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Para uma governabilidade democrática progressiva

Towards a democratic and progressive governability

Resumos

O conceito de governabilidade é examinado por um ângulo que enfatiza mais a "eficiência democrática" o que as condições técnicas do exercício do governo. Argumenta-se que nas condições atuais, de "desvalorização socialmente necessária da política", a governabilidade só pode ser alcançada em termos que são simultaneamente democráticos e progressivos.


The concept of governability is examined from an angle that emphasizes "democratic eficiency" rather than the technical conditions for government. It is argued that, given the new "socially necessary disregard for politics", governability is only possible in democratic and simultaneously progressive terms.


DEMOCRACIA

Para uma governabilidade democrática progressiva* * Este texto foi preparado para servir como base de uma intervenção na mesa-redonda "Estrategias para una gobernabilidad democratica progressiva", realizada em 16 de novembro de 1994, em Caracas, Venezuela, como parte da XIX Assemblea General do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). Uma primeira versão, mais concisa, será publicada em Análisis político, Instituto de Relaciones Internacionales, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá.

Towards a democratic and progressive governability

Marco Aurélio Nogueira

Pesquisador da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP) e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Araraquara

RESUMO

O conceito de governabilidade é examinado por um ângulo que enfatiza mais a "eficiência democrática" o que as condições técnicas do exercício do governo. Argumenta-se que nas condições atuais, de "desvalorização socialmente necessária da política", a governabilidade só pode ser alcançada em termos que são simultaneamente democráticos e progressivos.

ABSTRACT

The concept of governability is examined from an angle that emphasizes "democratic eficiency" rather than the technical conditions for government. It is argued that, given the new "socially necessary disregard for politics", governability is only possible in democratic and simultaneously progressive terms.

Não é de hoje que o debate latino-americano vive às voltas com a questão da "governabilidade". Alastrou-se entre nós uma cinzenta área de imprecisões: tão intensivo tem sido o uso da expressão e tão rápida está sendo sua incorporação ao léxico corrente que, muitas vezes, é como se o objeto fugisse do controle, diluído em vários significados terminológicos e em dimensões analíticas as mais diversas.

A pergunta torna-se inevitável: afinal, do que se fala mesmo quando se discute "governabilidade"? Parece útil portanto cercar o presente texto – que pretende enfatizar algumas nuances nem sempre destacadas na discussão corrente – de certos cuidados preliminares.

Diferentemente do conceito de representação – que privilegia a capacidade que têm os governados de controlar a ação dos governantes e deste modo participar do governo –, o conceito de governabilidade costuma focalizar, naquela relação, o movimento inverso, insistindo na capacidade que têm os governantes de tomarem decisões que atendam demandas efetivas dos governados e de viabilizarem a reprodução das condições de preservação do poder. Visto desse ângulo, o conceito de governabilidade colide frontalmente com a idéia de participação, pois acaba por interpretá-la como foco gerador de propostas e reivindicações incômodas, potencialmente opostas à racionalidade governamental. Não por acaso, o conceito emergiu na ciência política pela ótica da "ingovernabilidade", com um claro viés conservador, já que dirigido basicamente para a justificação de procedimentos destinados à redução dos fatores e exigências interpostas pela sociedade ao "bom" funcionamento do sistema político, ou, para falar com termos mais rigorosos, destinados a diminuir os custos de legitimação do sistema político.

Levando tal entendimento a seu limite lógico, certas vertentes dos estudos políticos tenderam a tratar a governabilidade como uma operação fechada, passível de ser pensada e resolvida sem maiores referências ao ambiente societal, aos movimentos da política e da economia. A governabilidade tornou-se um problema eminentemente técnico, tomado por seus aspectos internos, procedimentais, administrativos, com os quais imaginava-se produzir índices superiores de eficácia e eficiência governamentais. Passou a ser sinônimo de posse de uma "capacidade", a de governar, entendida como atributo específico do primeiro pólo da relação governo-sociedade. O governo que governa seria o resultado de operações "racionais", de gerenciamento e organização, caracterizadas pela propriedade de injetar novo dinamismo e maior competência às condutas governamentais, dando a elas agilidade em termos de "respostas" e resultados.

Governabilidade tornou-se assim uma resultante da correta aplicação dos preceitos da ciência administrativa ou, reverso da medalha, da obediência a certos princípios básicos do que se imagina ser a sagacidade política ao estilo de Maquiavel, interpretado consoante um registro de radical banalização. Para o que, evidentemente, foi preciso pressupor a possibilidade de manter sob controle ou "desativar" o outro pólo da equação: a sociedade, pensada como passível de ser, dadas as condições técnicas adequadas, mais ou menos "governável". Como observou com inteira razão Fábio Wanderley Reis em artigo recente, foi necessário deixar de fora a sociedade, e com ela a política: "se a governabilidade se reduzisse a uma questão de ajustar a máquina do Estado, é de se supor que bastaria adotar, para equacioná-la, a perspectiva técnica própria da administração como disciplina especial" e "tudo se resumiria em coisas como encontrar o tamanho certo do Estado, tornar mais ágeis seus mecanismos operacionais nas funções reconhecidas como próprias dele, etc.". No fundo, acabaria por ser perdido o essencial: "o desafio crucial reside na obtenção daquela forma específica de articulação do Estado com a sociedade na qual se reconheça que o problema da administração eficiente não pode ser dissociado do problema político, ou seja, do problema de garantir também a operação democrática do Estado"1 1 Fábio W. Reis, "Governabilidade, instituições e partido". Novos Estudos nº 41, março de 1995, p. 41. .

No entanto, por mais viciado e obscuro que esteja o debate, o fato é que o tema da governabilidade encontra lugar de destaque na agenda da ciência política contemporânea. Hoje, talvez seja até mesmo possível dizer que ele está parcialmente absolvido de seus antigos pecados conservadores e de sua discutível relevância teórica. Dois motivos explicam esta recuperação do conceito. Por um lado, o debate travado em torno da problemática da "ingovernabilidade" e especialmente a crítica feita ao conservadorismo de antes. Por outro, a plena explicitação das condições básicas da sociabilidade capitalista moderna, que, ao desafiarem abertamente a política, suas instituições e seus atores, tornaram o problema do "como governar" particularmente agudo. O tema da governabilidade passou a convergir para o tema da eficácia democrática, isto é, da capacidade que tem a democracia de produzir, a partir da afirmação e recriação de seus procedimentos e valores, governos competentes para processarem demandas, conflitos e contradições com a perspectiva de implementarem políticas voltadas para a promoção da justiça social, do bem-estar e do desenvolvimento.2 2 Marco A. Nogueira, "Democracia política, gobernabilidad y representación". Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nº 1, enero de 1994, pp. 7-26.

A discussão sobre a governabilidade, neste sentido, está historicamente determinada e só se torna razoável quando examinada com base no concreto quadro político-social que temos diante dos olhos. Nada mais justo, portanto, do que começar com um rápido esforço de reconstrução.

UM CENÁRIO DE INCERTEZAS

Já não se trata mais só de uma tendência: o ciclo histórico em que nos encontramos está inteiramente tomado pela mudança acelerada, ininterrupta e cumulativa. Nele, entrecruzam-se inovações tecnológicas e modificações sócio-culturais que repercutem sobre todos os planos e setores da vida social. A revolução informacional é hoje dominante no mundo. Ela abala os próprios alicerces da sociedade industrial contemporânea. Altera as noções de tempo e espaço, bem como o fluxo das informações, o pensar, o sentir e o escrever. Produz inédita diversidade funcional, faz surgir novos grupos profissionais, acentua estratificações e rompe a tradicional estrutura das classes sociais, na medida mesma em que transforma o status, a natureza e o caráter do trabalho. Como tem sido insistentemente enfatizado por Habermas, a época mergulhou em uma situação na qual o trabalho abstrato começa a perder força enquanto referência social, enquanto elemento capaz de formar estruturas e configurar a sociedade e de dar, assim, "materialidade" às utopias por ele balizadas. Os dias correntes estão tomados por um perverso tipo de crescimento econômico sem emprego, que, ao lado do refinamento do poder militar, da destruição do ambiente e das intervenções da biotecnologia no comportamento humano, é um claro indicador da ambivalência inerente aos novos instrumentos e recursos técnico-científicos gerados pelas transformações da modernidade.

Cabe aqui a observação de Giuseppe Vacca: o "novo mundo" que temos pela frente "não é mais o mundo da guerra fria e dos sistemas contrapostos ('capitalismo', 'socialismo'). E desde 1991 não é sequer o mundo bipolar, que do fim da Segunda Guerra Mundial em diante plasmara a condição dos povos e dos indivíduos singulares. é seguramente um mundo exposto aos mais altos riscos e aberto a diversas alternativas. Um mundo caracterizado por possibilidades mais numerosas e sobretudo por responsabilidades maiores e mais difusas em relação aos desafios do século que morre. Os desafios da globalidade e da interdependência, que também são os princípios fundamentais para orientar-se na nova realidade"3 3 Giuseppe Vacca, Pensare il mondo nuovo. Verso la democrazia de XXI secolo. Milano: Edizioni San Paolo, 1994, p. 9. .

