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Continuidade da atenção às doenças crônicas no estado de São Paulo durante a pandemia de Covid-19

Continuity of health care for chronic diseases in the state of São Paulo during the COVID-19 pandemic

RESUMO

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) representam as principais causas de morte e de invalidez em todo o mundo. Em acréscimo a esse cenário, desponta, em 2020, a pandemia causada pelo novo Coronavírus 2019 (Sars-CoV-2), causador da Covid-19. Este estudo avaliou a continuidade da atenção às DCNT pelos serviços de saúde dos municípios do estado de São Paulo durante a primeira fase da pandemia de Covid-19. Trata-se de estudo transversal, realizado em 171 municípios do estado de São Paulo, com aplicação de formulário aos gestores municipais. Foi utilizado peso de pós-estratificação para correção da baixa taxa de resposta. A maioria dos municípios (89,6%) definiu um conjunto de serviços de saúde que deveria ser mantido, e 95,7% relataram alguma descontinuidade da atenção. Os serviços com descontinuidade (interrupção total e interrupção parcial) foram os seguintes: cirurgias eletivas (54,1% e 38,1%), reabilitação (10,0% e 62,1%), diagnóstico/tratamento das DCNT (1,0% e 42,1%), tratamento de transtornos mentais (2,4% e 38,4%), diagnóstico/tratamento de câncer (interrupção parcial 15,9%) e cuidados paliativos (4,4% e 22,6%). Baixa demanda da população e diminuição da oferta interferiram na continuidade da assistência. Destaca-se a implantação da Telessaúde. A interrupção total ou parcial expõe os indivíduos a complicações agudas e crônicas.

PALAVRAS-CHAVE
Doenças Crônicas Não Transmissíveis; Covid-19; Continuidade da assistência ao paciente; Brasil

ABSTRACT

Chronic Noncommunicable Diseases (NCDs) represent the leading causes of death and disability worldwide. Added to this scenario, in 2020, the pandemic by the Coronavirus disease 2019 (SARS-CoV-2), causing COVID-19, emerges. This study evaluated the continuity of care for NCDs by health services in the municipalities of the state of São Paulo during the first phase of the COVID-19 pandemic. This is a crosssectional study, carried out in 171 municipalities in the state of São Paulo, and with application of a form to municipal managers. Post-stratification weight was used to correct the low response rate. Most municipalities (89.6%) defined a set of health services that should be maintained, and 95.7% reported some discontinuity of care. The services with discontinuity (total and partial interruption) were as follows: elective surgeries (54.1% and 38.1%), rehabilitation (10.0% and 62.1%), diagnosis/treatment of NCDs (1.0% and 42.1%), treatment of mental disorders (2.4% and 38.4%), diagnosis/treatment of cancer (partial interruption 15.9%) and palliative care (4.4% and 22.6%). Low demand from the population and reduced supply interfered with the continuity of care. The implementation of Telehealth stands out. The total or partial interruption exposes individuals to acute and chronic complications.

