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A instabilidade categorial dos constituintes morfológicos: evidência a favor do continuum composição-derivação* * .Este texto é uma versão revista e ampliada do artigo, publicado em espanhol, "El status de los Componentes Morfológicos y el continuum Composición-Derivación en Portugués, na Lingüística, vol. 28, dezembro de 2012, p. 119-145 (Madrid).

The categorical instability of the morphological constituents: evidence in favor of the composition-derivation continuum

RESUMO

Neste artigo, discutimos o estatuto dos seguintes elementos morfológicos frequentemente usados na formação de novas palavras no português brasileiro: afixoides (bio-combustível, eco-sustentabilidade), splinters (choco-tone; sogra-drasta) e xenoconstituintes (cyber-café; e-professor). Ao longo do texto, observamos em que medida esses constituintes se comportam como radicais e em que aspectos equivalem a afixos. Pretendemos, com isso, justificar a proposta de continuum defendida por (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.) e (Ralli, 2007PRÉIÉ, Tvrtko. 2008. Suffixes vs. final combining forms in English: a lexicographic perspective. International Journal of Lexicography, 21.), ao mesmo tempo em que demonstramos que outras unidades morfológicas, além de radicais e afixos, devem fazer parte dessa escala.

Palavras-chave:
morfologia; composição; derivação; formação de palavras; continuum

ABSTRACT

In this paper, we discuss the status of the following morphological elements, often used in new word formations in Brazilian Portuguese: afixoids (bio-combustível, eco-sustentabilidade), splinters (choco-tone; sogra-drasta) and borrowed constituents (cyber-café; e-professor). In our description, we observe the extent to which these constituents behave as radicals and in what ways are equivalent to affixes. We intend, thereby, ratify the continuum proposed by (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.) and (Ralli, 2007PRÉIÉ, Tvrtko. 2008. Suffixes vs. final combining forms in English: a lexicographic perspective. International Journal of Lexicography, 21.), at same time We show that other morphological units, as well as radicals and affixes, should be part of this scale.

Key-words:
morphology; compounding; derivation; word formation; continuum

Palavras iniciais

O tipo de constituinte envolvido na formação de palavras é tacitamente apontado como a principal diferença entre composição e derivação (KATAMBA, 1990KATAMBA, Francis. 1990. Morphology. New York: Maxmillian., SPENCER, 1991SPENCER, Andrew. 1991. Morphological Theory. Oxford: Blackwell.), já que o primeiro processo opera com base em radicais/palavras e o último faz uso de afixos. A categorização das unidades morfológicas, no entanto, é tema de grande debate na literatura recente, como demonstrado, por exemplo, em (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.), (Ralli, 2007RALLI, Angela. 2007. Compounds in Modern Greek. Rivista di Linguistica, 4 (1): 143-174.) e (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.). Se, por um lado, o estatuto de um formativo determina o tipo de operação morfológica, por outro, nem sempre é fácil decidir se uma unidade constitui afixo ou radical1 1 .O termo radical está sendo utilizado, neste texto, como sinônimo de raiz: "forma que sobra quando todos os elementos morfológicos - marcadores de palavras, flexões e derivações - são isolados de uma palavra" (KASTOVSKY, 2009: 9). Tal constituinte pode ou não necessitar de material morfológico para se realizar como palavra. Embora se possa diferenciar raiz de radical, consideramos os termos sinônimos e optamos pelo último por considerar que o primeiro está comprometido com informações de natureza etimológica. , o que levanta a questão de saber se há limites precisos entre as categorias morfológicas e, em decorrência, entre os dois principais processos de formação de palavras: a composição e a derivação.

Neste artigo, procuramos mostrar, seguindo (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.) e (Ralli, 2007RALLI, Angela. 2007. Compounds in Modern Greek. Rivista di Linguistica, 4 (1): 143-174.), que as unidades envolvidas na formação de palavras podem ser dispostas num continuum morfológico determinado tanto por propriedades estruturais quanto semânticas. Para esses autores, afixos e radicais livres ocupam os dois extremos da escala, enquanto radicais, sobretudo os chamados neoclássicos2 2 .Compreendemos radicais neoclássicos como elementos morfológicos de origem grega ou latina tardiamente incorporados a várias línguas, em função da nomenclatura técnico-científica e filosófico-literária, sobretudo a partir do século XIX. , localizam-se em posicões mais ao centro. Uma abordagem dessa natureza representa as semelhanças compartilhadas por diferentes constituintes, como, por exemplo, a propriedade fixidez (boundedness), característica tanto de afixos quanto de radicais neoclássicos.

Com base em formações mais recentes do português (sobretudo em sua variante brasileira), pretendemos demonstrar que vários tipos de elementos morfológicos, além de radicais presos, podem ser dispostos no continuum afixo-radical, pois igualmente dão mostras da dificuldade de categorizar como compostas ou derivadas as construções morfológicas de que participam. Tal é o caso dos seguintes constituintes abaixo exemplificados:

(01) radicais neoclássicos: gastro-, hidro-, hétero, -rexia, -cida;

afixoides: petro-, bio-, eco-, tecno-, tele-, homo-;

reduções resultantes de processos de cruzamento: -nejo, -nese, -drasta, -trocínio, caipi-;

reduções resultantes de processos de encurtamento: choco-, info-, euro-; e

formativos emprestados do inglês: cyber-, -gate, pit-, e-, -burguer.

sufixos não aderentes: -mente; -zinho;

prefixos composicionais: pré-, pós-, vice-, ex-, sub-.

Objetivamos discutir preliminarmente o estatuto morfológico dos elementos em (01), observando em que medida se comportam como radicais e em que aspectos equivalem a afixos, justificando, assim, a proposta de continuum defendida por (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.) e (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.). Em primeiro lugar, listamos as principais diferenças entre afixos e radicais para, em seguida, refletir sobre o estatuto de formativos como homo- ('homo-afetivo'), -drasta ('sogra-drasta'), cyber- ('cyber-café') e -zinho- ('cidade-zinha')3 3 .Utilizamos o hífen apenas para sinalizar uma fronteira de constituintes morfológicos. Por isso mesmo, a hifenização nem sempre corresponde à preconizada pelo novo acordo ortográfico, encontrada tanto em dicionários atuais quanto no VOLP - levantamento das palavras "com indicação da sua grafia, prosódia, ortoépia, classe gramatical e outras informações úteis, tais como formas irregulares do feminino de substantivos e adjetivos, plurais de nomes compostos, etc.". (Academia Brasileira de Letras - http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario?sid=19. Acesso em 17/03/2016). . Em seguida, com base no mapeamento, na descrição e na análise de constituintes morfológicos difíceis de classificar, apresentamos recentes enfoques sobre o binômio composição-derivação e concluímos que uma categorização baseada em protótipos é mais condizente com a heterogeneidade tipológica do sistema de formação de palavras do português.

Desse modo, em vez de considerar os tipos morfológicos como estruturas estáveis e claramente definidas, os concebemos, na esteira de Lakoff (1987), como entidades de atributos (ou propriedades) graduáveis e com limites difusos (fuzzy categories). A relevância dos atributos, para o estabelecimento das categorias, aponta para o fato de os membros de uma classe se organizarem em torno de um representante modelar (o protótipo), dentro do qual as entidades são ordenadas, incluídas ou excluídas (Taylor, 1989), o que corresponde ao chamado efeito de prototipicidade.

1. Das diferenças entre radical e afixo

O estabelecimento de critérios empíricos pode ser útil na tentativa de se reconhecerem as principais características de afixos e radicais mais prototípicos. No entanto, a operacionalização desses parâmetros tende a ser difícil na prática, uma vez que os agrupamentos podem ser contraditórios, o que acaba (1) relativizando a categorização do formativo e, consequentemente, (2) colocando em xeque (a) a eficácia do critério e (b) a existência de fronteiras rígidas entre composição e derivação. A seguir, apresentamos os principais atributos dessas duas unidades de análise morfológica:

Quadro 1
Principais diferenças entre composição e derivação

À exceção do critério (C) - segundo o qual afixos são regidos por fortes restrições posicionais, aparecendo numa posição pré-determinada na estrutura das palavras, vindo daí a distinção entre os vários tipos de afixos encontrados nas línguas do mundo: prefixo, sufixo, infixo, circunfixo, suprafixo, interfixo, confixo etc.4 4 .Os termos são autoexplicativos, definindo-se pela própria constituição morfológica da palavra. Desse modo, o elemento recorrente, fixo, corresponde ao radical, núcleo básico de significação da palavra, e o tipo de afixo é determinado pelo formativo que figura à esquerda. Assim, prefixo é a forma que aparece antes da base e sufixo, o elemento adjungido após esse constituinte. Um infixo, por sua vez, aparece no interior da base, tornando-a descontínua. O circunfixo, ao contrário, é um elemento descontínuo e, por isso mesmo, aparece em diferentes lugares da cadeia sintagmática. Suprafixo é um afixo de natureza suprassegmental e interfixo, um elemento relacional que aparece entre radicais. Por fim, confixo designa um formativo caracterizado por oscilação posicional. -, todos os demais podem ser questionados, o que nos leva a concluir que as propriedades acima mapeadas realmente se aplicam aos representantes mais centrais dessa classe de elementos morfológicos.

