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Direitos Humanos e Educação Especial: a inclusão de alunos/as surdos/as no Distrito Federal

Human Rights and Special Education: the inclusion of deaf students in the Federal District

RESUMO

Este artigo analisa, sob a perspectiva dos direitos humanos e da educação inclusiva, o processo de inclusão educacional de alunos/as surdos/as no Distrito Federal. Isso é feito mediante análise documental da Estratégia de Matrícula da Rede Pública do DF para 2019, complementada por traços de análise etnográfica. São mapeadas as principais tensões observáveis entre a efetivação, para esses/as alunos/as, do direito humano fundamental da inclusão educacional plena e as propostas normativas da Estratégia de Matrícula. Por fim, são sugeridos, com base nos resultados da análise, alguns caminhos possíveis de aprimoramento para a inclusão educacional de alunos/as surdos/as no DF.

Palavras-chave:
direitos humanos; educação inclusiva; Libras; surdez

ABSTRACT

This article analyzes, from a human rights and inclusive education perspective, the process of educational inclusion of deaf students in the Federal District, Brazil. This is done through documentary analysis of the Federal District Enrollment Policy for 2019, complemented by partial ethnographic analysis. The main observable tensions between the achievement by these students of the fundamental human right to full educational inclusion and the normative proposals of the Enrollment Policy are mapped. Finally, based on the results of the analysis, some possible ways of improving the educational inclusion of deaf students in the Federal District are suggested.

Keywords:
human rights; inclusive education; Brazilian sign language (Libras); deafness

1. Introdução

Políticas públicas educacionais que tenham por base os direitos humanos já percorreram um longo caminho desde a proclamação, pela Organização das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU 1948ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 1948. Declaração Universal dos Direitos Humanos. (Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris por meio da Resolução 217 A (III). Disponível em: <Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por >. Acesso em: 08/07/2019.
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), que estabelece, em seu artigo 26, que “toda a pessoa tem direito à educação” e que a educação “deve visar à plena expansão da personalidade humana”. Durante essa trajetória, do ponto de vista do desenvolvimento normativo, mais especificamente no que respeita ao direito humano à educação inclusiva, merecem destaque a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (ONU 1990ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 1990. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem (Aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos - Jomtien, Tailândia). Disponível em: <Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000086291_por >. Acesso em: 08/07/2019.
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) e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais (ONU 1994ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 1994. Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. (Procedimentos-Padrões das Nações Unidas para a Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiências, A/RES/48/96, Resolução das Nações Unidas adotada em Assembleia Geral). Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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), marcos legais fundamentais da perspectiva de uma inclusão educacional universal, irrestrita, não discriminatória. Dada a tensão inerente entre as soluções universalizantes e as realidades locais, situadas no espaço e no tempo, e os muitos grupos minoritários sobre os quais pretendem legislar, há sempre diversos pontos de fricção a serem equacionados. Entre eles estão a conciliação entre a prática democrática que opera com base na decisão pela maioria e a busca legítima das minorias pela definição de seus próprios destinos. Como “incluir” sem dissolver, sem aculturar?

No Brasil, as diretrizes para as políticas públicas nacionais inspiradas nos marcos internacionais foram concretizadas nos programas de direitos humanos, publicados a partir de 1996, notadamente o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 (Brasil 2010BRASIL. 2010. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010). Ed. revista e atualizada. Brasília. Disponível em: <Disponível em: https://pndh3.sdh.gov.br/public/downloads/PNDH-3.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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). Em 2008, foi elaborada, no âmbito do Ministério da Educação, com base nos PNDH-1 e PNDH-2, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil 2008BRASIL. 2008. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. (Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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).

No universo das políticas públicas, enfrentado o prévio e necessário desafio normativo, impõe-se outro, de importância ainda maior: a transmutação de normas abstratas em ações concretas, transformadoras da realidade dos/as cidadãos/ãs, cujos direitos humanos devem ser promovidos e respeitados diariamente, e cuja educação deve ser efetivamente cidadã e inclusiva. Este artigo tem por objetivo se debruçar, no âmbito dos direitos humanos e da educação inclusiva, sobre esse tão difícil quanto necessário processo de concretização de normas em ações, e analisar os modos pelos quais as supracitadas tensões entre as soluções universalizantes e as realidades e necessidades locais estão sendo tratadas. Mais especificamente, investigaremos como ocorre o processo de inclusão educacional de alunos/as surdos/as no Distrito Federal. Primeiramente, isso será feito mediante análise documental de um exemplo localizado de aplicação do arcabouço normativo nacional sobre direitos humanos e inclusão educacional, a saber, a Estratégia de Matrícula da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal 2019 (doravante EM-DF 2019), definida por seus/uas elaboradores/as como o documento que normatiza “o acesso e a permanência, com equidade de condições e oportunidades, dos estudantes nas UE dessa Rede Pública para o ano letivo”. (Brasil 2018aBRASIL. 2018a. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Estratégia de Matrícula da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal: 2019. (Portaria nº 354, 1º de novembro de 2018). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/estrategia-de-matricula >. Acesso em: 08/07/2019.
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: 8, grifo dos/as autores/as).

A análise documental terá por foco principal os recursos oferecidos e papéis atribuídos, na EM-DF 2019, aos diferentes agentes sociais envolvidos no processo de inclusão (instituições, professores/as, alunos/as, familiares etc.). Em complementação, serão adicionados à análise documental traços de análise etnográfica por intermédio de entrevista estruturada realizada com dois/uas professores/as da Rede Pública de Ensino que atuam diretamente com alunos/as surdos/as acerca do processo de inclusão educacional desses/as alunos/as no DF.

Teremos por objetivos responder às seguintes indagações:

  • Quais são as principais tensões observáveis entre a efetivação, para os/as alunos/as surdos/as da Rede Pública de Ensino do DF, do direito humano fundamental da inclusão educacional plena e as propostas normativas da EM-DF 2019?

  • Em que medida as políticas públicas propostas por meio da EM-DF 2019 para os/as alunos/as surdos/as são de fato inclusivas?