KEYWORDS
Noncommunicable diseases; COVID-19; Continuity of patient care; Brazil

Introdução

O Brasil atravessa uma mudança no seu perfil demográfico. O percentual de idosos maiores de 65 anos era de 5% em 2000, e alcançará, em 2050, 23%, superando o número de jovens menores de 25 anos11 United Nations. Department of Economic and Social Affairs. Population Division (2019). World Population Prospects 2019, Volume I: Comprehensive Tables (ST/ESA/SER.A/426). [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://population.un.org/wpp/Publications/Files/WPP2019_Volume-I_Comprehensive-Tables.pdf.
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Paralelamente ao acelerado processo de envelhecimento, observa-se aumento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que as DCNT, incluindo doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer, diabetes e doenças pulmonares crônicas, são coletivamente responsáveis por quase 71% de todas as mortes ao redor do mundo22 World Health Organization. Non communicable diseases – key fact. [acesso em 2021 maio 13]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases.
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No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, observou que 23,9% da população com 18 anos ou mais de idade referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial, 7,7% de diabetes mellitus, 2,0% e 2,6% de acidente vascular cerebral e câncer, respectivamente33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa nacional de saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. [acesso em 2021 jul 31]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101764.
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. Especificamente na capital São Paulo, o inquérito nacional Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2019, destacou que 24,4% da população de adultos referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial, e 7,9% de diabetes mellitus44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. [acesso em 2021 jul 31]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf.
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. Além disso, a análise da situação de saúde e de doenças e agravos crônicos no Brasil apontou que, entre as dez principais causas de morte, sete ocorreram em decorrência das DCNT, em especial, doença cardíaca isquêmica e acidente vascular cerebral55 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas. [acesso em 2021 jul 31]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2018_analise_situacao_saude_doencas_agravos_cronicos_desafios_perspectivas.pdf.
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Em acréscimo a esse cenário, no qual as DCNT apresentam-se como as principais causas de morte e de invalidez em todo o mundo, despontou, em 2020, a pandemia pelo novo coronavírus 2019 (Sars-CoV-2), causador da doença Covid-19. No Brasil, a pandemia de Covid-19 teve o primeiro caso confirmado na cidade de São Paulo, em 26 de fevereiro de 2020. Desde então, o Brasil tem registrado o maior número de casos e de mortes nas Américas, e é superado apenas pelos Estados Unidos em número de mortes. Até julho de 2021, o Brasil apresentou 555 mil óbitos e mais de 19 milhões de casos confirmados, dos quais, quase 139 mil óbitos e mais de 4 milhões de casos confirmados eram do estado de São Paulo66 Brasil. Ministério da Saúde. Coronavírus Brasil. Painel Coronavírus. [acesso em 2021 jul 31]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/.
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Foram implantadas práticas de bloqueio e distanciamento social com o intuito de conter a doença, porém, essas medidas resultaram em uma mudança nas rotinas de vida diária, redução da atividade física, ascensão da alimentação desequilibrada e interrupção no abastecimento de suprimentos e medicamentos77 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, et al. A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020; 29(4):e2020407..

Contudo, os pacientes com doenças crônicas precisam de acompanhamento regular para enfrentar a doença existente, e a falta de acesso às instalações de saúde e aos provedores de cuidados à saúde poderá trazer repercussões, como complicações agudas ou crônicas das DCNT. Assim, esta pesquisa tem como objetivo avaliar a continuidade da atenção às DCNT pelos serviços de saúde dos municípios do estado de São Paulo durante a primeira fase da pandemia de Covid-19.

Material e métodos

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, que avaliou a continuidade da atenção às DCNT pelos serviços de saúde dos municípios do estado de São Paulo durante a primeira fase da pandemia de Covid-19. O estado de São Paulo é uma das 27 unidades federativas do Brasil e está situado na Região Sudeste do Brasil. O estado possui 645 municípios e uma população, em 2020, de 44.639.899 habitantes88 Fundação Seade. SEADE Painel – Demografia – população 2020. São Paulo; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em https://www.seade.gov.br/.
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. Com relação aos serviços de saúde, o estado apresentava, em 2020, 28.989 unidades de atenção primária, 56.795 unidades de média complexidade e 2.598 unidades de alta complexidade99 Brasil. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS. CNES – Estabelecimentos por nível de atenção – São Paulo. [acesso em 2020 dez 15]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/atencsp.def.
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A coleta de dados ocorreu entre 17 de novembro de 2020 e 17 de janeiro de 2021, por meio de formulário eletrônico enviado pelo e-mail da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) para o gestor municipal de cada um dos 645 municípios do estado. Essa interlocução entre SES-SP e gestores municipais foi realizada pela rede de interlocutores regionais da área de promoção da saúde, com o apoio do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems).

Foram elegíveis para o estudo todos os 645 municípios do estado de São Paulo e seus respectivos serviços de saúde de atenção primária, de média ou alta complexidade.