Também por isso, toda a superestrutura cultural da modernidade foi posta em xeque, seja no plano da criação artística, seja no plano das ideologias políticas ou dos paradigmas científicos. é que, como observou Habermas, "a utopia de uma sociedade do trabalho perdeu sua força persuasiva", arrastando consigo o conjunto das "energias utópicas" da sociedade moderna. Uma "nova ininteligibilidade" passou a se difundir, derivada "de uma situação na qual um programa de Estado social, que se nutre reiteradamente da utopia de uma sociedade do trabalho, perdeu a capacidade de abrir possibilidades futuras de uma vida coletivamente melhor e menos ameaçada"4 4 Juergen Habermas, "A nova instransparência". Novos Estudos nº 18, setembro de 1987, p. 106. . Em decorrência, a cultura ocidental "perdeu a confiança em si mesma", deixando espaço aberto para o surgimento de diversas concepções "pós-modernas", convictas do esgotamento de toda uma época, com suas idéias e seu estilo específico de vida e atuação. Tais concepções exploram a aprofundam as tensões existentes entre "o pensamento histórico, saturado de experiência", e o "transbordante pensamento utópico": desvencilham-se das energias questionadoras inerentes às utopias para, no limite, bloquearem o prosseguimento das próprias tendências positivas típicas do mundo moderno5 5 Idem, "A cultura ocidental e a perda de confiança em si mesma". Presença. Revista de política e cultura, nº 9, fevereiro de 1987, pp. 140-155. . é por essa fresta, por exemplo, que penetra o neoconservadorismo liberal e toda uma vasta gama de posições de direita, que aceitam a sociedade industrial com a condição de que se descarte sua estruturação como Estado social. O fato, portanto, é que "aqueles que querem continuar o projeto incompleto de uma modernidade que derrapa se vêem confrontados com diferentes opositores, os quais se unem apenas na determinação em dizer adeus à mesma modernidade"6 6 Idem, "Arquitetura moderna e pós-moderna". Novos Estudos nº 18, setembro de 1987, p. 118. .

Impulsionadas pelas modificações no padrão tecnológico prevalecente e no caráter do trabalho, as sociedades estão se tornando cada vez mais complexas. E isso em sentido bastante especial: a complexidade a que me refiro é sinônimo de processos bem particulares – fragmentação, corporativismo, individualismo, crise da política e do Estado. Por mais paradoxal que possa parecer, é sinônimo de "desorganização". Tudo se passa como se não mais houvesse centros de imputação capazes de ordenar os processos sociais, organizações capazes de comandar e vincular pessoas, instituições capazes de construir sínteses superiores a partir de interesses fracionados. O ceticismo torna-se sinal dominante, tanto quanto a sensação de perplexidade e "desencantamento", de que tudo se desmancha em segundos e nada pode ser preservado, de que inexistem certezas, confianças, lealdades ou compromissos para além do plano imediatamente privado, particular. Processa-se um "esvaziamento" da esfera público-política, que se reduz cada vez mais a arena exclusiva do governar e do administrar entendidos como atividades eminentemente "técnicas", a espaço monitorado pela presença imponente das grandes associações de interesses de capitalistas e trabalhadores, que buscam entender-se através de mediações "parlamentares" e burocráticas de modo a alcançar acordos setoriais e condicionar as decisões governamentais. A complexidade contemporânea apóia-se, em suma, sobre aquela configuração sócio-política que a literatura especializada costuma chamar de "neocorporativismo".

DESVALORIZAÇÃO DA POLÍTICA E GLOBALIZAÇÃO

Na verdade, a esfera público-política está problematizada pelo processo objetivo e mais amplo da "globalização". Como tem sido apontado por diversos analistas, a nova fase do processo de internacionalização do capital está longe de inaugurar uma pacífica e harmoniosa época de auto-regulação dos mercados; muito ao contrário, parece estar repondo, em bases novas mas com idêntico acirramento, antigas contradições e polarizações (centro versus periferia, por exemplo). A "globalização" produz incertezas (cambiais, monetárias) no próprio sistema mundial, neutralizando centros de coordenação e reduzindo o raio de manobra e o grau de previsibilidade dos agentes econômico-financeiros nacionais (Bancos Centrais e congêneres). Sobretudo na "periferia", consolida-se uma situação de quebra e fragilização das finanças públicas nacionais que passa a bloquear a capacidade do gasto público de continuar induzindo a dinamização das economias. Além do mais, ao viabilizar, via "integração" econômica, o vínculo dos mercados regionais ao mercado mundial, acaba por reforçar a fragmentação e o enfraquecimento dos Estados nacionais e, com eles, dos mecanismos de unificação e coordenação.

A "globalização" caracteriza-se também por aprisionar os Estados a uma mesma lógica macroeconômica, que impõe políticas e ajustamentos rígidos, unilaterais, pouco permeáveis a sintonias mais finas ou a adequações. Ao mesmo tempo em que reduz a capacidade regulatória e sabota o poder soberano dos Estados nacionais, estimula o desenvolvimento de vários tipos de ações autônomas por parte das instâncias subnacionais (regiões, municípios, etc). Os Estados tornam-se, assim, cada vez menos capazes de exercerem controle e comando sobre os entes subnacionais que, ao menos em tese, deveriam endossar os "pactos" sustentadores das unidades nacionais. Uma irrefreável pressão no sentido da "integração" global impõe cada vez mais a abertura das economias nacionais e diminui seriamente as possibilidades de definição autônoma das políticas econômicas e sociais em nível nacional, instabilizando os governos e forçando-os a operar com pesadas doses de inoperância e artificialismo.

Nas palavras de um atento analista, "não se trata, apenas, de que o Estado se veja restringido em sua ação econômica dentro do território nacional por conta das estratégias de localização e divisão interna do trabalho da grande empresa. Nem tão-somente porque as tensões geradas nos mercados financeiros globalizados reduzem o raio de manobra da política monetária e cambial. Mais grave é a tendência à fragmentação do espaço econômico. Este estilhaçamento avança de mãos dadas com a homogeneização individualista – fundada sobretudo na nova onda de internacionalização dos padrões de consumo e no aparecimento dos empresários 'terceirizados' e 'autonomizados', por força das mudanças nos processos de trabalho e na organização da produção"7 7 Luiz G. Belluzzo, "Prefácio" a Lídia Goldenstein, Repensando a dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 15. Ver também João Manuel Cardoso de Mello, "A nova ordem mundial e o Brasil: entre o "fascismo de mercado" e a democratização do Estado". Presença. Revista de política e cultura, nº 18, junho de 1992. .

Não se pode, porém, superestimar o impacto da "globalização" sobre os processos políticos nacionais, sob pena de cancelar toda e qualquer possibilidade de apreciação crítica do desempenho governamental. Afinal, se tudo decorrer da lógica inexorável da "integração global", que responsabilidades terão as lideranças políticas e os governantes "locais" no que se refere às suas decisões e opções políticas? Tudo passaria a ser, assim, imputado à dinâmica da nova estrutura do mundo em gestação, vista apenas pelo seu ângulo "negativo" e "destrutivo": qual seja, o ângulo que dissolve as bases da soberania territorial e, com elas, retira o chão em que se firmavam os sujeitos políticos e as instituições da modernidade. Perder-se-ia, em suma, a possibilidade de pensar as forças "positivas" novas que nascem (ou se recriam) com a nova ordem internacional e, desta forma, podem induzir a modificações importantes na relação entre "pressões globalizantes" e "opções governamentais", em benefício da maior autonomização dessas últimas.

Como observou Esping-Andersen, "não devemos exagerar o grau em que as forças globais determinam o destino dos welfare states nacionais" ou, no caso latino-americano, dos Estados nacionais. "Uma das conclusões mais fortes das análises comparativas é a de que os mecanismos políticos e institucionais de representação de interesses e de construção do consenso político interferem tremendamente na condução dos objetivos de bem-estar social, emprego e crescimento [...]. Países com instituições fracas são incapazes de negociar acordos entre interesses conflitantes, e, conseqüentemente, objetivos conflitantes de bem-estar, emprego e eficiência resultam mais facilmente em trade-offs de soma-zero [...]. Daí que um ambiente institucional favorável pode ser tão efetivo quanto mercados livres para proporcionar flexibilidade e eficiência".8 8 Gosta Esping-Andersen, "O futuro do Welfare State na nova ordem mundial". Lua Nova 35,1995, pp. 77-78.

Seja como for, o binômio integração global/abertura, entrelaçado com toda a massa de novidades (tecnológicas, econômicas, demográficas, sócio-culturais e políticas) que "desorganizam" as estabelecidas bases da convivência humana, acabam por levar à difusão de uma consciência desarmada e "conformista" quanto ao futuro. Não é por acaso que proliferam – sob o rótulo genérico de "pós-modernidade" – tipos variados de teorias anarquistas e do "caos", bem como toda uma literatura escapista de fundo lúdico, esotérico ou espiritualista. O próprio pensamento teórico é cortado pela colocação em dúvida da força da razão e da ciência perante sistemas que se tornariam, incessantemente, sempre mais complexos e "flutuantes", perante uma realidade que não conteria mais em si nenhum princípio de verdade e possibilitaria tão-somente o alcance de "verdades parciais". Há como que uma desativação do espírito crítico: ficam problematizadas as sínteses totalizadoras, as teorias que concebem o processo social como um todo articulado e engendrado por contradições que se superam, bem como as concepções valorativas associadas a dimensões utópicas e projetos de mundo. A própria política é reduzida a aparato de controle e administração de uma complexidade turbulenta, imprevisível e "implanejável". Fica despojada de sujeitos e identidades estáveis: o sistema admitiria apenas identidades fugazes e polimorfas, lógicas autônomas, acasos e indiferença. De um ângulo mais geral, é sobre este terreno que nascem e se desenvolvem as Organizações Não-Governamentais (ONG's), os movimentos sociais, os regionalismos e toda uma vasta gama de atitudes contra o Estado, contra os governos nacionais e, no limite, contra a política.