Por exemplo, o parâmetro (L) faz referência à relação entre categorias morfológicas e prosódicas, pois pressupõe isomorfismo entre palavra morfológica (MWd) e palavra prosódica (PrWd), previsão compatível com a maior parte das derivações do português. De fato, como prevê o critério (J), afixos são elementos que, em geral, não projetam, sozinhos, vocábulos fonológicos próprios, realizando-se, com a forma a que se agregam, sob um único acento, como se observa nas representações a seguir, nas quais colchetes sinalizam PrWds e chaves, MWds:

(02) MWd≈PrWd

{[des Af leal Rad ] PrWd } MWd {[leal Rad dade Af ] PrWd } MWd

{[in Af apt Rad o ] PrWd } MWd {[apt Rad idão Af ] PrWd } MWd

Os critérios (J) e (L), no entanto, falham na análise de prefixos como vice- e pós-, sem dúvida alguma realizados numa palavra prosódica independente. Evidência disso é o fato de serem massivamente dissílabos (03a) ou, em menor proporção, monossílabos tônicos (03b), a maioria com vogal aberta, um dos indicadores de acento e, consequentemente, de palavra prosódica (VIGÁRIO, 2000):

(03) a. {[vice Af ] PrWd [prefeit Rad o ] PrWd }MWd {[anti Af ] PrWd [rug Rad as ] PrWd }MWd

b. {[pós Af ] PrWd [pág Rad o ] PrWd } MWd {[pré Af ] PrWd [test Rad e ] PrWd } MWd

Sufixos chamados por (Booij, 2002BOOIJ, Geert. 2002. The Morphology of Dutch. Oxford: Oxford University Press.) de não aderentes (do inglês no cohering), como -mente e -zinho, também projetam palavras prosódicas próprias, impedindo, por exemplo, que a regra de neutralização das pretônicas se aplique, o que não condiz com a afirmação feita em (M), segundo a qual é a composição o processo de formação de palavras que resguarda as propriedades segmentais e prosódicas da base. Afixos aderentes (do inglês cohering), como -eiro, por exemplo, são integralmente incorporados à palavra prosódica resultante de sua adjunção a uma a base, ajustando-se à regra de neutralização - 'p[ç]orta' - 'p[o]rtaria', 'p[o]rteiro', 'p[o]rtão'; afixos não-aderentes, por sua vez, não promovem mudanças fonológicas na palavra-base, que se mantém idêntica em sua constituição segmental, como se vê na representação em (04), a seguir.

(04) {[bεl Rad a] PrWd [mente Af ] PrWd } MWd (b[e]lamente)

{[nçv Rad a] PrWd [mente Af ] PrWd } MWd (*n[o]vamente)

{[cεu Rad ] PrWd [zinho Af ] PrWd } MWd (*c[e]uzinho)

{[dçlar Rad ] PrWd [zinho Af ] PrWd } MWd (*d[o]larzinho)

Também não é inteiramente verdadeira a alegação, feita em (G), de que afixos atualizam conteúdos mais gerais e, por isso mesmo, necessariamente criam séries de palavras, como prevê o parâmetro (R). Como mostra (Bybee, 1985BYBEE, Joan. 1985. Morphology: a study of the relation between meaning and form. Cambridge: Cambridge University Press.), o significado do elemento morfológico determina em que medida será ou não aplicável em larga escala: quanto mais geral a semântica do formativo, mais aplicável o esquema de formação que instancia.

(Basilio, 1987BASILIO, Margarida. 1987. Teoria Lexical. São Paulo: Ática.: 29) ressalta que há, em português, há afixos com diferentes graus de generalidade e "o teor de produtividade está provavelmente ligado a esse grau de generalidade". A título de exemplificação, comparemos dois sufixos: -ite e -mente. O primeiro, por expressar inflamação ('labirintite', 'laringite', 'otite') ou algum tipo de anomalia comportamental ('paixonite', 'preguicite', 'frescurite'), sem dúvida alguma é menos geral que o segundo, que forma advérbios a partir de adjetivos ('sabiamente', 'lealmente', 'lentamente'). O conteúdo de -mente é de grande generalidade e, por esse motivo, praticamente não há restrições a sua aplicabilidade (GONÇALVES, 2005GONÇALVES, Carlos Alexandre. 2005. Flexão e Derivação em Português, 1a. ed. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.). Como os sufixos -ite e -mente diferem em generalidade, podemos afirmar, utilizando as palavras de (Basilio, 1987BASILIO, Margarida. 1987. Teoria Lexical. São Paulo: Ática.: 29), que "a diferença no teor de produtividade não é acidental".

Pelos critérios (R) e (S), compostos seriam menos naturalmente construídos, uma vez que a composição cria conjuntos mais fechados de palavras. Não é inteiramente verdadeira tal alegação, pois, como mostra (Gonçalves, 2012) são numerosas e, de modo algum, criadas ad hoc as formações envolvendo a base livre 'Maria' na primeira posição, o que evidencia que a composição cria esquemas tão naturais e produtivos quanto a derivação. Nesses exemplos, o antropônimo 'Maria' é utilizado em referência a uma mulher interesseira e o elemento à direita constitui metonímia do profissional que tal mulher assedia:

Quadro 2
Relação de compostos Maria-X em português

De acordo com Faria (2011) e (Gonçalves, 2016), compostos bolsa-X têm produtividade similar à de derivados no português brasileiro contemporâneo, pois são inúmeras as formas assim constituídas, como confirmam os exemplos no Quadro 3, a maioria extraída de Faria (2011: 186-189) com adaptações:

Quadro 3
Relação de alguns compostos bolsa-X em português

O critério (F), proposto por (Kenesei, 2007KENESEI, István. 2007. Semiwords and affixoids: the territory between word and affix. Budapeste: Research Institute for Linguistics., p. 10), prevê que afixos não são sensíveis às regras de redução de coordenação, quer para trás, quer para frente, ou seja, na coordenação de palavras derivadas de afixos idênticos e bases diferentes ou vice-versa, nem afixos nem bases podem ser apagados. Como os demais, esse critério também é discutível, uma vez que não se aplica uniformemente a todos os itens classificados como afixos em português. A maioria impossibilita, de fato, a supressão de constituintes em coordenação (conjuntiva ou disjuntiva), como se vê nos exemplos em (05):

(05) i-moral e/ou i-legal ≠ i-moral e/ou legal

i-moral e/ou a-moral => *in e/ou a-moral

livr-eiro e/ou livr-aria => *livreiro e/ou aria

menin-ice e/ou crianc-ice ≠ menino e/ou criancice

A impossibilidade de coordenação nos exemplos em (05) se deve ao fato de afixos portarem significados por demais generalizados (parâmetro G), o que os impede de apresentar livre curso na língua (critério B). Entretanto, outros afixos admitem exclusão, sem restrição de direcionalidade, na coordenação binária e/ou n-ária de termos derivados, prefixados ou sufixados, a exemplo dos listados em (06), em que os elementos apagados exercem função sintática e semântica idênticas aos remanescentes, condição necessária à coordenação:

(06) pré-operatório e/ou pós-operatório => pré e/ou pós-operatório

pró-presidente e/ou anti-presidente => pró e/ou anti-presidente

timidamente e/ou sensivelmente => tímida e/ou sensivelmente

Infelizmente, nenhuma das propriedades acima elencadas é exclusiva de afixos ou, pelo menos, caracteriza todo e qualquer formativo considerado como tal. Antes de mostrar em que medida as características apresentadas podem nivelar as duas categorias em análise (radical e afixo), procuremos, em primeiro lugar, uma definição apropriada para radical.

Em linhas gerais, radicais são definidos como os elementos morfológicos que podem, "por si sós, constituir a base de uma palavra" (BASILIO, 1987BASILIO, Margarida. 1987. Teoria Lexical. São Paulo: Ática.: 11). Frequentemente, radicais se atualizam como palavras a partir do acréscimo das flexões ou dos marcadores de vocábulos (BOOIJ, 2002BOOIJ, Geert. 2002. The Morphology of Dutch. Oxford: Oxford University Press.) e, desse modo, são descritos como a "palavra despojada de todos os seus elementos flexionais" (BOOIJ, 2002BOOIJ, Geert. 2002. The Morphology of Dutch. Oxford: Oxford University Press.: 56). Afixos, por seu turno, constituem formas presas, isto é, são partes integrantes de palavras, não funcionando sozinhos como comunicação suficiente, nos termos de (Bloomfield, 1933BLOOMFIELD, Leonard. 1933. Language. New York: Holt.), por só se manifestarem quando combinados a outras formas, presas ('sapat-eiro') ou livres ('sal-eiro').

Pelas definições apresentadas, não há a menor dificuldade de considerar radicais formas como 'mar', 'café', 'papel', 'encontr-' e 'grat-', apesar de as duas últimas serem diferentes das demais. Obviamente, estamos diante de dois tipos de radicais: os três primeiros são livres, enquanto os dois últimos são presos, necessitando, portanto, de terminação apropriada para funcionar como palavras. Apesar disso, todos os elementos morfológicos em exame são vistos como radicais, pois são constituintes que "atualizam o significado lexical básico das palavras" (CRYSTAL, 1988CRYSTAL, David. 1988. Dicionário de Lingüística e Fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.: 212).