O formulário eletrônico foi elaborado na Plataforma FormSUS (versão 3.0), do Datasus, com o intuito de assegurar sigilo e confidencialidade aos procedimentos de coleta. A elaboração do formulário fundamentou-se nos questionários das pesquisas da OMS e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que coletaram informações sobre o impacto da Covid-19 em serviços essenciais de saúde de diversos países, além das razões da descontinuidade e das abordagens dos países para superá-las1010 World Health Organization. Pulse survey on continuity of essential health services during the COVID-19 pandemic 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-EHS_continuity-survey-2020.1.
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,1111 World Health Organization. Rapid Assessment of service delivery for NCDs during the COVID-19 pandemic in the Americas 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52250/PAHONMHNVCOVID-19200024_eng.pdf?sequence=6&isAllowed=y.
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O formulário incluiu 41 variáveis referentes à situação da continuidade da atenção às DCNT durante o período da coleta de dados do estudo. Essas variáveis foram agrupadas em cinco dimensões. A primeira dimensão avaliou as políticas e os planos municipais de prevenção e controle de DCNT, e incluiu quatro variáveis, sendo três dicotômicas [não ou sim] e uma com três opções de resposta [não, sim ≤ 50 ou sim > 50]. A segunda dimensão avaliou os serviços e programas municipais de atenção às DCNT e incluiu cinco variáveis, com três opções de resposta [suspenso, acesso limitado ou funcionando normalmente]. A terceira dimensão avaliou a manutenção dos serviços de saúde para DCNT do município e incluiu 10 variáveis, com três opções de respostas [interrupção total – redução de mais de 50% dos pacientes; interrupção parcial – redução de 5% a 50% dos pacientes; e sem interrupção – redução de menos de 5% dos pacientes]. A quarta dimensão avaliou as causas da descontinuidade da atenção às DCNT e incluiu 16 variáveis dicotômicas [não ou sim]. Essas causas foram agrupadas em aspectos relativos a: demanda, oferta da atenção à saúde e problemas financeiros. Por fim, a quinta dimensão avaliou as abordagens utilizadas para superar a descontinuidade da atenção às DCNT e incluiu seis variáveis dicotômicas [não ou sim].

A análise dos dados foi realizada por meio do software Stata (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos) versão 15.0. Foram construídos pesos de pós-estratificação, por meio do método rake, para minimizar a baixa taxa de resposta1212 Flores-Cervantes I, Brick JM, Jones ME, et al. Weighting for nontelephone household in the 2001 California Health Interview Survey. In: Proceedings of the Joint Statistical Meetings Section on Survey Research Methods 2002; 11-15. New York. p. 1002-7.. A construção do peso rake levou em consideração as variáveis Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS), para que a proporção de municípios fosse adequada para a regional de saúde; e quantidade de serviços com alta complexidade, uma vez que houve associação de diversas questões com esta última variável. Os pesos de pós-estratificação foram calculados no Stata utilizando o pacote SURVWGT1313 Nick Winter, 2002. “SURVWGT: Stata module to create and manipulate survey weights,” Statistical Software Components S427503, Boston College Department of Economics, revised 11 Feb 2018. [acesso em 2021 ago 3]. Disponível em: https://ideas.repec.org/c/boc/bocode/s427503.html.
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. Utilizou-se o módulo survey (svy) para considerar o efeito dos pesos pós-estratificação pelo método rake. Quanto aos procedimentos estatísticos, foi realizada a estatística descritiva das variáveis mediante cálculo de frequências relativas (%) e do Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). O coeficiente de variação e o número de casos foram utilizados para analisar a precisão dos dados. O coeficiente de variação maior que 30,0% e o número de casos menor que dez foram destacados devido à sua baixa precisão1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência – Capitais e Municípios. [acesso em 2021 ago 3]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_inquerito_2017_1ed_2019.pdf.
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O projeto de estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, Processo nº 4.420.445, emitido em 25 de novembro de 2020, e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38920720.1.0000.5392. O estudo atendeu aos preceitos éticos de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Resultados

Obtiveram-se 242 questionários respondidos, porém, desse total, 71 municípios responderam mais de uma vez ao formulário. Essa duplicidade de resposta ocorreu porque tanto a Secretaria Municipal de Saúde quanto os serviços/departamentos de saúde responderam ao formulário de pesquisa. Nessas situações, foram adotados os seguintes critérios para exclusão de duplicidade: manter a resposta mais recente; e manter a resposta da coordenação da Secretaria Municipal de Saúde.

Assim, do total de municípios no estado de São Paulo, 171 (26,5%) aceitaram participar da pesquisa. Todas as RRAS apresentaram taxa de resposta de ao menos 20%, exceto as RRAS de número 7 (16,7%), 8 (18,8%) e 14 (15,4%). Com relação ao departamento ou setor de saúde responsável pelo preenchimento do formulário, o setor gestão (57,3%) foi encarregado de preencher o instrumento de pesquisa, seguido dos setores vigilância em saúde (23,9%) e atenção à saúde (18,8%) (dados não apresentados em tabela).