É que se difunde e se cristaliza, para falar com Pietro Barcellona, uma visão da política como mera "administração dos interesses". Tal definição, "aparentemente neutra e técnica", tende na realidade a "afirmar a subordinação da política ao espaço do econômico. E não só a delimitar assim seus fins e encargos, mas a introduzir no âmbito mesmo da esfera política critérios de avaliação que se submetem ao cálculo econômico e à racionalidade instrumental [...]. O espaço econômico 'constrange' a política a se constituir e a se configurar como uma técnica de gestão avaliável segundo o critério da adequação dos meios aos fins e segundo a congruência da ação política com o objetivo geral imposto pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento tecnológico". Tal concepção, em suma, procura se contrapor "não só às concepções totalizantes da política (nas quais atribuía-se à política a função de responder às exigências abrangentes e gerais da sociedade), mas à própria idéia de política como projeto de sociedade, como criação de instituições e regras sociais"9 9 Pietro Barcellona, Lo spaziio delia política. Tecnica e democrazia. Roma: Editoria Riuniti, 1993, pp. 93-94. .

Emerge deste clima uma desvalorização socialmente necessária da política. é que a estrutura mesma da sociedade neocorporativa – assentada sobre as relações entre o Estado e as grandes associações de interesses (empresariais e sindicais) – exige a implosão da intermediação efetivamente política, viabilizada pelos partidos, pelas instâncias superiores da representação e pelos interesses "gerais". O pressuposto do "modelo" é simples: trata-se de esvaziar a política, de subordinar os espaços e instrumentos próprios da política (parlamentos e partidos) aos espaços e instrumentos próprios da ação corporativa (greves, câmaras setoriais, acordos diretos), deixando solto o cálculo econômico. Para que os interesses possam se contrapor de modo "puro" (isto é, fechados em si, alheios a interesses maiores ou mais "gerais"), os líderes não podem ser autônomos, os governos não devem governar e a política precisa ser reduzida a aparato de controle e administração, despojando-se de identidades estáveis, projetos e utopias. Os partidos, por sua vez, não devem agir para politizar os interesses e fazê-los penetrar, despidos de particularismos estreitos e de modo organizado (leia-se: articulado com outros interesses), a esfera pública: precisam submeter-se às corporações, atuarem como seus coadjuvantes menores. A ordem democrática, com seus atores, sua rotina, suas casas legislativas, seus ritmos e valores, hostiliza as bases objetivas e os grandes interesses do capitalismo. Por um lado, porque pode favorecer a ampliação das ações públicas em detrimento do mercado, com o conseqüente engessamento da iniciativa privada. Por outro lado, porque pode moderar o prolongamento egoísta de conquistas setoriais, reduzindo assim o poder de fogo das organizações sindicais. A política, deste modo, só interessaria e faria sentido como técnica facilitadora de entendimentos.

Aquilo, portanto, que a mentalidade "pós-moderna" afirma pertencer a uma fase localizada além do moderno pode muito bem ser visto como o desenvolvimento radicalizado das características nucleares da própria modernidade capitalista. Assim é, por exemplo, com a rapidez da mudança, uma das mais fortes características distintivas da modernidade, quando comparada a etapas históricas precedentes. Do mesmo modo, à modernidade esteve sempre associado um processo de mundialização, de ruptura com o localismo provinciano, parente em linha direta, mas com diverso sentido histórico, da atual "globalização". Podemos ainda nos referir à impressionante capacidade que tem o desenvolvimento das forças produtivas modernas de destruir o meio ambiente, bem como à massificação, à solidão individual ou à inédita concentração de poderes nas mãos do Estado: são todos processos derivados de uma modernidade levada às últimas conseqüências. Que, em sua evolução, recria incessantemente seus próprios fundamentos, operando tal como uma revolução permanente. Se isso dará origem a modos de vida e de organização social essencialmente novos – que neguem e contestem frontalmente a ordem moderna, rompendo todos os nexos e vínculos com ela –, é algo que talvez ainda não se possa estabelecer, mas que, de qualquer modo, não está demonstrado pelas postulações "pós-modernas".

Mais importante, porém, do que etiquetar as condições atuais, é perceber que a revolução que se verifica na sociedade contemporânea não eliminou as extensas zonas de desigualdade, miséria e pobreza que se espalham pelo mundo. De certo modo, além de estar reproduzindo a desigualdade e a exclusão (ao criar, por exemplo, desemprego), a revolução capitalista em curso – sobretudo por sua inesgotável capacidade de elaborar informações e difundi-las massivamente – tornou a pobreza ainda mais eloqüente, conhecida de todos e incômoda para todos, moral e materialmente. Alguns números são estarrecedores: estima-se em 1 bilhão a quantidade de pobres no mundo (aproximadamente 15% da população mundial); destes, 800 milhões sofrem de subnutrição crônica; todos os anos, cerca de 13 milhões de crianças menores de 5 anos morrem por desnutição ou em conseqüência de doenças passíveis de controle e prevenção; a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam 120 milhões de desempregados e outros 700 milhões de subempregados no mundo; calcula-se em 900 milhões o número de analfabetos; de todos estes totais, 55% são integrados por mulheres, configurando uma situação de flagrante "feminização" da pobreza. O fato é que, ao longo das últimas décadas, a distância entre ricos e pobres ampliou-se acentuadamente: na América Latina, por exemplo, diversas estatísticas mostraram que entre 1980 e 1990 o número de habitantes vivendo em situação de pobreza passou de 40% para 60% da população10 10 O vasto tema da pobreza tem sido objeto de numerosas investigações na América Latina. Ver. entre outros, Bernardo Kliksberg (org,), Como enfrentar la pobreza? Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, CLAD/PNUD, 1989; Idem, Pobreza: uma questão inadiável. Brasília: ENAP, 1994; Isabel Licha (coord.), Imagenes del futuro social de America Latina. Caracas: CENDES, 1991. .

Há muito de época histórica nessa multiplicação da pobreza. A revolução capitalista a que assistimos hoje está ampliando dramaticamente a injustiça, a desigualdade e a exclusão. Faz isso, por exemplo, subvertendo as bases do trabalho: cancelando funções produtivas, eliminando homens do circuito econômico, gerando desemprego velado ou aberto, lumpemproletarização e marginalidade. Em outros termos, a pobreza tem seu espectro alargado pelo crescimento sem emprego típico da era informacional, capaz de gerar, a cada momento, ondas de excluídos, subempregados e pobres de "novo tipo". Por outro lado, ao submeter o conjunto do planeta a uma mesma política de ajuste e gestão econômica, a "globalização" força a redução da capacidade de investimento e de intervenção do Estado, neutralizando o único instrumento conhecido para a idealização e a implementação de políticas sociais.

Além de espelhar uma situação indigna de injustiça e exclusão, a pobreza desses tempos complexos gera, por si mesma, um ambiente emocional e refratário à política: dificulta e instabiliza a democracia, tensiona os governos e convulsiona a base do sistema político, injetando nele pressões e comportamentos erráticos, "populistas" e demagógicos. A pobreza introduz, na agenda pública, uma efetiva sobrecarga de demandas de difícil atendimento. Leva a uma situação de cidadania reduzida a direitos sociais (regra geral outorgados) e esvaziada de direitos individuais. Potencializa, em suma, a crise política própria da complexidade e agrava as dificuldades do Estado, comprometendo os alicerces mesmos da governabilidade democrática. A pobreza em larga escala é a prova mais cabal das ambivalências da modernidade.

A GOVERNABILIDADE DIFÍCIL

A atual paisagem latino-americana está tomada pela pobreza. Melhor: pela incapacidade crônica dos diversos governos de darem um fim à pobreza ou, no mínimo, de implementarem políticas voltadas para a atenuação ou a eliminação gradual da pobreza. Seja pelas dificuldades que impõe ao processamento político das demandas, seja pela marginalização a que condena boa parte das populações, a reprodução desse quadro cria um ambiente estruturalmente tenso e "ingovernável", pouco favorável à prática democrática institucionalizada e ao desempenho estável dos governos.

A pobreza está ainda sobredeterminada pelo fato de que, no arco dos últimos quinze anos, os diversos países latino-americanos converteram-se em sociedades complexas, às voltas com a interveniência das grandes tendências do mundo "pós-industrial": a fragmentação e a diversificação dos interesses, o corporativismo, o individualismo, a desvalorização da política e a crise do Estado como instância de coordenação e planejamento.

