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TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EDUCACIONAL DE LIBRAS-LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR: DESDOBRAMENTOS DE UMA ATUAÇÃO

EDUCATIONAL TRANSLATION AND INTERPRETATION OF LIBRAS - PORTUGUESE IN HIGHER EDUCATION: DEPLOYMENT OF AN ACTION

RESUMO

O Tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais-Língua Portuguesa - TILSP que atua em sala de aula apresenta atribuições que não se restringem à mediação comunicativa entre as línguas, mas abarcam a promoção de interações discursivas entre surdos e ouvintes que levam à construção de sentidos e, por conseguinte, à produção do conhecimento. Para isso, ele precisa conhecer o perfil do estudante com quem irá atuar e, então, selecionar métodos e estratégias linguísticas, interpretativas e tradutórias condizentes com o aprendiz. Também necessita estabelecer uma relação de parceria com os professores, objetivando adequações linguísticas aos diversos campos do conhecimento. Diante disso, realizamos uma pesquisa que visou refletir sobre a atuação de um TILSP na perspectiva da educação superior, discutindo questões que vão além da proficiência linguística e envolvem também estratégias de atuação do profissional para lidar com estudantes surdos. Os resultados demonstraram que devido às particularidades dos cursos e às diferenças linguísticas entre os surdos, o TILSP tende, por exemplo, a expandir a interpretação, acrescentando termos que, a princípio, não estariam no discurso fonte e a intensificar o uso de classificadores para que a mensagem seja melhor compreendida. Trazer à tona essas questões contribui para que revisitemos a multiplicidade do universo da tradução e da interpretação em relação às possíveis estratégias de atuação a serem utilizadas, além das nuances da educação de surdos em ambientes de ensino superior inclusivos.

Palavras-chave:
ensino superior; tradução e interpretação educacional de Libras-Língua Portuguesa; práticas de atuação

ABSTRACT

The Translator and Interpreter of Brazilian Sign Language-Portuguese - TILSP which works in the classroom presents assignments that are not restricted to communicative mediation between languages, but include the promotion of discursive interactions between the deaf and the hearing that lead to the construction of meanings and therefore to the production of knowledge. For this, he needs to know the profile of the student who will act and then select linguistic, translational and interpretive methods and strategies appropriate to the student. It also needs to establish a partnership relationship with teachers, aiming at linguistic adjustments to the various fields of knowledge. In view of this, we conducted a research that aimed to reflect on the performance of a TILSP from the perspective of higher education, discussing issues that go beyond language proficiency and also involve professional action strategies to deal with deaf students. The results showed that, due to the particularities of the courses and the linguistic differences among the deaf, the TILSP tends, for example, to expand the interpretation, adding terms that would not be in the source discourse in the first, and to intensify the use of classifiers, so that the message is better understood. Bringing these issues together helps us revisit the multiplicity of the universe of translation and interpretation regarding possible action strategies to be used, as well as the nuances of deaf education in inclusive higher educational spaces.

Keywords:
higher education; educational translation and interpretation of Libras-Portuguese; practices of action

INTRODUÇÃO

É consensual que todo empreendimento realizado na educação superior tem a intenção de formar profissionais capazes de atuar, aprimorar e modificar a sociedade em que vivem. Para alcançar esse propósito, as entidades educacionais buscam promover um ambiente estruturado, em que os pensamentos, os questionamentos críticos e a diversidade de ideias e de pessoas se façam presentes.

Entre tais ensejos, a participação de pessoas com deficiência nas instituições de ensino superior, especialmente na condição de estudantes, tem se mostrado como uma profícua oportunidade de estabelecimento de interações e relações singulares, que podem levar à construção de novos conhecimentos e significados a partir das subjetividades dos diferentes sujeitos que compartilham esse espaço.

No entanto, a inclusão de estudantes com deficiência nas faculdades, nos centros universitários e nas universidades também é permeada por grandes desafios, pois tais instituições, apesar de ampliarem o acesso, ainda não desenvolveram mecanismos de permanência e de boa formação para esses discentes, como problematizado por Pieczkowski (2014)PIECZKOWSKI, T. M. Z. (2014). Inclusão de estudantes com deficiência na educação superior: efeitos na docência universitária. Tese. (Doutorado em Educação). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.. Em relação aos docentes que recebem tais estudantes, a pesquisadora identificou que a inclusão universitária provoca uma mobilização na prática pedagógica a partir da necessidade de desenvolver novas formas de ensinar, aprender, avaliar, organizar o espaço e o tempo e de se repensar como professor. Tal mobilização é acompanhada por sentimentos ambivalentes como “receio”, “angústia” e “desconforto”, mas também “curiosidade”, “surpresa”, “descoberta” e “felicidade” (p. 183). Finalmente, ela indica que a inclusão promove, nesse encontro com “o outro”, efeitos no “jeito de ser e conceber a docência, a democratização da educação e o conhecimento”. (p. 191).

Ainda quanto à inclusão no ensino superior, Martins, Leite e Lacerda (2015)MARTINS, V. R. O.; NASCIMENTO, V. (2015). Da formação comunitária à formação universitária (e vice e versa): novo perfil dos tradutores e intérpretes de língua de sinais no contexto brasileiro. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 78-112., após realizarem uma pesquisa documental com base nas informações do Censo da Educação Superior e dos documentos do Programa Incluir1 1 Este programa foi instituído em 2005, pelo Ministério da Educação, com o propósito de fecundar e alimentar, por meio da abertura de editais, a (re)elaboração de unidades internas de acessibilidade nos institutos e universidades federais. Esta medida tende a possibilitar e a resguardar o acesso e a permanência de pessoas com deficiência a esses espaços de ensino superior. , ressaltam que, nos últimos anos, houve um significativo aumento no acesso dos estudantes com deficiência a essa etapa educacional, principalmente nas instituições públicas, mas que os números ainda não são equivalentes aos de ingresso na educação básica. Na análise das pesquisadoras, a deficiência auditiva e surdez correspondeu a 24,34% das pessoas com deficiência matriculadas, o que demandou diversos recursos de acessibilidade, como tradutor e intérprete, material didático em Língua Brasileira de Sinais - Libras, inserção da disciplina de Libras nos cursos e material didático acessível em formatos impresso e digital.

Em relação aos surdos, diante da sua singularidade linguística, podemos atribuir novos significados às proposições de Mélo e Soares (2012)MÉLO, A. D. B.; SOARES, F. P. (2012). O intérprete de Língua de Sinais (ILS) no ensino médio. In: LODI, A. C. B.; MÉLO, A. D. B.; FERNANDES, E. (Orgs.). Letramento, bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, p. 373-391. e incluir o ensino superior no bojo da discussão sobre a formação desses estudantes, situando os Estudos Surdos e os Estudos Culturais em Educação no âmbito dessa etapa educacional. Considerando que as políticas educacionais inclusivas também são voltadas ao ensino superior e que as recentes políticas de ações afirmativas têm ampliado o acesso desses estudantes às universidades públicas brasileiras, faz-se necessária uma discussão sobre a legitimação e a valorização das suas diferenças linguísticas e culturais como medida de permanência nesses espaços. Isso não significa apenas reconhecer a importância da língua de sinais na construção dos conhecimentos dos estudantes surdos, mas compreender as particularidades linguísticas envolvidas, especialmente as implicações relacionadas à aquisição e desenvolvimento da língua de sinais e à promoção das interações entre surdos e surdos e surdos e ouvintes nos diversos contextos que permeiam o ambiente universitário.

