imposta pelo dispositivo da instituição total (Goffman, 1961GOFFMAN, E. (1961), Asylums: essays on the social situation of mental and other inmates. Nova York, Garden Books.) e vivida como uma ameaça pelas detidas. Neste contexto, as fronteiras corporais cessariam de ser patrulhadas com o mesmo vigor com que o eram antes.

Nervos e ataques

Do mesmo modo que era com o corpo e pelo corpo que antes se afirmava a individualidade, também seria com o corpo e pelo corpo que uma década depois se exprimiria a comunidade. Ataques, quer dizer, episódios de prostração ou paralisia atribuídas pelas presas aos nervos, podem ser compreendidos a esta luz. Tais episódios, pelos quais uma internada tombava inerte no chão, desfalecendo ou quedando-se imóvel, e queixando-se de “não sentir as pernas” ou de “ficar descaída”, ocorriam no passado na sequência de altercações e tensões com outras presas ou com membros do pessoal. Apesar da sua espetacularidade, eram acolhidos com uma relativa fleuma. Guardas e outro pessoal prisional os desvalorizavam como “histeria” e as codetidas tendiam a desdenhá-los como tentativas “para chamar a atenção”.

Dez anos depois, embora tais fenómenos continuassem a comunicar estresse e infortúnio pessoal, assumiam também de tempos a tempos uma dimensão expressiva para-coletiva. Ocorriam ataques simultâneos, uma sintonia dos corpos demonstrativa, e performativa, de uma sintonia de emoções. Numa ocasião, por exemplo, deu-se um clamor geral quando correu a notícia de que uma detida de 34 anos, mãe de dois filhos, tinha regressado à prisão com uma pena invulgarmente elevada de vinte anos por tráfico de droga. Algumas presas exclamavam com a mão no peito, outras gritavam, várias tombaram ou desmaiaram. Na comunidade de sentido, sentimento e agencialidade que assim se exprimia, é irrelevante procurar destrinçar o sentimento de solidariedade para com outrem, da perceção de que a sua infelicidade poderá vir a ser o próprio destino amanhã.

Observações finais

Ancoradas em mundos sociais e processos intersubjetivos concretos, as disposições corporais e sensoriais são culturalmente diferentes em lugares diferentes. Mudam, também, no seio de cada lugar. As prisões, porém, são lugares particulares dentro desses lugares. Ainda que dotadas elas próprias de historicidade e por muito aberta que a sua governação se possa ter tornado, a coercividade fundamental que define as instituições de confinamento penal justificou a pertinência de descrições do corpo recluso sobretudo enquanto objeto do poder institucional ou como sítio de resistência. A forma e o conteúdo tanto desse poder como dessa resistência têm sido documentados de maneira sólida na sua ampla variedade pelos estudos prisionais.

Mas seja qual for o modo como o corpo e os sentidos são afetados pelo poder institucional e pelo ambiente ecológico da prisão, a experiência corporal e sensorial intramuros é também mediada e constituída por relações sociais e morais, de tal maneira que torna as experiências corporais do confinamento altamente contextuais.

As etnografias que levei a cabo numa mesma instituição penal em décadas diferentes mostraram como a transformação da socialidade se interceptou com a transformação da incorporação na prisão e da prisão. Tal fato envolveu o âmbito e o sentido de inscrições corporais e de expressões individuais e para-coletivas de tensão e sofrimento, diferentes noções de contágio e diferentes experiências de sons e odores, incluindo variações nas experiências sensoriais que eram relevadas e percebidas como significativas.

Para mais, estas pesquisas etnográficas mostraram como, em ambos os períodos, determinadas fronteiras corporais se articulavam de maneira estreita com fronteiras sociais e morais específicas. Conduzidas em dois momentos-chave, antes e depois do advento do encarceramento concentrado que entrelaçou esta instituição com alguns bairros particularmente penalizados, tais pesquisas proporcionaram uma comparação produtiva entre configurações contrastantes. Captadas na sua forma mais pronunciada, elas adquiriram uma particular relevância analítica, para além da sua relevância descritiva. A interconexão entre os mundos intra e extramuros precipitou de fato uma mudança de relevo nas realidades empíricas, mudança essa que indiretamente se repercutiu e transpareceu nos aspectos mais íntimos e corpóreos da vida intraprisional. À medida que os mundos dentro e fora da prisão se tornavam social e moralmente contíguos, anteriores barreiras intramuros colapsaram, fazendo emergir um sentido de comunidade sem precedentes – comunidade de sentido, de emoções, de agencialidade – e moldando mudanças na experiência corporal e sensorial.

A permeabilidade social e simbólica da fronteira entre o mundo externo e interno também veio com efeito tornar permeáveis as fronteiras intramuros. Com as novas categorias, identificações e subjetividades, as barreiras corpóreas, as fronteiras identitárias e as dinâmicas de distanciação deram lugar a aspectos de relacionalidade e conexão. Em ambos os períodos, corpo e sentido entreteciam-se, portanto, de uma forma que evidenciava a coerência entre a ordem sensorial e a ordem moral. Tal incorporação apresentava-se, por conseguinte, como um registo sensível de mudança.

