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Alterações funcionais respiratórias na colecistectomia por via laparoscópica

Functional respiratory changes in laparoscopic cholecystectomy

Resumos

Objetivo: Estudar as alterações da ventilação e volumes pulmonares e da força muscular respiratória no pós-operatório de colecistectomia por via laparoscópica. Tipo de estudo: Estudo prospectivo. Material e métodos: Foram avaliados 20 pacientes provenientes da enfermaria de gastrocirurgia da Unifesp, com média de idade 42,7 anos, sendo 7 (35%) homens e 13 (65%) mulheres. No período pré-operatório todos foram submetidos a um questionário clínico, exame físico, radiografia de tórax, espirometria. No pré e no pós-operatório foram obtidas as medidas da força muscular respiratória (pressões inspiratória e expiratória máximas), da ventilação pulmonar (volume corrente e volume minuto), da capacidade vital, a oximetria de pulso e o índice diafragmático (ID). Este índice é capaz de refletir o movimento toracoabdominal, determinado pelas mudanças nas dimensões ântero-posteriores da caixa torácica (CT) e do abdome (AB) e foi calculado utilizando-se a seguinte fórmula: ID = D AB/D AB + D CT. Resultados: Observou-se que os pacientes evoluíram no primeiro dia de pós-operatório com diminuição média significante de 26% do volume corrente, de 645ml ± 220ml para 475ml ± 135ml; 20% do volume minuto, de 15,0L ± 4,5L para 11,9L ± 3,6L; 36% da capacidade vital, de 2,7L ± 0,6L para 1,74L ± 0,7L; 47% da pressão inspiratória máxima, de -75 ± -22cm/H2O para -40 ± 17cm/H2O; 39% da pressão expiratória máxima, de +90 ± 28cm/H2O para +55 ± 28cm/H2O e 36% do índice diafragmático, de 0,60 ± 0,10 para 0,39 ± 0,14 (p < 0,05). O volume corrente, o volume minuto e a pressão expiratória máxima retornaram aos seus valores basais no 3º dia de pós-operatório; a capacidade vital, pressão inspiratória máxima e o índice diafragmático retornaram aos seus valores basais entre o 4º e o 6º dia de pós-operatório. Dos vinte pacientes, somente um apresentou atelectasia como complicação pulmonar, tendo evoluído bem com as medidas habituais de fisioterapia respiratória. Conclusão: Concluímos que os pacientes submetidos à colecistectomia por via laparoscópica apresentam no 1º dia de pós-operatório diminuição significante dos volumes pulmonares e da força muscular respiratória. Porém, quando comparados com dados de literatura, o retorno aos valores pré-operatórios é mais rápido na cirurgia por via laparoscópica (3º e 4º dias de pós-operatório) do que na cirurgia abdominal convencional.

Cirurgia laparoscópica


Objective: The aim of this study was to measure the changes in lung volume, pulmonary ventilation, maximum respiratory muscle strength, and the incidence of pulmonary complications in patients undergoing elective laparoscopic cholecystectomy. Type of study: Prospective study. Material and methods: Twenty patients (7 men and 13 women) with mean age of 42.7 years with normal respiratory function were studied. All patients in the preoperative period answered a long questionnaire, had a physical examination done, and had their lung volumes, respiratory muscle strength, diaphragmatic index and pulse oximetry determined. All measurements were repeated on the 1st, 2nd, 3rd and 6th postoperative days. Results: Patients showed a significant decrease (p < 0.05) on the first postoperative day: 26% ± 13% in tidal volume; 20% ± 14% in minute volume; 36% ± 17% in vital capacity; 47% ± 17% in maximum inspiratory pressure, 39% ± 27% in the maximum expiratory pressure and 36% ± 25% in diaphragmatic index. Tidal volume, minute volume and maximum expiratory pressure returned to their basal values on the third postoperative day; vital capacity, maximum inspiratory pressure and diaphragmatic index returned to their basal values between the 4th and 6th postoperative days. Among the 20 patients pulmonary complication was observed in just one patient (lobar atelectasis); there was a full recovery by the third postoperative day with the use of chest physical therapy techniques. Conclusion: The authors conclude that patients undergoing a laparoscopic cholecystectomy show a significant decrease in lung volume and in respiratory muscle strength on the first postoperative day. But, when these measurements are compared to the literature, return to their basal values is faster (between the 4th and 6th postoperative days) than with conventional surgery.

