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On Grammar

RESENHA REVIEW

Resenhado por/by: Rodrigo Esteves de Lima-Lopes

PUC-SP / UNIFEO

WEBSTER, J. J. ed. (2005). On Grammar. London: Continuum. Colected works of M. A. K Halliday – Volume 1* * Gostaria de agradecer à Glória Cortés Abdalla e à Paula Veneroso pela leitura de versões prévias desta resenha. Contribuições e discussões sobre essa resenha podem ser enviados para rll307@uol.com.br. The author welcomes contributions and suggestions at rll307@uol.com.br. .

On Grammar é o primeiro livro de uma série que reúne artigos publicados por M. A. K. Halliday. Ela contará com 10 volumes, cada um deles contendo artigos sobre um determinado tema. Esses volumes cobrem diversas tópicos relacionados ao trabalho do lingüista: Vol. 2: Linguistic Studies of Text and Discourse, Vol. 3: On Language and Linguistics, Vol. 4: The Language of Early Childhood, Vol. 5: The Language of Science, Vol. 6: Computational and Quantitative Studies, Vol. 7: Studies in English Language, Vol. 8: Studies in Chinese Language, Vol. 9: Language and Education e Vol. 10: Language and Society, diversos ainda por publicar.

A série merece destaque porque, como afirma o próprio editor (J. J.Webster), os volumes reúnem um grande número de trabalhos outrora dispersos. Muitos dos artigos nela contidos foram publicados em diversas revistas e livros em diferentes momentos da carreira de Halliday. Um número significativo deles era, por conseguinte, de acesso bastante restrito.

Halliday tem sido um dos lingüistas mais influentes a partir da segunda metade do século XX. Nascido em 1925 em Yorkshire, Reino Unido, Halliday aprendeu chinês por ter participado do serviço militar durante a segunda guerra, lecionando o idioma por vários anos. Foi aluno de J. R Firth (1890-1960), uma decisiva influência em seu trabalho, tornando-se professor da Universidade de Londres entre 1965 e 1976 e da Universidade de Sidney, de 1976 até sua aposentadoria (Stubbs, 1996: 50).

Seu trabalho, cuja preocupação é explorar como a língua é estruturada para o uso em diferentes contextos sociais (Eggins, 1994), tem propiciado o desenvolvimento de uma lingüística com caráter de ciência social aplicada, centrada na indissociabilidade do significado e da forma e entre léxico e gramática (Stubbs, 1996:23), apoiando-se sempre em dados lingüísticos reais. Halliday tem seu trabalho em lingüística profundamente influenciado por pesquisas estruturalistas, entre elas a glossemática de Hjemslev, o distribucionalismo de Bloomfield e o Círculo Lingüístico de Praga, assim como pela Pragmática.

Sua teoria se caracteriza por ser uma gramática de base paradigmática, na qual o componente semântico assume grande importância. Para o lingüista, a língua é o que vemos porque ela possui uma função social, o que gera um sistema que influencia e é influenciada pelos que estão a sua volta. Um dos resultados desse construto é o fato de halliday encarar a linguagem como um sistema probabilístico, no qual o falante escolhas em detrimento de outras. Assim, ao falarmos praticamos ações, sendo elas relacionadas às nossas representações do mundo, à nossa relação com os demais indivíduos no mundo e à organização da linguagem propriamente dita. Podemos então observar que Halliday, assim como John Sinclair com o desenvolvimento da Lingüística do Corpus, caracterizou, mesmo que involuntariamente, um foco de resistência a revolução chomsyiana do início dos anos 60. A sócio-semiótica hallidiana opera um impacto muito forte para compreensão do como e do por quê realizamos determinadas escolhas discursivas, transcendendo a esfera da própria lingüística e sendo aplicada a sistemas semióticos não verbais (Kress & Leeuwen, 1996).

No caso específico de On grammar, são 15 artigos publicados a partir de 1957. O livro possui uma introdução escrita pela próprio Halliday, sendo dividido em três partes que organizam os artigos tanto em ordem cronológica como temática. Cada uma das partes também possui uma introdução escrita pelo próprio editor.

A primeira, Early papers on basic concepts, traz cinco artigos (quatro comentados aqui) datados de 1957 a 1966, os quais nos permitem testemunhar a formulação dos conceitos básicos da Gramática Sistêmico-Funcional.

