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Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando

Resumos

Com base na crítica de Gramsci à hegemonia intelectual de grupos sociais dominantes, neste artigo discuto sobre os desafios de alfabetizar crianças letrando-as digitalmente. Para isso, apresento alguns dados oriundos de uma pesquisa-ação que expôs crianças com sérios problemas de auto-estima e com dificuldades na aprendizagem da escrita e da leitura a situações concretas de usos da escrita em ambiente internetiano. Todo o percurso da pesquisa, que vai do conhecimento sobre a manipulação do computador à aprendizagem da escrita para o uso de alguns gêneros digitais, foi decisivo na busca do sucesso frente ao desafio de provocar na vida dessas crianças uma revolução cultural. Os resultados mostram que, de um perfil acabrunhado e tímido, as crianças se descobriram sujeitos de sua aprendizagem, desenvolvendo, inclusive, atitudes críticas frente ao modo de escrever de seus interlocutores reais. Escrever na Internet, portanto, foi importante porque as ajudou a compreender que a escrita, para além de tarefas escolares, serve também a outros fins, como entrar em contato com um coleguinha que faltou à aula ou com o pai que está no trabalho.

Gêneros digitais; alfabetização; letramento digital


Based on Gramsci's criticism of the intellectual hegemony of dominant social groups, this article discusses the teaching of reading and writing to children under the perspective of literacy in the digital universe. It presents action-research involving children with serious problems of self-esteem, and with difficulties in learning writing and reading. They were inserted in concrete situations of uses of writing on the Internet. Thus, the research tried, from the knowledge about computer manipulation to the learning of writing some digital genres, to achieve a cultural revolution in those children's lives. The results show that the children may discover themselves as subjects of their learning, even improving their self-esteem, and also developing a critical attitude towards the manner of writing of their interlocutors. Writing on the Internet, therefore, helped them to understand that writing serves various purposes, other than carrying out school tasks.

Digital genres; teaching of reading and written; digital literacy


ARTIGOS

Os gêneros digitais e os desafios de alfabetizar letrando* * Artigo produzido no âmbito do projeto Gêneros Digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento sob a minha coordenação no Grupo de pesquisa PROTEXTO do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da UFC. 1 "No entanto, é importante registrar que o exemplo mais concreto das possibilidades da aprendizagem colaborativa em rede, e do impacto que a Internet pode ter na socialização de informações e na construção coletiva do conhecimento, não foi fornecido por experiências escolares; ele se deve, de fato, à iniciativa de construção de programas de código aberto e livre como os disponibilizados para sistemas operacionais como Linux e Unix, entre outros" (Braga, 2007, p.184). 2 Há autores como Melo (2004) que questiona, com base nos postulados da AD, a noção de acessibilidade da Internet tal qual propõe Lévy (1999). Na mesma esteira, Zavam (2007) mostra que, mesmo dentro dos limites infindos da Web, é possível falar nos e-xcluídos quando analisa o e-zine como uma prática discursiva digital marginal. O e-zine talvez pudesse ser explicado por vertentes foucaultianas se pensarmos na distribuição desigual dos discursos, como salienta Melo, pois para se inserir nas práticas sociais próprias do domínio discursivo digital, o sujeito precisa satisfazer exigências, pois "nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis" (Foucault, 1996, p.37). No entanto, como analisa Zavam (2007), os e-zineiros, ao entrar em cena e ocupar um espaço na periferia digital "estão modificando as relações de poder; e, em última instância, subvertendo, e por que não?, a ordem n(d)o discurso" (p.99). 3 Os dados da pesquisa estão disponíveis em < http://www.nic.br/indicadores/usuarios/index.htm>. 4 Em contrapartida, como informa Xavier (2005, p. 142) "em países mais avançados econômica e tecnologicamente como Estados Unidos e Canadá, [os] gêneros digitais já são bastante conhecidos e usados por estudantes que estão crescendo com acesso a todas as inovações nas tecnologias de comunicação". 5 Trata-se de uma pesquisa realizada na UECE sob a minha orientação. Agradeço a Márcia Ribeiro por autorizar o uso de seus dados neste artigo. 6 Para efeitos de identificação dos sujeitos, usarei <CR>, acrescido de um número subscrito como uma espécie de codificação para a palavra CRIANÇA. Assim, <CR 1> deve ser lido como CRIANÇA UM, por exemplo. 7 Pesquisadores têm alertado para o fato de que as imagens de fracassados que os estudantes constroem de si atrapalham em sua ascensão no sucesso da aprendizagem (cf. Souza & Dieb, 2007). 8 As atividades, acontecidas no laboratório da escola, eram sempre gravadas em K7 e, posteriormente, transcritas a fim de flagrarmos nos comentários das crianças indícios de como elas estavam encarando aquelas experiências. 9 Foi feito um acordo com os pais no sentido de que eles deveriam manter a cultura de escrever e enviar e-mails e cartões para seus filhos que estavam na escola aprendendo a usar a escrita em tais gêneros.