Com relação à dimensão ‘políticas e planos municipais de prevenção e controle de DCNT’, cerca de três quintos dos municípios apresentavam um plano de ações para DCNT antes da pandemia de Covid-19. Contudo, durante a pandemia, esse percentual aumentou, e mais municípios relataram a definição de um conjunto de serviços de saúde que deveriam ser mantidos. Pouco mais da metade dos municípios informou que houve repasses de fundos governamentais adicionais para os serviços de saúde às DCNT. No entanto, quase um terço dos municípios relatou que os fundos foram redistribuídos para o enfrentamento da Covid-19 (tabela 1).

Tabela 1
Percentual de municípios segundo a dimensão política e os planos municipais de prevenção e controle de DCNT. São Paulo, Brasil, novembro/2020 – janeiro/2021

Na dimensão ‘serviços e programas municipais de atenção às DCNT’, a quase totalidade dos municípios relatou funcionamento normal para os serviços de emergência ou de atendimento pré-hospitalar. Porém, os municípios reportaram maior percentual de alteração do funcionamento dos serviços de internação (acesso limitado: 23,2%), do programa de agentes comunitários de saúde (acesso limitado: 45,0%; e suspenso: 3,4%) e, em especial, das clínicas móveis (acesso limitado: 35,9%; e: 14,4%), como apresentado na tabela 2.

Tabela 2
Percentual de municípios segundo a dimensão serviços e programas municipais de atenção às DCNT. São Paulo, Brasil, novembro/2020 – janeiro/2021

Na dimensão ‘manutenção dos serviços de saúde para DCNT durante a pandemia de Covid-19’, mais da metade dos municípios relatou descontinuidade das cirurgias eletivas (interrupção total: 54,1%; e interrupção parcial: 38,1%) e dos serviços de reabilitação (interrupção total: 10,0%; e interrupção parcial: 62,1%). Além disso, cerca de 40% dos municípios informaram descontinuidade para diagnóstico e tratamento das DCNT (interrupção total: 1,0%; e interrupção parcial: 42,1%) e para o tratamento de transtornos mentais (interrupção total: 2,4%; e interrupção parcial: 38,4%). Destaca-se a descontinuidade dos serviços para diagnóstico e tratamento de câncer (interrupção parcial: 15,9%) e de cuidados paliativos (interrupção total: 4,4%; e interrupção parcial: 22,6%). Quase a totalidade dos municípios (95,7%) relatou algum tipo de interrupção da atenção às DCNT (tabela 3).

Tabela 3
Percentual de municípios segundo a dimensão manutenção dos serviços de saúde para DCNT do município. São Paulo, Brasil, novembro/2020 – janeiro/2021

Na dimensão ‘causas da descontinuidade da atenção às DCNT durante a pandemia de Covid-19’, para os aspectos relativos à demanda, destaca-se a diminuição do volume ambulatorial devido aos pacientes ausentes/faltosos. Enquanto para os aspectos relativos à oferta de atenção à saúde, destacam-se: a diminuição do volume de internações devido ao cancelamento do atendimento eletivo, a suspensão dos serviços de ambulatórios de especialidades, a suspensão de serviços ambulatoriais, conforme diretriz municipal, e o remanejamento de alguns funcionários que atendiam os portadores (ou os programas) das DCNT em tempo parcial e passaram a atender os pacientes com Covid-19. Já para os aspectos relativos a problemas financeiros, a maioria dos municípios não relatou dificuldades com Equipamentos de Proteção Individual (EPI) ou indisponibilidade/estoque de medicamentos ou outras dificuldades financeiras (tabela 4).

Tabela 4
Percentual de municípios segundo a dimensão causas da descontinuidade da atenção às DCNT. São Paulo, Brasil, novembro/2020 – janeiro/2021

Com relação à dimensão ‘abordagens utilizadas para superar a descontinuidade da atenção às DCNT durante a pandemia de Covid-19’, destacam-se a triagem de pacientes para identificar prioridades, o redirecionamento dos pacientes para unidades de referência e a implantação de telemedicina para substituir consultas presenciais (tabela 5).