O Brasil, neste particular, é um caso emblemático. Poucos negam que se tenha tornado um país industrializado e moderno. Saltou para o futuro em um intervalo de duas ou três décadas, dando curso a uma extraordinária "revolução" econômico-social. Neste período breve, os brasileiros foram desenraizados de seus povoados, de suas terras, de seus modos de vida tradicionais, e empurrados para cidades cada vez mais impessoais, massificadas e massacrantes. Construiu-se assim um parque industrial poderoso e diversificado. Hoje, o país dispõe de uma rede de comunicação de massa expressiva e tecnologicamente avançada, que transformou seus habitantes em autênticos "cidadãos do mundo". Nos dias correntes, às vésperas da virada do século, o Brasil já mergulhou na revolução informacional, conhece diversos aspectos de uma sociedade "pós-industrial" mas continua apresentando péssimos indicadores sociais, uma população majoritariamente excluída dos benefícios do progresso, carregada de demandas, expectativas e carências. Tornou-se um país complexo sem deixar de ser miserável: tornou-se miseravelmente complexo.

Com os importantes detalhes e determinações histórico-estruturais que singularizam cada sociedade, a situação brasileira pode ser percebida nos demais países latino-americanos. A América Latina participa, assim, de dois mundos distintos mas estruturalmente fundidos e integrados. Sofre, em suma, os males do presente (e do futuro) sem ter sanado os males do passado. Exatamente por isso, sua modernidade derrapante é ainda mais incompleta do que em outras partes. A dinâmica imposta pelas áreas de capitalismo avançado e pela "globalização" – que fracionam interesses, segmentam processos produtivos, inviabilizam esforços de coordenação e planejamento, retiram soberania e autoridade do Estado – reúne-se à dinâmica ativada pela reiteração da pobreza, que corrói a sociabilidade, marginaliza, exclui, desestabiliza e gera uma expressiva sobrecarga de demandas.

A combinação e interpenetração destes dois amplos processos – o da reprodução da pobreza e o da complexidade – têm conseqüências que dramatizam e tornam ainda mais difícil a governabilidade democrática. Por um lado, impedindo a estruturação de uma sociedade civil articulada, capaz de penetrar o Estado e democratizá-lo: as sociedades civis latino-americanas tendem a ser, hoje, espaços organizacionais fortemente despolitizados, entregues à lógica privada de seus pedaços e postos diante do Estado como solicitantes, não como protagonistas ativos de operações reformadoras mais fortes. Alcançada pela extensão do número de pobres e excluídos, a cidadania é induzida ou à revolta indignada e moralizante, ou à espera passiva de alguma outorga governamental. Deste ou daquele modo, os cidadãos distanciam-se da política, largando pela estrada seus direitos, seus partidos, seus representantes. Por outro lado, problematizando a representação e, com isso, debilitando os mecanismos de síntese e agregação que respondem pela formação de consensos e macro-projetos. No fim do túnel, um personagem encurralado: o Estado, sitiado pela sociedade solicitante, pela representação em crise e pela inoperância do sistema de intervenções governamentais, vendo agravar-se ainda mais a paralisia a que já o submetem a "globalização" e sua ideologia, o neoliberalismo.

Deve-se considerar ainda que diversos países latino-americanos atravessaram os anos 70 e 80 às voltas com um persistente ciclo de recessão econômica e inflação que, como é evidente, não limitou seus efeitos ao funcionamento da economia e ao agravamento das condições sociais. O binômio recessão-inflação teve um forte impacto negativo sobre a política, incidindo prioritariamente sobre as condutas e os estilos de pensamento de todos os atores políticos. Além de ter retirado racionalidade da atuação governamental (dificultando a coordenação, o planejamento, a otimização dos recursos) e estimulado a dilapidação do Estado e do patrimônio público, induziu a generalização de condutas egoistas e verdadeiramente predatórias no âmbito societal: afinal, com a prevalência do cálculo econômico de curto prazo, com a necessidade de "correr" para evitar a desvalorização monetária e a perda de posições, tornou-se inevitável que todos e cada um dos segmentos sociais calibrassem sua movimentação para a obtenção de vantagens e privilégios de qualquer tipo. Quebraram-se assim muitos vínculos de solidariedade, e difundiu-se um clima de descrença nas agências públicas e na política, ampliando-se as margens de dificuldade para a viabilização de esforços agregadores e de organização política dos interesses. Desse modo, o binômio recessão-inflação prejudicou duplamente a governabilidade democrática: por um lado, embaralhando a atuação governamental e bloqueando a implementação de políticas mais complexas e abrangentes (quer dizer, mais dependentes de recursos, de planejamento rigoroso e de articulação política); por outro lado, retirando importância da política e dificultando a institucionalização da democracia.11 11 A respeito desse ponto, ver Guillermo O'Donnell, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais". Novos Estudos nº 36, julho 1993, pp. 123-145.

A inoperância governamental na área social é um fato dificilmente contestável: o fim da pobreza freqüenta, em lugar de destaque, todos os discursos oficiais, e a pobreza se derrama incessantemente, ao largo dos programas sociais e mesmo da ação meritória, mas impotente, da "sociedade civil". Tal inoperância reflete, evidentemente, uma opção política. Mas, em última instância, é resultante da crescente incapacidade da esfera pública de gerar articulações produtivas entre governantes e governados, decisão e representação. Ela não é expressão de "ingovernabilidade", mas de uma governabilidade crescentemente difícil, sustentada por sociedades que parecem ter perdido o eixo, que não encontram meios de responsabilizar os governos, ativar a política e encaminhar soluções efetivas para as demandas que consegue vocalizar.

Isso permite ajustar o axioma básico das teorias que se têm debruçado, desde os anos 70, sobre a questão da "ingovernabilidade". Seu ponto fraco foi, antes de tudo, a desconsideração de que o capitalismo – e mais ainda, o mundo da indústria e da produção em larga escala – não se define pelo funcionamento harmonioso de seus diversos planos de estruturação: trata-se de um sistema que não vive fora da contradição e do conflito estrutural. Quanto mais avança, mais se evidencia sua dificuldade de reduzir as tensões e desajustes entre seus componentes. Nas sociedades capitalistas complexas da fase "pós-industrial", dissolvem-se as condições estruturais de estabilidade e equilíbrio entre economia, sociedade e política, entre expectativas societais, processamento institucional e intervenções estatais.12 12 Sobre isto, consultar, por exemplo, entre outros, os conhecidos textos de Claus Offe, particularmente Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, e Capitalismo Desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. E também Bob Jessop, State Theroy. Putting Capitalist States in their Place. Oxford: Polity Press, 1990. Não estão dadas, em suma, condições favoráveis à governabilidade: esta converte-se em uma operação irremediavelmente complexa e instável. E isto não porque um hiperpolitizado "excesso de demandas" se superponha às "capacidades governamentais", não porque a "má qualidade" das respostas do sistema de intervenções estatais impeça um atendimento minimamente eficiente das pressões e exigências societais, nem mesmo pela simples somatória destes dois fatores. A governabilidade democrática é difícil em decorrência de um complicado circuito no qual demandas e respostas não são manejadas como integrantes de uma articulação virtuosa entre Estado e sociedade. O "déficit" de governo decorre das próprias condições de reprodução da sociabilidade moderna, que parecem problematizar pela raiz a agregação dos interesses e a mobilização eficaz dos recursos de poder. Não se trata portanto de um problema técnico, mas de um problema eminentemente político.

Assim é porque demandas e respostas fazem parte de um circuito em que, antes de tudo, está sensivelmente reduzida a força evocatória e ativadora da política. Fato, aliás, claramente indicado pelo crescimento avassalador, nos últimos anos, de uma cultura política hostil à política, que generaliza, na consciência "média" das populações, um sentimento de desprezo pela política, vista como atividade pouco digna, como espaço de corrupção e ineficiência generalizada. No fundo, a difusão dessa cultura política surge como reação da sociedade às dificuldades da política, à incapacidade do sistema político (sobretudo na esfera da representação) de agregar e processar as múltiplas pressões reivindicatórias do corpo social, de modo a alcançar, a partir daí, resultados concretos e respostas positivas, além de ganhos adicionais em termos de credibilidade e legitimidade.13 13 Sobre os vários aspectos da problemática da representação nos regimes políticos democráticos, e particularmente na América Latina, ver os textos de diversos autores reunidos em Mario R. dos Santos (coord.), Qué queda de la representación política? Caracas: Editorial Nueva Sociedad/CLACSO, 1992. Some-se a isto, além do mais, a inoperância do sistema de intervenções estatais em sentido estrito, manifesta sobretudo na desestruturação e no descontrole interno, na falta de perspectivas estratégicas, na rotinização inócua das práticas administrativas, no esvaziamento das instâncias geradoras de comandos e controles.

Tal situação de inoperância e crise – resultante, repito, da crescente incapacidade da esfera política de gerar articulações produtivas entre governantes e governados, instituições e ação política, decisão e representação – não provoca apenas "ingovernabilidade". Gera também um conjunto de efeitos retroativos sobre o sistema político e a movimentação social. Acaba, deste modo, por impedir que a própria sociedade civil encontre meios de encaminhar soluções efetivas para as demandas que consegue vocalizar: suas ações tendem, assim, a enveredar por uma trilha "não-política".