No primeiro artigo, Some aspects of systematic description and comparison in gramatical analysis, Halliday parte de alguns conceitos teóricos estabelecidos por J. R. Firth e os aplica à análise do chinês, buscando formular uma teoria de descrição lingüística. Para tanto, ele parte da comparação entre três tradições de análise: descritiva, histórica e evolucional. De acordo com a reflexão realizada, teríamos um conjunto de critérios estabelecidos (incluindo, por exemplo, a presença, ausência ou a forma de organização de determinados elementos), que permitiram o estabelecimento de um sistema interdependente. Por fim, o autor trabalha com a descrição comparativa, inicialmente utilizando-a como parâmetro de análise do chinês. Nesse ponto, Halliday coloca que para o estudo da "língua sob descrição" (language under description) referências e comparações podem ser feitas à língua utilizada na descrição (language of descrition), o que facilitaria o estabelecimento de parâmetros para uma comparação sistemática. É importante observar que essa a comparação será um elemento importante dentro da proposta sistemicista que será elaborada mais adiante em seu trabalho. Isso porque, hoje, a análise em termos sistêmicos possui um caráter contrastivo, pois o pesquisador estará sempre comparando as escolhas realizadas pelo falante com outras disponíveis, de forma a determinar quais foram suas motivações (Thompson, 1996).

No segundo capítulo, Categories of the theory of grammar, Halliday estabelece alguns conceitos que, mais adiante, serão deveras importantes para a sua concepção de gramática. Para o autor, a definição de uma descrição lingüística consiste em relacionar os elementos que ocorrem em um texto à teoria. Outro ponto a ser observado é que Halliday também estabeleceu a diferença entre significado formal e contextual da língua. O primeiro estaria relacionado ao significado que formulamos através da teoria e o segundo, relacionado a informações extralingüísticas, ou seja, às relações sociais. O autor introduz algumas categorias fundamentais para sua teoria gramatical: unidade (unit), classe (class), estrutura (structure) e sistema (system). Uma unidade é definida pelos padrões de organização, ou regularidades significativas, que são reconhecíveis durante certas atividades lingüísticas. Do ponto de vista de sua teoria gramatical, o autor afirma que, em termos da língua quanto atividade, determinados padrões tendem a se repetir e ser semelhantes. Esses são construtos importantes para o estudo da gramática, sendo a estrutura a categoria responsável para a sua sistematização. No caso específico de uma relação sintagmática, a estrutura é o mais alto grau de abstração. Já a classe refere-se à relação entre as unidades nos diferentes níveis de abstração da análise. Em outras palavras, sabemos que nem todos os elementos que constituem uma unidade poderão estar presentes nas demais acima ou abaixo dela, sendo a classe responsável por dar conta dessas relações. Por fim, o sistema seria a categoria responsável por explicar porque determinadas estruturas classes ou unidades estão presentes em eventos comunicativos semelhantes.

No terceiro capítulo, Class in relation to the axis of chain and choice language, Halliday discute a relação entre classe e estrutura. É no próximo artigo, Some notes on "deep" grammar, que Halliday explora de forma mais clara e profunda a noção de escolha, um elemento primordial para sua teoria. Nessa abordagem, ao realizar um significado através de um item lexical ou um fraseado (wording), o falante está realizando uma escolha entre outras prováveis e reconhecidas pelo sistema gramatical (Halliday, 1991; Halliday, 1992; Halliday, 1993; Halliday, 1994; Halliday & Matthiessen, 2004). Nesse artigo ele também esboça a diferença entre uma análise estrutural, portanto sintagmática, e de uma análise sistimicista, de caráter paradigmático, ambas de caráter complementar.

Na segunda parte, Word-clause-text, temos artigos publicados entre 1966 e 1985. É quando podemos observar como a teoria hallidiana amadurece à medida que ela é aplicada a uma série de níveis de análise diferentes (a oração, o léxico e o texto). Isso faz dessa parte um instrumento bastante útil para o leitor iniciante, uma vez que é possível apreender alguns conceitos básicos da teoria.