Tabela 5
Percentual de municípios segundo a dimensão abordagens utilizadas para superar descontinuidade da atenção às DCNT. São Paulo, Brasil, novembro/2020 – janeiro/2021

Discussão

Este estudo traz um panorama da continuidade do tratamento das DCNT no maior estado do País, o primeiro a apresentar casos de Covid-19 e a desenvolver um plano para enfrentamento da pandemia, inclusive com produção de vacinas.

O desenvolvimento do estudo ocorreu no final do ano de 2020, ou seja, após quase um ano de início da pandemia. Naquele momento da pesquisa, esperava-se que os serviços de saúde já estivessem reorganizados para o enfrentamento de outros agravos, fora a Covid-19 – em particular, das DCNT.

Observou-se que os serviços que apresentaram maiores percentuais de descontinuidade referiam-se às cirurgias eletivas, aos serviços de reabilitação, ao diagnóstico e tratamento das DCNT, ao tratamento de transtornos mentais, ao diagnóstico e tratamento de câncer e aos cuidados paliativos. A atenção de forma oportuna, por exemplo, a confirmação do diagnóstico em até 30 dias e o início do tratamento em até 60 dias no Sistema único de Saúde (SUS)1515 Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial da União. 31 Out 2019.,1616 Brasil. Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União. 23 Nov 2012. às pessoas com câncer são de fundamental importância para o melhor prognóstico e evolução dessa doença, o que demandaria a retomada do atendimento da forma mais breve possível1010 World Health Organization. Pulse survey on continuity of essential health services during the COVID-19 pandemic 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-EHS_continuity-survey-2020.1.
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,1111 World Health Organization. Rapid Assessment of service delivery for NCDs during the COVID-19 pandemic in the Americas 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52250/PAHONMHNVCOVID-19200024_eng.pdf?sequence=6&isAllowed=y.
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As pessoas portadoras de DCNT constituem grupo de risco para Covid-19, e o distanciamento social se impõe como uma das medidas efetivas para diminuir a exposição ao vírus. No entanto, ainda que essa providência vise à segurança, ela acaba aumentando a carga das DCNT, pois determina mudanças nos hábitos de vida das pessoas, com o incremento de inatividade física, do número de cigarros fumados, do consumo de bebidas alcóolicas, além de alterações no padrão da dieta, com maior consumo de alimentos processados e de alta densidade calórica77 Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, et al. A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020; 29(4):e2020407.. Também existe o medo que assola o indivíduo de expor-se ao vírus quando comparece a uma consulta ou para realização de exames de rotina (conduta essa que colabora para o controle/gerenciamento da doença).

A descontinuidade do acesso à saúde e as graves consequências vêm sendo apontadas em estudos internacionais. Estudo realizado em serviços de saúde nos Estados Unidos da América mostrou que os pacientes que demandavam cuidados intensivos de saúde ou procedimentos emergenciais foram priorizados, em detrimento de pacientes em cuidados de rotina ou em procedimentos de acompanhamento1717 Tapper EB, Asrani SK. The COVID-19 pandemic will have a long-lasting impact on the quality of cirrhosis care. Journal of Hepatology. 2020; (73):441-445..

Outro exemplo é o estudo qualitativo, realizado no Paquistão, envolvendo pacientes portadores de DCNT, que tinha como objetivos entender o efeito na rotina de saúde e determinar os desafios enfrentados por esses pacientes. Quase metade (45%) relatou efeitos sobre sua saúde, mas, entre os pacientes com transtorno mental, o efeito sobre a saúde foi ainda maior (71%). Além disso, 53% dos pacientes informaram que faltaram em alguma consulta de rotina, 42% não realizaram algum teste de acompanhamento, e 66% não puderam continuar seus exercícios físicos diários1818 Saqib MAN, Siddiqui S, Qasim M, et al. Effect of COVID-19 lockdown on patients with chronic diseases. Diabetes Metab Syndr. 2020; 14(6):1621-1623..