UMA CULTURA HOSTIL À POLÍTICA

Um dos mais curiosos subprodutos dessa situação pode ser encontrado na generalização de um estado de espírito interessado em descobrir algum pólo "bom", capaz de se opor exitosamente ao pólo "mau" simbolizado pela política. Ora este estado de espírito deságua no puro escapismo individualista, ora prolonga-se em formas mais ou menos grotescas de transcendência. às vezes, agarra-se a indignações moralizantes contra o Estado e os políticos, concebendo-os como peças irrecuperáveis de um weberiano mundo "desencantado", a ser enfrentado com base mais em posicionamentos éticos abstratos (favoráveis, por exemplo, à transformação da lisura e da honestidade em critério único de avaliação das relações entre indivíduos e coisa pública) do que em recursos de poder, correlação de forças ou operações políticas substantivas. Outras vezes, em versões mais elaboradas, encontra na "sociedade civil" sua principal arma de combate. Nesse último caso, destaca-se a idéia–que parece estar ganhando terreno em alguns ambientes intelectuais e em certos nichos formadores de opinião – segundo a qual, perdidas as esperanças na capacidade intermediadora e organizadora das instituições especificamente políticas (partidos, parlamentos, eleições), todo empenho deveria ser jogado na ativação da pureza associativa dos movimentos sociais e da "sociedade civil". A apatia, a falta de desprendimento e a ineficiência dos políticos – e, por extensão, do sistema institucional – seriam assim compensadas pelo ativismo civil, que funcionaria, deste modo, como uma espécie de movimento regenerador imune às "maldades" do sistema político. Por detrás dessa visão, ganha forma e explicitação uma visão antitética das relações entre Estado e sociedade civil, concebidas como estruturadas por uma disjunção, não por uma dialética de unidade e distinção14 14 Ver, a respeito, Marco A. Nogueira, "A sociedade civil contra a política?" São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE, vol. 8, nº 2, abril-junho 1994, pp. 21-26. .

Um segundo subproduto seria representado pela ênfase que se deposita na questão da "reforma administrativa", entendida quase sempre por seu aspecto imediatamente quantitativo: reduzidos os "excessos" (de despesas, funcionários, privilégios, órgãos, funções, serviços) da máquina pública, esta adquiriria uma nova qualidade e passaria a se conduzir de modo inteiramente diverso, ganhando em produtividade, eficácia e efetividade.

Um terceiro subproduto, de qualidade e consistência bem superiores, apareceria na tendência a tratar a política de modo substitutivo, fazendo-a se concentrar quase exclusivamente nos temas de engenharia institucional: mudem-se as instituições, recrie-se o marco jurídico e todo o problema político estará resolvido. Assim reduzida a seu aspecto imediatamente institucional, a política é esvaziada de valores, interesses, projetos. Converte-se em algo despojado de sentido. Pressupondo que os defeitos institucionais sejam os responsáveis diretos pelo mau funcionamento do sistema político-governamental, esse viés conclui que operações tecnicamente bem acabadas de ajuste institucional podem dar origem a instituições (regras, procedimentos, corpos) vocacionadas para imprimir uma nova dinâmica à política e, por extensão, ao sistema como um todo. Realiza-se deste modo uma inversão: as instituições ganham preeminência sobre a política, criando-a ao invés de serem por ela criadas. O social, em vez de concebido como um feixe de antagonismos que se renovam a se ampliam incessantemente, é convertido em algo "congelável", passível de ser controlado por mecanismos institucionais racionalmente manejados.

Todos esses subprodutos emergem da situação de crise em que nos encontramos, são reproduzidos por ela e sobre ela retroagem, dando passagem a um complicado círculo vicioso. Os pressupostos desta cultura hostil à política são frágeis mas encontram ressonância social; seus desdobramentos e implicações práticas são retroalimentadores, estendendo uma espessa sombra sobre o futuro. Entre outras coisas, eles acabam por sancionar a separação entre governabilidade e política, por prolongar a desconexão entre o alcance de maiores capacidades governamentais e a colocação em prática de um processo reformador da política e do Estado. No limite, separam governabilidade e democracia.

O ESTADO COMO DESAFIO

Todo esse quadro impõe sérias exigências ao setor público. A primeira delas é que a combinação de pobreza ampliada e complexidade crescente cria a necessidade de que o aparato público aumente sobremaneira sua capacidade de responder às demandas da sociedade. é fácil perceber que estamos hoje às voltas com uma espécie de proliferação incontrolável das demandas. São reivindicações e reclamos vocalizados pelas zonas sombrias da pobreza, ao lado de outros, substantivamente distintos, apresentados pelo complexo (e aparentemente radioso) mundo da modernidade urbano-industrial. A sociedade, vivendo em ambiente democrático e imersa em um processo de ampliação dos direitos de cidadania, exige e solicita cada vez mais, alterando a qualidade e a quantidade de suas demandas. Dispara suas exigências contra um setor público despreparado para com elas lidar, já que não dispõe de agilidade, de adequada capacidade técnico-gerencial e sobretudo de um seguro e eficiente "anteparo" ou "filtro" político-institucional, dado o infarto dos mecanismos de seleção, organização e decisão.

O Estado, na verdade, defasou-se diante do mundo cambiante da complexidade e da "globalização". Tornou-se pesado demais em um mundo ágil demais. Converteu-se em alvo de um cerco a que o submetem a sociedade solicitante e o sistema político em crise. A principal exigência dos novos tempos, portanto, é a de melhorar a capacidade de resposta do Estado nos diversos planos em que isso se põe. Trata-se de um imperativo: o Estado precisa se qualificar em termos técnicos e organizacionais para conviver democraticamente com o mundo "globalizado" e com uma sociedade revolucionada, solicitante e explosiva. Isso significa que precisam ser radicalmente aprofundadas as articulações entre os universos da política, da ciência, da cultura e da técnica, de modo a instrumentalizar o Estado para dar conta da proliferação de demandas e problemas da mais diversa natureza.

Teremos, pois, de continuar encarando seriamente o tema da reforma do Estado: não há como seguir avante sem redesenhar o Estado, sem promover mudanças em seu formato organizacional, em suas práticas gerenciais e em sua ação. Precisamos fazer com que o Estado cumpra bem as funções que lhe são pertinentes, entrando em sintonia com sociedades miseravelmente complexas, que se modernizaram sem terem resolvido seus problemas mais graves, multiplicando-os ao invés de reduzi-los ou eliminá-los. A reforma do Estado fornece, assim, um dos eixos em torno dos quais deve girar a discussão a respeito da ultrapassagem da crise atual.

Tal reforma deve preparar o terreno para a emergência de um Estado qualificado para quebrar o cerco a que o submetem a complexa sociedade solicitante e o sistema político em crise, condicionado para responder mais e melhor, para funcionar com maior leveza e agilidade e para atuar como instrumento de uma ampla reestruturação das bases injustas e desiguais da sociedade. Seguindo em linhas gerais um sugestivo texto de Bernardo Kliksberg15 15 Bernardo Kliksberg, "el redeseño del Estado para el desarrollo socieconómico y el cambio: una agenda estratégica para la discusión". Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nº 2, julio 1994, pp. 117-142. Publicado também em Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, nº 3, julho/setembro de 1994, pp. 5-25. , podemos agregar em três grandes blocos os requisitos fundamentais para a construção deste "Estado inteligente".

Antes de tudo, o Estado reformado deverá dispor de um aparato burocrático ágil e flexível, capaz de produzir inovação organizacional e gerencial, coordenar e planejar, atuar de modo descentralizado e fomentar a administração intergovernamental. Trata-se, aqui, de ter um Estado capaz de pensar estrategicamente e de se por como pólo dinâmico, gerador de governos ativos e eficientes. Afinal, se o processo societal da complexidade é em si mesmo conflitivo, contraditório e fragmentado, a ação governamental precisa se concentrar na elevação de sua capacidade de coordenação, gerenciamento e gestão: passa a ser esta, cada vez mais, a função precípua do Estado e dos governos.

Em segundo lugar, o novo Estado deverá ter seus aparelhos técnicos e administrativos centrais reforçados e qualificados para formular, implementar, monitorar e avaliar políticas públicas, especialmente na área social. Dado o tamanho da pobreza e dos diversos problemas nacionais, os governos centrais precisam, na verdade, estar concentrados na ativação desse processo de definição e gerenciamento de políticas públicas. O Estado reformado deverá estar, por isto, focalizado no cidadão, sendo capaz de empreender uma ampla ação cooperativa com outras organizações da sociedade para por em curso um padrão de desenvolvimento à medida do homem. Deverá ter, em decorrência, uma face pública revigorada e geradora de credibilidade.