Júlio César Araújo

UFC

RESUMO

Com base na crítica de Gramsci à hegemonia intelectual de grupos sociais dominantes, neste artigo discuto sobre os desafios de alfabetizar crianças letrando-as digitalmente. Para isso, apresento alguns dados oriundos de uma pesquisa-ação que expôs crianças com sérios problemas de auto-estima e com dificuldades na aprendizagem da escrita e da leitura a situações concretas de usos da escrita em ambiente internetiano. Todo o percurso da pesquisa, que vai do conhecimento sobre a manipulação do computador à aprendizagem da escrita para o uso de alguns gêneros digitais, foi decisivo na busca do sucesso frente ao desafio de provocar na vida dessas crianças uma revolução cultural. Os resultados mostram que, de um perfil acabrunhado e tímido, as crianças se descobriram sujeitos de sua aprendizagem, desenvolvendo, inclusive, atitudes críticas frente ao modo de escrever de seus interlocutores reais. Escrever na Internet, portanto, foi importante porque as ajudou a compreender que a escrita, para além de tarefas escolares, serve também a outros fins, como entrar em contato com um coleguinha que faltou à aula ou com o pai que está no trabalho.

Palavras-chave: Gêneros digitais; alfabetização; letramento digital.

ABSTRACT

Based on Gramsci's criticism of the intellectual hegemony of dominant social groups, this article discusses the teaching of reading and writing to children under the perspective of literacy in the digital universe. It presents action-research involving children with serious problems of self-esteem, and with difficulties in learning writing and reading. They were inserted in concrete situations of uses of writing on the Internet. Thus, the research tried, from the knowledge about computer manipulation to the learning of writing some digital genres, to achieve a cultural revolution in those children's lives. The results show that the children may discover themselves as subjects of their learning, even improving their self-esteem, and also developing a critical attitude towards the manner of writing of their interlocutors. Writing on the Internet, therefore, helped them to understand that writing serves various purposes, other than carrying out school tasks.

Key-words: Digital genres; teaching of reading and written; digital literacy.

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Full text available only in PDF format.

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    Artigo produzido no âmbito do projeto
    Gêneros Digitais: relações entre hipertextualidade, propósitos comunicativos e ensino, em andamento sob a minha coordenação no Grupo de pesquisa PROTEXTO do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da UFC.
    1 "No entanto, é importante registrar que o exemplo mais concreto das possibilidades da aprendizagem colaborativa em rede, e do impacto que a Internet pode ter na socialização de informações e na construção coletiva do conhecimento, não foi fornecido por experiências escolares; ele se deve, de fato, à iniciativa de construção de programas de código aberto e livre como os disponibilizados para sistemas operacionais como Linux e Unix, entre outros" (Braga, 2007, p.184).
    2 Há autores como Melo (2004) que questiona, com base nos postulados da AD, a noção de acessibilidade da Internet tal qual propõe Lévy (1999). Na mesma esteira, Zavam (2007) mostra que, mesmo dentro dos limites infindos da Web, é possível falar nos e-xcluídos quando analisa o e-zine como uma prática discursiva digital marginal. O e-zine talvez pudesse ser explicado por vertentes foucaultianas se pensarmos na distribuição desigual dos discursos, como salienta Melo, pois para se inserir nas práticas sociais próprias do domínio discursivo digital, o sujeito precisa satisfazer exigências, pois "nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis" (Foucault, 1996, p.37). No entanto, como analisa Zavam (2007), os e-zineiros, ao entrar em cena e ocupar um espaço na
    periferia digital "estão modificando as relações de poder; e, em última instância, subvertendo, e por que não?, a ordem n(d)o discurso" (p.99).
    3 Os dados da pesquisa estão disponíveis em <
    4 Em contrapartida, como informa Xavier (2005, p. 142) "em países mais avançados econômica e tecnologicamente como Estados Unidos e Canadá, [os] gêneros digitais já são bastante conhecidos e usados por estudantes que estão crescendo com acesso a todas as inovações nas tecnologias de comunicação".
    5 Trata-se de uma pesquisa realizada na UECE sob a minha orientação. Agradeço a Márcia Ribeiro por autorizar o uso de seus dados neste artigo.
    6 Para efeitos de identificação dos sujeitos, usarei <CR>, acrescido de um número subscrito como uma espécie de codificação para a palavra CRIANÇA. Assim, <CR
    1> deve ser lido como CRIANÇA UM, por exemplo.
    7 Pesquisadores têm alertado para o fato de que as imagens de fracassados que os estudantes constroem de si atrapalham em sua ascensão no sucesso da aprendizagem (cf. Souza & Dieb, 2007).
    8 As atividades, acontecidas no laboratório da escola, eram sempre gravadas em K7 e, posteriormente, transcritas a fim de flagrarmos nos comentários das crianças indícios de como elas estavam encarando aquelas experiências.
    9 Foi feito um acordo com os pais no sentido de que eles deveriam manter a cultura de escrever e enviar e-mails e cartões para seus filhos que estavam na escola aprendendo a usar a escrita em tais gêneros.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2007
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