A comparação entre as configurações opostas que emergiram nesses dois períodos sugere assim que a experiência corpórea do confinamento e o modo como a prisão se torna sensível àqueles e àquelas que encarcera são configurados não apenas pelo caráter “prisional” desse contexto, mas também pelo caráter “contextual” das relações sociais e morais que nele têm lugar, diversamente estruturado por uma diferente ligação ao mundo exterior. Por outras palavras, tais experiências variam não apenas em função da especificidade de circunstâncias próprias à prisão, mas também em função da especificidade das circunstâncias sociais que a atravessam.

Referências Bibliográficas

  • BLACKMAN, L. (2008), The body: the key concepts. Oxford/Nova York, Berg,
  • BOURDIEU, P. (2015), On the State: lectures at the Collège de France. 1989-1992. Oxford, Polity.
  • BOSWORTH M. (2007), “Creating the responsible prisoner: federal admission and orientation packs”. Punishment & Society, 9 (1): 67-85.
  • CARLEN, P. & TOMBS, J. (2006), “Reconfigurations of penality: the ongoing case of the women’s imprisonment and reintegration industries”. Theoretical Criminology, 10 (13): 337-60.
  • CERBINI, F. (2012), La Casa de Jabón: etnografía de una Cárcel Boliviana. Barcelona, Bellaterra.
  • CLASSEN, C. (1998), The colour of angels: cosmology, gender, and aesthetic imagination. Londres/Nova York, Routledge.
  • CORBIN, A. (1986), The foul and the fragrant: odor and the French social imagination. Leamington Spa, Berg.
  • CREWE B. (2009), The prisoner society: power, adaptation, and social life in an English prison. Oxford, Oxford University Press.
  • CSORDAS, T. (1994), “Introduction: the body as representation and being-in-world”. In T. CSORDAS (org.), Embodiment and experience: the existential ground of culture and self. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 1-24.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (1994), Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa, Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, CEJ.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (1996), “O corpo recluído: controlo e resistência numa prisão feminina”. In: VALE DE ALMEIDA, Miguel (org.). Corpo presente: treze reflexões antropológicas sobre o corpo. Oeiras, Celta, pp. 72-86.
  • CUNHA, Manuela Ivone. ([2002] 2018), Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa, Etnográfica Press.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (2005), “From Neighborhood to prison: women and the war on drugs in Portugal”. In: SUDBURY, J. (org.), Global lockdown: imprisoning women, engendering resistance. Nova York/Londres, Routledge, pp. 155-165.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (2008), “Closed circuits: kinship, neighborhood and imprisonment in urban Portugal”. Ethnography, 9 (3): 325-350.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (2014), “Categorias de diferença, crime e reclusão: glossários, estatísticas e experiências”. In: MATOS, Raquel (org.). Género, nacionalidade e reclusão: olhares cruzados sobre migrações e reclusão feminina em Portugal. Porto, Católica, pp. 161-180.
  • CUNHA, Manuela Ivone. (2018), “Comida, comensalidade e reclusão: sentidos do que se (não) come, como e com quem numa prisão portuguesa”. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 58: 341-358. Disponível em http://hdl.handle.net/1822/55891
    » http://hdl.handle.net/1822/55891
  • CUNHA, Manuela Ivone & DURAND, Jean-Yves. (1999), “Odeurs, odorats, olfactions: une ethnographie osmologique”. In: MUSSET, Daniéle & FABRE-VASSAS, Claudine (orgs.). Odeurs, et parfumes. Paris, Editions du Comité des Travaux Historiques et Scientifiques, pp. 161-177.
  • CUNHA, Manuela Ivone & R. GRANJA, Rafaela. (2014), “Gender asymmetries, parenthood and confinement in two Portuguese prisons”. Champ Pénal, XI.
  • DEMELLO, M. 1993. “The convict body: tattooing among male American prisoners”. Anthropology Today, 9 (6): 10-13.
  • FOUCAULT, M. (1975), Discipline and punish: the birth of the prison. Nova York, Random House.
  • GARLAND, D. (1990), Punishment and modern society: a study in social theory. Oxford, Clarendon Press.
  • GELL, A. (1977), “Magic, perfume, dreams”. In: LEWIS, I. (org.), Symbols and sentiments: cross-cultural studies in symbolism. Londres, Academic Press, pp. 25-88.
  • GESCHIERE P. & B. MEYER. (1998), Globalization and identity: dialectics of flow and closure. Oxford, Blackwell.
  • GOFFMAN, E. (1961), Asylums: essays on the social situation of mental and other inmates. Nova York, Garden Books.
  • HOWES, D. (1991), “Olfaction and transition”. In: HOWES, D. (org.). The varieties of sensory experience: a sourcebook in the anthropology of the senses. Toronto, University of Toronto Press, pp. 128-174.