Por fim, o "Estado inteligente" – isto é, capaz de pensar estrategicamente, planejar e coordenar – precisará dispor de uma clara política de formação de recursos humanos, preparando seus quadros para o desempenho daquelas novas e amplas funções. Os servidores públicos de que se necessita hoje devem estar habilitados tanto para a adoção de novos estilos gerenciais e de trabalho, quanto para a negociação com múltiplos atores sociais-institucionais e a dinamização do processo decisório.16 16 Uma sugestiva e atual proposição a respeito da reorganização do Estado brasileiro, que segue em linhas gerais esse mesmo quadro de referências, pode ser encontrada na pesquisa realizada pelo CEDEC para a Escola Nacional de Administração Pública, do Governo Federal, agora in Regis de Castro Andrade e Luciana Jaccound (orgs.), Estrutura e organização do Poder Executivo. Brasília, Centro de Documentação, Informação e Difusão Graciliano Ramos/ENAP, 1993. Ou seja, devem estar preparados para operar num ambiente inteiramente tomado pela modernidade radicalizada.

O Estado, porém, não poderá ser "inteligente" sem a recuperação da política e do sistema político. Da conexão destas duas dimensões reformadoras nascerão as condições para uma aproximação democrática entre Estado e cidadãos. Dela dependem as chances de uma governabilidade democrática. Em suma, o discurso a respeito dos tópicos e diretrizes de uma reforma forte do Estado deságua em um ponto: será preciso atingir o cerne mesmo do sistema político, modernizar as instituições básicas da política e modificar o padrão predominante dos atos e comportamentos políticos. Cabem aqui, evidentemente, os mais variados esforços para a fixação de regras e normas que incentivem a vida partidária, responsabilizem os políticos, freiem a pulverização artificial dos partidos, aproximem eleitores e candidatos através de procedimentos que racionalizem a competição eleitoral, facilitando, deste modo, a construção de consensos e a formação de maiorias governantes. Porém, a recuperação da política não se fará apenas no plano da lapidação dos mecanismos da representação: sua chave repousa na ampliação e requalificação do protagonismo político das grandes massas, o que se traduz em uma fusão de novo tipo entre participação, representação e governo do social.

Pois é inegável que, sobretudo nas concretas circunstâncias latinoamericanas, governabilidade não se resume a "capacidade de governar". é bem mais do que isso. Antes de tudo, é capacidade de governar com os olhos na realidade, em correspondência com as tendências e os movimentos da vida social, com as "imposições" da época. Em segundo lugar, é capacidade de governar com o propósito de eliminar a pobreza e desarmar a vasta rede de desigualdades e injustiças sociais. Governar, neste sentido, é fundar uma nova dinâmica e uma nova articulação Estado-sociedade: o governo que governa não é o governo dos "decisionistas" e dos líderes determinados, que "impõem" à sociedade um dado programa de ação; é, ao contrário, o governo que sabe entrar em sintonia com as tendências e forças da sociedade para com elas implementar um audacioso programa reformador: é o governo capaz de conseguir parceiros e aliados, base de sustentação e recursos de poder.

GOVERNABILIDADE E CARISMA

Uma governabilidade assim entendida estará sempre diante do clássico dilema weberiano: governar com as instituições, as rotinas processuais e as associações de interesses, e ser por elas engessado, ou governar a partir do magnetismo pessoal de um chefe carismático? Como se sabe, Weber imaginava que a burocracia penetraria todos os poros da sociedade moderna e seguramente conseguiria se infiltrar nas estruturas e organizações de massa: por ser tecnicamente superior a todos os demais métodos de administração, a burocracia tornava-se a mais eficaz forma de organização. Justamente por isto, a oposição a ela só poderia se afirmar (e, assim, vencer) a partir de uma lógica diversa, não tão "racional" e "impessoal". As dramatis personae carismáticas, deste modo, cumpririam a função "irracional" de humanizar o poder e compensar, assim, o lado perverso da burocratização: uma "democracia plebiscitária" corrigiria a democracia de massas organizadas, com seus partidos, sindicatos e grupos de pressão, já que quebraria a rigidez das estruturas e da ação burocrática com a "emoção", o dinamismo e o improviso de uma liderança magnética escolhida diretamente pelo povo.17 17 A discussão a respeito deste controvertido aspecto da sociologia política weberiana é abundante na literatura contemporânea. Ver, entre outros: Georg Lukács, El Asalto a la Razón. Barcelona-Mexico: Ediciones Grijalbo, 1972; Reinhard Bendix, Max Weber, um perfil intelectual. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1986; Luciano Cavalli, Il capo carismatico. Per una sociologia weberiana delia leadership. Bologna: Il Mulino, 1981; Norberto Bobbio, "A teoria do Estado e do poder em Max Weber", in Ensaios Escolhidos, São Paulo: C. H. Cardim Editora, 1988, pp. 157-184; Richard Bellamy, Liberalismo e sociedade moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista-UNESP, 1994; Philippe Raynaud, Max Weber et les dilemmes de la raison moderne. Paris: Presses Universitaires de France, 1987; Mauricio Tragtemberg, Burocracia e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1974; Gabriel Cohn, Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo: T. A. Queiroz. 1979.

Weber, porém, não respondeu de modo cabal à questão de saber a quem se submete o líder carismático. Oscilou entre a admiração pela força "irracional" do carisma plebiscitário e o apego às possibilidades de controle parlamentar do poder. Chegou a reconhecer que o poder deste líder, como observou Bendix, torna-se potencialmente ilimitado e aproxima-se do arbítrio, justamente porque consegue "neutralizar as conseqüências da burocratização nos partidos políticos e na administração do governo". E apostou tudo na existência de um Parlamento forte e atuante, capaz de "assegurar uma administração estável, manter o império da lei e proporcionar meios pacíficos de se revogar o mandato do líder plebiscitário, caso ele perca a confiança das massas"18 18 Reinhard Bendix, op. cit., p. 350. . Em suma, Weber imaginava que o chefe carismático moderno, encarnado na figura do líder democrático plebiscitário, seria capaz de moderar a burocratização e de ser ao mesmo tempo controlado pelas regras do jogo político parlamentar. Seria capaz, portanto, de acompanhar as oscilações das massas entre estados "racionais" e estados "irracionais", adaptando-se rapidamente a eles.

Este é, como se sabe, o dilema básico daquele estilo de liderança que menospreza a intermediação política e funda sua legitimidade em operações que chamam para o líder as expectativas de satisfação de carências e aspirações das massas. é o dilema do "populismo" como aliança entre o Estado e as classes subalternas, particularmente em sua específica versão latinoamericana, toda atravessada pela ambigüidade. Embora possa funcionar, em determinados momentos e conforme a correlação de forças, como instrumento de promoção e transformação social (ao modo de certas fases do período Vargas no Brasil, por exemplo), o "populismo" é sobretudo uma forma de controle e cooptação; associa-se mais à outorga de direitos sociais do que à conquista de direitos políticos; necessita de massas "carentes" e precariamente organizadas; cresce quanto mais o quadro político-institucional é fraco ou mal articulado. Não foi por acaso que encontrou boas condições de reprodução na América Latina, região historicamente marcada pela presença de instituições representativas frágeis, Estados "tutelares" e uma idéia de cidadania associada a concessão de direitos sociais. Mas o "populismo" não é estranho às complexas sociedades de massas do mundo de hoje, caracterizadas pela posse de diversos fatores que o mantêm como possibilidade e o renovam em suas formas. Entramos aqui no contexto daquelas que O'Donnell chamou de "democracias delegativas", fundadas em uma espécie de interpolação da idéia de delegação nos mecanismos típicos da democracia representativa.19 19 Cf. Guillermo O'Donnell, "Democracia delegativa?". Novos Estudos nº 31, outubro de 1991. O "(neo)populismo", por isso, não cessa de se repor, dando origem a situações de governabilidade – mais ou menos carismáticas e plebiscitárias – que, em seu limite e por sua própria lógica interna, estão sempre às portas do autoritarismo e das formas ditatoriais de exercício do poder.

A essa governabilidade "populista" opõe-se a idéia de uma governabilidade democrática, isto é, de uma governabilidade construída sobre regras e consensos, politicamente institucionalizada e permanentemente alimentada pela dinâmica de uma participação política ampliada.

GOVERNABILIDADE E DEMOCRACIA PROGRESSIVA

A governabilidade apenas pode ser hoje alcançada em termos democráticos e progressivos. Mais: só consegue ser democrática se for progressiva e vice-versa. Não me refiro, porém, ao sentido de "progressivo" que remete a "gradual", embora compartilhe a opinião dos que concebem a governabilidade como um processo de acúmulos, sedimentações e consolidações. Penso, aqui, naquele sentido de "progressivo" vinculado à tradição da teoria política italiana de Gramsci e Togliatti, articulada sobre uma idéia de democracia "que reconhece e afirma a tendência a uma profunda renovação social realizada na legalidade".20 20 Palmiro Togliatti, "Diritti e rapporti sociali" (1974). In Discorsi alla Constituente, Roma: Editori Riuniti, 1974, p. 36. Penso, em suma, em uma governabilidade como sinônimo de "ação positiva de transformação social", expressão de "um regime que para salvar os direitos populares, o bem-estar e a paz não fica parado, mas se move, avança, resolve a velha questão da terra, enfrenta a prepotência do capital e dos monopólios, atribui ao Parlamento e ao Estado tarefas distintas das do passado"21 21 Palmiro Togliatti, O caminho italiano para o socialismo (1958). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 116. .