Laparoscopic surgery


ARTIGO ORIGINAL

Alterações funcionais respiratórias na colecistectomia por via laparoscópica* * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina.

LUCIANA DIAS CHIAVEGATO1 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina. , JOSÉ ROBERTO JARDIM2 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina. , SONIA MARIA FARESIN3 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina. , YARA JULIANO4 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina.

Objetivo: Estudar as alterações da ventilação e volumes pulmonares e da força muscular respiratória no pós-operatório de colecistectomia por via laparoscópica. Tipo de estudo: Estudo prospectivo. Material e métodos: Foram avaliados 20 pacientes provenientes da enfermaria de gastrocirurgia da Unifesp, com média de idade 42,7 anos, sendo 7 (35%) homens e 13 (65%) mulheres. No período pré-operatório todos foram submetidos a um questionário clínico, exame físico, radiografia de tórax, espirometria. No pré e no pós-operatório foram obtidas as medidas da força muscular respiratória (pressões inspiratória e expiratória máximas), da ventilação pulmonar (volume corrente e volume minuto), da capacidade vital, a oximetria de pulso e o índice diafragmático (ID). Este índice é capaz de refletir o movimento toracoabdominal, determinado pelas mudanças nas dimensões ântero-posteriores da caixa torácica (CT) e do abdome (AB) e foi calculado utilizando-se a seguinte fórmula: ID = D AB/D AB + D CT. Resultados: Observou-se que os pacientes evoluíram no primeiro dia de pós-operatório com diminuição média significante de 26% do volume corrente, de 645ml ± 220ml para 475ml ± 135ml; 20% do volume minuto, de 15,0L ± 4,5L para 11,9L ± 3,6L; 36% da capacidade vital, de 2,7L ± 0,6L para 1,74L ± 0,7L; 47% da pressão inspiratória máxima, de -75 ± -22cm/H2O para -40 ± 17cm/H2O; 39% da pressão expiratória máxima, de +90 ± 28cm/H2O para +55 ± 28cm/H2O e 36% do índice diafragmático, de 0,60 ± 0,10 para 0,39 ± 0,14 (p < 0,05). O volume corrente, o volume minuto e a pressão expiratória máxima retornaram aos seus valores basais no 3o dia de pós-operatório; a capacidade vital, pressão inspiratória máxima e o índice diafragmático retornaram aos seus valores basais entre o 4o e o 6o dia de pós-operatório. Dos vinte pacientes, somente um apresentou atelectasia como complicação pulmonar, tendo evoluído bem com as medidas habituais de fisioterapia respiratória. Conclusão: Concluímos que os pacientes submetidos à colecistectomia por via laparoscópica apresentam no 1o dia de pós-operatório diminuição significante dos volumes pulmonares e da força muscular respiratória. Porém, quando comparados com dados de literatura, o retorno aos valores pré-operatórios é mais rápido na cirurgia por via laparoscópica (3o e 4o dias de pós-operatório) do que na cirurgia abdominal convencional.

Functional respiratory changes in laparoscopic cholecystectomy

Objective: The aim of this study was to measure the changes in lung volume, pulmonary ventilation, maximum respiratory muscle strength, and the incidence of pulmonary complications in patients undergoing elective laparoscopic cholecystectomy. Type of study: Prospective study. Material and methods: Twenty patients (7 men and 13 women) with mean age of 42.7 years with normal respiratory function were studied. All patients in the preoperative period answered a long questionnaire, had a physical examination done, and had their lung volumes, respiratory muscle strength, diaphragmatic index and pulse oximetry determined. All measurements were repeated on the 1st, 2nd, 3rd and 6th postoperative days. Results: Patients showed a significant decrease (p < 0.05) on the first postoperative day: 26% ± 13% in tidal volume; 20% ± 14% in minute volume; 36% ± 17% in vital capacity; 47% ± 17% in maximum inspiratory pressure, 39% ± 27% in the maximum expiratory pressure and 36% ± 25% in diaphragmatic index. Tidal volume, minute volume and maximum expiratory pressure returned to their basal values on the third postoperative day; vital capacity, maximum inspiratory pressure and diaphragmatic index returned to their basal values between the 4th and 6th postoperative days. Among the 20 patients pulmonary complication was observed in just one patient (lobar atelectasis); there was a full recovery by the third postoperative day with the use of chest physical therapy techniques. Conclusion: The authors conclude that patients undergoing a laparoscopic cholecystectomy show a significant decrease in lung volume and in respiratory muscle strength on the first postoperative day. But, when these measurements are compared to the literature, return to their basal values is faster (between the 4th and 6th postoperative days) than with conventional surgery.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