  • HOWES, D. (2003), Sensual relations: engaging the senses in culture and social theory. Ann Arbor, University of Michigan Press.
  • LEDER, D. (1990), The absent body. Chicago, University of Chicago Press.
  • LIEBLING, A. & ARNOLD, H. (2004), Prisons and their moral performance: a study of values, quality and prison life. Oxford, Clarendon Press.
  • LIEBLING, A. & LUDLOW, A. (2016), “Suicide, distress and the quality of prison life”. In: JEWKES, Y.; CREWE, B. & BENNETT, J. (orgs.). Handbook on prisons. Londres, Routledge, pp. 224-245.
  • MINISTÉRIO da Justiça de Portugal. (1987, 1997, 1987-2000), Estatísticas da Justiça.
  • MOL, A. (2002), The body multiple: ontology in medical practice. Londres/Nova York, Duke University Press.
  • SIMMEL, G. ([1907] 1997), “Sociology of the senses”. In: FRISBY, D. & FEATHERSTONE, M. (orgs.), Simmel on culture. Londres, Sage, pp. 109-119.
  • SMOYER, A. B. & LOPES, G. (2017), “Hungry on the inside: prison food as concrete and symbolic punishment in a women’s prison”. Punishment & Society, 19 (2): 240-255.
  • STRATHERN, A. & STEWART, P. (2011), “Personhood: embodiment and personhood”. In: MASCIA-LEES, F. (org.). A companion to the anthropology of the body and embodiment. Malde, MA, Wiley- Blackwell, pp. 388-402.
  • TRAMMELL, R. (2012), Enforcing the convict code: violence and prison culture. Boulder/Londres, Lynne Rienner.
  • TURNER, Terence. “Bodies and anti-bodies: flesh and fetish in contemporary social theory”. In: CSORDAS, T. (org.). Embodiment and experience: the existential ground of culture and self. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 27-47.
  • TURNER, Terence. (1995), “Social body and embodied subject: bodyliness, subjectivity and sociality among the Kayapo”. Cultural Anthropology, 10 (2): 143-170.
  • UGELVIK, T. (2011), “The hidden food: mealtime resistance and identity work in a Norwegian prison”. Punishment & Society, 1: 47-63.
  • WACQUANT L. (2013), Deadly symbiosis: race and the rise of the penal state. Cambridge, UK, Polity Press.
  • WACQUANT, L. (2015), “For a sociology of flesh and blood”. Qualitative Sociology, 38: 1-11.
  • 1
    . Uma versão modificada deste texto consta em The Cambridge Journal of Anthropology, 38 (1), 2020.
  • 2
    . Para um balanço, ver Cunha (2014)CUNHA, Manuela Ivone. (2014), “Categorias de diferença, crime e reclusão: glossários, estatísticas e experiências”. In: MATOS, Raquel (org.). Género, nacionalidade e reclusão: olhares cruzados sobre migrações e reclusão feminina em Portugal. Porto, Católica, pp. 161-180..
  • 3
    . Estabelecimento Prisional de Tires (Tires ou EPT, daqui em diante). Criado em 1954 nos arredores de Lisboa, continua a ser a mais importante instituição prisional de mulheres no país.
  • 4
    . Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. Inaugurado em 2005 perto da cidade do Porto, foi projetado para acolher uma população penal semelhante à de Tires.
  • 5
    . Em Portugal, a população reclusa cresceu neste período de 7.965 para 14.236, registando a taxa de presos por 100 mil habitantes mais elevada na União Europeia. O país encabeçou a EU ao longo da década de 1990 com taxas de reclusão entre 128 e 145 por 100 mil habitantes (Ministério da Justiça, 1987, 1997, 1987-2000).
  • 6
    . Uma estimativa conservadora baseada nos processos das detidas indica uma proporção de delitos na órbita da pequena economia da droga na ordem dos 88%.
  • 7
    . Esse grupo de detidas representa uma proporção de pouco mais de 10% dessa população prisional.
  • 8
    . Tais utensílios foram, entretanto, erradicados das prisões portuguesas.
  • 9
    . Ver Cunha e Durand (1999)CUNHA, Manuela Ivone & DURAND, Jean-Yves. (1999), “Odeurs, odorats, olfactions: une ethnographie osmologique”. In: MUSSET, Daniéle & FABRE-VASSAS, Claudine (orgs.). Odeurs, et parfumes. Paris, Editions du Comité des Travaux Historiques et Scientifiques, pp. 161-177. para um desenvolvimento desse ponto.
  • 10
    . “This connection should evidently not be taken as a given. Its form and content vary, as different cultural notions of person make apparent: more or less individuated and bounded by the body, more or less structurally enmeshed in social relations” (e.g. Csordas, 1994CSORDAS, T. (1994), “Introduction: the body as representation and being-in-world”. In T. CSORDAS (org.), Embodiment and experience: the existential ground of culture and self. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 1-24.; Strathern e Stewart, 2011STRATHERN, A. & STEWART, P. (2011), “Personhood: embodiment and personhood”. In: MASCIA-LEES, F. (org.). A companion to the anthropology of the body and embodiment. Malde, MA, Wiley- Blackwell, pp. 388-402.; Turner, 1994, 1995).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2019
  • Aceito
    27 Set 2019
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br