Na Seção 2, traçaremos um panorama das características gerais da cultura surda segundo a comunidade surda e de suas dificuldades de afirmação no cenário hegemônico da cultura ouvinte. Depois, na Seção 3, apresentaremos um breve resumo histórico da normatização brasileira em direitos humanos, em especial na área de educação especial para os/as surdos/as. Na Seção 4 discutiremos algumas críticas ao atual modelo de inclusão educacional brasileiro para os/as surdos/as, no qual a EM-DF 2019 está inserida. A análise da EM-DF 2019 e das entrevistas com os/as professores/as da Rede Pública de Ensino, sob o ponto de vista da inclusão educacional dos/as alunos/as surdos/as, será desenvolvida na Seção 5. Por fim, na Seção 6, sugeriremos alguns caminhos possíveis de aprimoramento dessa inclusão educacional no DF.

2. Cultura surda

A comunidade surda constitui uma minoria linguística legalmente instituída no Brasil. A Lei no 10.436/2002 (Brasil 2002BRASIL. 2002. Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002 (Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm >. Acesso em: 08/07/2019.
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) reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como “meio legal de comunicação e expressão” (Art. 1o) - mas que “não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa” (Art. 4o) -, e o Decreto Lei no 5.626/2005 (Brasil 2005BRASIL. 2005. Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (Regulamenta a Lei no 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm >. Acesso em: 08/07/2019.
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) a regulamenta, definindo a pessoa surda como “aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras” (Art. 2o). Como salienta Ronice Quadros, “o impacto dessa legitimação, a sua repercussão e significado fundam um processo de desestabilização na educação em relação aos surdos no Brasil (Quadros 2006QUADROS, Ronice Müller de. 2006. Políticas Linguísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Cadernos Cedes, v. 26, n. 69: 141-161.: 142)”. Esse relevante status jurídico alcançado, contudo, é insuficiente para o equacionamento de uma série de questões relativas aos direitos humanos dos/as surdos/as e sua efetiva inclusão social. A pesquisadora surda Karin Strobel (2008STROBEL, Karin. 2008. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.) enfatiza que a maioria das escolas regulares que operam sob a premissa da educação inclusiva oferece espaços não preparados para o equacionamento dessas diferenças culturais, fato que potencializa problemas e dificuldades na adaptação dos sujeitos surdos.

Entre os muitos desafios a serem enfrentados para uma efetiva inclusão social e educacional da comunidade surda, citem-se:

  • A incapacidade da maioria ouvinte de se comunicar com os/as surdos/as em Libras uma vez que essa língua não é componente obrigatório da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil 2018cBRASIL. 2018c. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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    ).

  • A falta de professores/as surdos/as e de professores/as qualificados/as e intérpretes de Libras/Língua Portuguesa como segunda língua nas escolas.

  • A escassez de produtos educacionais e culturais disponibilizados com tradução/interpretação em Libras/Língua Portuguesa e de incentivos públicos à produção cultural da comunidade surda.

  • A invisibilidade social dos/as surdos/as e a perspectiva, por grande parte da majoritária população ouvinte, de que os/as surdos/as são “deficientes”, “anormais”, ou seja, que lhes falta algo ou que sofrem de alguma doença, perspectiva que é reforçada pelo jargão médico.

  • A pressão social, tanto no meio familiar quanto institucional, pela oralização, ou seja, para que se ensinem os/as surdos/as a “falar” (busca do desenvolvimento da máxima oralização possível por meio de terapia de fala, utilização de próteses e implantes auditivos, aprendizado de leitura labial etc.), em detrimento da aceitação da Libras como primeira língua (doravante L1) do/a surdo/a e do aprendizado da Língua Portuguesa (doravante LP) escrita como segunda língua (doravante L2).

Strobel ressalta que o predomínio da cultura ouvintista fomenta a noção social equivocada de que “o sujeito surdo, para estar bem integrado à sociedade, deveria se adaptar à cultura ouvinte, porque somente assim poderia viver ‘normalmente’. Se não conseguir, é considerado ‘desviante’” (Strobel 2008STROBEL, Karin. 2008. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.: 23). A autora também aponta que, na comunidade surda, não há diferenciação por conta do nível de surdez dos indivíduos. O que é valorizado é o pertencimento, pelo uso da Libras e pela adoção de padrões culturais surdos, que auxiliam na definição das identidades surdas. Strobel define cultura surda como o modo de a pessoa surda entender e modificar o mundo com o objetivo de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o “com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas”, processo que “abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo” (Strobel 2008STROBEL, Karin. 2008. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.: 24). Nesse contexto, a autora lamenta o fato de muitos/as surdos/as só terem contato com a cultura surda na fase adulta, uma vez que a maioria nasce em famílias de ouvintes que não as colocam em escolas de surdos/as, nem as integram na comunidade surda.

Referindo-se aos esforços de inclusão social e educacional no estado de Santa Catarina e às negociações com as demandas dos movimentos de surdos/as, Quadros (2006QUADROS, Ronice Müller de. 2006. Políticas Linguísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Cadernos Cedes, v. 26, n. 69: 141-161.) reporta que as proposições desses movimentos são por uma escola pública de qualidade em Libras, com professores/as surdos/as e professores/as bilíngues. Os movimentos de surdos/as se opõem à manutenção dos/as alunos/as surdos/as dentro dos espaços de escolas estruturadas para o ensino em LP, concebidas para alunos/as que crescem ouvindo e falando essa língua. Segundo a autora, esses movimentos:

(...) entendem a inclusão como garantia dos direitos de [os/as surdos/as] terem acesso à educação de fato, consolidada em princípios pedagógicos que estejam adequados aos surdos. As proposições ultrapassam as questões linguísticas, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e educacionais. (Quadros 2006QUADROS, Ronice Müller de. 2006. Políticas Linguísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Cadernos Cedes, v. 26, n. 69: 141-161.: 156)

Essa tensão entre políticas nacionais de inclusão e resistência à aculturação já havia ficado evidente na ocasião da elaboração, por representantes da comunidade surda, do documento intitulado A Educação que Nós Surdos Queremos (UFRGS 1999UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1999. A Educação que Nós Surdos Queremos. (Documento elaborado pela comunidade surda no pré-congresso ao V Congresso Latino-americano de Educação Bilíngue para Surdos). Porto Alegre, 20 a 24/04/1999. Disponível em: <Disponível em: https://issuu.com/feneisbr/docs/documento_a_educa__o_que_n_s_surdos >. Acesso em: 08/07/2019.
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) durante as atividades preparatórias para o V Congresso Latino-americano de Educação Bilíngue para Surdos, ocorrido em 1999. Entre os 147 artigos do documento, encontram-se, por exemplo:

20. Promover a recuperação daqueles indivíduos surdos que por muitos anos foram mantidos no “cativeiro” dos ouvintes, possibilitando sua integração à sociedade.