Ademais, revisão de literatura apontou consequências da pandemia, como a gestão e a progressão da DCNT em curto e longo prazos1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194.. Apontou, ainda, que os pacientes com DCNT têm menor acesso a consultas ambulatoriais e que, em alguns casos, pode ocorrer dificuldade no acesso aos medicamentos, prejudicando a adesão ao tratamento. O estudo também ressalta que os pacientes com DCNT mais afetados, em longo prazo, serão aqueles com múltiplas ou severas condições, os quais requerem monitoramento regular dos sintomas e ajuste de regimes de medicamentos1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194..

A descontinuidade da atenção às DCNT poderá resultar no aumento das complicações agudas e crônicas, mortalidade, sistema de saúde sobrecarregado pelo acúmulo de cuidados adiados, além de elevado número de subnotificações da doença em virtude de diagnósticos perdidos pela falta de exames de rotina1717 Tapper EB, Asrani SK. The COVID-19 pandemic will have a long-lasting impact on the quality of cirrhosis care. Journal of Hepatology. 2020; (73):441-445.. Fato que exemplifica as consequências da descontinuidade da atenção às DCNT é o aumento da proporção de óbitos em domicílio entre pessoas idosas. Em nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), verificou-se aumento de 54% no número de óbitos em domicílio entre pessoas com mais de 60 anos no estado do Rio de Janeiro, comparando-se os meses de abril a junho de 2020 com o triênio de 2017 a 20192020 Fundação Oswaldo Cruz. Nota técnica n. 01 GISE/LIS/ICICT/Fiocruz. O excesso de óbitos de idosos no município do Rio de Janeiro analisado segundo o local de ocorrência. [acesso em 2021 ago 3]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/nota_idoso_equipe_gise_14.09.2020.pdf.
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. No estado de São Paulo, avaliação de dados do Tabnet da SES-SP apontou aumento de 12% de óbitos em domicílio, por DCNT, entre pessoas com mais de 60 anos, no período de 2019 a 20202121 São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde do São Paulo. Informações de Saúde. Tabulações de Saúde – TABNET. [acesso em 2021 ago 2]. Disponível em: http://tabnet.saude.sp.gov.br/deftohtm.exe?tabnet/sim_ccd.def.
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Os resultados do presente estudo são consistentes com os achados verificados pela OMS e pela Opas. A OMS avaliou a continuidade da atenção às DCNT durante a pandemia nos serviços de saúde de cinco regiões (África, Sudeste Asiático, Europa, Mediterrâneo Oriental e Pacífico Ocidental) entre maio e julho de 2020. Os resultados da pesquisa apontaram que quase a totalidade dos países (90%) experimentou alguma interrupção da atenção às DCNT, em especial, os países de baixa e média renda. Entre os serviços com maiores percentuais de interrupção, destacam-se o diagnóstico e o tratamento de doenças não transmissíveis no geral (69%) e do câncer (55%)1010 World Health Organization. Pulse survey on continuity of essential health services during the COVID-19 pandemic 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-EHS_continuity-survey-2020.1.
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. Especificamente nos 25 países das Américas, incluindo o Brasil, a Opas verificou, entre os meses de maio e junho de 2020, que os serviços de atenção às DCNT foram mantidos, mas com acesso parcial em 18 países (64%) e acesso total em apenas sete países (25%). A interrupção dos serviços de atenção às DCNT afetou todos os tipos de doenças, em especial, o de diabetes mellitus1111 World Health Organization. Rapid Assessment of service delivery for NCDs during the COVID-19 pandemic in the Americas 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52250/PAHONMHNVCOVID-19200024_eng.pdf?sequence=6&isAllowed=y.
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. O presente estudo, em comparação com os estudos da OMS e OPAS, apresentou maior percentual de descontinuidade da atenção às DCNT. Entretanto, a pandemia pela Covid-19 pode ser subdividida em quatro fases: contenção, mitigação, supressão e recuperação2222 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de COVID-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(5):e00068820., e o presente estudo e os desenvolvidos pelas organizações internacionais foram conduzidos em momentos diferentes da pandemia.