CRF ¾ Capacidade residual funcional

CV ¾ Capacidade vital

CRF - Capacidade residual funcional

ID ¾ Índice diafragmático

PaO2¾ Pressão parcial de oxigênio no sangue arterial

PImáx ¾ Pressão inspiratória máxima

PEmáx ¾ Pressão expiratória máxima

SaO2 ¾ Saturação da hemoglobina pelo oxigênio no sangue arterial

VC ¾ Volume corrente

VE ¾ Volume minuto

D AB ¾ Dimensão ântero-posterior do abdome

D CT ¾ Dimensão ântero-posterior da caixa torácica

Descritores ¾ Cirurgia laparoscópica, pós-operatório e força muscular respiratória.
Key words ¾ Laparoscopic surgery, preoperative and postoperative care and respiratory muscle strength.

INTRODUÇÃO

A colecistectomia por via laparoscópica é uma técnica minimamente invasiva que permite remover a vesícula biliar com redução do tempo cirúrgico e hospitalar, possibilitando o retorno precoce às atividades diárias(1). Tecnicamente baseia-se na realização de pneumoperitônio, freqüentemente com insuflação de aproximadamente 1,5L/min de gás carbônico na cavidade abdominal, sob pressão de 10 a 15 milímetros de mercúrio. A criação do pneumoperitônio é necessária para que a cavidade abdominal virtual seja transformada em uma cavidade real, possibilitando a visibilização e manipulação das vísceras durante o ato cirúrgico(2). Este aumento na pressão abdominal aumenta o risco de refluxo passivo do conteúdo gástrico e eleva a pressão venosa central, fazendo com que haja taquicardia e maior trabalho cardíaco(3,4).

Tem sido evidenciado que a manipulação da cavidade abdominal nestas cirurgias leva à diminuição dos volumes pulmonares e capacidades pulmonares que podem resultar em complicações pulmonares como a hipoxemia e atelectasia(5,6). Estas alterações no sistema respiratório são máximas geralmente nas primeiras 48 horas após a cirurgia. Estudos em cães mostraram que a anestesia ou a dor não são as principais responsáveis pelas alterações acima citadas. Talvez a melhor explicação seja uma disfunção do diafragma, que teria origem na manipulação de vísceras abdominais, determinando a inibição reflexa do nervo frênico, com conseqüente paresia diafragmática(7-10). Esta paresia associada ao pneumoperitônio pode levar a atelectasias nas bases pulmonares, resultando num colapso da ventilação alveolar nas áreas dependentes do pulmão, com alteração ventilação-perfusão ou shunt pulmonar, e conseqüente hipoxemia(11,12).

A colecistectomia por via laparoscópica é tida como um procedimento cirúrgico que traria menor incidência de complicações pulmonares por ter menor potencial de alterar a função respiratória. Poucos trabalhos existem na literatura referentes a este respeito. Particularmente, no nosso meio, não há qualquer relato sobre o estudo das possíveis alterações da função respiratória e as complicações decorrentes desta técnica cirúrgica.

Assim, nosso objetivo neste trabalho foi estudar em um grupo de pacientes submetidos à colecistectomia por via laparoscópica, sem prévia doença pulmonar, a evolução dos volumes pulmonares, força dos músculos respiratórios e o comportamento toracoabdominal nos primeiros seis dias de pós-operatório, comparando-as com as medidas pré-operatórias, além das possíveis complicações pulmonares decorrentes desta situação.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de um estudo realizado num hospital universitário, de nível terciário, no período de outubro de 1996 a agosto de 1997. Este protocolo foi previamente aprovado pelo Comitê de Controle Ético de Pesquisas Clínicas "In Anima Nobili" da Unifesp-Escola Paulista de Medicina.

Foram excluídos pacientes que apresentaram alteração da técnica cirúrgica no intra-operatório; incapacidade de realizar medidas e manobras fisioterápicas; incapacidade de realizar espirometria e/ou espirometria anormal; realização de pós-operatório na unidade de terapia intensiva ou que tenham feito uso de ventilação mecânica por mais de 24 horas.