(...)

22. Considerar que a integração/inclusão é prejudicial à cultura, à língua e à identidade surdas.

23. Propor o fim da política de inclusão/integração, pois ela trata o surdo como deficiente e, por outro lado, leva ao fechamento de escolas de surdos e/ou ao abandono do processo educacional pelo aluno surdo.

24. Considerar que a integração da pessoa surda não passa pela inclusão do surdo em ensino regular, devendo o processo ser repensado.

25. Elaborar uma política de educação de surdos com escolas específicas para surdos.

26. Considerar que a escola de surdos é necessária e deve oferecer educação voltada para princípios culturais e humanísticos, promovendo o desenvolvimento de indivíduos cidadãos e sendo um centro de encontro com o semelhante para produção inicial da identidade surda.

3. Normatização nacional em direitos humanos e educação especial para os/as surdos/as

O Brasil tem, em termos gerais, caminhado no sentido da adoção das normas internacionais que defendem a educação das pessoas com deficiência por meio da inclusão social, em oposição ao isolamento. O país reconhece, em sintonia com a Declaração de Salamanca, a “necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino” (ONU 1994ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 1994. Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. (Procedimentos-Padrões das Nações Unidas para a Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiências, A/RES/48/96, Resolução das Nações Unidas adotada em Assembleia Geral). Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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: 1).

No artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil 2009BRASIL. 2009. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Decreto Legislativo nº 186/2008 - Decreto nº 6.949/2009). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm >. Acesso em: 08/07/2019.
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) - aprovada pela ONU em 2006 e promulgada pelo Brasil em 2009 -, que trata da educação, o país, na condição de Estado-parte, compromete-se a ter por objetivos o máximo desenvolvimento do potencial humano e a máxima participação social das pessoas com deficiência. Mais especificamente em relação aos/às surdos/as, o Brasil se compromete a prover meios de comunicação alternativa, facilitar o aprendizado da língua de sinais e de escritas alternativas, promover a identidade linguística da comunidade surda, e garantir que a educação dos/as surdos/as seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados aos indivíduos. Esse compromisso inclui a adoção de políticas de formação e emprego de professores para o ensino de Libras e o fomento à construção de ambientes comunicacional e pedagogicamente adaptados.

No escopo das normatizações internas sobre direitos humanos, o PNDH-3 (Brasil 2010BRASIL. 2010. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010). Ed. revista e atualizada. Brasília. Disponível em: <Disponível em: https://pndh3.sdh.gov.br/public/downloads/PNDH-3.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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) estabelece como objetivos, em relação à inclusão educacional de surdos/as: i) a garantia de recursos didático-visuais e pedagógicos para o atendimento das necessidades educativas especiais; ii) a disseminação da escrita de sinais; iii) a instituição da Libras como disciplina curricular facultativa; e iv) a proposição da regulamentação de profissões como a de instrutor de Libras e tradutor-intérprete de Libras/LP.

No que diz respeito a políticas públicas de educação especial inclusiva já implementadas no país, na seção relativa à inclusão dos/as alunos/as surdos/as, os/as autores/as da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva afirmam que:

Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue - Língua Portuguesa/Libras, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais. Devido à diferença linguística, na medida do possível, o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular. (Brasil 2008BRASIL. 2008. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. (Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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: 17)

4. Críticas ao modelo de inclusão educacional brasileiro para os/as surdos/as

Não obstante o aparente consenso traduzido no aparato normativo brasileiro sobre a forma de se promoverem os direitos humanos e a inclusão social por meio da educação especial para os/as surdos/as, que “pressupõe a articulação entre a educação especial e o ensino comum para a efetivação do pleno acesso e da participação das pessoas com deficiência nas escolas comuns da rede regular de ensino” (Santos 2015SANTOS, Martinha Clarete Dutra dos. 2015. O Direito à Diferença como Pressuposto Político e Filosófico da Mudança de Concepção da Educação Especial. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 2, n. 1: 9-22.: 19), há ressalvas e críticas em relação aos rumos escolhidos pelo Estado brasileiro nessa questão. Campello e Rezende (2014CAMPELLO, Ana Regina; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira. 2014. Em Defesa da Escola Bilíngue para Surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, n. 2 (edição especial). p. 71-92.) - pesquisadoras surdas que se apresentam como representantes do movimento surdo - avaliam que a política de educação inclusiva imposta pelo Ministério da Educação não atende às demandas linguísticas e culturais da comunidade surda e causa o fechamento de escolas de surdos/as pelo país. As autoras pregam a necessidade premente de se oferecer educação bilíngue para surdos/as em escolas específicas como o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES):

A história em defesa das nossas escolas específicas vem de tempos longínquos. A língua de sinais e a cultura surda, em sua imensidão, compartilhada entre os pares surdos, travou-se em períodos de proibições do uso da nossa língua, por imposições ouvintistas, sempre entremeadas de muitas lutas pela sobrevivência da nossa língua de sinais e pela qualidade da nossa educação. (Campello e Rezende 2014CAMPELLO, Ana Regina; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira. 2014. Em Defesa da Escola Bilíngue para Surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, n. 2 (edição especial). p. 71-92.: 73)

A educação bilíngue para surdos/as, que se assenta em aprender a usar de forma plena a Libras como L1 e a LP escrita como L2, é, segundo as autoras, a melhor opção para a educação dos/as surdos/as, pois possibilita a aquisição por parte das crianças, desde cedo, da identidade linguística da comunidade surda. Um dos maiores objetivos da comunidade surda no que se refere à educação é ter assegurado às suas famílias e a seus membros o direito de escolher “pela modalidade de ensino mais adequada para o pleno desenvolvimento linguístico, cognitivo, emocional, psíquico, social e cultural de crianças, jovens e adultos” (Campello e Rezende 2014CAMPELLO, Ana Regina; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira. 2014. Em Defesa da Escola Bilíngue para Surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, n. 2 (edição especial). p. 71-92.: 74).