Uma pesquisa on-line dirigida para profissionais de saúde do mundo inteiro verificou mudanças na qualidade da atenção aos pacientes com DCNT durante a pandemia2323 Chudasama YV, Gillies CL, Zaccardi F, et al. Impact of COVID-19 on routine care for chronic diseases: A global survey of views from healthcare professionals. Diabetes Metab Syndr. 2020; 14(5):965-967.. Os profissionais de saúde informaram que diabetes mellitus (38%) foi a doença mais afetada pela redução dos recursos de saúde devido à Covid-19, seguida pela doença pulmonar obstrutiva crônica (9%), hipertensão arterial (8%), doença cardíaca (7%), asma (7%), câncer (6%) e depressão (6%). Com relação à qualidade da atenção aos pacientes com DCNT, os profissionais comentaram que os cuidados ofertados poderiam ser classificados como razoáveis (48%) ou bons (26%). Entretanto, a maior parte desses profissionais de saúde (67%) relatou efeitos moderados ou severos em seus pacientes devido a mudanças nos serviços de saúde. Além disso, a maioria dos profissionais relatou adoção de métodos de cuidados à distância, como telefone ou telemedicina (86%)2323 Chudasama YV, Gillies CL, Zaccardi F, et al. Impact of COVID-19 on routine care for chronic diseases: A global survey of views from healthcare professionals. Diabetes Metab Syndr. 2020; 14(5):965-967..

Além das consequências previamente apontadas, essas mudanças na atenção às DCNT decorrentes da pandemia podem apresentar efeitos deletérios na adesão ao tratamento medicamentoso, visto que a adesão depende dos cuidados e do acompanhamento de rotina pelos profissionais de saúde, para que o paciente possa compreender, concordar e participar de seu próprio tratamento1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194..

Com relação aos serviços de emergências ou de atendimento pré-hospitalar, o presente estudo verificou que, no geral, o funcionamento se manteve normal. Porém, os demais serviços de saúde apresentaram algum tipo de descontinuidade.

Nesse contexto, a maioria dos municípios do estado definiu um conjunto de serviços de saúde que deveria ser mantido. Entretanto, vários municípios ainda não possuíam um plano de ações de enfrentamento de DCNT, conforme diretrizes do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT, de 2011, que recomendam a elaboração desses planos, com o intuito de alcançar as metas para enfrentar e deter as DCNT no Brasil2424 Brasil. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. [acesso em 2021 set 14]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/view#:~:text=O%20plano%20de%20A%C3%A7%C3%B5es%20Estrat%C3%A9gicas,a%20dirimir%20desigualdades%20em%20sa%C3%BAde.
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Nesse cenário, o Ministério da Saúde instituiu a Portaria nº 2.994, de 3 de novembro de 2020, que estabeleceu o incentivo financeiro para as DCNT para alguns municípios brasileiros e definiu um instrutivo para orientar os gestores sobre as normativas de solicitação e utilização dos recursos financeiros2525 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.994, de 29 de outubro de 2020. Institui, em caráter excepcional e temporário, incentivo financeiro federal para atenção às pessoas com obesidade, diabetes mellitus ou hipertensão arterial sistêmica no âmbito da Atenção Primária à Saúde, no Sistema Único de Saúde, no contexto da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) decorrente da pandemia do novo coronavírus. Diário Oficial da União. 29 Out 2020.. Entre os munícipios que responderam à pesquisa, a maioria relatou que houve repasse de fundos governamentais adicionais destinados à garantia de serviços de saúde às DCNT, porém, um pouco mais de um quarto do orçamento das DCNT foi redistribuído para Covid-19. Como destaca Palmer et al.1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194., essa realocação de recursos para combater o surto de Sars-CoV-2 provavelmente terá efeitos a longo prazo sobre os sistemas nacionais de saúde em diversos países, afetando pacientes tanto com doenças não transmissíveis como com doenças transmissíveis.