Dos 28 pacientes inicialmente avaliados, 20 foram incluídos, sete (35%) homens e 13 (65%) mulheres. Dos pacientes excluídos, três (10,7%) não realizaram a cirurgia e os outros cinco (17,8%) foram excluídos, pois: um paciente (3,5%) fez pós-operatório na unidade de terapia intensiva por complicação apresentada no intra-operatório; dois pacientes (7,1%) não conseguiram realizar as manobras solicitadas e dois pacientes (7,1%) não compareceram à avaliação do 6o dia de pós-operatório após a alta hospitalar.

A média de idade foi de 42,7 anos, com variação de 17 a 70 anos. Apenas quatro (20%) eram fumantes e três (15%), ex-fumantes. A média do consumo tabágico foi de 18 anos/maço. Todos os pacientes foram avaliados pela equipe de risco cirúrgico, a qual os submete a uma avaliação pré-operatória constando de história clínica, exame físico, espirometria, ventilometria, medidas de força muscular respiratória, índice diafragmático e radiografia de tórax. Os dados espirométricos foram obtidos segundo padrões da ATS(13).

O volume corrente foi determinado pela divisão do volume minuto pela freqüência respiratória. O volume minuto (VE) foi obtido com o paciente sentado e respirando tranqüilamente durante um minuto, com obturador nasal, e a capacidade vital foi obtida solicitando-se ao paciente realizar uma inspiração máxima seguida de uma expiração máxima não forçada, medidos com um ventilômetro Ohmeda Respirometer, modelo 121. As pressões inspiratória e expiratória máximas (PImáx e PEmáx, respectivamente) foram medidas a partir de capacidade residual funcional (CRF), com um manovacuômetro MTR.

O índice diafragmático foi determinado pela fórmula ID = D AB/D AB + D CT, em que D era a diferença entre as circunferências abdominal (AB) e torácica (CT), medidas durante uma inspiração máxima seguida de expiração normal(12).

Concluída a avaliação pré-operatória, foi recomendada aos pacientes a interrupção do consumo tabágico, além de receberem orientações sobre o ato cirúrgico, orientações para realização de exercícios fisioterápicos respiratórios, conscientização sobre a importância da tosse para o período de pós-operatório e da deambulação precoce(14-16). No período pós-operatório, os pacientes foram acompanhados no primeiro, segundo, terceiro e sexto dias, quando se repetiam as medidas de ventilação pulmonar e força muscular respiratória. A ocorrência de complicações foi investigada por exame radiológico e ausculta pulmonar. Foram consideradas complicações pulmonares pós-operatórias as seguintes entidades(17):

1)Infecção respiratória aguda

a)Pneumonia foi diagnosticada após o aparecimento de infiltrado pulmonar na radiografia de tórax associada a pelo menos dois dos seguintes sinais: secreção traqueobrônquica purulenta, elevação da temperatura corporal (superior a 38,3ºC) e aumento do número de leucócitos circulantes (superior a 25% do número basal)(18).

b)Traqueobronquite foi diagnosticada pelo aumento da quantidade ou modificação da cor ou aspecto purulento da secreção traqueobrônquica com radiografia de tórax normal.

2)Atelectasia com repercussão clínica referia-se a evidência de atelectasia pulmonar na radiografia de tórax associada a sintomas respiratórios agudos.

3)Insuficiência respiratória aguda correspondia ao quadro clínico resultante de troca gasosa pulmonar agudamente deficiente, ocorrendo a necessidade de ventilação mecânica para seu tratamento.

4)Ventilação mecânica por um período superior a 48 horas para o tratamento de insuficiência respiratória aguda.

5)Broncoespasmo foi diagnosticado pela presença de sibilos à ausculta pulmonar associados a sintomas respiratórios agudos e necessidade de terapêutica medicamentosa. Não foram computados como complicação pulmonar os casos de broncoespasmo relacionados a intubação ou extubação dos pacientes.

Para a análise dos resultados, aplicou-se a análise de variância por postos de Friedman, com a finalidade de se comparar, para cada paciente, a variação percentual (D%) das medidas efetuadas em cada um dos dias de pós-operatório(19). Para o cálculo da D% aplicou-se a seguinte fórmula: D% = Pós-operatório ¾ Pré-operatório/Pré-operatório x 100. Esta mesma análise foi aplicada para comparar cada uma das medidas acima referidas para cada um dos dias considerados entre os vários dias de pós-operatório. Quando a análise de variância mostrou diferença significante, foi complementada pelo teste de comparações múltiplas(20). Fixou-se em 5% (a £ 0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco os valores significantes.