No que se refere ao desenvolvimento da língua, tal compreensão é necessária uma vez que a maioria dos surdos nasce em famílias ouvintes que não usam a língua de sinais, dispondo, portanto, de poucos ambientes para o desenvolvimento linguístico de maneira natural. Diante disso, alguns surdos têm chegado às universidades, como relatado em Valadão et al. (2017)VALADÃO, M. N. et al. (2017). Experiência de ensino da língua portuguesa por meio de gêneros discursivos para uma estudante surda do ensino superior. Gláuks - Revista de Letras e Artes, v. 17, n. 01, p. 78-96., sem uma língua consolidada. Além disso, esse público, historicamente, também tem sofrido com uma precária escolarização básica, o que implica um ingresso no ensino superior com sérias defasagens linguísticas e educacionais. Ademais, os espaços universitários apresentam uma estrutura organizacional que ainda é pensada por e para pessoas ouvintes, levando ao que Santos e Campos (2013, p. 20)SANTOS, L. F.; CAMPOS, M. L. I. L. (2013). Educação especial e educação bilíngue para surdos: as contradições da inclusão. In: ALBRES, N. A.; NEVES, S. L. G. (Orgs.). Libras em estudo: política educacional. São Paulo: FENEIS, p. 13-38. criticam, isto é, a uma inclusão que exige “dos surdos a participação na experiência ouvinte, colocando-os de volta ao colonialismo e os limitando de mostrar a diferença”.

Isso porque as políticas públicas educacionais inclusivas têm se articulado timidamente com as políticas linguísticas voltadas ao atendimento das demandas da comunidade surda e, no âmbito do ensino superior, os esforços têm sido voltados quase que exclusivamente para a contratação de profissionais Tradutores e Intérpretes de Libras-Língua Portuguesa - TILSPs como medida promotora da acessibilidade comunicativa. Tais profissionais são incumbidos da responsabilidade de intermediar as relações entre surdos e ouvintes nas mais diversas situações pertinentes ao contexto acadêmico, como em eventos, reuniões, assembleias e, principalmente, nas aulas. Todavia, essa incumbência é realizada de maneira modesta, sem um planejamento consciente que leve à inclusão do público surdo, com todas as suas particularidades, aos mais profundos estudos teóricos e práticos, às pesquisas e às atividades sociais realizadas no âmbito das instituições de ensino superior. Além disso, há ainda uma discrepância entre a formação e a atuação do profissional, já que a Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010 (BRASIL, 2010), que reconhece e regulamenta a profissão dos TILSPs2 2 No documento oficial, a nomenclatura empregada é Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais-Libras. Entretanto, como ao longo da legislação o par linguístico instituído é entre a Libras e a Língua Portuguesa, optamos por destacá-lo em sua alusão no corpo do texto. , indica que a formação desse profissional é em nível médio, o que leva à contratação de profissionais formados em um nível de escolaridade que não se alinha às necessidades que serão enfrentadas no âmbito da educação superior.

Considerando as questões supracitadas, este artigo se propõe a refletir sobre a atuação do profissional na perspectiva da educação superior, discutindo questões que vão além da proficiência linguística e envolvem também estratégias de atuação que devem ser desenvolvidas para que os surdos alcancem uma formação adequada aos propósitos dessa etapa educacional. Importa mencionar que as investigações sobre o trabalho dos TILSPs nas instituições de ensino superior ainda é um campo de estudo pouco explorado, quando comparado aos estudos sobre a educação básica, como apontado por Lacerda e Gurgel (2011)LACERDA, C. B. F.; GURGEL, T. M. A. (2011). Perfil de tradutores-intérpretes de Libras (TILS) que atuam no ensino superior no Brasil. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 17, n. 3, p. 481-496., Sales (2014)SALES, A. M. (2014). A atuação do Intérprete de LIBRAS no Ensino Superior: focalizando sua atuação em sala de aula. Tese. (Doutorado em Educação Especial). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., Silva (2014)SILVA, A. M. (2014). Análise da participação dos alunos surdos no discurso de sala de aula do mestrado na UFSC mediada por intérpretes. In: QUADROS, R. M.; WEININGER, M. J. (Orgs.). Estudos da Língua de Sinais Brasileira. v. 3. Florianópolis: Insular, p. 99-123., Santiago e Lacerda (2016)SANTIAGO, V. A. A.; LACERDA, C. B. F. (2016). O intérprete de Libras educacional: o processo dialógico e as estratégias de mediação no contexto da pós-graduação. Belas Infiéis, v. 5, n. 1, p. 165-182. e Silva, Guarinello e Martins (2016).

2. CONTEXTUALIZANDO A ATUAÇÃO DOS TILSPS EDUCACIONAIS

A tradução e a interpretação interlinguística e intermodal, isto é, entre línguas de modalidades distintas como a Libras e a Língua Portuguesa, é uma atividade textual, cognitiva e comunicativa (BEVILACQUA; KILIAN, 2017BEVILACQUA, C. R.; KILIAN, C. K. (2017). Tradução e terminologia: relações necessárias e a formação do tradutor. Domínios de Lingu@gem, v. 11, n. 5, p. 1707-1726.) já consolidada no país, no sentido de sua pertinência e legalização. No entanto, a legislação que regulamenta a profissão dos TILSPs ainda é recente e frágil, especialmente por considerar, no Artigo 4º, que:

a formação profissional do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de: cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema que os credenciou; cursos de extensão universitária; e cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por Secretarias de Educação. (BRASIL, 2010).

Vale ressaltar que o Artigo 3º, que trata da formação em curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa, foi vetado ao se considerar a necessidade de a comunidade surda ter esse profissional reconhecido, em um momento em que existiam poucos profissionais habilitados em curso superior. O veto ainda foi amparado na alegação de que a exigência de habilitação em curso superior poderia impedir o exercício da atividade por profissionais de outras áreas.

Posteriormente, a Lei nº 13.146, de 06 de Julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (BRASIL, 2015), manteve a formação em nível médio para atuação na educação básica, porém, em seu Artigo 28, Parágrafo 2º, Inciso 2º, determinou que os “tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras”, estabelecendo a vigência de 48 meses a partir da entrada em vigor da Lei para o cumprimento do dispositivo, ou seja, julho de 2019. Apesar de tímida, desde o ano de 2008, existem graduações específicas para a formação de tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa3 3 Segundo Rodrigues (2018), as graduações e instituições federais de ensino superior são, respectivamente: Letras Libras: Bacharelado - Universidade Federal de Santa Catarina, Letras Libras: Bacharelado - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras: Tradução e Interpretação em Libras/Português: Bacharelado - Universidade Federal de Goiás, Letras Libras: Bacharelado em Tradução e Interpretação - Universidade Federal do Espírito Santo, Graduação em Letras/Libras: Bacharelado - Universidade Federal de Roraima, Bacharelado em Tradução e Interpretação em Língua Brasileira de Sinais/ Língua Portuguesa - Universidade Federal de São Carlos, Bacharelado em Letras: Tradutor e Intérprete de Libras (Libras-Português e Português-Libras) - linha de formação/ habilitação do Bacharelado em Letras - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. por reconhecer as especificidades da profissão e os inúmeros espaços de atuação (MARTINS; NASCIMENTO, 2015MARTINS, V. R. O.; NASCIMENTO, V. (2015). Da formação comunitária à formação universitária (e vice e versa): novo perfil dos tradutores e intérpretes de língua de sinais no contexto brasileiro. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 78-112.; FARIA; GALÁN-MAÑAS, 2018FARIA, J. G.; GALÁN-MAÑAS, A. (2018). Um estudo sobre a formação de tradutores e intérpretes de Línguas de Sinais. Trabalhos em Linguística Aplicada, n. 57, v. 1, p. 265-286.; RODRIGUES, 2018RODRIGUES, C. H.; SANTOS, S. A. (2018). A interpretação e a tradução de/para línguas de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em Revista, n. 24.).