A defesa de escolas bilíngues para surdos/as também é feita por Sá (2011SÁ, Nídia Regina Limeira de. 2011. Escolas e Classes de Surdos: opção político-pedagógica legítima. In.: SÁ, Nídia Regina Limeira de. Surdos: qual escola?. Manaus: Editora Valer e Edua. p. 17-62.). Segundo a autora, a inclusão de surdos/as na escola regular, embora seja uma alternativa possível para eles/as, não é a melhor opção dos pontos de vista pedagógico, psicológico, sociocultural e científico para eles/as. Nos casos de impossibilidade de se prover a opção da escola bilíngue, se deveria pelo menos oferecer uma classe bilíngue específica para surdos/as. A autora reconhece, contudo, a dificuldade de se implementarem as opções que considera mais adequadas em nível nacional por conta da quantidade pequena de surdos/as em diversas localidades.

Adicionalmente, alguns críticos/as alegam que as escolas regulares, nos moldes atuais, não estão pedagogicamente preparadas para atender os/as alunos surdos/as de forma adequada. Capovilla (2011CAPOVILLA, Fernando C. 2011. Sobre a Falácia de Tratar as Crianças Ouvintes como se Fossem Surdas, e as Surdas, como se Fossem Ouvintes ou Deficientes Auditivas: pelo reconhecimento do status linguístico especial da população escolar surda. In: SÁ, Nídia Regina Limeira de. Surdos: qual escola?. Manaus: Editora Valer e Edua. p. 77-100.), por exemplo, afirma que as atuais políticas públicas em educação:

(...) têm ameaçado pôr uma pá de cal na educação de surdos e no futuro das crianças surdas, ao desmontar as escolas bilíngues que, até então, as educavam em Libras-Português, espalhar as crianças surdas em escolas comuns despreparadas para compreendê-las e ensiná-las em sua língua, e instruir essas escolas comuns a tratar as crianças surdas como se fossem ouvintes ou, na melhor das hipóteses, deficientes auditivas, ao arrepio dos direitos humanos, dos direitos da criança a uma educação adequada às suas necessidades, e à especificidade linguística da Libras, reconhecida em lei federal. (Capovilla 2011CAPOVILLA, Fernando C. 2011. Sobre a Falácia de Tratar as Crianças Ouvintes como se Fossem Surdas, e as Surdas, como se Fossem Ouvintes ou Deficientes Auditivas: pelo reconhecimento do status linguístico especial da população escolar surda. In: SÁ, Nídia Regina Limeira de. Surdos: qual escola?. Manaus: Editora Valer e Edua. p. 77-100.: 85)

Para o autor, tais políticas públicas nacionais, supostamente inclusivas, em verdade privam os/as alunos/as surdos/as de sua língua materna, a Libras, que funciona como metalinguagem e meio de aprendizagem, arrancando-os/as do seio de sua comunidade escolar sinalizadora, na qual compreendiam e se faziam compreender.

Souza (2018SOUZA, Renata Antunes de. 2018. Ensino de português como L2 a surdos: proposta de roteiro gramatical e sua aplicabilidade. (Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Linguística). Brasília: Universidade de Brasília - UnB.) alerta que o desenvolvimento da LP em modalidade escrita na forma como normalmente ocorre na escola regular, por exemplo, não é adequada para os/as alunos/as surdos/as, pois as crianças ouvintes:

(...) já conhecem a LP, sabem conversar com os pais, com os colegas de sala e com os seus vizinhos; já receberam boa parte do conhecimento de mundo que a interação linguística oral efetiva e contínua lhes pôde proporcionar. As crianças ouvintes é que, de posse desse conhecimento, estão, em geral, prontas para aprender essa ‘modalidade escrita’, e não as surdas (Souza 2018SOUZA, Renata Antunes de. 2018. Ensino de português como L2 a surdos: proposta de roteiro gramatical e sua aplicabilidade. (Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Linguística). Brasília: Universidade de Brasília - UnB.: 39).

Em relação ao ensino de alunos/as surdos/as em ambiente não bilíngue na rede regular de ensino por meio de intérpretes, Quadros (2006QUADROS, Ronice Müller de. 2006. Políticas Linguísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Cadernos Cedes, v. 26, n. 69: 141-161.) enfatiza que esses/as profissionais, apesar de importantes no rompimento da barreira comunicativa entres surdos/as e ouvintes, não são suficientes para viabilizar a inclusão, pois as escolas possuem carências metodológicas e ignoram outros aspectos culturais e sociais que integram o processo educacional, deficiências que frequentemente marginalizam o/a estudante surdo/a. De acordo com a autora, a inclusão de surdos na rede regular que ensina em língua portuguesa “é o grande entrave do processo inclusivo dos surdos na educação” (Quadros 2006QUADROS, Ronice Müller de. 2006. Políticas Linguísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina: espaço de negociações. Cadernos Cedes, v. 26, n. 69: 141-161.: 157), pois incompatibiliza as propostas governamentais com os anseios dos surdos.

5. A inclusão de alunos/as surdos/as no Distrito Federal

5.1. A Estratégia de Matrícula do DF

A Estratégia de Matrícula da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal - EM-DF 2019 normatiza, dimensiona e orienta o atendimento pedagógico de todas as UEs da Rede Pública de Ensino do DF para o ano letivo em todas as etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Segundo a EM-DF 2019, “todas as UE da Rede Pública de Ensino que ofertam a Educação Básica e as Instituições Educacionais Parceiras são inclusivas” (Brasil 2018aBRASIL. 2018a. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Estratégia de Matrícula da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal: 2019. (Portaria nº 354, 1º de novembro de 2018). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/estrategia-de-matricula >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/estrategia-de-ma...
: 16).

A educação especial para alunos/as surdos/as é oferecida no DF tanto em UEs regulares como especializadas. As unidades especializadas são o Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS) e a Escola Bilíngue de Taguatinga (EBT).