Com relação aos aspectos que interferiram na continuidade da atenção às DCNT, a OMS verificou os seguintes: baixa demanda da população, diminuição da oferta de atenção e problemas financeiros. O aspecto da baixa demanda pode ser decorrente da menor procura da atenção à saúde devido ao lockdown ou à quarentena, ou à presença de problemas financeiros do paciente, que dificultam o acesso à atenção. O aspecto oferta de serviços é influenciado pelo cancelamento de serviços eletivos e pela realocação de trabalhadores da área da saúde para serviços direcionados ao atendimento de Covid-19. Por fim, o aspecto problema financeiro está relacionado à insuficiência de EPI e à interrupção no fornecimento de equipamentos médicos e de produtos para saúde1010 World Health Organization. Pulse survey on continuity of essential health services during the COVID-19 pandemic 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 set 22]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-EHS_continuity-survey-2020.1.
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No presente estudo, destacaram-se os aspectos relativos à baixa demanda da população aos serviços de saúde e à diminuição da oferta de atenção. Tais aspectos foram apontados por Palmer et al.1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194., que descrevem que a baixa demanda dos serviços pode ser decorrente do medo da infecção e das consequências à saúde por parte de alguns pacientes. Já a diminuição da oferta deve-se à falta de profissionais de saúde qualificados, além de que muitos acabam sendo infectados com Sars-CoV-2, o que exige afastamento do serviço1919 Palmer K, Monaco A, Kivipelto M, et al. The potential long-term impact of the COVID-19 outbreak on patients with non-communicable diseases in Europe: consequences for healthy ageing. Aging Clin Exp Res. 2020; 32(7):1189-1194..

Diante desse panorama, é importante que os serviços de saúde adotem estratégias inovadoras. Entre elas, destaca-se a telemedicina. No Brasil, a telemedicina é parte da estratégia da Telessaúde, uma iniciativa em âmbito nacional que busca melhorar a qualidade do atendimento e da atenção primária no SUS com a incorporação de tecnologias de informação e de comunicação nos sistemas de saúde. Recentemente, o Ministério da Saúde regulamentou, em caráter excepcional e temporário, prática de atendimentos médicos à distância durante epidemia de Covid-19, segundo Portaria nº 467, de 20 de março de 20202626 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 467, de 20 de março de 2020. Regulamenta a utilização da Telemedicina, em caráter de excepcionalidade e enquanto durarem as medidas de enfretamento ao coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União. 23 Mar 2020.. Essas ações podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial e de consulta, monitoramento e diagnóstico, na saúde privada e pública, por meio de canais de comunicação que sejam mais acessíveis para cada paciente, como aplicativo de comunicação no celular.

Essa estratégia tem sido implantada em outros países2727 Javanparast S, Roeger L, Kwok Y, et al. The experience of Australian general practice patients at high risk of poor health outcomes with telehealth during the Covid-19 pandemic: a qualitative study. BMC Fam Pract. 2021; 22(1):69., pois tem demonstrado reduzir a ansiedade dos pacientes e aumentar a confiança na gestão da condição crônica, além de reduzir as necessidades dos pacientes em consultas presenciais nos serviços de saúde. Por exemplo, estudo conduzido na Austrália para investigar a experiência dos pacientes com Telessaúde apontou que eles estavam satisfeitos com o atendimento, por ser oportuno e prático, mas relataram que há necessidade de uma boa relação médico-paciente, e que o atendimento à distância poderia continuar, mas combinado com consultas presenciais. No entanto, os pacientes identificaram desafios, incluindo dificuldades para se expressar e realizar exames. Nesse estudo, o atendimento com Telessaúde foi utilizado pelos profissionais de saúde para renovação da prescrição, discussão dos resultados dos testes e acompanhamento de rotina2727 Javanparast S, Roeger L, Kwok Y, et al. The experience of Australian general practice patients at high risk of poor health outcomes with telehealth during the Covid-19 pandemic: a qualitative study. BMC Fam Pract. 2021; 22(1):69..

O estudo tem limitações. Não foram avaliadas as DCNT separadamente, mas, sim, o conjunto. Devido à baixa taxa de respostas, foi utilizado peso de pós-estratificação. Entretanto, apesar disso, os municípios envolvidos representam 51% da população do estado de São Paulo, o que permite trazer um panorama inicial da continuidade da atenção às DCNT em um estado que concentra riquezas, mas, também, grandes diversidades. Por fim, o estudo tem relevância para a área de saúde pública, uma vez que os resultados são consistentes com a literatura levantada e que o seu caráter inédito possibilita descrever o cenário da atenção às DCNT durante pandemia da Covid-19 no estado de São Paulo.

Os serviços de atenção às DCNT dos municípios não foram totalmente interrompidos com a pandemia de Covid-19, entretanto, sofreram algum tipo de descontinuidade. Isso aponta a necessidade de implantar planos de retomada dos serviços, com reforço de estratégias que envolvam estratificação de risco, gestão de doenças e gestão de casos, além da inclusão de abordagens inovadoras de atenção às DCNT.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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