Em relação aos locais de atuação profissional, o espaço educacional é o que mais apresenta demanda por TILSP, embora outros contextos comunitários (clínico, político, jurídico) e de conferência têm mostrado expansão (SANTOS, 2015SANTOS, S. A. (2015). A implementação do serviço de tradução e interpretação de Libras-Português nas universidades federais. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 113-148.; NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, T. C. (2016). Intérpretes de libras-português no contexto de conferência: uma descrição do trabalho em equipe e as formas de apoio na cabine. Dissertação. (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.). A ampla necessidade desses profissionais na educação requer uma múltipla habilidade de atuação para atendimento às características pertinentes a cada etapa de ensino, fundamental (I e II), médio, técnico e superior (graduação e pós-graduação). Uma vez que a atividade é desempenhada em situações permeadas por interações interpessoais e enunciativas, há de se considerar o envolvimento dos também heterogêneos atores que partilham esse espaço, como professores, gestores, funcionários e estudantes surdos e ouvintes.

Nesse âmbito de atuação, a nomenclatura mais utilizada para referendar o profissional que trabalha com a mediação linguístico-cultural é o termo intérprete educacional (ALBRES; LACERDA, 2013ALBRES, N. A.; SANTIAGO, V. A. A. (2013). Imagens dos intérpretes de língua de sinais em sala de aula: escola inclusiva em foco. Revista Sensos, v. 3, n. 2, p. 135-149.; ALBRES, 2015; 2016), já que a maioria das ações transcorre, oralmente, entre a Língua Portuguesa e a Libras4 4 Por mais que possa soar estranho, ao tratarmos a Libras em molde oral, nos referimos ao fato de a língua de sinais ser articulada e enunciada, de maneira sinalizada, face a face. . Nesse espaço, geralmente, a modalidade simultânea é mais aplicada. De acordo com Mizuno (2005)MIZUNO, A. (2005). Process Model for Simultaneous Interpreting and Working Memory. Meta, v. 50, n. 2, p. 739-752. e Gile (2009)GILE, D. (2009). Basic Concepts and Models for Interpreter and Translator Training. (Revised Edition). Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. 5 5 Em relação ao processamento cognitivo na interpretação simultânea, esse renomado autor dos Estudos da Interpretação propôs a Teoria do Modelo dos Esforços (Effort Models) e a Teoria da Corda Bamba (Tightrope), que, mais tarde, foram aplicadas, também, aos processos com línguas de sinais. Para maiores esclarecimentos e aprofundamento, ver Gile (2009) e https://www.cirinandgile.com. , a interpretação simultânea ocorre, basicamente, na versão de uma língua a outra em um pequeno intervalo de tempo que engloba a recepção da mensagem na língua-fonte, a (re)elaboração das informações na língua-alvo e, finalmente, a sua produção. Ainda, os autores sobreditos frisam que, frente a todas essas etapas, os recursos cognitivos dos intérpretes são altamente demandados e esses operam próximos à saturação.

Por sua vez, Rodrigues e Santos (2018)RODRIGUES, C. H.; SANTOS, S. A. (2018). A interpretação e a tradução de/para línguas de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em Revista, n. 24. destacam que, na esfera educacional, as tarefas de tradução podem ser frequentes, apesar de menos prestigiadas e, erroneamente, também denominadas como interpretação. Exemplos de atividades de tradução na rotina educacional são translação de materiais multimídias, avaliações, livros didáticos, textos de apoio, vídeos, dentre outras ações que envolvem características formativas, operacionais e funcionais distintas, envolvendo a língua em registro físico ou virtual (escrita, vídeo, áudio). Tal pluralidade no exercício da atuação leva-nos a acreditar que nem sempre um mesmo profissional pode ter destreza e habilidade para desempenhar as duas funções, tradução e interpretação, com qualidade similar. Assim, concordamos com as reflexões de Rodrigues e Santos (2018) quanto à (in)viabilidade de se ter um único profissional para exercer as duas incumbências.

Ademais, diante das profusas atividades a serem satisfeitas, o TILSP necessita articulá-las e avaliá-las em consonância ao público surdo e ouvinte que irá atender e ao nível de ensino correspondente. Geralmente, no ensino superior, é esperado que os estudantes sejam mais independentes, já que tal etapa de ensino não é obrigatória e demanda processos seletivos para o ingresso, bem como um longo percurso de escolarização até a chegada a esse ambiente. Contudo, como reportado anteriormente, muitos dos atuais universitários surdos chegam às universidades com uma trajetória linguística e educacional bastante deficitária, já que não tiveram espaços para a aquisição plena da Libras desde a infância, não vivenciaram uma escolarização básica que lhes garantisse uma base sólida de conhecimentos e de letramento em Língua Portuguesa como segunda língua/língua adicional e nem mesmo conviveram com a presença de tradutor e intérprete em sala de aula, dada a incipiência das legislações relativas aos direitos linguísticos e educacionais dos surdos. Toda essa adversidade acarreta uma grande variação nas produções linguísticas desses estudantes, tanto em língua de sinais, quanto na língua portuguesa escrita, o que irá incidir sobre a atuação dos TILSPs, especialmente em sala de aula, na busca por desenvolver um produto textual que seja compatível com o perfil e anseio do público, como defendido por Venuti (1998)VENUTI, L. (1998). Strategies of Translation. In: BAKER, M. (Org.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. London/New York: Routledge, p. 240-244..

Interessante notar que essa adequação, como assumido por Rosa e Monteiro (2018)ROSA, A. S.; MONTEIRO, M. I. B. (2018). Ética na interpretação da Libras-Português na sala de aula: alteridade como fundamento ético. Translatio, n. 15, p. 223-237., é um dos aspectos que compõem a ética na tradução e na interpretação em sala de aula com surdos. Para as autoras, pautadas em Bakhtin (2012)BAKHTIN, M. M. (2012). Para uma filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. 2. ed. São Carlos: Pedro & João. e nos Estudos da Tradução, a conduta ética não se limita à ou se realiza na neutralidade, imparcialidade ou fidelidade, termos conhecidos e amplamente debatidos pela comunidade de estudiosos e profissionais, mas se manifesta nas escolhas linguísticas, tradutórias, interpretativas consoantes ao público que se tem. Portanto, para as autoras, o profissional só alcança êxito quando ele (tenta) se coloca(r) no lugar do outro e reflete sobre os sentidos e os significados que o discurso apresentado está promovendo. E, para se admitir a verdadeira essência do trabalho de tradução e intepretação entre o par linguístico Libras-Língua Portuguesa, não se pode desconsiderar as particularidades do público surdo. Cabe destacar que, no âmbito educacional, as escolhas das estratégias tradutórias e interpretativas são essenciais para a promoção de construções enunciativas que favoreçam a compreensão dos estudantes surdos, ainda que tais opções envolvam a inclusão de mecanismos explicativos no contexto da informação. Dadas as especificidades já mencionadas, isso não faculta ao TILSP a posição de detentor do discurso fonte, ou de agente cerceador dos direitos do público-alvo a quaisquer informações, mas legitima o profissional a ser, de fato, um mediador hábil no oferecimento de uma mensagem mais coerente possível a esses estudantes.