RESULTADOS

De acordo com a análise das variáveis ventilométricas medidas no pré e pós-operatório, observou-se que o volume corrente (VC), em relação aos valores de pré-operatório, apresentou queda média significante de 26% ± 13% no primeiro dia de pós-operatório e 20% ± 17% no segundo dia de pós-operatório (p < 0,05), não mais havendo diferença entre os valores de pré-operatório e os obtidos no terceiro e no sexto dias de pós-operatório (Tabela 1, Figura 1).


Em relação ao volume minuto (VE), este apresentou queda média significante no primeiro e no segundo dias de pós-operatório (p < 0,05), de 20% ± 14% e 19% ± 24%, respectivamente, em relação aos valores de pré-operatório, retornando ao valor basal no terceiro dia de pós-operatório (Tabela 1, Figura 1).

A capacidade vital (CV) apresentou queda média significante de 36% ± 17%, 23% ± 17% e 15% ± 13%, respectivamente, no primeiro, segundo e terceiro dias de pós-operatório, em relação aos valores de pré-operatório (p < 0,05), retornando aos valores basais no sexto dia de pós-operatório (Tabela 1, Figura 2).


Quando se analisou a pressão inspiratória máxima (PImáx), observou-se que nos três primeiros dias de pós-operatório houve queda de 47% ± 17%, 34% ± 17% e 20% ± 16% em relação ao pré-operatório (p < 0,05), respectivamente. A pressão inspiratória máxima retornou aos valores basais entre o quarto e o sexto dias de pós-operatório (Tabela 1, Figura 3).


Em relação à pressão expiratória máxima (PEmáx), observou-se queda média significante nos valores do primeiro e segundo dias de pós-operatório (p < 0,05), de 39% ± 27% e 23% ± 25%, respectivamente, em relação ao pré-operatório, retornando aos valores basais no terceiro dia de pós-operatório (Tabela 1, Figura 3).

A queda do índice diafragmático (ID), apresentada no primeiro pós-operatório, 36% ± 25%, foi significantemente menor do que o valor de pré-operatório, do segundo e do terceiro dias de pós-operatório, 17% ± 23% e 12% ± 18%, respectivamente (p < 0,05). Não houve diferença significante entre o pré-operatório e o sexto dia de pós-operatório, já tendo o mesmo, neste dia, retornado próximo aos valores basais (Tabela 1, Figura 2).

As freqüências respiratória e cardíaca e a saturação de oxi-hemoglobina não apresentaram alterações estatisticamente significantes nos diversos dias de pós-operatório (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Diminuição da capacidade pulmonar com hipoxemia associadas a complicações pulmonares são comuns na colecistectomia por via convencional. Com a melhoria da técnica da cirurgia laparoscópica, é grande a expectativa de que a colecistectomia por via laparoscópica evolua com menor incidência de alterações da função pulmonar e complicações, haja vista o tempo cirúrgico reduzido, as incisões cirúrgicas serem menores e não haver tanto manuseio na cavidade abdominal(4,21,22).

De acordo com a literatura, as complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgias abdominais com incisão convencional apresentam uma incidência que varia de 30% a 80%(12,23,24). Na colecistectomia por via laparoscópica, a complicação pulmonar mais esperada nos dias subseqüentes à cirurgia é a presença de atelectasia, a qual varia de 10% a 35%(6,25-27).

Entretanto, outros fatores poderiam interferir na evolução pós-operatória. A média de idade dos nossos pacientes foi de 42,7 anos. Sabe-se hoje que a mortalidade em indivíduos idosos está mais relacionada com as alterações fisiológicas e com a condição clínica do paciente, do que propriamente com sua idade cronológica(28). Quanto ao tabagismo, este parece ser importante na gênese de complicações pulmonares no pós-operatório, pois associa-se à diminuição do transporte de secreções, aumento da secreção de muco, além de provocar estreitamento das vias aéreas(10,29). No nosso estudo, entretanto, 16 pacientes (80%) não fumavam e nenhum dos quatro fumantes (20%) apresentou complicação pulmonar no pós-operatório.