No sexto capítulo, Lexis as a linguistic level, o autor explora questões relacionadas aos padrões lexicais, argumentando sobre a necessidade da utilização de métodos adequados para a descrição desses padrões. Tais métodos seriam resultado de uma teoria lexical, que funcionaria como um adendo à teoria gramatical, para a qual ele estabelece dois princípios. No primeiro, o léxico teria uma relação com a semântica (lexical) da mesma forma que a gramática a possui (semântica gramatical), ao passo que no segundo os padrões lexicais deveriam ser tratados como elementos diferentes, não apenas mais um nível de delicacy. Para Halliday, a colocação é um elemento importantíssimo para a análise do léxico, uma vez que traz informações probabilísticas importantes para o lingüista cujo interesse não está apenas naquilo que um falante nativo sabe sobre a língua, mas também nas ações que ele realiza com ela.

No sétimo capítulo, Language structure and language funtion, Halliday mostra uma ligação importante entre a análise funcional e a estrutural. Nesse artigo, ele descreve a gramática como um conjunto de opções, disponíveis no eixo paradigmático. Contudo, essas escolhas não são feitas aleatoriamente, elas são condicionadas, e condicionam, o contexto discursivo. Halliday também introduz o conceito de funções; vale ressaltar que apesar de ser um texto introdutório e de a teoria hallidiana já ter se modificado bastante após esse trabalho, nesse artigo de 1970 é oferecida uma exposição simples do pensamento básico por trás das três Metafunções de linguagem que serão mais desenvolvidas nas três edições de sua An Introduction to Functional-Grammar (Halliday, 1985; Halliday, 1994; Halliday & Matthiessen, 2004).

Em Modes of meaning and modes of expression: types of grammatical structure, and their deermination by different semantic function, o autor utiliza o componente semântico da gramática para estabelecer as diferenças entre os significados potenciais (meaning potential ) representados por cada uma das Metafunções da linguagem. Esse mesmo componente semântico é definido como a base do sistema de escolha lingüístico, conceito definidor da gramática sistêmico-funcional, uma vez que ela se utiliza do sistema e não da estrutura para sua base (Halliday, 2005). Já no penúltimo capítulo dessa parte, Text semantics and clause grammar: How is a text like a clause?, Halliday argumenta sobre a natureza do texto e da sentença. O primeiro é definido como um elemento funcional mais abstrato, ou seja, de caráter semântico estando relacionado às variações do contexto de situação: Campo, Relações e Modo; ao passo que o segundo é definido como estrutura lexicogramatical. A partir daí, o autor passa a fazer uma comparação entre os dois conceitos mostrando que o texto, mesmo estando em um diferente nível (stratum), possui muitos elementos em comum com a sentença. Ou seja, ambos possuem propriedades semelhantes como estrutura, função e desenvolvimento. No último capítulo dessa parte, Dimensions of discourse analysis: Grammar, publicado em 1985, Halliday faz um exercício de análise de fragmento oral a partir de sua teoria sistêmico-funcional. A análise ocorre em dez diferentes momentos, cada um deles representando um nível de análise possível.

A última parte, Construing and Enacting, traz artigos publicados entre 1984 e 1996. Em On the Ineffability of Gramatical Categories , Halliday reflete sobre o fato de a lingüística ser a única ciência em que dois conceitos convergem em um processo metalingüístico deveras complexo. Isso ocorre porque nessa ciência a língua não é apenas o objeto de descrição, mas também o meio pelo qual a descrição efetivamente se realiza. Inicialmente, o autor reflete sobre a inadequação e relativa confusão criada pela nomenclatura lingüística ocidental, que serve como pano de fundo para uma ainda maior: a natureza inexplicável da língua. Por ser um sistema semiótico que se desenvolve naturalmente, não sendo portanto criado ou inventado, a língua possui uma série de princípios idiossincráticos que não podem, necessariamente, ser explicados. Tal fato, para Halliday, é um ponto positivo, demonstrando a riqueza do sistema e a importância do componente semântico tanto para sua aprendizagem como para sua descrição.

