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O porque dos altos custos na área médica e da saúde

EDITORIAL

O porque dos altos custos na área médica e da saúde

Jurandir Marcondes Ribas-Filho

Vice-Presidente da Região Centro-Sul da Associação Médica Brasileira. Membro Titular da Academia Paranaense de Medicina. Membro da Comissão de Assuntos Políticos da AMB / CFM / FENAM

Todos sabemos que a saúde é um setor vital na economia mundial e de grande complexidade de gestão em função das inúmeras questões que a caracterizam.

Hoje os gastos de saúde em todo o mundo, gira em torno de 9,5% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de US$ 5,3 trilhões. Nos Estados Unidos, ele representa 15,7% do PIB, sendo que no Brasil é menor que 8,5%.

Inúmeras são as causas responsáveis pelo aumento dos custos na área de saúde. Dentre elas um dos principais motores da sua ampliação são as novas tecnologias lideradas fundamentalmente pelos meios de diagnóstico de imagem, procedimentos cardiovasculares e testes diagnósticos in vitro. Estes avanços tecnológicos frequentemente elevam os preços mesmo quando ocorre redução do custo unitário.

A investigação médica nos levará a soluções extraordinárias, porém tão custosas que sua oferta não será disponível a todos, pois todos sabemos que a disponibilidade da atenção médica é tanto menor quanto menor o PIB dos países. Não obstante o exorbitante encarecimento, quem não deseja usufruir desses avanços? As novas tecnologias reduzem o sofrimento e prolongam a vida. No entanto têm custos, e todos os segmentos da sociedade têm que estar preparados para enfrentar essa tendência.

Um outro fator de grande importância dos altos valores dispendidos na medicina diz respeito ao envelhecimento da população. Mudanças significativas na predominância das doenças, em especial as doenças crônico-degenerativas, têm sido responsáveis por este item. Pode-se afirmar que não se trata só da ampliação nos custos no cuidar da população idosa, mas também no cuidar das doenças crônicas.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população considerada idosa no Brasil (60 anos ou mais) era de 6,1% do total em 1980, 10% em 2010, e a projeção para 2040 é de 23,8%. Da mesma forma, a incidência de doenças por faixa etária aumenta significativamente. Conforme o IBGE, doenças como diabete melito incide na faixa etária de 50 a 59 anos em 9,18%; dos 60 aos 69 anos, 15,35%; e acima dos 70 anos, 17,04%. Na doença hipertensiva esses percentuais são de: 36,5%, 50,4% e 56,5%, nas mesmas faixas de idade. Estas proporções não são diferentes nas outras doenças crônicas tais como câncer e doenças cardíacas.

Fica muito claro também, em dados recentes do Sistema Único de Saúde (SUS), que existe aumento em progressão geométrica quanto à taxa de utilização do sistema pelos pacientes a partir dos 60 anos, tanto a nível ambulatorial quanto de internação.

Por certo, todos queremos não só aumentar a quantidade de nossas vidas mas, a qualidade das mesmas, daí entendermos que é fundamental estabelecer desde já uma política pública de saúde que venha a contemplar este importante fator de gastos.

Um outro item de grande relevância diz respeito ao alto custo dos produtos farmacêuticos. Na ultima década, os Estados Unidos triplicou os gastos com esses produtos passando de US$ 40 bilhões para aproximadamente US$ 140 bilhões. Com certeza as empresas farmacêuticas têm tido grande êxito na promoção e utilização de seus medicamentos mais caros, daí a importância de apoiarem-se políticas como a dos genéricos a qual, sem dúvida, representa grande oportunidade na diminuição dos custos dos medicamentos preservando-se a qualidade. Não há dúvida que os médicos, muitas vezes oferecem um medicamento que pode ser substituído por um outro fármaco de menor custo ou eventualmente por simples mudanças no estilo de vida.

Outro fator que deve ser considerado são os altos custos relacionados com a administração médica (burocracia)1. Em publicação do New England Journal of Medicine2, observou-se que os gastos com administração nos Estados Unidos são responsáveis por algo em torno de 50% do custo da medicina naquele país. Embora não se disponha de dados oficiais no Brasil, sabe-se que ele não é tão elevado, mas sem dúvida, representa parcela relevante dos custos médicos.

Não se pode esquecer e nem tão pouco omitir, como fator importante no aumento de custos, a imperícia médica. Procedimentos desnecessários, uso de drogas de forma incorreta, internações equivocadas são exemplos responsáveis por esse aumento; e a sua causa, com certeza reside na má formação médica. A proliferação indiscriminada de escolas de medicina sem a mínima condição de funcionamento é fator fundamental nesta relação.

Embora também não tenhamos no Brasil dados oficiais em relação a imperícia médica e suas consequências, nos valemos de dados da Academia Americana de Ciências Médicas, a qual estima 44.000 a 98.000 mortes por ano devido a erros médicos evitáveis. Neste sentido, as entidades médicas representadas pela Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (FENAM), através da sua Comissão de Assuntos Políticos (CAP), tem envidado todos os esforços para aprovação do Projeto de Lei 65/03, do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao qual já foram apensados cinco outros projetos, e cujo substitutivo encontra-se na Câmara dos Deputados, projeto esse que objetiva o estabelecimento de critérios para credenciamento e descredenciamento de novas faculdades de medicina.

Outra preocupação que as entidades médicas têm tido, diz respeito à medicina defensiva que claramente faz aumentar os custos do exercício da profissão. Dados da Associação Médica Americana, estimam que os gastos com a medicina defensiva é responsável por 10% dos custos globais dos serviços médicos.

O alto custo de não cuidarmos de nós mesmos (medicina preventiva), como por exemplo, o não cuidado com a obesidade, estresse, fumo e álcool, representa fator importante no aumento de gastos em relação a saúde. Está clara a necessidade no Brasil de políticas públicas mais contundentes que incentivem a boa saúde, melhorando a qualidade de vida de nossa população e diminuindo, por consequência, os custos com as doenças.

Hoje vivemos em todo país momento de grande reflexão em relação aos honorários médicos que com certeza não são os vilões dos altos gastos com a saúde, conforme agências governamentais e operadoras de planos de saúde tem procurado nos responsabilizar. Sabemos de pesquisa recente do CFM que quase 50% dos médicos do Brasil não recebem mais do que o equivalente a R$ 7.000,00 mensais e ainda 25% desses profissionais não recebem mais do que R$ 4.000,00 por mês. Claro fica que com esta baixa renda da classe médica, a qual não é compatível com o exercício digno da profissão, que sejamos responsáveis pelo caos o qual encontra-se a saúde no nosso país e nem tão pouco responsáveis pelo alto custo da medicina.

Vê-se assim, que os altos custos com a medicina e a saúde são multifatoriais, e por certo as soluções passam pela necessidade de um grande esforço, não só da área governamental, mas também das operadoras de planos de saúde, dos empregadores que se constituem na grande maioria das instituições hospitalares, dos próprios pacientes e não nos esqueçamos de nós médicos, para que possamos obter mudanças reais no panorama atual, devemos reduzir os custos de uma forma significativa porém mantendo-se boa qualidade de vida para nossa população.

  • 1. Woolhandler S, Campbell T, Himmelstein DU. Costs of Health Care Administration in the United States and Canada. N Engl J Med 2003; 349:768-775.
  • 2. Woolhandler S, Himmelstein DU. The Deteriorating Administrative Efficiency of the U.S. Health Care System. N Engl J Med 1991; 324:1253-1258.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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