A EBT, criada em 2013 em cumprimento à Lei nº 5.016 (Brasil 2013BRASIL. 2013. Governo do Distrito Federal. Lei no 5.016, de 11 de janeiro de 2013 (Estabelece diretrizes e parâmetros para o desenvolvimento de políticas públicas educacionais voltadas à educação bilíngue para surdos, a serem implantadas e implementadas no âmbito do Distrito Federal, e dá outras providências). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.sinj.df.gov.br/SINJ/Norma/73222/Lei_5016_11_01_2013.html .> Acesso em: 08/07/2019.
http://www.sinj.df.gov.br/SINJ/Norma/732...
), se propõe, em seu Projeto Político e Pedagógico (Brasil 2018dBRASIL. 2018d. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Coordenação Regional de Ensino Plano Piloto. Escola Bilíngue Libras e Português Escrito de Taguatinga. Projeto Político Pedagógico 2018. Brasília,. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/07/pppescola-Bilingue-cretaguatinga.docx >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
), a promover a inclusão educacional e social dos/as surdos/as e garantir:

(...) uma educação diferenciada, específica, cultural e bilíngue, para estudantes que têm a língua de sinais como sua primeira língua e o português escrito como segunda língua, sendo estas as línguas de comunicação e de instrução das atividades escolares para o ensino de todas as disciplinas curriculares, em todos os níveis da Educação Básica” (Brasil 2018dBRASIL. 2018d. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Coordenação Regional de Ensino Plano Piloto. Escola Bilíngue Libras e Português Escrito de Taguatinga. Projeto Político Pedagógico 2018. Brasília,. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/07/pppescola-Bilingue-cretaguatinga.docx >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
: 7).

A EBT destina-se prioritariamente aos/às estudantes S/DA e filhos/as de pais surdos, mas atende também alunos/as ouvintes interessados/as em estudar em uma escola em que a língua de instrução é a Libras. Tanto na Educação Infantil (pré-escola) como no Ensino Fundamental (anos iniciais), é permitida a formação de turmas multisseriadas ou multietárias nos casos em que o quantitativo mínimo de estudantes não seja atingido. Estudantes S/DA com faixa etária para a Educação Linguística Precoce devem ser atendidos na EBT se a família optar pelo ensino em Libras. Se a família optar pelo ensino do português oral por meio da oralização, o estudante deverá ser atendido em instituição educacional parceira.

Aanlisando-se a estrutura de atendimento dos/as alunos/as S/DA na EBT, observa-se que a previsão de tamanho das turmas, tanto na Educação Básica quanto na EJA, é de até 11 alunos, número consideravelmente menor que o previsto para as UEs regulares, que passa dos 30. Esse tamanho reduzido naturalmente guarda relação com o menor contingente populacional de alunos/as S/DA em comparação ao contingente ouvinte, mas de qualquer forma propicia um atendimento potencialmente mais individualizado aos/às alunos/as S/DA. Infelizmente não há previsão para a EBT, na EM-DF 2019, de formação de turmas de Educação Profissional e Técnica. Na EBT são oferecidos, além da sala de recursos bilíngue, dois núcleos especializados para o atendimento dos/as alunos/as S/DA: Núcleo de Libras e Cultura Surda e Núcleo de Tecnologia e Adaptação de Material Didático. No que diz respeito à sua estrutura básica formal constante na EM-DF 2019, a EBT se destaca em relação às UEs regulares no que respeita a seu potencial de inclusão educacional e cultural dos/as alunos/as S/DA.

O CAS se apresenta como detentor de importante papel do atendimento educacional especializado aos/as surdos/as no DF. No Projeto Político e Pedagógico (Brasil 2018bBRASIL. 2018b. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Coordenação Regional de Ensino Plano Piloto. Centro de Ensino Especial 01 de Brasília. Projeto Político Pedagógico 2018. Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/07/pppplanoCEE-01.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
) do Centro de Ensino Especial 01, UE que hospeda o CAS, a criação e atuação desse centro de capacitação e atendimento tem por objetivo, sob a perspectiva da Política Nacional de Educação Inclusiva, agir no sentido de implementar políticas específicas para surdos/as, tendo em conta a complexidade linguística dessa população, e de ser um centro de referência na educação dos/as surdos/as, constituindo-se em:

(...) uma alternativa para dinamizar e desenvolver a melhoria da educação e inclusão dos surdos, atuando na complementação curricular dos alunos matriculados nas escolas públicas e particulares do Distrito Federal e Entorno, na melhoria da qualidade da formação continuada de professores; na produção de material específico à educação do surdo, tais como: produção de vídeos, CDs, na adequação de textos, na adaptação de outros recursos didático/pedagógicos. A produção oriunda do CAS/DF, tanto se destinará aos surdos do DF, como enriquecerá o atendimento ao surdo a âmbito nacional, por meio de trocas entre os demais CAS da Federação Brasileira (Brasil 2018bBRASIL. 2018b. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Coordenação Regional de Ensino Plano Piloto. Centro de Ensino Especial 01 de Brasília. Projeto Político Pedagógico 2018. Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/07/pppplanoCEE-01.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
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: 70).

O Projeto Político e Pedagógico do CAS também aponta, contudo, dificuldades para o seu adequado funcionamento, entre elas a falta de material pedagógico e recursos audiovisuais nas salas para a realização dos cursos e atendimentos aos/às alunos/as S/DA, a precariedade dos equipamentos de multimídia, a indisponibilidade de conexão à internet para os/as alunos/as, o número reduzido de salas de aula disponíveis, o calor excessivo nas salas e a divulgação deficitária das atividades do CAS na comunidade.

Em termos das modalidades de agrupamento de alunos/as surdos/as e ouvintes em sala de aula, a EM-DF 2019 estabelece as seguintes categorias:

  • Classe Comum Inclusiva (CCI): composta por estudantes com e sem S/DA. Aberta a estudantes com S/DA que não optam pelo ensino/comunicação em Libras como primeira língua e com surdocegueira (SC), com ou sem conhecimento em Libras.

  • Classe Especial (CE): de caráter temporário/transitório, constituída exclusivamente por estudantes com deficiência. Aberta a estudantes com SC. Durante o período de permanência, os/as estudantes deverão desenvolver atividades conjuntas com os estudantes das CCI, e serão reavaliados anualmente.