Os radicais neoclássicos, chamados de arqueoconstituintes por (Corbin & Paul, 2000CORBIN, Danielle y PAUL, Jérôme. 2000. Aperçus sur la créativité morphologique dans la terminologie de la chimie. La banque des mots, 60: 51-68.), entretanto, não se ajustam bem às definições apresentadas, pois, além de serem unidades presas, como os afixos, não necessariamente se realizam como palavras mediante o acréscimo de elementos flexionais ou temáticos, como os demais radicais presos, o que justifica o estranhamento das sentenças abaixo:

(07) As fofoqueiras deveriam tomar conta das suas próprias bios.

Os novos biblios do Paulo Coelho já venderam um milhão de exemplares.

Minhas tecas de selos antigos e de CDs estão quase completas.

De fato, formas como bio, biblio e teca, entre tantas outras, não se enquadram perfeitamente na classe dos radicais - pelo menos a partir das definições apresentadas. Como os afixos, os radicais neoclássicos podem ser caracterizados por severas restrições posicionais, aparecendo numa borda específica da palavra, como prevê o parâmetro (C). Tal é o caso, por exemplo, de tele-, sistematicamente encontrado na margem esquerda, e -cida, categoricamente vinculado à borda direita:

(08) tele-novela inseti-cida

tele-pizza rati-cida

tele-sexo espermi-cida

tele-namoro germi-cida

Elementos como tele- e -cida são radicais ou afixos? A resposta a essa instigante questão sem dúvida alguma dependerá da característica que se quer focalizar. Se considerarmos as primeiras - e mais básicas - propriedades dos afixos, apresentadas nos critérios (B) e (C), tele- e -cida têm de ser considerados, nessa ordem, um prefixo e um sufixo, pois, além de serem presos, ocupam posição fixa na estrutura das palavras. Por outro lado, tele- e -cida não se comportam da mesma maneira quanto à formação de domínios prosódicos, já que somente o primeiro projeta uma palavra prosódica própria, como se vê na representação abaixo. Observe-se a realização da média nos dois casos:

(09) {[(tεle)]PrWd[(pizza)]PrWd}MWd não {[(tele)]PrWd[(pizza)]PrWd}MWd

{[(mçto)]PrWd[(táxi)]PrWd}MWd não {[(moto)]PrWd[(táxi)]PrWd}MWd

{[(germi)(cida)]PrWd}MWd não {[(gεrmi)(ci.da)]PrWd}MWd

{[(formi)(cida)]PrWd}MWd não {[(fçrmi)(ci.da)]PrWd}MWd

Além disso, observando o critério (H), o inventário de radicais neoclássicos não é tão aberto quanto o dos demais radicais, o que, mais uma vez, os aproxima dos afixos. Ressalte-se, ainda, que vários elementos neoclássicos apresentam função sintática e semântica pré-determinadas, como preconiza o critério (Q) para afixos. De acordo com (Basilio, 1987BASILIO, Margarida. 1987. Teoria Lexical. São Paulo: Ática.: 28), "essas funções delimitam os possíveis usos e significados das palavras a serem formadas pelos diferentes processos de derivação", correspondentes aos vários afixos. Assim, continua a autora, "a própria disponibilidade de um afixo ou do correspondente processo de adição define a função correspondente como sendo uma função comum dentro da estrutura derivacional da língua" (BASILIO, 1987BASILIO, Margarida. 1987. Teoria Lexical. São Paulo: Ática.: 28).

Desse modo, se os usos e os significados das palavras derivadas correspondem às funções dos afixos, não hesitaríamos em considerar -teca um sufixo formador de substantivos a partir de substantivos, já que esse formativo cria séries de palavras, sempre contribuindo com o mesmo significado nas formas a que se vincula, "coleção", em plena harmonia com o que se estabelece em (N). Como se observa nos exemplos em (10), todas as construções X-teca são interpretadas composicionalmente, isto é, pela soma dos significados das partes, em conformidade com o que estabelece o critério (O):

(10) marido-teca foto-teca brinquedo-teca

video-teca cede-teca cinema-teca

xeroco-teca media-teca vituo-teca

porno-teca teatro-teca disco-teca

Por outro lado, os significados que a maior parte dos radicais neoclássicos atualiza são mais lexicais, como prevê o parâmetro (N) ou, nas palavras de (Préié, 2008PRÉIÉ, Tvrtko. 2008. Suffixes vs. final combining forms in English: a lexicographic perspective. International Journal of Lexicography, 21.: 322), "têm maior densidade semântica". Para (Ralli, 2008______. 2008. Compound Markers and Parametric Variation. Language Typology and Universals (STUF). p. 19-38.: 156), a classe dos radicais (incluindo os neoclássicos) "porta um significado concreto, em comparação com os afixos propriamente ditos, que têm papel mais funcional (categorial ou relacional) ou possuem significado mais abstrato". Se assim consideramos, radicais neoclássicos se posicionam, no continuum sugerido por (Baker, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.), entre radicais e afixos, como na seguinte representação:

Figura 1
O continuum afixo-radical (BAKER, 2000BAKER, Marker. 2000. On Derivational Asymmetries in Derivational Morphology. In: BENDJABALLAH, Sabrina; DRESSLER, Wolfgang U.; PFEIFFER, Oskar E. & VOEIKOVA, Maria D. (eds.). Morphology 2000: Selected Papers from the 9th Vienna Morphology Meeting. Amsterdam: John Benjamins. p. 21-104.: 49)

Resta falar da combinabilidade (critério D), da posição da cabeça lexical (critério E) e da composicionalidade (critérios O e P). Em relação ao primeiro parâmetro, postula-se que sufixos combinam-se com radicais, mas essa previsão não é verdadeira para os deverbais, que selecionam o constituinte tema (VILLALVA, 2000), como atestam os exemplos em (11), nos quais o tema está em negrito. Além disso, os sufixos ditos não aderentes, como -zinho e -mente, selecionam palavras, também em negrito (12). Esses fatos, por si sós, já põem em xeque a eficácia do critério (D):

(11) inibidor

atropelamento

varreção

amaciante

perecível

(12) marzinho corregozinho maiozinho

Velozmente sobriamente alegremente

Nas composições de base livre, a cabeça lexical, núcleo morfológico, sintático e semântico da palavra, figura à esquerda, predominantemente (GONÇALVES, 2011a______. 2011a. Composição e Derivação: Polos Prototípicos de um Continuum? Pequeno estudo de casos. Domínios da Lingu@gem, 2: 62-89.). Só apresentam cabeça à direita compostos em que o segundo elemento é livre, mas, não por obra do acaso, é de origem clássica e termina no sufixo -ia, como -terapia, -fobia, -via e -mania. Nas derivações (prefixal ou sufixal), a cabeça se posiciona à direita, exceto nos afixos de grau, que, nesse aspecto, acabam comportando-se como compostos, uma vez que também apresentam padrão estrutural DM-DT (determinado-determinante):

(13) carrão => carro caro/luxuoso/grande

bolsinho => bolso pequeno

inteligentíssimo => muito inteligente

lindésima => linda demais

Pelo Quadro 1, entende-se que afixos, recorrentemente, atribuem a mesma ideia a todas as formas a que se vinculam. Com efeito, os itens lexicais resultantes tendem a ser interpretados composicionalmente, isto é, pela soma dos significados das partes que os constituem (critério O), sendo, por isso mesmo, endocêntricos (critério P): por exemplo, 'dentista' é um profissional que cuida dos dentes; 'varreção', o ato intermitente de varrer e 'ingrato', o que não é grato. Nas composições de base livre, como predominam a metáfora e a metonímia (SANDMANN, 1990SANDMANN, Antônio José. 1989. Morfologia lexical. São Paulo: Contexto.), a interpretação é quase sempre holística e, por isso mesmo, as construções tendem a ser exocêntricas, pois a interpretação não parte do núcleo (cabeça lexical)5 5 .Obviamente, estamos falando dos casos mais gerais. Há vários compostos endocêntricos, como 'tubarão-martelo', cuja interpretação parte do núcleo (a palavra nomeia uma espécie de tubarão). No caso da composição, não há um padrão mais geral para a questão da endo/exocentricidade, como na derivação. :

(14) criado-mudo => móvel de cabeceira

bem-casado => doce

boia-fria => trabalhador rural

puxa-saco => bajulador

beija-flor => colibri (pássaro)

Como sinalizado na introdução, pretendemos expandir o continuum que formalizamos na Figura 1, uma vez que o português apresenta vários constituintes morfológicos que poderiam ser alocados nessa escala, por compartilhar propriedades de radicais e afixos. Na próxima seção, mapeamos e analisamos cada tipo de formativo referenciado na introdução: afixoide, splinter e xenoconstituinte.

2. A natureza difusa dos elementos morfológicos

Ao lado da prefixação, da sufixação e da composição - processos de formação de palavras que têm sido investigados razoavelmente bem e cujo estatuto morfológico dos constituintes é relativamente claro -, o português também apresenta inúmeras formações, como as listadas a seguir, cuja inclusão numa classe ou noutra, pelo tipo de formativo utilizado, nem sempre é tacitamente aceita:

(15) orto-rexia; hidro-massagem; sócio-pata; quimio-terapia; foto-síntese; auto-atendimento;

(16) eco-renovação, homo-afetivo, tele-pizza, aero-modelismo, auto-peças, agro-negócio, petro-química;

(17) sogra-drasta, mãe-trocínio, whisky-lé, fran-búrguer, caipi-fruta, sorve-tone, ovo-nese, sexta-neja;

(18) info-excluídos, euro-copa, choco-mania;

(19) cyber-avó, wiki-pedia; pt-leaks, pit-bicha; bobs-burguer, lula-gate;

(20) e-business, e-formação, e-professor, e-futebol, e-pipoca, i-namoro, i-amigo, i-troço;

(21) mãezinha, cidadezinha, cãezinhos, timidamente, felizmente, alegremente;

(22) vice-prefeito, sub-chefe, pré-candidato; pós-cirúrgico; pró-reitor.