A governabilidade democrática progressiva, portanto, não está voltada apenas para o bom funcionamento do sistema político ou para a colocação em prática de operações que promovam a aproximação entre governantes e governados. Seu sentido maior está dado pela busca da reforma social na legalidade democrática, pela ativação de uma dialética Estado/sociedade que faça de cada conquista a base e o impulso para novas e mais importantes conquistas sucessivas, à imagem e semelhança de um processo reformador.

O alcance das condições para o exercício da governabilidade democrática progressiva aqui delineada mostra-se como um processo amplo, tenso e complexo. Os planos, níveis e dimensões a serem transformados estão de tal modo superpostos e entrelaçados que apenas o ataque simultâneo a todos eles – através de uma sucessão de reformas graduais e concatenadas, distribuídas em um tempo difícil de determinar – garantirá algum avanço substantivo. Esta talvez seja a principal razão pela qual a reforma do Estado não pode ser pensada e muito menos implementada como um tema fechado em si mesmo, passível de ser tecnicamente resolvido ou manejado prioritariamente a partir de suas determinações econômico-financeiras.

Do mesmo modo, a reforma política de que se necessita para calçar uma governabilidade democrática progressiva não se limita aos esforços de engenharia institucional nem poderá ser implementada a partir da livre manifestação dos influxos do mercado. Sua força propulsora repousa sobre uma complexa trama de sujeitos sociais, opções políticas e recursos institucionais. O tema da governabilidade, assim, deixa de poder ser tratado como questão autônoma ou revestida de alguma precedência "técnica", como se se tratasse de estabelecer, em abstrato, os mecanismos institucionais, as regras e as práticas do bom governo. Como tema eminentemente político, a governabilidade está subordinada (ou, no mínimo, fortemente articulada) tanto à problemática das políticas governamentais quanto à questão de saber, enfim, para quem e com quem se governa. Está, em suma, banhada de valor e só se resolve a partir dos embates mais gerais da própria sociedade.

REFORMA INSTITUCIONAL E POLÍTICA

Não se trata, evidentemente, de recusar valor estratégico e relevo aos esforços voltados para a reforma das instituições, nem de negar os importantes condicionamentos recíprocos que existem entre atores políticos, processos e instituições. Afinal, parece estar amplamente consolidada na reflexão política contemporânea – e não apenas entre o denominado "novo institucionalismo" – a tese de que transformações pontuais em determinados aspectos da institucionalidade política (por exemplo, na legislação eleitoral ou no sistema partidário) são capazes de desencadear processos novos e alterar a qualidade mesma da vida política, dos comportamentos dos atores e do desempenho governamental.

No entanto, sabe-se também que não existem modelos ou sistemas "ótimos", de cuja aplicação decorreriam necessariamente estímulos construtivos, assim como inexistem relações de causalidade rígidas na ampla e complexa esfera política. A representação majoritária, distrital, por exemplo, não é requisito indispensável do sistema parlamentar de governo, nem garante a existência de partidos políticos fortes. Do mesmo modo, a representação proporcional não produz obrigatoriamente fragmentação partidária nem é um pressuposto básico do multipartidarismo. Sistemas eleitorais e partidários não são, por si mesmos, geradores de crises e mazelas políticas, que se explicam muito mais por determinações da estrutura sócio-econômica, das tradições culturais e da conduta concreta – com seus erros, acertos e projetos – dos sujeitos políticos. A dinâmica política em seu todo, além do mais, pode sempre neutralizar ou redirecionar qualquer modelo institucional tido como mais adequado, fazendo-o produzir efeitos opostos aos previstos.

As opções de engenharia política, em suma, fazem sentido quando pensadas com os olhos nas reais circunstâncias históricas de cada sociedade singular, em seu processo de State-building, em sua dinâmica sócio-cultural e no padrão de conflito e competição política nela prevalecente.

Como foi reiteradamente enfatizado no presente texto, a reforma política deve almejar a construção de procedimentos e instituições capazes de aproximar Estado e cidadãos, organizações estatais e organizações societais. Dado o padrão societal prevalecente no mundo "globalizado" – com seus "novos antagonismos" e suas cristalizações –, o reformismo atual depende do alcance de uma nova idéia de política, na qual, seguindo a trilha aberta pela teoria da hegemonia de Gramsci, seja possível cancelar a identificação entre a política e o Estado, constitutiva da categoria moderna do político.22 22 Sobre essa nova idéia de política, ver Giuseppe Vacca, Pensare il mondo nuovo, op. cit., passim. Não se trata, pois, apenas de requalificar o Estado-coerção, reforçar a representação e aperfeiçoar as regras da competição política, mas de ampliar e diversificar os espaços e modalidades de participação, redirecionando a política para um diálogo produtivo com a sociedade. Penso aqui nas "instituições do cidadão" mencionadas por Stefano Rodotà para embasar a idéia de uma "representação alargada", artífice de uma situação na qual os indivíduos e os sujeitos sociais tenham voz ativa, participem das decisões governamentais e controlem a própria política. Tratar-se-ia, no caso, de criar condições para que se desenvolvam novas formas de intervenção no processo de distribuição e organização dos poderes. Para o que é necessário, antes de mais nada, "sair do esquema até então prevalecente, que levou à integral conversão da questão política em questão institucional, com um progressivo ofuscamento das razões da política e das difíceis opções por ela impostas, substituídas quase exclusivamente pela modificação das regras. Em decorrência, não se pôde aprofundar a idéia de Estado mas apenas colocar em curso um ininterrupto bricolage institucional".23 23 Stefano Rodotà, "Quale Stato?". Critica marxista, Roma, nº 5, settembre-ottobre 1993, p. 12. Ver também, a este repeito, Umberto Cerroni, Regole e valori nella democrazia. Stato di diritto, Stato sociale, Stato di cultura. Roma: Editori Riuniti, 1989.

Tudo isso parece, enfim, sugerir que a formulação de projetos de futuro passa pelo desenvolvimento de um renovado esforço para fazer com que o momento político prevaleça sobre o momento jurídico-institucional e administrativo, sobre a perspectiva ética e mesmo sobre a lógica eleitoral. Que se continue, evidentemente, a operar com determinação em todas essas frentes de luta. Mas revisões institucionais, desempenho administrativo, regenerações éticas e competição eleitoral são apenas parte do processo democrático e não há indícios de que delas possa advir um conjunto radicalmente novo de instrumentos e valores para a construção do futuro. Sem ativação política, além do mais, sequer as vitórias eleitorais ou a reforma das instituições produzirão resultados efetivos ou chegarão a se completar. As condições de avanço e êxito vinculam-se a um grande esforço para articular as várias dimensões da questão do Estado, que é, como se sabe, uma questão intrinsecamente política. Que depende, por isso, da construção de consensos e da ativação de massas, pessoas e organizações societais, estimuladas por um protagonismo embebido em uma espécie de equilíbrio dinâmico entre vontade e razão.