  • Classe Bilíngue (CB): composta exclusivamente por estudantes com S/DA que se comunicam por Libras e estudantes com SC (com guia-intérprete) que foram surdos/as antes de se tornarem deficientes visuais. As aulas são ministradas em Libras. Destina-se a estudantes que tenham Libras como L1 ou que a estejam adquirindo por opção do/a estudante/família. Todas as turmas da EBT são Classes Bilíngues. Nas demais UEs poderão ser constituídas CBs.

  • Classe Bilíngue Mediada (CBM): composta por estudantes ouvintes, S/DA e SC (com guia-intérprete). As aulas são ministradas por dois professores/as: o/a professor/a regente, que conduz a aula, e o/a professor/a bilíngue (Libras/LP), que atua como intérprete educacional e/ou guia intérprete.

  • Classe Bilíngue Diferenciada (CBD): classe multietária e/ou multietapas composta por estudantes S/DA que se comunicam ou optaram pelo uso da Libras e/ou estudantes SC com outras deficiências associadas.

O atendimento educacional aos/às alunos/as surdos/as é complementado pelas atividades de contraturno em salas de recursos (SR):

  • Sala de Recursos Generalista Bilíngue (SRGB): espaço pedagógico exclusivamente oferecido na EBT por professor/a bilíngue (Libras/LP), especializado/a e com aptidão para o oferecimento de AEE aos estudantes com S/DA em todas as etapas da Educação Básica e EJA.

  • Sala de Recursos Específica (SRE): espaço pedagógico conduzido por professor/a especializado/a e com aptidão para o oferecimento de AEE aos estudantes SC, S/DA em todas as etapas da Educação Básica, EJA e Educação Profissional. O AEE é oferecido em Libras para os estudantes que se comunicam por meio dessa língua, e em LP oral para os estudantes oralizados, que não optam ou não aceitam o ensino em Libras.

A disponibilização do atendimento em SR é obrigatória nas UE de educação em tempo integral quando houver o número mínimo de estudantes exigido para o seu funcionamento. De acordo com as normatizações da EM-DF 2019, as SRE de S/DA são organizadas por Região Administrativa (RA) do DF, preferencialmente em UE-polos, na proporção de dois polos para o Ensino Fundamental, um para o Ensino Médio, e um para o EJA.

Segundo a EM-DF 2019, fazem parte do AEE para SC e S/DA os professores que atuam na interpretação Libras/LP (atendimento simultâneo) e os professores de LP como segunda língua (atendimento complementar ou substitutivo) - nesse caso, a LP é ministrada no mesmo horário da LP para os ouvintes (em ambiente exclusivo e com metodologia específica e diferenciada). O ensino de Libras para os estudantes do Ensino Fundamental (anos finais) e Ensino Médio deve priorizar a compreensão dos conteúdos programáticos do Currículo da Educação Básica. Para o Ensino Fundamental (anos Iniciais), deve ter por objetivo a ampliação do vocabulário e a aquisição da Libras como L1.

As atividades de ensino nas classes e salas de recursos são desempenhadas por diferentes categorias de profissionais de ensino, a saber:

  1. Professor/a regente: profissional que ministra a aula. Na Educação Infantil e até o 5º ano do Ensino Fundamental, o/a professor/a regente possui formação geral em pedagogia e ministra todas as disciplinas. Seu cargo é denominado, por essa razão, professor/a regente de atividades. Do 6o ao 9o ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, o/a professor/a regente ensina uma dada disciplina, na qual possui formação específica, seu cargo é, portanto, denominado professor/a regente de área específica. No âmbito da educação especial, o/a professor/a regente (de atividades ou de área específica) será categorizado como: i) bilíngue, se estiver habilitado/a a ministrar aulas em Libras para alunos/as surdos/as; ii) generalista, caso esteja habilitado/a a ensinar alunos/as com deficiências (à exceção da surdez); e iii) especializado, caso esteja habilitado em alguma deficiência específica (surdez inclusive).

  2. Professor/a intérprete: realiza copresencialmente a interpretação simultânea em Libras, para os alunos/as surdos/as, da aula ministrada para os/as alunos/as ouvintes em LP pelo professor/a regente (de atividades ou de área específica). Deve ter proficiência comprovada em Libras.

  3. Professor/a de AEE: profissional da educação especial que atua exclusivamente no atendimento educacional especializado ministrado em sala de recursos. Deverá ter proficiência comprovada em Libras para atuar com alunos/as surdos/as.

  4. Professor/a itinerante: profissional com proficiência comprovada em Libras responsável pela assessoria local, em questões relativas à surdez, aos professores, familiares e funcionários nas escolas que atendem alunos/as surdos/as.

O local de atuação, no que respeita ao atendimento dos/as alunos/as surdos/as, de cada uma das quatro categorias de professor/a supracitadas está especificado no quadro 1.

Quadro 1
Local de atuação no atendimento aos/às alunos/as surdos/as por categoria de professor/a

Em relação ao processo de matrícula e de formação de turmas para estudantes surdos/as, a EM-DF 2019 estabelece que:

  • Os/As estudantes S/DA matriculados nas CB, CBM, e CBD recebem AEE em SRE no contraturno, preferencialmente em UEs-Polo.

  • Os pais de bebês S/DA são orientados a buscar a Educação Linguística Precoce, preferencialmente na EBT.

Em relação ao que um marco normativo como a EM-DF 2019 pode oferecer para a análise das condições educacionais oferecidas pela Rede Pública de Ensino aos/às alunos/as S/DA, observa-se primeiramente que há um número expressivo de meios e modos de acolhimento na forma de diversos tipos de classes de objetivo inclusivo, tanto mediadas como bilíngues, assim como de salas de recursos para a realização dos AEE. Há previsão para a presença potencial de alunos/as S/DA em todas as fases e classes da rede. Há também um rol considerável de perfis específicos de profissionais docentes que integram os esforços institucionais de inclusão. Esse arcabouço está alinhado com o supracitado percurso normativo brasileiro no sentido de acompanhar os esforços internacionais para uma educação para todos.