Além de amplo conhecimento em estratégias tradutórias e interpretativas, faz-se necessário ainda destacar a importante relação de cooperação que deve ser estabelecida entre tradutores, intérpretes e docentes. Essa colaboração provém da multiplicidade de ambientes e de temáticas com que os TILSPs trabalham, enquanto possuem, geralmente, formação e apropriação acadêmica, técnica ou empírica em um único campo do saber, como mencionado por Lacerda e Gurgel (2011)LACERDA, C. B. F.; GURGEL, T. M. A. (2011). Perfil de tradutores-intérpretes de Libras (TILS) que atuam no ensino superior no Brasil. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 17, n. 3, p. 481-496.. Sabemos que, historicamente, existe um infecundo impasse na relação entre tais agentes, que é decorrente da incompreensão e da desinformação quanto à responsabilidade na atuação de cada ator (MENEZES; LACERDA, 2017MENEZES, A. M. C.; LACERDA, C. B. F. (2017). Tradutores-intérpretes de línguas de sinais: funções e atuação nas redes de ensinos. Revista Educação Especial, v. 30, n. 57, p. 251-262.). Por isso, não é aconselhável uma concepção dicotômica, na qual um profissional seja incumbido das línguas e o outro da informação, pois, no ambiente educacional, a tradução, a intepretação e a docência são indissociáveis, visto que o objetivo principal é suscitar o ensino e a aprendizagem dos estudantes surdos. Esse vínculo de atuação entre TILSPs e docentes é premente, dada a falta de afinidade dos tradutores e intérpretes com os temas que serão tratados em sala de aula, evitando a ocorrência de lacunas lexicais e terminológicas na Libras, acerca dos amplos conteúdos desconhecidos (SANTIAGO; LACERDA, 2016SANTIAGO, V. A. A.; LACERDA, C. B. F. (2016). O intérprete de Libras educacional: o processo dialógico e as estratégias de mediação no contexto da pós-graduação. Belas Infiéis, v. 5, n. 1, p. 165-182.).

Nessas circunstâncias, os TILSPs precisam de um constante acompanhamento dos docentes para dirimir as eventuais dúvidas e propiciar esclarecimentos, permitindo-lhes condições para transpor adequadamente os itens aos estudantes surdos. A atuação isolada gera um vazio conceitual que interfere diretamente na operação dos tradutores e intérpretes, uma vez que não conseguirão pensar em propostas de sinais convencionados com os estudantes ou elaborar ações construídas, classificadores para representar algumas ideias (POINTURIER-POURNIN; GILE, 2012POINTURIER-POURNIN, S.; GILE, D. (2012). Les tactiques de l’interprète en langue des signes face au vide lexical: une étude de cas. The Journal of Specialised Translation, p. 164-183.).

Diante do exposto, compactuamos com Albres e Rodrigues (2018, p. 21)RODRIGUES, C. H.; SANTOS, S. A. (2018). A interpretação e a tradução de/para línguas de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em Revista, n. 24. ao registrarem a inviabilidade da concepção de que a “interpretação em contextos educacionais (prioritariamente em sala de aula) seja considerada sem se levar em conta a interação entre os sujeitos enunciativos situados nesses contextos específicos”. Além da parceria entre professores, tradutores e intérpretes, é importante que haja um reajustamento, de ambos, para que suas ações se tornem implicações coerentes com um atendimento satisfatório aos estudantes surdos (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, V. R. (2012). (In)congruências sobre o papel do intérprete de Libras entre os participantes do processo de tradução. Revista de Educação, v. 15, n. 19, p. 151-161.).

Com base nos referidos apontamentos, apresentaremos, a seguir, o percurso metodológico de um estudo que buscou, por meio de uma narrativa oral de um TILSP, conhecer quais procedimentos são utilizados para lidar com estudantes surdos do ensino superior, em uma universidade federal mineira.

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Este trabalho empregou a abordagem qualitativa de pesquisa, que se caracteriza, segundo Minayo (2001)MINAYO, M. C. S. (2001). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes., pela compreensão, descrição e explanação de determinadas questões relacionadas a grupos, indivíduos e/ou espaços, potencializando a manifestação de novas informações, sem a obrigatoriedade de se cercar de representações numéricas.

Nessa perspectiva, como instrumento de coleta de dados, optamos pela análise documental das informações sobre os estudantes surdos e pela pesquisa narrativa junto a um TILSP que atua com os referidos estudantes. A pesquisa documental, de acordo com Gil (2008)GIL, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas., considera os dados que são coletados a partir de fontes documentais. Tais fontes podem ser de primeira mão, sem nenhum tratamento analítico, ou de segunda mão, como materiais que já passaram por alguma análise. Neste estudo, as informações sobre os estudantes surdos foram coletadas a partir de dados institucionais e de relatórios de pesquisas desenvolvidas na supradita universidade.

A pesquisa narrativa consiste em colher histórias e narrações dos sujeitos, gerando contribuições para que o investigador depreenda a questão posta (PAIVA, 2007PAIVA, V. L. M. O. (2007). As habilidades orais nas narrativas de aprendizagem. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 46, n. 2, p. 165-179.). Dessa forma, Bastos e Biar (2015)BASTOS, L. C.; BIAR, L. A. (2015). Análise de narrativa e práticas de entendimento da vida social. D.E.L.T.A, v. 31, n. 4, p. 97-126. realçam que as narrativas são canais férteis para ventilar conhecimentos a partir de experiências e vivências dos agentes em estudo, não unicamente pelo discurso verbal, mas também por medidas paralinguísticas, como o tom da voz, hesitações, pausas, dentre outras. Esses parâmetros são mais palpáveis em textos falados/sinalizados do que em materiais escritos. Com efeito, mesmo em mensagem grafada, é possível perceber entonações e posturas pela pontuação aplicada. Partindo desses pressupostos, realizamos uma entrevista oral, que teve duração de dez minutos, com um profissional ouvinte tradutor e intérprete de Libras-Língua Portuguesa de uma universidade federal mineira, solicitando a ele que tecesse uma narrativa sobre sua atuação, considerando o atendimento a dois estudantes surdos da instituição, matriculados em dois cursos distintos. A entrevista foi filmada em filmadora digital e posteriormente transcrita.