Sem dúvida alguma, o estatuto dessas construções lexicais - e de seus constituintes, consequentemente - é menos óbvio e/ou polêmico, sobretudo nos elementos em (21) e (22), que, em português, vêm recebendo diferentes propostas de interpretação.

Os cinco primeiros grupos de formação se estruturam a partir do que se convencionou chamar de formas combinatórias (BAUER, 1998______. 1998. Is there a class of neoclassical compounds, and if so, is it productive? Linguistics, 36/3: 403-422.; LEHRER, 1998LEHRER, Adrienne. 1998. Scapes, holics and thons: the semantics of combining forms. American Speech, 73 (1): 3-28.; WARREN, 1990WARREN, Beatrice. 1990. The Importance of Combining Forms. In: DRESSLER, Wolfgang U.; LUSCHÜTZKY, Hans C.; PFEIFFER, Oskar E. & RENNISON, John R. (eds.). Contemporary Morphology. Berlin / New York: Mouton de Gruyter. p. 111-132.). De acordo com (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.: 02), o rótulo forma combinatória, amplamente utilizado na literatura morfológica das últimas décadas do século passado, parece ter vindo do Oxford English Dicionary. Segundo o autor, "o termo foi adotado para nomear parte de empréstimos do grego e do latim ou formações do inglês que não se utilizam propriamente de palavras nem são identificáveis facilmente com afixos".

Os exemplos em (15) constituem-se de elementos morfológicos advindos de palavras importadas diretamente do latim e do grego que aparecem em um número relativamente grande de neologismos utilizados na terminologia técnica e científica, onde são abundantes. Tendo em vista o aumento na frequência de tais formações, chamadas de compostos neoclássicos é surpreendente que até agora esses elementos não tenham sido investigados de forma sistemática, como aponta (Préié, 2008PRÉIÉ, Tvrtko. 2008. Suffixes vs. final combining forms in English: a lexicographic perspective. International Journal of Lexicography, 21.: 2):

A teoria morfológica contemporânea ainda não elaborou uma maneira fundamentada e consistente de distinguir afixos de formas combinatórias em geral, e sufixos de formas combinatórias finais, mais particularmente. [...] Esse estado incerto teve implicações adversas não apenas para a teoria geral de formação de palavras [...], mas também para a metodologia e a prática lexicográficas, bem como para o ensino de línguas.

Ao contrário de (15), que apresentam um radical neoclássico que preserva o conteúdo original da língua doadora (latim ou grego), as formações em (16) envolvem especialização semântica do consituinte à esquerda, cujo significado de modo algum se relaciona ao etimológico. Por exemplo, "eco-renovação" faz refererência à "renovação ecológica" e "homo-afetivo", à "relação afetiva entre homossexuais" (OLIVEIRA & GONÇALVES, 2012OLIVEIRA, Patricia Affonso y GONÇALVES, Carlos Alexandre. 2011. O Processo de recomposição e os formativos eco- e homo- no Português brasileiro: compressão semântica e análise estrutural. Cadernos do NEMP, 2: 171-184. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadernos-vol2-patricia%20e%20carlos2.pdf
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). Para alguns autores, entre eles (Cunha & Cintra, 1985CUNHA, Celso y CINTRA, Lindley. 1985. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.) e (Monteiro, 1987MONTEIRO, José Lemos. 1987. Morfologia portuguesa. Fortaleza: Editora da UFC.), as construções em (16) exemplificam o fenômeno da recomposição, pois o constituinte à esquerda, numa relação de metonímia formal, adquire o significado do composto original e atualiza esse conteúdo especializado, já bastante diferenciado do etimológico, na combinação com palavras (GONÇALVES, 2011b______. 2011b. Compostos Neoclássicos: Estrutura e Formação, REVEL - Revista Virtual de Estudos da Linguagem, 14: 06-39.: 16) preexistentes na língua. As unidades do processo de recomposição são denominadas, predominantemente, de afixoides.

As construções em (17) se estruturam por meio de fragmentos de palavras combinados com palavras inteiras. Em sua totalidade, as partículas utilizadas provêm de fenômenos de fusão vocabular: casos de cruzamento ou de substituição sublexical (GONÇALVES & ALMEIDA, 2004______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2004. Cruzamento vocabular no português brasileiro: aspectos morfo-fonológicos e semântico-cognitivos. Revista Portuguesa de Humanidades, Vol. 8, 1/2: 151-170.; BASILIO, 2005______. 2005. A Fusão Vocabular como Processo de Formação de Palavras. Anais do IV Congresso Internacional da ABRALIN.; ANDRADE, 2008ANDRADE, Katia Emmerick. 2008. Uma análise otimalista unificada para mesclas lexicais do português do Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/AndradeKE.pdf?ref=Guzels.TV
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)6 6 .Nos casos de cruzamento vocabular, duas formas de bases se fundem, como em 'apertamento' ("apartamento apertado"), ou são combinadas sem interposição, a exemplo de 'brasiguaio' ("brasileiro ou paraguaio que vive na fronteira entre esses dois países"). Na substituição sublexical, uma sequência fonológica é interpretada morfologicamente e substituída, como em 'bebemorar' ("comemorar à base da ingestão de bebidas alcoólicas"). . Por exemplo, a sequência -trocínio, que não corresponde a nenhum constituinte morfológico em 'patrocínio', foi isolada a partir do cruzamento vocabular 'paitrocínio' ("patrocínio do pai"), que favoreceu a criação de palavras em série por meio da substituição, à esquerda, do agente financiador: 'mãe-trocínio', 'avô-trocínio', 'tio-trocínio', 'auto-trocínio' (GONÇALVES, ANDRADE & ALMEIDA, 2010______; ANDRADE, Katia Emmerick & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2010. Se a macumba é para o bem, então é boacumba: análise morfoprosódica e semântico-cognitiva da substituição sublexical em português. Linguística (Rio de Janeiro), 6: 64-82.).

Os dados em (18) também se valem de encurtamentos combinados com palavras inteiras. A diferença entre (17) e (18) reside apenas no fato de, em (18), os elementos recorrentes se origirarem de um processo de encurtamento, que, nesse caso, envolve o mapeamento de um pé binário (unidade métrica constituída de duas sílabas) à esquerda da palavra-base, independentemente do estatuto morfológico da forma escaneada. Em todos os casos, formam-se dissílabos paroxítonos com sílaba final leve (formato (* .), em que * representa forte e o ponto, fraco), o que explica o não aproveitamento da coda em informática: 'info-peças', 'info-professor', 'info-comércio'. Temos, tanto em (17) quanto em (18), unidades chamadas de splinters (nesse caso, nativos, ou seja, vernaculares).

As formações em (19) se assemelham às de (17) e (18), mas, nesse caso, o encurtamento vem pronto da língua de origem (no caso, o inglês). Tal fato, no entanto, não impede que o formativo emprestado, aqui chamado de splinter não nativo ou xenoconstituinte7 7 .Neste artigo, o termo xenoconstituinte refere-se às formas encurtadas que representam quaisquer unidades lexicais importadas, principalmente, do inglês (GONÇALVES & ALMEIDA, 2011). (GONÇALVES & ALMEIDA, 2012______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.), combine-se com bases nativas, a exemplo de 'cyber-avó' ("avó moderna, antenada com os recursos tecnológicos") e 'wiki-aves' ("enciclopédia eletrônica sobre aves"). Muitas vezes, a base etimológica comum deixa dúvidas sobre o estatuto não vernáculo de tais formativos, que acabam sendo vinculados a palavras também encontradas em português, como é o caso de cibernética. Como tal processo está comprometido com o grau de nativização do empréstimo, algumas dessas unidades morfológicas costumam admitir duas grafias, como é o caso de 'cyber-café' e 'ciber-café'.

Já as formas em (20), chamadas de e-termos (CORREIA et alii, 2008), originaram-se da abreviação inglesa 'e-mail' (eletronic mail). Entende-se por e-termo "cada uma das unidades que apresenta na sua estrutura a partícula e com o significado de electronic/electrónico" (CORREIA et alii, 2008: 122). Outra partícula passível de ser inserida no grupo dos e-termos é i-, constituinte de 'i-Pod', aparelho áudio-digital, projetado e vendido pela Apple Inc. O nome 'iPod' foi cunhado a partir de "POD", sigla de "Portable On Demand", precedida da vogal i-, que se lê "ai" e significa "eu" em inglês, veiculando um sentido pessoal. Esse mesmo i- aparece em 'i-Tunes', 'i-Phone', 'i-Mac', 'i-Tablet', 'i-Book', 'i-Pad' e 'i-Modess' (capa para iPad), entre outras palavras do inglês amplamente utilizadas em português. Do mesmo modo que as formas em (19), os e-termos podem ser combinados com palavras da língua, a exemplo de 'e-babá' (referência às atividades da internet que entretêm crianças); 'e-pipoca' (um site sobre cinema); 'i-namoro' (site de namoro on-line), dentre outros.