Nota-se também nessa elaborada estrutura educacional de objetivo inclusivo descrita na EM-DF 2019 uma opção majoritária pela educação dos/as alunos/as surdos/as por meio da educação mediada (aulas em LP com tradução para Libras), e não pela educação bilíngue (aulas em Libras e de LP como L2). Das nada menos que 792 UEs da Rede Pública de Ensino do DF,1 1 Dados da Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF). Disponível em: <http://www.se.df.gov.br/unidades-escolares>. Acesso em: 08/07/2019. há apenas uma escola bilíngue para surdos/as, a EBT,2 2 Há previsão de criação de uma segunda escola bilíngue no DF. A SEEDF, atendendo solicitação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), publicou a Portaria nº 120, de 5 de abril de 2019, que “aprova a criação da Escola Pública Integral Bilíngue Libras e Português Escrito do Plano Piloto” (Diário Oficial do Distrito Federal, no 66, 08/04/2019, p. 5. Disponível em: <https://www.dodf.df.gov.br>). e um único CAS para dar conta do suporte a todas essas UEs. Levantamento anual realizado pela Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF) com base no Censo Escolar de 2018 (Brasil 2018eBRASIL. 2018e. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Matrículas da Educação Especial em Classe Comum, por Deficiência, Transtornos Globais e Altas Habilidades/Superdotação, segundo Coordenação Regional de Ensino. Censo Escolar 2018. Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/11/2018_QD_PUB_DF_MAT_EE_503_CRE.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
; Brasil 2018fBRASIL. 2018f. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Educação. Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Matrículas da Educação Especial em Classe Especial e em Instituição Educacional Exclusivamente Especializada, por Deficiência e/ou Transtornos Globais de Desenvolvimento, segundo Coordenação Regional de Ensino. Censo Escolar 2018. Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/11/2018_QD_PUB_DF_MAT_EE_501_CRE.pdf >. Acesso em: 08/07/2019.
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
) aponta 70 matrículas de alunos/as S/DA na EBT, de um total de 904 matrículas de alunos/as S/DA na rede como um todo. Ou seja, apenas por volta de 8% do contingente de alunos/as surdos/as encontra-se matriculado em escola bilíngue. Pode-se supor, nesse contexto, que às já citadas dificuldades para o pleno desenvolvimento desses/as alunos/as relacionadas à hegemonia da cultura ouvinte e à disseminada visão clínica da surdez como deficiência, adiciona-se a dificuldade de acesso a uma única escola bilíngue em todo o DF.

Nas UEs regulares, que disponibilizam majoritariamente somente a opção de inclusão por mediação (aulas em LP com tradução para Libras), modalidade que possui as limitações pedagógicas, culturais e identitárias já mencionadas, a questão do deslocamento para a escola também se coloca como desafio para as famílias. A EM-DF 2019 tem por diretriz o agrupamento dos/as alunos/as surdos/as nas UEs-polo, que contam com as SREs. O agrupamento é em si algo positivo para os/as alunos/as surdos/as, pois promove a integração com seus pares linguísticos e culturais, mas o número de UEs-polo é muito reduzido, apenas cerca de quatro por RA principal do DF, em um universo de centenas de UEs. As SREs, por sua vez, que oferecem importante apoio pedagógico aos/às alunos/as surdos/as que estudam em ambiente ouvinte, operam no contraturno, ou seja, há a necessidade, muito pouco condizente com a realidade social brasileira, de duas viagens por dia do aluno/a surdo/a à escola, ou da permanência deste/a aluno/a na escola sem que haja o fornecimento, por parte da UE, de refeição entre os turnos.

5.2. A perspectiva docente

Com intuito de incluir nesta investigação a perspectiva de um dos principais agentes no processo de inclusão, entrevistamos dois membros do corpo docente da Rede Pública de Ensino do DF: um/a professor/a itinerante de AEE, que atua na área de S/DA, lotado/a em uma UE-polo, e um/a professor/a de atividades especializada/o em Libras, que atua na educação bilíngue da EBT. As entrevistas foram realizadas por correio eletrônico: os/as entrevistados/as receberam o formulário constante no quadro 2 e enviaram suas respostas por escrito.

Quadro 2
Formulário para entrevista docente

A partir das respostas fornecidas pelos/as professores/as entrevistados/as pudemos depreender áreas de discrepância/tensão entre o cenário desejado pela comunidade surda e a realidade, segundo a visão dos/as entrevistados/as, da inclusão escolar dos/as alunos/as surdos/as no DF. São elas:

  • A limitação da oferta do ensino de e em Libras para a Educação Infantil e os níveis iniciais do Ensino Básico, período fundamental para a aquisição da linguagem, assim como na Educação Profissional.

  • O nível inadequado de proficiência/fluência de parte dos/as professores/as que ministram aulas de e em Libras, assim como de preparo metodológico para o ensino de e em Libras.

  • A distância de centros especializados como o CAS e a EBT do local de moradia dos/as alunos/as surdos/as e as dificuldades causadas pelos atendimentos no contraturno.

  • O não entendimento, por parte dos agentes educacionais, da Libras como veículo pleno de expressão identitária e cultural dos/as alunos/as surdos/as, conjugado à visão escolar predominante da Libras como língua inferior à LP, com papel circunscrito, em grande medida, à instrumentalização da aquisição da LP.

  • A ausência de currículos e metodologias específicas para o ensino da LP escrita como segunda língua.

  • A formação em geral inadequada dos/as professores/as em questões culturais e identitárias surdas e a pouca interação/convivência desses professores/as com a comunidade surda.

  • A falta de professores/as surdos/as.

  • A falta de engajamento de familiares em questões linguísticas e culturais surdas.

  • A baixa qualidade ou ausência de tradução e/ou interpretação de materiais didáticos e de elementos de comunicação geral para os/as alunos/as surdos/as.

  • Presença no ambiente escolar da visão clínica, da deficiência, a respeito da surdez.

  • A dificuldade, tanto de ordem quantitativa quanto qualitativa, de se promover, na escola, expressões genuínas/autênticas da cultura surda, e não apenas adaptações da cultura ouvinte predominante.

  • A dificuldade de estabelecer parcerias com entidades da sociedade civil para a produção cultural surda, e não apenas para o consumo da produção cultural ouvinte.

6. Caminhos por trilhar

A investigação desenvolvida neste artigo teve por objetivo avaliar, no âmbito da Rede Pública de Ensino do DF, por meio de análise documental complementada por traços de análise etnográfica, o cenário dos principais desafios a serem enfrentados na inclusão educacional de alunos/as surdos/as. Inclusão que é direito humano fundamental, reconhecido nacional e internacionalmente, e que para ser plena tem que ser proporcionada em sua multidimensionalidade pedagógica, cultural e identitária.