Após acessar os dados em áudio e vídeo, transcrevemos as falas mais pertinentes de sua autonarrativa, especialmente os trechos em que discorreu a respeito das diferentes estratégias tradutórias e interpretativas usadas em sala de aula para atender aos estudantes surdos, bem como sobre a atuação conjunta com os docentes. Compreendemos que a transcrição é mais uma oportunidade, detalhada, que os pesquisadores têm para conectar-se ao material coletado e maturar quanto a sua aplicabilidade e pertinência às questões norteadoras, como sustentado por Manzini (2006)MANZINI, E. J. (2006). Considerações sobre a entrevista para a pesquisa social em educação especial: um estudo sobre análise de dados. In: JESUS, D. M.; BAPTISTA, C. R.; VICTOR, S. L. (Orgs.). Pesquisa e educação especial: mapeando produções. Vitória: UFES..

O profissional TILSP é do gênero masculino, com 27 anos de idade, formação superior em Licenciatura em Química e Mestrado em andamento na área de tradução e interpretação. Ele tem experiência profissional em diversos contextos de atuação, inclusive, o educacional (ensino superior, ensino médio, educação de jovens e adultos), há 05 anos na área, e desempenha a função há cerca de 01 ano na aludida instituição.

O estudante, nomeado Apolo6 6 Por questões éticas, foram atribuídos nomes fictícios aos estudantes surdos. , é do gênero masculino, com 28 anos de idade e possui surdez congênita bilateral profunda. Cursou regularmente a educação básica, sendo assistido por um tradutor e intérprete de Libras-Língua Portuguesa desde os anos finais do ensino fundamental II. Esse estudante aprendeu a Libras desde muito jovem, pois, em seu seio familiar, possui uma tia surda que o imergiu na língua de sinais. Tem um histórico de convivência com a comunidade surda, sempre em contato com surdos da sua cidade e da região, o que lhe permitiu aquisição plena da língua. Tem boa proficiência na Língua Portuguesa escrita. Em 2014, ingressou nessa universidade federal para cursar Engenharia Civil.

A estudante, denominada Atena, é do gênero feminino, atualmente com 33 anos de idade e apresenta surdez bilateral profunda. Frequentou regularmente a educação básica, sem a presença de um TILSP. A estudante não é oralizada e apresenta pouca proficiência na Língua Portuguesa escrita. Sua aquisição da língua de sinais foi tardia, pois teve contato com surdos falantes da Libras apenas aos 24 anos de idade, em 2010, quando começou a aprender a língua e engajou-se na comunidade surda local. No ano seguinte, ingressou em projetos de extensão desenvolvidos em uma universidade federal da Zona da Mata mineira, os quais foram fundamentais para ampliar o contato da estudante com outros surdos. No ano de 2014, quatro anos após seu primeiro contato formal com a Libras, Atena foi aprovada no processo seletivo para ingresso no curso de Licenciatura em Educação do Campo, sendo a primeira estudante surda que se comunicava exclusivamente por Libras a ingressar na referida universidade.

Com base nas informações coletadas, exibiremos, adiante, a análise dos relatos do profissional acerca da atuação com os referidos estudantes no ensino superior.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Viabilizar espaços para que os TILSPs tenham voz, exponham seus anseios e compartilhem suas experiências em relação ao trabalho empreendido em sala de aula, com professores e estudantes surdos e ouvintes, no contexto do ensino superior, é uma forma de dilatar as discussões sobre a atuação desse profissional para além dos aspectos tradutórios e interpretativos, contemplando também seu papel educativo, a partir do próprio olhar de quem as dimensiona. Assim, para, inicialmente, apresentar os aspectos particulares do seu contexto de atuação, o profissional destaca, em sua autonarrativa, que, na universidade em que trabalha, existe uma equipe composta por seis TILSPs que se revezam no atendimento às solicitações institucionais, tais como reuniões, palestras, seminários, tradução de materiais didáticos complementares e vídeos institucionais, sendo a principal demanda a interpretação das aulas.

Em relação ao trabalho em sala de aula, eles se organizam em duplas, que são mantidas de acordo com a matriz de disciplinas cursadas pelos estudantes ao longo do semestre. Segundo o relato, esse trabalho em dupla é possível porque a instituição conta, na ocasião, com apenas dois surdos. Todavia, ele tem consciência de que essa situação é bem distante da sua experiência na educação básica, cuja realidade era de somente um TILSP para atender aos diversos estudantes surdos matriculados em uma mesma turma, na qual atuava sozinho, por horas, como mencionado no excerto a seguir:

Pelo número de intérpretes e surdos matriculados que a universidade possui, é possível um trabalho em duplas para revezamento e cooperação. Infelizmente, nas escolas que atuei, a realidade é outra, já que eu atuava sozinho em todas as aulas e atividades, sendo cerca de 4h a 5h por dia, quase ininterruptamente.

Sobre esse aspecto, Nogueira (2016)NOGUEIRA, T. C. (2016). Intérpretes de libras-português no contexto de conferência: uma descrição do trabalho em equipe e as formas de apoio na cabine. Dissertação. (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. e Nogueira e Gesser (2018) enaltecem a atividade desses profissionais em dupla, por ser uma possibilidade de interação, apoio e aprendizado entre os pares, já que o momento tradutório e interpretativo sensibiliza esforços linguísticos, cognitivos e psicofisiológicos.

Uma outra particularidade narrada pelo profissional foi relativa ao vínculo afetivo criado, mesmo que (in)conscientemente, entre o TILSP educacional e os estudantes surdos. No âmbito das línguas de sinais, esse aspecto se faz bastante presente e apresenta maior relevância quando comparado aos tradutores e intérpretes de pares linguísticos vocais-auditivos ou ainda aos que atuam em contextos não escolares, como sugerem Santos e Lacerda (2015)SANTOS, S. A. (2015). A implementação do serviço de tradução e interpretação de Libras-Português nas universidades federais. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 113-148., e é demonstrado pelo tradutor e intérprete entrevistado:

Nós estamos com os estudantes surdos todos os dias, os acompanhamos em aulas e, com isso, passamos a perceber suas dificuldades e facilidades nesse espaço.

Essa questão corrobora os dizeres de Albres (2019, p. 44)ALBRES, N. A. (2019). Afetividade e subjetividade na interpretação educacional. Rio de Janeiro: Ayvu. ao pontuar que “a atuação do intérprete[/tradutor] é influenciada pelo sentido construído sobre esse outro com quem trabalha diretamente - o aluno surdo”. A fala do profissional também remete a um vínculo estabelecido pelo contato sistemático nas aulas e pelo inevitável acompanhamento do rendimento dos estudantes surdos ao longo do processo de ensino e aprendizagem.

Em relação às diferenças de atuação quanto ao perfil dos dois estudantes surdos, o TILSP entrevistado esclarece que, em sua prática diária, leva em consideração as diversidades nas trajetórias de vida, no período do primeiro contato com a Libras e no aprendizado da Língua Portuguesa escrita, aspectos que são bastante distintos entre eles:

Em minha prática, procuro reconhecer que um surdo é diferente do outro. Isso é importante para que os intérpretes pensem em como sinalizar para eles. Em vocabulário simples, por exemplo, a estudante surda não sabia o significado do sinal PARTICULAR 7 7 As palavras grafadas em letras maiúsculas são usadas para simbolizar, em Língua Portuguesa escrita, um léxico que seria expresso em Libras. A essa notação, alcunha-se como glosa (AMARAL, 2012). O uso desta é apenas uma maneira mais simples de externalizar seu conteúdo, embora não consiga abarcar com plenitude a real significação do termo sinalizado, considerando todos seus parâmetros fonológicos. Acreditamos que o método mais recomendável para esse registro poderia ser a escrita em sinais pelos sistemas Signwriting ou ELiS, por exemplo, porém tais sistemas ainda são, lamentavelmente, pouco difundidos social e academicamente. . Foi necessário explicar o conceito com exemplos para, então, retomar o discurso da professora.