Questões relativas à diferença entre as linguagens escrita e falada são o objeto de discussão de Spoken and Written Modes of Meaning. Nesse artigo, Halliday compara os dois modos e se posiciona contra a afirmação de que a escrita é necessariamente mais complexa e organizada do que a fala, encarada erroneamente como uma forma de discurso baseada em fragmentos desordenados. No caso específico de sua análise do inglês, ele coloca que a linguagem escrita tende a ser mais densa lexicalmente, ao passo que a oral tende a ser mais gramaticalmente intricada. Demonstra-se, assim, que cada um destes modos possui uma forma própria de organização e são complementares na representação da experiência humana.

No capítulo seguinte, How do you mean?, Halliday desenvolve uma análise de como nossa experiência material (relacionada com aquilo que vivemos em nossas vidas) é traduzida no sistema sócio-semiótico da língua, a qual, após sua instanciação, se torna parte desta mesma experiência. O artigo é iniciado com uma discussão sobre a diferença entre os termos instanciação (um movimento de significação entre diferentes strata do sistema e realização) e realização (um relacionamento interstratal). Esses conceitos servem como pano de fundo para a discussão que se segue sobre a construção da experiência através da linguagem: para o autor, a linguagem não é apenas influenciada por fatores sociais e experienciais, mas também os influencia à medida que realizamos ações com ela.

No penúltimo capítulo, Grammar and the daily Life: concurrence and complementarity, Halliday discute a forma como a gramática enquanto construto nos permite instanciar significados. Isso se dá a partir de uma observação concisa, mostrando como uma gramática de base semântica pode dar conta mais facilmente de questões relacionadas ao nosso uso diário da língua. Por fim, em On grammar and grammatics, Halliday busca definir sua visão sobre lingüística e os estudos de gramática, definindo a diferença entre grammar e gramatics: o primeiro relacionado ao stratum (ou strata), definindo-se portanto como o fenômeno a ser observado, ao passo que o segundo está relacionado à sua análise efetiva. Esse artigo é importante por mostrar os construtos básicos da teoria hallidiana, definindo inicialmente o escopo da gramática, sua função dentro dos estudos sócio-semióticos da linguagem.

Concluindo, On grammar é uma obra que deve ser lida tanto por sistemicistas mais experientes, como por aqueles que iniciam suas pesquisas na área, o que faz dela uma referência para os estudos de gramática sistêmico funcional. No caso dos primeiros, ele permite testemunhar a formação do pensamento hallidiano, ou seja, qual a gênese de sua noção de gramática, que se concentra na primeira parte. Já na segunda e terceira partes, com a teoria já formalizada, é possível perceber o papel dos níveis de análise e do componente semântico na teoria, o que, como já dito anteriormente, pode ser um importante instrumento para compreensão de alguns conceitos chave.

Referências

EGGINS, S. 1994. An introduction to systemic functional grammar. London: Printer Publishers.

HALLIDAY, M. A. K. 1985. An introduction to Functional Grammar. London: Edward Arnold.

_____. 1991. Corpus Studies and probabilistic grammar. In K. Aijmer e B. Alternberg. eds. English corpus linguistic. London: Longman.

_____. 1992. Some lexicogrammatical features of the Zero Population Growth Text. In W. C. Mann e S. A. Thompson (eds.). Discourse Description: Diverse linguistic analyses of a fund-raising tex. Amsterdan: John Benjamim.

_____. 1993. Quantitative studies and probabilities in grammar. In M. Hoey. ed., Data, description, discourse. New York: Harper Collins.

_____. 1994. An Introduction to Functional Grammar. London: Edward Arnold.

_____. 2005. Modes of meaning and modes of expression: types of grammatical structure, and their determination by different semantic function. In Jonathan J. Webster. ed. On Grammar. London: Continuum. p.: 196-218.

HALLIDAY, M. A. K. e C. M. I. M. Matthiessen. 2004. An Introduction to Functional Grammar. London: Edward Arnold.

KRESS, G. e T. VAN LEEUWEN. 1996. Reading Images: The Grammar of Visual Design. Oxford: Routledge.

STUBBS, M. 1996. Text and corpus analysis. Blackwell.

THONPSON, G. 1996. Introducing functional grammar. London: Edward Arnold.

Recebido em março de 2006

Aprovado em junho de 2006

E-mail: rll307@uol.com.br

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    Gostaria de agradecer à Glória Cortés Abdalla e à Paula Veneroso pela leitura de versões prévias desta resenha. Contribuições e discussões sobre essa resenha podem ser enviados para
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      2006
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