Um dos desafios-chave é construir ambientes escolares nos quais os/as alunos/as surdos/as estejam imersos desde cedo em um contexto linguístico e cultural onde predomine a Libras, língua de sinais que pode operar de fato como L1 para esses/as alunos/as. Língua por meio da qual eles/as poderão natural e genuinamente construir suas identidades e se expressarem social e culturalmente. Para isso é necessário que a Libras assuma, tanto no ambiente escolar como perante a comunidade que o orbita, o status de língua plena, de primeira classe, capaz de formar cidadanias, libertando-se da condição de língua precária, de deficiência, meramente complementar à LP, formadora de subcidadanias. Para uma sociedade que se quer inclusiva para além do âmbito meramente legislativo/normativo, esse é um esforço civilizatório tanto imprescindível quanto desafiador, pois é contra-hegemônico em sua essência. Como a cultura ouvinte é amplamente predominante, a cultura surda precisa, além dos seus próprios esforços de resistência à aculturação, da colaboração da cultura ouvinte para prosperar, e prosperando transformar a cultura ouvinte para melhor. “Incluir” é ação coletiva.

Levando-se em consideração que a grande maioria dos/as alunos/as surdos/as são filhos/as de pais e mães ouvintes, que tomam por eles/as as decisões educacionais que influenciarão fortemente suas vidas, o caminho para a verdadeira inclusão se inicia com a compreensão, por parte desses pais e mães, de que a surdez é uma diferença, e não uma deficiência, e de que a educação em Libras, em suas dimensões pedagógica, cultural e identitária, é essencial para o pleno desenvolvimento dos/as seus/uas filhos/as. Esses pais e mães devem entender que esforços de oralização e comunicações mediadas - essas últimas claramente necessárias e desejáveis em várias ocasiões - não são capazes de exercer o papel fundamental que a língua de sinais cumpre nesse desenvolvimento. Tal consciência por parte dos pais e mães de alunos/as surdos/as deveria idealmente ter sido desenvolvida já durante a vida escolar desses pais e mães, mas como ainda infelizmente não atingimos esse nível de conscientização no ambiente escolar brasileiro, cabe às instituições públicas de educação proporcionar meios - como consultas, palestras e cursos - para a construção dessa consciência tardia, de forma que os pais e mães de alunos/as surdos/as possam tomar, de maneira informada, as melhores decisões possíveis para o futuro educacional dos/as seus/uas filhos/as.

Às redes de ensino público cabe também a tarefa de planejar, construir e disponibilizar, da melhor forma possível, ambientes educacionais em Libras como L1 e LP escrita como L2 para os alunos/as surdos/as. A instrução mediada (em LP com tradução simultânea para Libras) deveria ser a exceção, e não a regra. Na rede de ensino do DF, a grande maioria dos/as alunos/as surdos/as recebe instrução por mediação. Para que esse padrão precário predominante seja revertido, ao invés de se oferecer um único centro educacional bilíngue, a EBT, seria necessária, por exemplo, a criação de UEs-polo em número e distribuição geográfica suficientes para se constituírem em opções viáveis para as famílias em termos de locomoção. Essas UEs polo seriam dotadas não apenas de SREs, mas de miniescolas/minicentros bilíngues, nas quais pudessem ser desenvolvidas, em ambiente de Libras como L1, as dimensões pedagógica, cultural e identitária necessárias à plena inclusão educacional dos/as alunos/as surdos/as. No padrão atual da Rede de Pública de Ensino do DF, fortemente ancorado no ensino mediado com complementação em salas de recursos, esse desenvolvimento multidimensional dos/as alunos/as surdos/as parece pouco factível. Esses minicentros bilíngues teriam também, se bem estruturados e desenvolvidos, condições potenciais de promover a cultura surda no ambiente escolar predominantemente ouvinte. O papel da mediação seria redimensionado para o que, acreditamos, lhe é devido: estabelecer o elo de comunicação possível e essencial entre surdos/as e a maioria ouvinte que não se comunica em Libras. Avançando-se um pouco mais na ideia de integrar as culturas surda e ouvinte, e não de sujeitar aquela a esta, se poderia pensar meios de estimular o estudo da Libras como disciplina curricular por parte dos/as alunos/as ouvintes, de forma a abrir ao máximo os canais de comunicação entre as duas populações, com os ganhos sociais e culturais mútuos inerentes à construção desse tipo de elo.

Por fim, há que se ter em mente que a construção de um ambiente escolar genuinamente bilíngue para a inclusão plena de alunos/as surdos/as não pode prescindir de profissionais plenamente habilitados tanto em nível metodológico como de proficiência linguística em Libras e conhecimentos aprofundados em questões identitárias e culturais surdas. Esses recursos humanos capacitados são essenciais tanto para o funcionamento de ambientes bilíngues como para os esforços de promoção da cultura surda dentro e fora das escolas. Profissionais surdos/as têm, nesse cenário, papel natural e fundamental, mas uma rede de ensino que se quer ampla e capaz de construir pontes linguísticas e culturais entre a comunidade surda e a ouvinte não pode nem deve depender apenas da disponibilidade de professores/as surdos/as.

Referências

  • BRASIL. 2002. Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002 (Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm >. Acesso em: 08/07/2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm
  • BRASIL. 2005. Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (Regulamenta a Lei no 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências). Brasília. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm >. Acesso em: 08/07/2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm
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    » https://issuu.com/feneisbr/docs/documento_a_educa__o_que_n_s_surdos
  • 1
    Dados da Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF). Disponível em: <http://www.se.df.gov.br/unidades-escolares>. Acesso em: 08/07/2019.
  • 2
    Há previsão de criação de uma segunda escola bilíngue no DF. A SEEDF, atendendo solicitação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), publicou a Portaria nº 120, de 5 de abril de 2019, que “aprova a criação da Escola Pública Integral Bilíngue Libras e Português Escrito do Plano Piloto” (Diário Oficial do Distrito Federal, no 66, 08/04/2019, p. 5. Disponível em: <https://www.dodf.df.gov.br>).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2019
  • Aceito
    29 Jun 2020
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