O termo forma combinatória é usualmente adotado (LEHRER, 1998LEHRER, Adrienne. 1998. Scapes, holics and thons: the semantics of combining forms. American Speech, 73 (1): 3-28.; DANKS, 2003DANKS, Debbie. 2003. Separating Blends: a formal investigation of the blending process in English and its relationship to associated word formation processes. PhD Thesis. University of Liverpool. Liverpool. Disponível em: http://rdues.bcu.ac.uk/publ/Debbie_Danks_Thesis-Appendices.pdf
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, FANDRYCH, 2008FANDRYCH, Ingrid. 2008. Submorphemic Elements in the Formation of Acronyms, Blends and Clippings. Lexis - E-Journal in English Lexicology 2: Submorphemics.) para descrever elementos de natureza variada: (1) radicais neoclássicos, com ou sem alteração no significado etimológico, como, nessa ordem, 'aero-lula' ("avião do ex-presidente Lula") e 'geo-ciências' ("ciências da terra"); (2) porções fonológicas oriundas de encurtamentos (clippings), nativos ou não, como choco- ('choco-mania') e cyber- ('cyber-ataque'), respectivamente; (3) itens morfológicos resultantes de mesclas lexicais, a exemplo de -nejo ('pago-nejo', 'forró-nejo', 'sexta-neja' << 'sertanejo'), -nese ('ovo-nese', 'macarro-nese', 'camaro-nese' << 'maionese') e -tone ('sorve-tone', 'choco-tone', 'bombo-tone' << 'panetone'); e (4) abreviações em que um dos constituintes utilizados se assemelha a uma sigla (os chamados e-termos).

De acordo com (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.: 12), o termo "forma combinatória é algo como um arenque vermelho em lexicologia, porque cria mais problemas do que resolve, e deve ser descartado". Os seguintes argumentos podem ser utilizados em favor do abandono dessa classe tão heterogênea:

  1. primeiramente porque parece uma descrição apropriada para a falta de limites precisos entre derivação e composição e para a manutenção de uma diferença discreta entre esses dois mecanismos de ampliação lexical;

  2. em segundo lugar, não há critérios efetivos que diferenciem formas combinatórias de categorias como radical, afixo, afixoide e splinters (produtos de truncamento ou partes de cruzamentos vocabulares ou de substituições sublexicais que passam a formar uma série de novas palavras);

  3. o terceiro, e o mais importante argumento, evoca os processos morfológicos, tradionalmente considerados marginais, como o truncamento, o cruzamento vocabular e a substituição sublexical, que não são arbitrários, como preconiza a maior parte da literatura na área (LEHRER, 1998LEHRER, Adrienne. 1998. Scapes, holics and thons: the semantics of combining forms. American Speech, 73 (1): 3-28.; CHUNG, 2009CHUNG, Karen Steffen. 2009. Putting Blends in their Place. Comunicação apresentada na Conferência sobre os universais e tipologias na formação de palavras. Košice, Slovakia, 18-19 agosto 2009. Disponível em: http://ntur.lib.ntu.edu.tw/bitstream/246246/190396/1/KpaperKSC3.pdf
    http://ntur.lib.ntu.edu.tw/bitstream/246...
    ). Esses processos, que operam regularmente na formação de novas palavras, são fontes indiscutíveis de formativos ainda indefinidos categorialmente e, por isso mesmo, ao lado da composição e da derivação, devem delinear uma escala referente a categorias morfológicas cada vez menos independentes, indo de radicais a afixos.

Resta falar, ainda, dos elementos destacados em (21) e (22). Nesses casos, as abordagens nem sempre são consensuais, havendo, para o diminutivo, por exemplo, desde propostas que concebem os formativos como flexionais (PEREIRA, 1940) até enfoques que consideram compostas as construções de que participam (MORENO, 1997MONTEIRO, José Lemos. 1987. Morfologia portuguesa. Fortaleza: Editora da UFC.), já que os formativos envolvidos não recebem uma definição homogênea, por apresentarem características não-prototípicas de um sufixo, tais como, constituírem o elemento DT na estrutura da derivação e projetarem suas próprias palavras fonológicas, dando mostras de que uma descrição nos moldes de um continuum seria mais adequada para itens derivados em -z(inho), visto que essas formações, mediante as propriedades de seus constituintes, afastam-se da derivação.

O formativo -mente também, por várias razões, não representa um sufixo prototípico, visto (a) ser sensível às regras de apagamento na coordenação; (b) projetar, sozinho, uma palavra fonológica, impedindo que a regra de neutralização das pretônicas se aplique; e (c) impor flexão de gênero à base a que se anexa, uma das características mais básicas da composição, apontada em (Gonçalves, 2011a______. 2011a. Composição e Derivação: Polos Prototípicos de um Continuum? Pequeno estudo de casos. Domínios da Lingu@gem, 2: 62-89.). Desse modo, pressupondo-se uma escala gradual entre composição e derivação, as formações em -mente deslocam-se em direção à composição.

No caso da prefixação, há uma antiga polêmica se, de fato, constitui derivação. Câmara Jr. (1976), por exemplo, apresenta uma série de argumentos em favor da inclusão desse processo no âmbito da composição. A gênese dessa imprecisão, a nosso ver, reside na instabilidade categorial dos formativos envolvidos nos processos de formação de palavras, o que, mais uma vez, vem atestar que uma classificação com base na ideia de um continuum seria mais condizente à heterogeneidade das operações morfológicas em português.

Para sustentar o continuum de formativos aqui proposto, abordamos, ainda que sucintamente, as construções morfológicas que se assemelham entre si por se estruturarem a partir de fragmentos de palavras, nativos ou não, ou de afixos com propriedades de radicais, em especial o processo de recomposição, que opera com elementos neoclássicos ressemantizados (afixoides), bem como a formação por splinters e por xenoconstituintes, incluindo os e-termos. Comecemos, então, com a recomposição.

3. Recomposição

(Monteiro, 1987MONTEIRO, José Lemos. 1987. Morfologia portuguesa. Fortaleza: Editora da UFC.: 191) considera a recomposição um tipo específico de composição; alerta, no entanto, para uma característica fundamental dessa operação morfológica: "trata-se de um mecanismo formador de novas palavras em que apenas uma parte do composto passa a valer pelo todo e depois se liga a outra base, produzindo uma nova composição". Comparem-se as formas listadas em (23), todas com o formativo auto- na primeira posição:

(23) auto-didata auto-peças

auto-estima auto-escola

auto-imagem auto-esporte

auto-atendimento auto-estrada

auto-ajuda auto-rádio

auto-avaliação auto-seguro

auto-exame auto-shopping

Na primeira coluna de (23), o formativo auto-, oriundo do substantivo grego autós, atualiza os significados "(de, pelo) próprio" e "(de, por) si mesmo" (CUNHA & CINTRA, 1985CUNHA, Celso y CINTRA, Lindley. 1985. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.: 113). A forma 'auto-móvel', apesar de mais opaca, enquadra-se nesse grupo, pois foi criada para designar um veículo que se movimenta com motor próprio, em oposição aos carros antigos, todos com tração animal. Na segunda coluna, aparecem formas recompostas, já que auto- perde o significado etimológico e passa a ser usado em referência a alguma característica relevada no domínio "carro" (BELCHOR, 2011BELCHOR, Ana Paula Victorio. 2011. O processo de Recomposição no Português do Brasil a partir de auto e moto, Cadernos do NEMP, 2: 153-169. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadernos-vol2--ana%20paula1.pdf
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: 161). Desse modo, 'auto-escola' é uma "escola para condutores (de automóveis)" e 'auto-rádio', "um rádio para carros".

(Monteiro, 1987MONTEIRO, José Lemos. 1987. Morfologia portuguesa. Fortaleza: Editora da UFC.) também faz referência ao formativo tele-, que, assim como auto-, impulsiona o processo de recomposição. Segundo ele, 'tele-fone', 'tele-visão' e 'tele-guiar' não são itens recompostos, uma vez que cada componente vale por si, mas em 'telenovela', "tele - significa 'televisão', o que já é bastante diferente" (MONTEIRO, 1987MONTEIRO, José Lemos. 1987. Morfologia portuguesa. Fortaleza: Editora da UFC.: 192). O autor conclui que auto- ('automóvel'), tele- ('televisão') e foto- ('fotografia') são os elementos morfológicos que configuram de fato a recomposição em português, pois carregam o significado de todo o composto do qual faziam parte.