  • 1 Fábio W. Reis, "Governabilidade, instituições e partido". Novos Estudos nş 41, março de 1995, p. 41.
  • 2 Marco A. Nogueira, "Democracia política, gobernabilidad y representación". Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nş 1, enero de 1994, pp. 7-26.
  • 3 Giuseppe Vacca, Pensare il mondo nuovo. Verso la democrazia de XXI secolo. Milano: Edizioni San Paolo, 1994, p. 9.
  • 4 Juergen Habermas, "A nova instransparência". Novos Estudos nş 18, setembro de 1987, p. 106.
  • 5
    5 Idem, "A cultura ocidental e a perda de confiança em si mesma". Presença. Revista de política e cultura, nº 9, fevereiro de 1987, pp. 140-155.
  • 6 Idem, "Arquitetura moderna e pós-moderna". Novos Estudos nş 18, setembro de 1987, p. 118.
  • 7 Luiz G. Belluzzo, "Prefácio" a Lídia Goldenstein, Repensando a dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 15.
  • Ver também João Manuel Cardoso de Mello, "A nova ordem mundial e o Brasil: entre o "fascismo de mercado" e a democratização do Estado". Presença. Revista de política e cultura, nş 18, junho de 1992.
  • 8 Gosta Esping-Andersen, "O futuro do Welfare State na nova ordem mundial". Lua Nova 35,1995, pp. 77-78.
  • 9 Pietro Barcellona, Lo spaziio delia política. Tecnica e democrazia. Roma: Editoria Riuniti, 1993, pp. 93-94.
  • 10 O vasto tema da pobreza tem sido objeto de numerosas investigações na América Latina. Ver. entre outros, Bernardo Kliksberg (org,), Como enfrentar la pobreza? Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, CLAD/PNUD, 1989;
  • Idem, Pobreza: uma questão inadiável. Brasília: ENAP, 1994;
  • Isabel Licha (coord.), Imagenes del futuro social de America Latina. Caracas: CENDES, 1991.
  • 11 A respeito desse ponto, ver Guillermo O'Donnell, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais". Novos Estudos nş 36, julho 1993, pp. 123-145.
  • 12 Sobre isto, consultar, por exemplo, entre outros, os conhecidos textos de Claus Offe, particularmente Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984,
  • e Capitalismo Desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.
  • E também Bob Jessop, State Theroy. Putting Capitalist States in their Place. Oxford: Polity Press, 1990.
  • 13 Sobre os vários aspectos da problemática da representação nos regimes políticos democráticos, e particularmente na América Latina, ver os textos de diversos autores reunidos em Mario R. dos Santos (coord.), Qué queda de la representación política? Caracas: Editorial Nueva Sociedad/CLACSO, 1992.
  • 14 Ver, a respeito, Marco A. Nogueira, "A sociedade civil contra a política?" São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE, vol. 8, nş 2, abril-junho 1994, pp. 21-26.
  • 15 Bernardo Kliksberg, "el redeseño del Estado para el desarrollo socieconómico y el cambio: una agenda estratégica para la discusión". Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nş 2, julio 1994, pp. 117-142.
  • Publicado também em Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, nº 3, julho/setembro de 1994, pp. 5-25.
  • 16 Uma sugestiva e atual proposição a respeito da reorganização do Estado brasileiro, que segue em linhas gerais esse mesmo quadro de referências, pode ser encontrada na pesquisa realizada pelo CEDEC para a Escola Nacional de Administração Pública, do Governo Federal, agora in Regis de Castro Andrade e Luciana Jaccound (orgs.), Estrutura e organização do Poder Executivo. Brasília, Centro de Documentação, Informação e Difusão Graciliano Ramos/ENAP, 1993.
  • 17 A discussão a respeito deste controvertido aspecto da sociologia política weberiana é abundante na literatura contemporânea. Ver, entre outros: Georg Lukács, El Asalto a la Razón. Barcelona-Mexico: Ediciones Grijalbo, 1972;
  • Reinhard Bendix, Max Weber, um perfil intelectual. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1986;
  • Luciano Cavalli, Il capo carismatico. Per una sociologia weberiana delia leadership. Bologna: Il Mulino, 1981;
  • Norberto Bobbio, "A teoria do Estado e do poder em Max Weber", in Ensaios Escolhidos, São Paulo: C. H. Cardim Editora, 1988, pp. 157-184;
  • Richard Bellamy, Liberalismo e sociedade moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista-UNESP, 1994;
  • Philippe Raynaud, Max Weber et les dilemmes de la raison moderne. Paris: Presses Universitaires de France, 1987;
  • Mauricio Tragtemberg, Burocracia e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1974;
  • Gabriel Cohn, Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo: T. A. Queiroz. 1979.
  • 19 Cf. Guillermo O'Donnell, "Democracia delegativa?". Novos Estudos nş 31, outubro de 1991.
  • 20 Palmiro Togliatti, "Diritti e rapporti sociali" (1974). In Discorsi alla Constituente, Roma: Editori Riuniti, 1974, p. 36.
  • 21 Palmiro Togliatti, O caminho italiano para o socialismo (1958). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 116.
  • 23 Stefano Rodotà, "Quale Stato?". Critica marxista, Roma, nş 5, settembre-ottobre 1993, p. 12.
  • Ver também, a este repeito, Umberto Cerroni, Regole e valori nella democrazia. Stato di diritto, Stato sociale, Stato di cultura. Roma: Editori Riuniti, 1989.
  • *
    Este texto foi preparado para servir como base de uma intervenção na mesa-redonda "Estrategias para una gobernabilidad democratica progressiva", realizada em 16 de novembro de 1994, em Caracas, Venezuela, como parte da XIX Assemblea General do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). Uma primeira versão, mais concisa, será publicada em
    Análisis político, Instituto de Relaciones Internacionales, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá.
  • 1
    Fábio W. Reis, "Governabilidade, instituições e partido".
    Novos Estudos nº 41, março de 1995, p. 41.
  • 2
    Marco A. Nogueira, "Democracia política, gobernabilidad y representación".
    Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nº 1, enero de 1994, pp. 7-26.
  • 3
    Giuseppe Vacca,
    Pensare il mondo nuovo. Verso la democrazia de XXI secolo. Milano: Edizioni San Paolo, 1994, p. 9.
  • 4
    Juergen Habermas, "A nova instransparência".
    Novos Estudos nº 18, setembro de 1987, p. 106.
  • 5
    Idem, "A cultura ocidental e a perda de confiança em si mesma".
    Presença. Revista de política e cultura, nº 9, fevereiro de 1987, pp. 140-155.
  • 6
    Idem, "Arquitetura moderna e pós-moderna".
    Novos Estudos nº 18, setembro de 1987, p. 118.
  • 7
    Luiz G. Belluzzo, "Prefácio" a Lídia Goldenstein,
    Repensando a dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 15. Ver também João Manuel Cardoso de Mello, "A nova ordem mundial e o Brasil: entre o "fascismo de mercado" e a democratização do Estado".
    Presença. Revista de política e cultura, nº 18, junho de 1992.
  • 8
    Gosta Esping-Andersen, "O futuro do
    Welfare State na nova ordem mundial".
    Lua Nova 35,1995, pp. 77-78.
  • 9
    Pietro Barcellona,
    Lo spaziio delia política. Tecnica e democrazia. Roma: Editoria Riuniti, 1993, pp. 93-94.
  • 10
    O vasto tema da pobreza tem sido objeto de numerosas investigações na América Latina. Ver. entre outros, Bernardo Kliksberg (org,), Como enfrentar la pobreza? Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, CLAD/PNUD, 1989; Idem,
    Pobreza: uma questão inadiável. Brasília: ENAP, 1994; Isabel Licha (coord.),
    Imagenes del futuro social de America Latina. Caracas: CENDES, 1991.
  • 11
    A respeito desse ponto, ver Guillermo O'Donnell, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais".
    Novos Estudos nº 36, julho 1993, pp. 123-145.
  • 12
    Sobre isto, consultar, por exemplo, entre outros, os conhecidos textos de Claus Offe, particularmente
    Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, e
    Capitalismo Desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. E também Bob Jessop,
    State Theroy. Putting Capitalist States in their Place. Oxford: Polity Press, 1990.
  • 13
    Sobre os vários aspectos da problemática da representação nos regimes políticos democráticos, e particularmente na América Latina, ver os textos de diversos autores reunidos em Mario R. dos Santos (coord.),
    Qué queda de la representación política? Caracas: Editorial Nueva Sociedad/CLACSO, 1992.
  • 14
    Ver, a respeito, Marco A. Nogueira, "A sociedade civil contra a política?"
    São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE, vol. 8, nº 2, abril-junho 1994, pp. 21-26.
  • 15
    Bernardo Kliksberg, "el redeseño del Estado para el desarrollo socieconómico y el cambio: una agenda estratégica para la discusión".
    Reforma y Democracia. Revista del CLAD, Caracas, Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, nº 2, julio 1994, pp. 117-142. Publicado também em
    Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, nº 3, julho/setembro de 1994, pp. 5-25.
  • 16
    Uma sugestiva e atual proposição a respeito da reorganização do Estado brasileiro, que segue em linhas gerais esse mesmo quadro de referências, pode ser encontrada na pesquisa realizada pelo CEDEC para a Escola Nacional de Administração Pública, do Governo Federal, agora in Regis de Castro Andrade e Luciana Jaccound (orgs.),
    Estrutura e organização do Poder Executivo. Brasília, Centro de Documentação, Informação e Difusão Graciliano Ramos/ENAP, 1993.
  • 17
    A discussão a respeito deste controvertido aspecto da sociologia política weberiana é abundante na literatura contemporânea. Ver, entre outros: Georg Lukács,
    El Asalto a la Razón. Barcelona-Mexico: Ediciones Grijalbo, 1972; Reinhard Bendix,
    Max Weber, um perfil intelectual. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1986; Luciano Cavalli,
    Il capo carismatico. Per una sociologia weberiana delia leadership. Bologna: Il Mulino, 1981; Norberto Bobbio, "A teoria do Estado e do poder em Max Weber", in
    Ensaios Escolhidos, São Paulo: C. H. Cardim Editora, 1988, pp. 157-184; Richard Bellamy,
    Liberalismo e sociedade moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista-UNESP, 1994; Philippe Raynaud,
    Max Weber et les dilemmes de la raison moderne. Paris: Presses Universitaires de France, 1987; Mauricio Tragtemberg,
    Burocracia e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1974; Gabriel Cohn,
    Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo: T. A. Queiroz. 1979.
  • 18
    Reinhard Bendix,
    op. cit., p. 350.
  • 19
    Cf. Guillermo O'Donnell, "Democracia delegativa?".
    Novos Estudos nº 31, outubro de 1991.
  • 20
    Palmiro Togliatti, "Diritti e rapporti sociali" (1974). In
    Discorsi alla Constituente, Roma: Editori Riuniti, 1974, p. 36.
  • 21
    Palmiro Togliatti,
    O caminho italiano para o socialismo (1958). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 116.
  • 22
    Sobre essa nova idéia de política, ver Giuseppe Vacca,
    Pensare il mondo nuovo, op. cit., passim.
  • 23
    Stefano Rodotà, "Quale Stato?".
    Critica marxista, Roma, nº 5, settembre-ottobre 1993, p. 12. Ver também, a este repeito, Umberto Cerroni,
    Regole e valori nella democrazia. Stato di diritto, Stato sociale, Stato di cultura. Roma: Editori Riuniti, 1989.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      1995
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