O relato do tradutor e intérprete remonta ao fato de que a estudante Atena começou a se comunicar por meio da Libras somente na idade adulta e, por isso, o seu vocabulário em sinais é restrito, necessitando que ele assuma um modelo linguístico para que ela se aproprie, de maneira contextualizada, de novos sinais. Segundo Albres (2016)ALBRES, N. A. (2016). Estudos sobre os papéis dos intérpretes educacionais: uma abordagem internacional. Revista Fórum, n. 34, p. 48-62., essa aprendizagem da língua de sinais por meio da relação entre o estudante surdo e o TILSP pode acontecer quando há poucas oportunidades de interações linguísticas entre os surdos. Ciente dessa defasagem linguística na Libras, em seu relato, o profissional também menciona que a universidade instituiu um projeto que visa proporcionar o desenvolvimento linguístico da estudante, apoiando ações baseadas na promoção da Libras e da Língua Portuguesa escrita. Nesse projeto, são viabilizadas ações de ensino de Libras, especialmente de conversação em língua de sinais com um tutor surdo, para que Atena aprimore sua língua por meio de interações com um sinalizante nativo, e de ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita, desenvolvida por monitores ouvintes fluentes em Libras, discentes do curso de pós-graduação em Letras, a fim de ampliar seu letramento acadêmico.

Diante das diferentes características linguísticas dos estudantes surdos, o tradutor e intérprete expõe as estratégias utilizadas:

O estudante surdo que possui maior habilidade e domínio com a Libras permite que o intérprete mantenha um ritmo de sinalização comum, utilizando os sinais normalmente. Já para a estudante surda que não possui esse domínio, é preciso repensar os sinais que vai usar ou, até mesmo, além dos sinais, lançar gestos, classificadores para que ela possa entender melhor o significado ou explicar o conceito desse sinal.

Como o acervo lexical em Libras e, principalmente, em Língua Portuguesa é reduzido para a estudante Atena, o profissional realiza a tradução e a interpretação, fazendo a expansão e explanação de termos em sinais. Assim, nos momentos em que o TILSP percebe que a mensagem não foi compreendida, ele promove reorganizações e adaptações que incluem explicações ou acréscimos de termos não usados no discurso fonte para promover o sentido na Libras para a estudante. Tais estratégias vão ao encontro do proposto por Barbosa (2004)BARBOSA, H. G. (2004). Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. 2. ed. Campinas: Pontes. nas línguas vocais-auditivas ao referir que, no processo tradutório e interpretativo, pode se utilizar, por exemplo, a modulação, a adaptação, a equivalência para que a natural divergência dos dois sistemas linguísticos em questão seja contornada e a ideia mantida.

Além desses mecanismos já consolidados em outras línguas, sobretudo nas línguas vocais-auditivas, na língua de sinais, há ainda a estratégia de incorporação de gestos, classificadores e/ou ações construídas para que determinados termos evoquem sentido, como apresentado no seguinte excerto:

Por exemplo, na situação que interpretei para a estudante surda questões relacionadas ao parto, tive que mostrar a barriga grande com filho, as dores, cólicas e o nascimento em si.

Ainda em relação às línguas de sinais, é comum que os TILSPs recorram ao uso da datilologia/alfabeto manual para versar, em Libras, alguma palavra cujo (possível) sinal correspondente desconhecem. Todavia, com a referida estudante, essa prática é totalmente ineficaz, visto que ela não domina a Língua Portuguesa escrita e, de acordo com Rosa (2005, p. 40)ROSA, A. S. (2005). Entre a visibilidade da tradução da Língua de Sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Petrópolis: Editora Arara Azul., “o alfabeto manual é a mera transposição para o espaço, por meio das mãos, dos grafemas da palavra da língua oral”. Na situação em que não há um sinal consolidado na Libras correspondente ao termo em Língua Portuguesa, Atena inicia o processo para a criação/convenção do respectivo sinal junto ao tradutor e intérprete, como exemplificado no relato a seguir:

O sinal de ORGÂNICO foi convencionado pela estudante em um sinal composto pelos termos AGRICULTURA seguido de DEFECAR, pois o contexto das aulas associava a prática de adubar a terra com o uso de esterco, e não com produtos agroquímicos.

Essa estratégia de convenção de sinais é uma prática corriqueira, sobretudo nas traduções e interpretações educacionais, que visa fugir da representação, em sinais, da língua vocal-auditiva, como é a datilologia, permitindo, portanto, maior apropriação conceitual, em língua de sinais, do termo em questão, como mencionam Pointurier-Pournin e Gile (2012). Nota-se que, em virtude da aquisição tardia da Libras, para Atena, a convenção de sinais é prioritariamente baseada em características concretas e visuais que remetem, muitas vezes diretamente, ao significado a ser alcançado.

Por sua vez, o estudante Apolo, consoante a narrativa, apresenta fluência na Libras, tendo convivido desde criança com pares surdos. Essa aquisição plena o empodera para que compreenda plenamente quaisquer questões e assuntos abordados por meio da língua de sinais. Além disso, ele demonstra proficiência na Língua Portuguesa escrita, tanto na produção quanto na compreensão dos textos acadêmicos. Nesse sentido, o trabalho tradutório e interpretativo apresenta maior fluidez do discurso em Libras. No entanto, dada a especificidade do seu curso, compreendido no campo das engenharias, os léxicos especializados são diversos. Diante disso, o TILSP direciona seus esforços em propostas de convenções de sinais, pois a consolidação dos termos na Libras facilita tanto o trabalho tradutório e interpretativo, quanto a compreensão do estudante surdo, como mencionado no relato abaixo:

Na disciplina Resistência dos Materiais I, para realizar o sinal TENSÃO, no sentido da mecânica, de forças da partícula de um material, foi convencionado um sinal em que os dedos indicadores ficavam na horizontal, em posição retilínea, e saíam, ao mesmo tempo, cada um para o seu respectivo lado. O dedo indicador da mão esquerda vai para esquerda e o dedo indicador da mão direita vai para a direita.

Nesse caso, segundo relato do profissional, os sinais convencionados trazem consigo características e aspectos conceituais que o estudante surdo consegue apreender, acessando materiais didáticos sobre o assunto em Língua Portuguesa escrita, como discutido por Albres (2016)ALBRES, N. A. (2016). Estudos sobre os papéis dos intérpretes educacionais: uma abordagem internacional. Revista Fórum, n. 34, p. 48-62.. Importa destacar que essa negociação de sentidos não se fundamenta na ideia de decalque, proposta por Barbosa (2004)BARBOSA, H. G. (2004). Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. 2. ed. Campinas: Pontes. e ressignificada para a Libras por Amorim (2017)AMORIM, W. P. (2017). Tradução de termos do curso de Letras - Libras: disciplinas curriculares em foco. In: ALBRES, N. A. (Org.). Libras e sua tradução em pesquisa: interfaces, reflexões e metodologias. Florianópolis: Biblioteca Universitária, p. 214-244., ou seja, na tradução literal ou no uso de uma configuração de mão que representa a primeira letra do termo em Língua Portuguesa, como usar a configuração de mão em R para designar a palavra ROCHA, por exemplo.