De acordo com (Gonçalves, 2011b______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.), as formações recompostas caracterizam o que pode ser denominado de compactação (zipagem), termo que corresponde, em inglês, a secretion (JERPERSEN, 1925JESPERSEN, Otto. 1925. Die Sprache, Ihre Natur, Entwicklung und Entstehung. Heidelberg, Carl Winters, Universitaetsbuchhandlung.; WARREN, 1990WARREN, Beatrice. 1990. The Importance of Combining Forms. In: DRESSLER, Wolfgang U.; LUSCHÜTZKY, Hans C.; PFEIFFER, Oskar E. & RENNISON, John R. (eds.). Contemporary Morphology. Berlin / New York: Mouton de Gruyter. p. 111-132.)8 8 .Em inglês, o termo secretion remete ao ato ou ao processo de separação, elaboração e envio de substância que preencha adequadamente alguma função, motivo pelo qual traduzimos secretion por compactação. : um arqueoconstituinte, aqui entendido como um radical neoclássico, adquire, numa relação de metonímia formal, o significado do composto de que era constituinte e atualiza esse conteúdo especializado na combinação com novas palavras. É o que acontece, por exemplo, como foto-, de 'foto-grafia', em formações como 'foto-montagem' e 'foto-novela'. Nessas construções, foto- é utilizada em referência a 'fotografia', não atualizando a acepção primeira de "luz", "radiação magnética". Casos mais recentes de recomposições no português contemporâneo envolvem os formativos eco-, de 'ecologia/ecológico', homo-, de 'homossexual', e aero-, de 'aeronave', como se vê nos dados a seguir, em que o elemento à esquerda veicula os significados "ecologia/ecológico", "gay" e "avião", respectivamente:

(24) eco-turismo homo-fóbico aero-lula

eco-casa homo-agressor aero-porto

eco-via homo-estimulante aero-modelismo

eco-atitude homo-violência aero-moça

Outros elementos neoclássicos que estão passando pelo processo de recomposição no português contemporâneo são, entre outros, petro- ('petro-química', 'petro-polo', 'petro-dólar'), agro- ('agro-negócio', 'agro-indústria') e bio- ('bio-combustível', 'bio-degradável'), e vêm adquirindo, na maior parte das novas formações em que aparecem, o conteúdo semântico de "petróleo", "agricultura" e "biológico", nessa ordem.

(Cano, 1998CANO, Waldenice Moreira. 1988. O formativo tele- e suas variantes no português atual do Brasil. Alfa, 42: 9-22.) observa que termos técnico-científicos podem migrar da linguagem de especialidade para a língua geral, principalmente através dos meios de comunicação em massa, o que pode resultar em mudança ou extensão de sentido, ocorrendo o que denomina de "vulgarização lexical". Para a autora, quando o termo passa para a língua geral, pode adquirir vários outros significados que se juntam ao significado original ou o substituem. Segundo ela, foi exatamente isso que ocorreu com elementos eruditos como auto-, eletro- e tele-, entre tantos outros. Com base na análise do formativo tele-, Cano (op. cit.: 10) observa que esse elemento passa a funcionar como pseudoprefixo9 9 .Afixoides (MARCHAND, 1969); semiafixos (SCHMIDT, 1987); pseudoafixos (KATAMBA, 1990); formas combinatórias iniciais / finais (BAUER, 1988); arqueoconstituintes (CORBIN, 2001) e afixos (BAUER, 1979) são algumas das denominações utilizadas em referência aos elementos morfológicos envolvidos na recomposição. Optamos pelo primeiro termo, afixoide, por ser de uso mais generalizado na literatura. já que "não exerce a função de preposição nem de advérbio próprias do prefixo e também não se enquadra entre os radicais em razão da deriva semântica e da alta produtividade".

A autora (1998: 10) destaca que "uma das dificuldades de adotar o conceito de 'pseudoprefixos' consiste em decidir onde integrar unidades como 'teledependência': se na derivação ou na composição". Acrescenta, por fim, que tais elementos ficam à margem de qualquer classificação.

Em suma, a recomposição é um processo morfológico que faz uso de afixoides - elementos neoclássicos caracterizados pela compactação do significado de um composto do qual faziam parte. No nosso entendimento, afixoides compartilham propriedades de afixos e radicais, justificando a proposta de continuum aqui defendida. Por exemplo, em relação ao critério posição, afixoides de fato se assemelham a afixos, aparecendo num lugar pré-determinado na estrutura da palavra, mais especificamente na borda esquerda, categorizando-se como prefixoides. Até onde se conhece, elementos neoclássicos de segunda posição não se caracterizam, em português, pela zipagem de uma forma composta, pois preservam, em maior ou menor proporção, o significado etimológico, a exemplo de -metro, -dromo, -logo, -latra e -grafo, amplamente analisados em (Gonçalves, 2011b______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.).

Em relação ao parâmetro fixidez, a classe dos afixoides não se mostra homogênea, pois alguns são formas presas e, por isso mesmo, não funcionam, isoladamente, como palavras, nem mesmo a partir do processo de clipping. Em (25a), a seguir, listam-se os afixoides que aparecem apenas no interior de palavras morfologicamente complexas; em (25b), relacionam-se os formativos em questão que, em função do truncamento, têm estatuto nominal, podendo ser utilizados sozinhos como comunicação suficiente, nos termos de (Bloomfield, 1933BLOOMFIELD, Leonard. 1933. Language. New York: Holt.). Observe-se que o volume de formas presas - que, nesse aspecto, portanto, comportam-se como afixos - é bem maior que o de formas potencialmente livres, que mais se assemelham a radicais:

(25) a. eco- (<< ecologia, ecológico), auto- (<< automóvel), tele- (<< telefone, televisão), bio- (<< biologia), agro- (<< agrícola), aero- (<< aeronave), petro- (<< petróleo), tecno- (<< tecnologia, tecnológico).

b. foto- (<< fotografia), homo- (<< homossexual), moto- (<< motocicleta).

Formas morfologicamente relacionadas por recomposição são extremamente aplicáveis em português, o que, mais uma vez, as faz parecer afixos10 10 .Ferreira (2011) chegou a recolher o surpreendente montante de quase 450 construções tele-X. Embora o número de formas com auto- e moto- seja menor, também chama atenção a quantidade de recompostos com essas formas que Belchor (2011) conseguiu reunir: cerca de 100 exemplares. Em Oliveira & Gonçalves (2011), foram analisadas cerca de 100 formações em eco- e 80 em homo-. Como se vê, os poucos trabalhos sobre o fenômeno mostram a alta aplicabilidade das formas examinadas. . Se assumirmos que a produção em série caracteriza a derivação, mas não necessariamente a composição (TEN HACKEN, 1994TEN HACKEN, Pius. 1994. Derivation and Compounding. In: BOOIJ, Geert; LEHMANN, Christian & MUGDAN, Joachim (eds.). Morphology. An International Handbook on Inflection and Word Formation, Vol. 1, Berlin: De Gruyter. p. 349-360.; PRÉIÉ, 2008PRÉIÉ, Tvrtko. 2008. Suffixes vs. final combining forms in English: a lexicographic perspective. International Journal of Lexicography, 21.; KASTOVSKY, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.), certamente deslocaremos os afixoides do lado direito do continuum - o dos radicais mais prototípicos. No entanto, os constituintes de um recomposto claramente se realizam em palavras prosódicas diferentes, a exemplo de {[tecno]PrWd [macumba]PrWd}MWd, termo utilizado em referência ao gênero musical em que contos de umbanda ganham versão eletrônica. Além disso, a paridade entre forma truncada e forma plena indicia o processo de composição (GONÇALVES, 2011a______. 2011a. Composição e Derivação: Polos Prototípicos de um Continuum? Pequeno estudo de casos. Domínios da Lingu@gem, 2: 62-89.), já que petro- e homo-, por exemplo, evocam 'petróleo' e 'homossexual', nessa ordem. Por fim, afixoides são sensíveis à regra de redução de coordenação para frente (FCR) (KENESEI, 2007KENESEI, István. 2007. Semiwords and affixoids: the territory between word and affix. Budapeste: Research Institute for Linguistics.). Como se vê nos dados abaixo, quando duas formas são postas em paralelo, a cabeça lexical da primeira pode não se realizar:

(26) auto- e aero-modelismo tele- e auto-atendimento

agro- e eco-negociação auto- e moto-montagem

homo- e heterossexual auto- e moto-escola

Podemos afirmar, com base nessa descrição geral, que afixoides realmente ostentam propriedades de radical e afixo, não se nivelando, no entanto, com nenhuma dessas categorias, já que apresentam características próprias, que legitimam o reconhecimento de uma classe distinta de formativos. Passemos, na sequência, à análise das formações com splinters, outro tipo de formativo encontrado na fronteira afixo-radical.

4. Formação por splinters

De acordo com (Lehrer, 1998LEHRER, Adrienne. 1998. Scapes, holics and thons: the semantics of combining forms. American Speech, 73 (1): 3-28.), (Bauer, 2004______. 2004. A Glossary of Morphology. Washington DC: Georgetown University Press.) e (Chung, 2009CHUNG, Karen Steffen. 2009. Putting Blends in their Place. Comunicação apresentada na Conferência sobre os universais e tipologias na formação de palavras. Košice, Slovakia, 18-19 agosto 2009. Disponível em: http://ntur.lib.ntu.edu.tw/bitstream/246246/190396/1/KpaperKSC3.pdf
http://ntur.lib.ntu.edu.tw/bitstream/246...
), entre outros autores, as línguas naturais vêm formando novas unidades lexicais a partir de splinters. Em linhas gerais, splinters são partes não-morfêmicas resultantes de processos não-concatenativos de formação de palavras, como o truncamento e o cruzamento vocabular, utilizadas com alguma recorrência na criação de novas formas linguísticas. (Bauer, 2004______. 2004. A Glossary of Morphology. Washington DC: Georgetown University Press.: 77) assim define esse tipo de partícula:

Splinter é uma parte de uma palavra que, devido a algumas reanálises da estrutura da palavra original, é interpretada como significativa e posteriormente utilizada na criação de novas palavras. Como exemplo familiar, considere a palavra 'alcoholic'. Em termos morfológicos, esse vocábulo é dividido em 'alcohol' e -ic. Mas essa palavra foi reanalisada como alc-oholic, e o novo splinter -oholic (variavelmente soletrado), em seguida, re-ocorre em palavras como chocoholic, spendaholic e shopoholic.

Nessa perspectiva, splinters se assemelham a radicais, mas também ostentam propriedades de afixos, como o fato de serem formas presas, a realização das formas complexas sob um único acento e a fixação desses elementos numa borda específica da palavra. Como se vê em (27), são mais comuns em português splinters finais:

(27) splinters iniciais: caipi- (<< caipirinha), fran- (<< frango), choco- (<< chocolate), euro- (<< Europa, europeu), info- (<< informática; informação) splinters finais: -nese (<< maionese), -trocínio (<< patrocínio), -drasta (madrasta), -lé (<< picolé), -tone (<< panetone), -ranha (<< piranha), -neja (<< (música) sertaneja), -lândia (<< Disneylândia), -asta (<< cineasta)

(Bauer, 2005______. 2005. The borderline between derivation and compounding. In: DRESSLER, U. Wolfgang; KASTOVSKY, Dieter; PFEIFFER, E. Oskar & RAINER, Franz (eds.). Morphology and its Demarcations. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. p. 97-108.: 245) assim se posiciona em relação aos splinters: "uma vez que splinters podem se transformar em afixos ou palavras, parece que temos uma situação em que não está claro se as novas formas serão derivadas ou compostas". De fato, as formações com splinters não podem ser consideradas composições prototípicas, dadas as características acima mencionadas. No entanto, a vinculação a palavras, por evocação às formas de onde partiram, nas fusões vocabulares ('sogradrasta' << "madrasta do cônjuge") ou nos truncamentos ('info-peças' << "peças de informática"), a baixa aplicabilidade e, sobretudo, a capacidade de esses fragmentos se co-anexarem afastam a possibilidade de analisá-los como afixos, como se vê nos exemplos abaixo:

(28) caipi-lé ("picolé de caipirinha")

choco-tone ("panetone de chocolate")

choco-lândia ("lugar de venda de chocolates")

euro-trocínio ("patrocínio dos países europeus")

Tem-se, com os splinters, mais uma evidência de que a distinção afixo-radical não é discreta. Antes de passarmos à próxima categoria selecionada para análise, os chamados xenoconstituintes, cabe enfatizar a diferença entre splinters e afixoides, de modo a argumentar, seguindo (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.), em favor do abandono do termo genérico forma combinatória, amplamente utilizado em referência a esses dois tipos de constituintes: afixoides são elementos morfológicos que experimentam novos usos, diferindo, portanto, de splinters, cujo estatuto de morfema sem dúvida alguma é mais questionável, já que são porções não-significativas reinterpretadas como entidades morfológicas em função da recorrência. Além disso, como mostra (Gonçalves, 2011a______. 2011a. Composição e Derivação: Polos Prototípicos de um Continuum? Pequeno estudo de casos. Domínios da Lingu@gem, 2: 62-89.), formas morfologicamente relacionadas por recomposição são bem mais numerosas na língua que palavras envolvendo splinters.

5. Formação por xenoconstituintes

O termo xenoconstituinte, cunhado por (Gonçalves & Almeida, 2011______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.), rotula partes de palavras que não correspondem a radicais neo­clássicos, como homo- e eco-, nem a partes de palavras combinadas entre si ('chocotone') ou com outras palavras ('tiadrasta'; 'mãetrocínio). Para os autores xenoconstituinte é um fractoconstituinte (splinter) sem correspondente com arqueconstituinte ou splinter vernáculos. Tomemos como exemplo a palavra inglesa 'pit-bull', que designa uma espécie canina. Como essa raça protagonizou vários ataques a pessoas ou a outros cães, associou-se, por metonímia, a "agressividade, violência, ferocidade". De acordo com (Gonçalves & Almeida, 2011______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.: 112), "essa fonte, com seu contexto, serviu de modelo para a construção de palavras que começaram a circular na língua, como 'pit-boy' (rapaz normalmente fortinho, que gera briga em boates)".

Em relação a pit- e a outros elementos emprestados do inglês nas últimas décadas, um fato interessante é a combinação com itens nativos, na formação de inúmeras palavras novas em português. No caso de pit-, o elemento passou a designar, nas construções morfológicas em que se fixou à esquerda (em conformidade com o modelo, 'pit-bull'), "agressivo, violento, feroz", como se vê nos exemplos a seguir:

(29) pit-babá pit-pai

pit-bicha pit-bebê

pit-sogra pit-namorado

Nesses mesmos moldes, um formativo do inglês bem difundido em português é -gate, cujo comportamento assemelha-se ao de -burger, ou seja, uma reinterpretação do segundo constituinte de um provável composto, convertido em semi-palavra ou splinter final. Assim como burguer se tornou um item lexical, o mesmo pode estar acontecendo com gate, no sentido de "escândalo político", como atestam os exemplos a seguir, extraídos de (Gonçalves, 2011a______. 2011a. Composição e Derivação: Polos Prototípicos de um Continuum? Pequeno estudo de casos. Domínios da Lingu@gem, 2: 62-89.):

(30) - Banheiro gate: escândalo vergonhoso para os aldeenses. A presidência da Câmara Municipal resolveu quebrar a parede de vários gabinetes para juntá-los, diminuindo o número de 15 para 10 unidades, dotar esses gabinetes de um banheiro privativo com chuveiro para os vereadores.

- Foram vários, mas o caso mais vergonhoso foi o Piquet-gate. A fórmula 1 infelizmente é marcada por corrupção.

- O escândalo, apelidado de "Panetone Gate", caiu na graça de blogueiros, redes sociais e sites de protestos. Também pudera: maconha em panetone...

- A Justiça os considera envolvidos no "escândalo da maleta", também ironicamente chamado de Maleta-gate.

Os e-termos, como 'e-professor' ("professor virtual") e 'e-pipoca' ("cinema pela internet"), são também xenoconstituintes empregados nas estruturas morfológicas do português. As formas com e- por vários motivos se aproximam dos prefixos: (a) atuam como formas presas, (b) antepõem-se às bases a que se adjungem, sem alterar a classe gramatical do produto e (c) são elementos secundários, subordinados ao núcleo na estrutura DT-DM (determinante - determinado).

Assim, do ponto de vista formal, o xenoconstituinte e- associa-se ao padrão de prefixação em português, pois é categorialmente neutro, formando palavras complexas cuja classe gramatical é idêntica à da forma à direita, a cabeça lexical. Entretanto, manifesta um conteúdo menos gramatical e caracteriza-se por menor grau de previsibilidade semântica, já que podem ser focalizados diferentes aspectos da informação veiculada em meio eletrônico (GONÇALVES & ALMEIDA, 2011______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.: 121). Essas diferenças e semelhanças justificam a presença desses formativos em um continuum afixo-radical.

6. Proposta de um continuum de formativos

Como se vê, os processos de formação de palavras não se valem tão-somente de afixos e radicais (sejam estes neoclássicos, presos ou livres), mas também de outros elementos morfológicos (splinters, xenoconstituintes e afixoides), os quais devem ser incluídos no continuum proposto em (10), redimensionado em (21), a seguir, uma vez que (a) possuem comportamento específico e não podem ser categorizados, sem ressalvas, nem como afixos nem como radicais e (b) portam conteúdo que varia em densidade semântica.

Cabe ressaltar, lembrando (Bauer, 2005______. 2005. The borderline between derivation and compounding. In: DRESSLER, U. Wolfgang; KASTOVSKY, Dieter; PFEIFFER, E. Oskar & RAINER, Franz (eds.). Morphology and its Demarcations. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. p. 97-108.), que elementos que já foram afixos podem assumir, ainda que raramente, estatuto de palavra. Em contrapartida, partes de palavras, desprovidas de estatuto morfológico, podem ser promovidas, com relativa frequência, a afixos (CHUNG, 2009CHUNG, Karen Steffen. 2009. Putting Blends in their Place. Comunicação apresentada na Conferência sobre os universais e tipologias na formação de palavras. Košice, Slovakia, 18-19 agosto 2009. Disponível em: http://ntur.lib.ntu.edu.tw/bitstream/246246/190396/1/KpaperKSC3.pdf
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; FANDRICH, 2008FANDRYCH, Ingrid. 2008. Submorphemic Elements in the Formation of Acronyms, Blends and Clippings. Lexis - E-Journal in English Lexicology 2: Submorphemics.). Portanto, a mudança morfológica consitui evidência empírica em favor de um continuum de formativos, ilustrado na Figura 2, em que as fronteiras são mais permeáveis, comprovando, assim, a escala gradual subsistente entre os processos de formação de palavras por composição e derivação.

Figura 2
O continuum afixo-radical ampliado

Palavras finais

Neste artigo, abordamos a difusa categorização de novos constituintes morfológicos, que, em nossa opinião, desafiam, sobremaneira, a interpretação tradicional do fenômeno da criação lexical. Contra algumas propostas anteriores, que inserem os splinters e os afixoides em um grupo genérico denominado de formas combinatórias, propomos, seguindo (Kastovsky, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.), uma separação desses elementos, tendo em vista que, além de diferentes em vários aspectos, exibem mais/menos características de radicais ou afixos, localizando-se em diferentes pontos do continuum proposto na Figura 2. Tais formativos não são, portanto, marginais, embora apresentem diferentes graus de aplicabilidade, sendo afixoides e xenoconstituintes bem mais produtivos que splinters.