Em relação ao posicionamento e à movimentação em sala de aula, tanto nas aulas de Atena quanto nas aulas de Apolo, o tradutor e intérprete tende a priorizar a aproximação física ao professor e aos recursos semióticos utilizados, como mapas, imagens, projeções de slides e anotações no quadro. Em sua opinião, essa atitude permite que o TILSP se aproprie das gesticulações comunicativas naturais do professor ou de referências apontadas nos recursos didáticos utilizados, facilitando a sinalização e promovendo uma maior interação visual entre os agentes, como defendido por Gomes e Soares (2017)GOMES, E. A.; SOARES, C. P. (2017). Onde ficar? Onde estar?: Reflexões acerca do posicionamento dos intérpretes de Libras-Língua Portuguesa em sala de aula. Anais do I Colóquio de Interpretação de Línguas de Sinais em Contextos Comunitários: Saúde, educação e justiça, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.. Essa proximidade espacial é corroborada no estudo de Gomes e Silva (2018) ao citarem a percepção de um estudante surdo quanto a esse aspecto:

“É bom quando os intérpretes ficam próximos aos professores, pois eu posso olhar para os dois em uma única direção e acompanhar a explicação em Libras e os materiais utilizados na aula. Se estão distantes, o pescoço dói, pois se eu olho só para o intérprete, perco o que o professor fez e se observo somente o professor apontando e mostrando, perco as informações explanadas”(p.13)8 8 Este trecho é fruto da tradução intermodal, realizada por Gomes e Silva (2018), do enunciado proferido pelo estudante surdo entrevistado. .

Ainda sobre esse fator, Mélo e Soares (2012)MÉLO, A. D. B.; SOARES, F. P. (2012). O intérprete de Língua de Sinais (ILS) no ensino médio. In: LODI, A. C. B.; MÉLO, A. D. B.; FERNANDES, E. (Orgs.). Letramento, bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, p. 373-391. abordam que o posicionamento do TILSP em sala de aula demonstra como as relações são estabelecidas nesse espaço. As autoras relatam situações em que os professores se sentiram incomodados com a presença do profissional e discutem que tal incômodo procede da falta de convivência em ambientes educativos partilhados. No caso exemplificado por elas, dividir o espaço da sala de aula com outro profissional remete a uma redistribuição do poder historicamente atribuído exclusivamente ao professor e, além do mais, implica a reformulação dos lugares ocupados pelos estudantes da turma, o que provoca uma desestabilização, um sair do lugar comum, nas práticas educativas.

Ainda sobre o espaço ocupado na sala de aula, o profissional resgata um momento de atuação junto à estudante Atena:

A professora explicava nos slides um formulário a ser preenchido. Como a estudante não estava associando com clareza item a item, eu me posicionei na sua frente e, ao invés de apontar no quadro junto com a professora, optei por evidenciar no próprio material da estudante, percebendo que assim seria mais proveitoso e significativo a ela.

A atitude do profissional, embora aparentemente inadequada às engessadas normas e técnicas preconizadas para a sua atuação, indicam uma reconceituação do seu papel enquanto ator educacional, demonstrando, conforme Tesser (2019, p. 116)TESSER, C. R. S. (2019). A interpretação para Libras em contexto educacional: reflexão a partir da experiência na pós-graduação. Revista Belas Infiéis, v. 8, n. 1, p. 105-118., que “só o intérprete, durante a sua atuação, realmente saberá o momento mais adequado de utilizá-las [estratégias], na busca do sentido interpretativo”.

No que se refere à relação entre o TILSP e os docentes, é fundamental um trabalho em conjunto para a promoção de práticas educativas inclusivas voltadas ao público surdo, nas quais professores, tradutores e intérpretes estabeleçam parcerias e negociações como proposto por Albres e Santiago (2013)ALBRES, N. A.; SANTIAGO, V. A. A. (2013). Imagens dos intérpretes de língua de sinais em sala de aula: escola inclusiva em foco. Revista Sensos, v. 3, n. 2, p. 135-149.. Frente a isso, o profissional exemplifica que:

A professora de uma disciplina se reunia, quinzenalmente, com os intérpretes para esclarecer dúvidas a respeito do tema, sobretudo de termos específicos, além de disponibilizar, no PVAnet [plataforma virtual interna da instituição], os materiais, slides que seriam abordados em sala. Inclusive, grande parte dos professores postam seus materiais nessa plataforma, onde os intérpretes podem ter acesso com antecedência e se preparar.

Conforme o que foi exposto, entende-se que a aproximação desses dois profissionais não deve ser estabelecida por uma oposição de papéis, mas por uma completude de atuações. Nessa relação intrínseca, as metodologias de ensino desenvolvidas pelos professores, desde a preparação até a explanação dos conteúdos em sala de aula, irão influenciar nas escolhas das estratégias do TILSP, que também se adequam às características linguísticas e culturais pertinentes aos diferentes estudantes surdos.

Ainda sobre a relação entre professor, tradutor e intérprete, para Santos e Lacerda (2015)SANTOS, S. A. (2015). A implementação do serviço de tradução e interpretação de Libras-Português nas universidades federais. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 113-148., quando os professores preparam as aulas com antecedência, acrescentando recursos didáticos e pedagógicos facilitadores e disponibilizando-os aos TILSPs, todo o processo educacional é favorecido, pois os tradutores e intérpretes podem estudar o material e “construir sentidos de forma mais aprofundada, mais envolvida pelos/com os conceitos” (p. 528). Para as pesquisadoras, ainda que pautadas na educação básica, a atuação dos intérpretes educacionais remete a uma situação de “coautoria dos discursos proferidos pelo professor” (p. 528), pois alguns enunciados só podem ser interpretados a partir de um extraordinário desempenho técnico, linguístico e cognitivo, que envolve a compreensão da mensagem na língua fonte, a distinção dos conceitos e apuração dos sentidos, as escolhas lexicais e uma primorosa reorganização do discurso que será proferido na língua fonte, tudo isso em meio a enunciados que se sobrepõem continuamente, dada a atuação simultânea.

Portanto, as exposições do tradutor e intérprete do nosso estudo demonstram a importância de o profissional que atua no ensino superior repensar sua atuação em sala de aula e eleger ou desenvolver procedimentos que permitam a assimilação das informações pelos estudantes surdos, compreendendo que seu papel no processo educativo vai além da simples mediação de uma língua para outra. Destarte, os relatos endossam que os tradutores e intérpretes educacionais são profissionais transformadores, e não canais estritamente comunicativos, como bem postulado por Araújo (2011)ARAÚJO, J. R. (2011). O papel do intérprete de Libras no contexto da educação inclusiva: problematizando a política e a prática. Dissertação. (Mestrado em Educação). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa., Martins (2013)MARTINS, V. R. O. (2013). Posição-Mestre: desdobramentos foucaultianos sobre a relação de ensino do intérprete de língua de sinais educacional. Tese. (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Campinas., Albres (2015)ALBRES, N. A. (2015). Intérprete Educacional: políticas e práticas em sala de aula inclusiva. São Paulo: Harmonia., Santos e Lacerda (2015)SANTOS, S. A. (2015). A implementação do serviço de tradução e interpretação de Libras-Português nas universidades federais. Cadernos de Tradução, v. 35, n. especial 2, p. 113-148. e Albres e Rodrigues (2018RODRIGUES, C. H.; SANTOS, S. A. (2018). A interpretação e a tradução de/para línguas de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em Revista, n. 24.).