Ao refutar o rótulo genérico forma combinatória para splinters, afixoides e xenocontituintes, atingimos uma melhor compreensão sobre esses elementos morfológicos, que, como demonstramos, têm características próprias e diferenças consideráveis em relação aos vários critérios empíricos utilizados para distinguir afixos de radicais. Em nossa proposta, esses neoconstituintes apresentam características semânticas e formais peculiares, refletindo, consequentemente, o processo pelo qual novas palavras são formadas.

Sem dúvida alguma, uma classificação nos moldes aristotélicos, feita com base no tudo-ou-nada, não consegue acolher uma gama variada de formativos envolvidos na criação de palavras em português, uma vez que pressupõe que as categorias (a) são definidas por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, (b) têm fronteiras claramente definíveis e (c) são constituídas por membros com idêntico estatuto.

Por outro lado, uma abordagem por protótipos, como a aqui defendida, assume que (a) as categorias não têm fronteiras claramente demarcadas e, por isso mesmo, podem mudar com o decorrer do tempo e (b) nem todos os representantes da classe têm idêntico estatuto: alguns são mais centrais e outros, mais periféricos. Portanto, a categorização com base em protótipos e por meio de continuum se mostra mais condizente com a heterogeneidade tipológica do sistema de formação de palavras do português, uma vez que as fronteiras entre os vários tipos de formativos não são tão nítidas e alguns elementos se encaixam numa categoria com mais precisão que outros.

Algumas questões se destacam como tópicos para pesquisas futuras quando se tem em mente delinear uma descrição detalhada das construções que se valem desses formativos e apontar as semelhanças e diferenças em relação à composição e à derivação, que estão mais amplamente documentadas. Não fornecemos um estudo de caso relativo a essas operações morfológicas, de alta produtividade e relevância para a formação de palavras, entendendo que se realizam a partir de radicais livres e afixos, noções exaustivamente veiculadas na literatura, mesmo que discutíveis.

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  • *
    .Este texto é uma versão revista e ampliada do artigo, publicado em espanhol, "El status de los Componentes Morfológicos y el continuum Composición-Derivación en Portugués, na Lingüística, vol. 28, dezembro de 2012, p. 119-145 (Madrid).
  • 1
    .O termo radical está sendo utilizado, neste texto, como sinônimo de raiz: "forma que sobra quando todos os elementos morfológicos - marcadores de palavras, flexões e derivações - são isolados de uma palavra" (KASTOVSKY, 2009KASTOVSKY, Dieter. 2009. Astronaut, astrology, astrophysics: about combining forms classical compounds and affixoids. In: MCCONCHIE R. W.; ALPO, Honkapohja & TYRKKÖ, Jukka. (eds.). Selected Proceedings of the 2008 Symposium on New Approaches in English Historical Lexis (HEL-LEX 2). Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project. p. 1-13.: 9). Tal constituinte pode ou não necessitar de material morfológico para se realizar como palavra. Embora se possa diferenciar raiz de radical, consideramos os termos sinônimos e optamos pelo último por considerar que o primeiro está comprometido com informações de natureza etimológica.
  • 2
    .Compreendemos radicais neoclássicos como elementos morfológicos de origem grega ou latina tardiamente incorporados a várias línguas, em função da nomenclatura técnico-científica e filosófico-literária, sobretudo a partir do século XIX.
  • 3
    .Utilizamos o hífen apenas para sinalizar uma fronteira de constituintes morfológicos. Por isso mesmo, a hifenização nem sempre corresponde à preconizada pelo novo acordo ortográfico, encontrada tanto em dicionários atuais quanto no VOLP - levantamento das palavras "com indicação da sua grafia, prosódia, ortoépia, classe gramatical e outras informações úteis, tais como formas irregulares do feminino de substantivos e adjetivos, plurais de nomes compostos, etc.". (Academia Brasileira de Letras - http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario?sid=19. Acesso em 17/03/2016).
  • 4
    .Os termos são autoexplicativos, definindo-se pela própria constituição morfológica da palavra. Desse modo, o elemento recorrente, fixo, corresponde ao radical, núcleo básico de significação da palavra, e o tipo de afixo é determinado pelo formativo que figura à esquerda. Assim, prefixo é a forma que aparece antes da base e sufixo, o elemento adjungido após esse constituinte. Um infixo, por sua vez, aparece no interior da base, tornando-a descontínua. O circunfixo, ao contrário, é um elemento descontínuo e, por isso mesmo, aparece em diferentes lugares da cadeia sintagmática. Suprafixo é um afixo de natureza suprassegmental e interfixo, um elemento relacional que aparece entre radicais. Por fim, confixo designa um formativo caracterizado por oscilação posicional.
  • 5
    .Obviamente, estamos falando dos casos mais gerais. Há vários compostos endocêntricos, como 'tubarão-martelo', cuja interpretação parte do núcleo (a palavra nomeia uma espécie de tubarão). No caso da composição, não há um padrão mais geral para a questão da endo/exocentricidade, como na derivação.
  • 6
    .Nos casos de cruzamento vocabular, duas formas de bases se fundem, como em 'apertamento' ("apartamento apertado"), ou são combinadas sem interposição, a exemplo de 'brasiguaio' ("brasileiro ou paraguaio que vive na fronteira entre esses dois países"). Na substituição sublexical, uma sequência fonológica é interpretada morfologicamente e substituída, como em 'bebemorar' ("comemorar à base da ingestão de bebidas alcoólicas").
  • 7
    .Neste artigo, o termo xenoconstituinte refere-se às formas encurtadas que representam quaisquer unidades lexicais importadas, principalmente, do inglês (GONÇALVES & ALMEIDA, 2011______ & ALMEIDA, Maria Lucia Leitão. 2011. Por uma Cibermofologia: Abordagem Morfossemântica dos Xenoconstituintes em Português. In: MOLLICA, Maria Cecília & GONZALEZ, Marcos (orgs.). Linguística e Ciência da Informação: Diálogos Possíveis. Curitiba: Appris. p. 105-127.).
  • 8
    .Em inglês, o termo secretion remete ao ato ou ao processo de separação, elaboração e envio de substância que preencha adequadamente alguma função, motivo pelo qual traduzimos secretion por compactação.
  • 9
    .Afixoides (MARCHAND, 1969MARCHAND, Hans. 1969. The Categories and Types of Present-day English Wordformation. München, Beck.); semiafixos (SCHMIDT, 1987SCHMIDT, Günter Dietrich. 1987. Das Affixoid. Zur Notwendigkeit und Brauchbarkeit eines beliebten Zwischenbegriffs IN der Wortbildung. In: HOPPE, Gabriele; KIRKNESS, Allan y Elisabeth LINK (eds.). Deutsche Lehnwortbildung, Beiträge zur Erforschung der Wortbildung mit entlehntenWB-Einheiten im Deutschen. p. 53-101.); pseudoafixos (KATAMBA, 1990KATAMBA, Francis. 1990. Morphology. New York: Maxmillian.); formas combinatórias iniciais / finais (BAUER, 1988______. 1988. Introducing Linguistic Morphology. Edinburgh: Edinburgh University Press.); arqueoconstituintes (CORBIN, 2001CORBIN, Danielle y PAUL, Jérôme. 2000. Aperçus sur la créativité morphologique dans la terminologie de la chimie. La banque des mots, 60: 51-68.) e afixos (BAUER, 1979BAUER, Laurie. 1979. Against Word-Based Morphology. Linguistic Inquiry, 10/3: 508-509.) são algumas das denominações utilizadas em referência aos elementos morfológicos envolvidos na recomposição. Optamos pelo primeiro termo, afixoide, por ser de uso mais generalizado na literatura.
  • 10
    .Ferreira (2011FERREIRA, Rosângela Gomes. Da telepatia ao telejornal: um estudo morfossemântico da recomposição a partir de tele. Cadernos do NEMP, 2: 133-151. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadernos-vol2--rosangela1.pdf
    http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadern...
    ) chegou a recolher o surpreendente montante de quase 450 construções tele-X. Embora o número de formas com auto- e moto- seja menor, também chama atenção a quantidade de recompostos com essas formas que Belchor (2011BELCHOR, Ana Paula Victorio. 2011. O processo de Recomposição no Português do Brasil a partir de auto e moto, Cadernos do NEMP, 2: 153-169. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadernos-vol2--ana%20paula1.pdf
    http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadern...
    ) conseguiu reunir: cerca de 100 exemplares. Em Oliveira & Gonçalves (2011OLIVEIRA, Patricia Affonso y GONÇALVES, Carlos Alexandre. 2011. O Processo de recomposição e os formativos eco- e homo- no Português brasileiro: compressão semântica e análise estrutural. Cadernos do NEMP, 2: 171-184. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadernos-vol2-patricia%20e%20carlos2.pdf
    http://www.nemp.com.br/images/pdf/cadern...
    ), foram analisadas cerca de 100 formações em eco- e 80 em homo-. Como se vê, os poucos trabalhos sobre o fenômeno mostram a alta aplicabilidade das formas examinadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    Jan 2013
  • Aceito
    Jan 2015
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