A narrativa do TILSP esclarece que os mecanismos de atuação selecionados por ele cooperam para o sucesso do trabalho desempenhado, podendo trazer diversos benefícios como (i) maior interação com o estudante surdo e melhor sinalização; (ii) contribuição para (auto)formação e segurança na atuação em dupla; (iii) convenção de sinais não padronizados para referenciar os assuntos e termos rotineiramente usados em aula; (iv) promoção de novas condutas e metodologias nas diferentes disciplinas e (v) trabalho conjunto com o professor regente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino superior parece ser um terreno ainda pouco examinado no tocante aos tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa, sobretudo por assumirem, nesse nível de ensino, atuações que variam em diferentes ambientes, permeadas por relações com sujeitos que buscam formações profissionais e acadêmicas diversas. Nessa perspectiva educacional, esses profissionais são atores ativos no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que se dedicam a selecionar as melhores estratégias linguísticas, tradutórias e interpretativas a serem executadas, a depender da didática desenvolvida pelo professor regente, bem como do perfil dos estudantes surdos que se constituem como público.

Tento em vista a incipiência da atuação dos tradutores e intérpretes nesse campo, as narrativas apresentadas em nosso estudo corroboram as apresentadas em Machado e Santos (2017MACHADO, L. M. C. V.; SANTOS, J. C. (2017). O intérprete de Língua Brasileira de Sinais: rituais de subjetivação. PERcursos Linguísticos, v. 7, n. 14, p. 472-486.), reiterando que os TILSPs da área educacional legitimam sua função, subjetivando-se a serem intérpretes, administrando suas ações com objetivo de transformação. De maneira semelhante, na análise dos autores, o tradutor e intérprete de Libras-Língua Portuguesa problematiza suas práticas a partir das suas próprias experiências, sem atribuir juízo de valor, mas em uma perspectiva de “produção da verdade, participando na formação de uma vontade política, desempenhando seu papel de cidadão” (p. 484). Por isso, concordamos com os pesquisadores que a compreensão dessa subjetivação pode trazer efeitos práticos e uma nova visão sobre a profissão, que, gradativamente, se distancia de uma função formatada, de um manual prescritivo que deve ser rigidamente seguido, para uma atuação que represente transformação social.

No sentido da educação dos surdos, tal transformação implica a centralidade da língua de sinais para a desconstrução das práticas hegemônicas que, por tanto tempo, impossibilitaram que os surdos desenvolvessem suas potencialidades. Essa lógica é oportuna, pois, tendo em vista que as línguas têm como função servir às pessoas (CALVET, 1999CALVET, L. J. (1999). La guerre des langues et le politiques linguistiques. Paris: Hachette Littératures.), esse profissional irá oferecer o acesso linguístico e cultural aos estudantes de forma factível e compreensível, admitindo suas condições.

Esperamos que trabalhos dessa natureza comecem a despontar em maior escala para que conheçamos as percepções, as experiências e, até mesmo, as angústias vividas pelos TILSPs em suas memoráveis condutas de trabalho. Além de ser uma ocasião para promover discussões acerca dos Estudos da Tradução e da Interpretação, é uma possibilidade de, como também abordado por Albres (2019ALBRES, N. A. (2019). Afetividade e subjetividade na interpretação educacional. Rio de Janeiro: Ayvu.), se (re)avaliar o andamento da educação dos surdos submetida às atuais políticas de inclusão e reafirmar que o tradutor e intérprete é um agente capaz de contribuir positivamente para a melhoria dessa condição.

  • 1
    Este programa foi instituído em 2005, pelo Ministério da Educação, com o propósito de fecundar e alimentar, por meio da abertura de editais, a (re)elaboração de unidades internas de acessibilidade nos institutos e universidades federais. Esta medida tende a possibilitar e a resguardar o acesso e a permanência de pessoas com deficiência a esses espaços de ensino superior.
  • 2
    No documento oficial, a nomenclatura empregada é Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais-Libras. Entretanto, como ao longo da legislação o par linguístico instituído é entre a Libras e a Língua Portuguesa, optamos por destacá-lo em sua alusão no corpo do texto.
  • 3
    Segundo Rodrigues (2018), as graduações e instituições federais de ensino superior são, respectivamente: Letras Libras: Bacharelado - Universidade Federal de Santa Catarina, Letras Libras: Bacharelado - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras: Tradução e Interpretação em Libras/Português: Bacharelado - Universidade Federal de Goiás, Letras Libras: Bacharelado em Tradução e Interpretação - Universidade Federal do Espírito Santo, Graduação em Letras/Libras: Bacharelado - Universidade Federal de Roraima, Bacharelado em Tradução e Interpretação em Língua Brasileira de Sinais/ Língua Portuguesa - Universidade Federal de São Carlos, Bacharelado em Letras: Tradutor e Intérprete de Libras (Libras-Português e Português-Libras) - linha de formação/ habilitação do Bacharelado em Letras - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 4
    Por mais que possa soar estranho, ao tratarmos a Libras em molde oral, nos referimos ao fato de a língua de sinais ser articulada e enunciada, de maneira sinalizada, face a face.
  • 5
    Em relação ao processamento cognitivo na interpretação simultânea, esse renomado autor dos Estudos da Interpretação propôs a Teoria do Modelo dos Esforços (Effort Models) e a Teoria da Corda Bamba (Tightrope), que, mais tarde, foram aplicadas, também, aos processos com línguas de sinais. Para maiores esclarecimentos e aprofundamento, ver Gile (2009) e https://www.cirinandgile.com.
  • 6
    Por questões éticas, foram atribuídos nomes fictícios aos estudantes surdos.
  • 7
    As palavras grafadas em letras maiúsculas são usadas para simbolizar, em Língua Portuguesa escrita, um léxico que seria expresso em Libras. A essa notação, alcunha-se como glosa (AMARAL, 2012). O uso desta é apenas uma maneira mais simples de externalizar seu conteúdo, embora não consiga abarcar com plenitude a real significação do termo sinalizado, considerando todos seus parâmetros fonológicos. Acreditamos que o método mais recomendável para esse registro poderia ser a escrita em sinais pelos sistemas Signwriting ou ELiS, por exemplo, porém tais sistemas ainda são, lamentavelmente, pouco difundidos social e academicamente.
  • 8
    Este trecho é fruto da tradução intermodal, realizada por Gomes e Silva (2018), do enunciado proferido pelo estudante surdo entrevistado.

REFERÊNCIAS

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  • ALBRES, N. A.; LACERDA, C. B. F. Interpretação educacional como campo de pesquisa: estudo bibliométrico de publicações internacionais e suas marcas no campo nacional. Cadernos de Tradução, v. 1, n. 31, p. 179-204, 2013.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2019
  • Aceito
    24 Dez 2019
  • Publicado
    13 Jan 2020
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