É conhecido que nos pacientes com doença pulmonar crônica ocorre maior incidência de complicações pulmonares no pós-operatório, como atelectasia, dispnéia transitória e tosse, aumentando o risco de morbidade e mortalidade em qualquer procedimento cirúrgico(10). Por essa razão, não incluímos pacientes que apresentassem antecedente de doença pulmonar ou sintomas respiratórios, evitando assim que este fato pudesse agir como um fator confundidor na evolução da perda funcional pulmonar dos pacientes(30,31). Para excluirmos a existência de pneumopatia, utilizamos a história, exame clínico, radiografia de tórax e espirometria.

Foram excluídos, também, pacientes que durante o ato cirúrgico tivessem alterada a técnica inicialmente proposta, pois isso implicaria aumento do tempo tanto anestésico, quanto cirúrgico, podendo levar a alterações pulmonares mais pronunciadas. As desvantagens fisiológicas de anestesia prolongada têm sido bastante discutidas e, entre outras, incluem arritmias, depressão miocárdica, hipotensão e hipóxia(32). É relatada a associação entre a maior incidência de complicação pulmonar no pós-operatório de cirurgia abdominal com um tempo médio de cirurgia superior a 210 minutos(17). No nosso trabalho, houve uma média de 112 minutos de tempo cirúrgico, o que já se constitui numa vantagem da colecistectomia por via laparoscópica, porque diminuiria a probabilidade de complicações pulmonares.

A nossa avaliação clínica e fisioterápica constou da determinação do volume corrente, do volume minuto e da capacidade vital, das medidas do índice diafragmático e das pressões inspiratória e expiratória máximas. Vários estudos procuraram padronizar o método de medida das pressões inspiratória e expiratória máximas; elas podem ser realizadas ao nível do volume residual e capacidade pulmonar total, respectivamente, onde são obtidos os maiores valores, ou ambas na capacidade residual funcional(26). Neste estudo, optou-se por realizar as medidas a partir de capacidade residual funcional, por ser o ponto de repouso do sistema respiratório, não havendo, nesta situação, a interferência da pressão de retração elástica da caixa torácica.

A diminuição de 36% da capacidade vital por nós observada é muito semelhante ao que vários autores já demonstraram neste tipo de cirurgia(6,27,30,33).

Várias possibilidades têm sido aventadas para explicar a diminuição do volume pulmonar na cirurgia abdominal. São citados a dor, anestesia, o tempo de cirurgia, entre outros. Porém, hoje, o que mais se aceita é que esta diminuição seja causada por paresia diafragmática, conseqüência de uma inibição reflexa do diafragma(7-10). Acreditamos que nossos pacientes apresentaram paresia diafragmática, uma vez que houve uma evidente alteração no comportamento toracoabdominal no primeiro dia de pós-operatório muito semelhante ao que é descrito na literatura(11,33).

O índice diafragmático, o qual relaciona a movimentação abdominal com a torácica, diminuiu 36% ± 25% (p < 0,05) no primeiro dia de pós-operatório, com retorno aos valores basais entre o quarto e sexto dia de pós-operatório. Embora o índice diafragmático tenha sido medido por uma técnica reconhecidamente mais grosseira que o magnetômetro e a pletismografia, evidenciou queda em seus valores no primeiro, segundo e terceiro dias de pós-operatório, refletindo a disfunção diafragmática que ocorre neste tipo de cirurgia. Uma vez que a capacidade vital permaneceu também alterada até o terceiro dia de pós-operatório, acreditamos ser possível relacionar estes dois parâmetros, capacidade vital e índice diafragmático, com a paresia do diafragma. Assim, devido à paresia diafragmática, observamos menor atividade deste músculo, diminuindo a expansibilidade abdominal, aumentando a expansibilidade torácica e, provavelmente, diminuindo o volume corrente e a capacidade vital.

A pressão inspiratória máxima também pode refletir a ocorrência de paresia diafragmática. No primeiro dia de pós-operatório, houve diminuição no seu valor de 47% ± 17% (p < 0,05) em relação aos valores de pré-operatório, o que corrobora as diminuições da capacidade vital e do índice diafragmático por nós observadas.

A diminuição da capacidade vital poderia ter levado à diminuição da pressão parcial de oxigênio (PaO2)(34). Dois possíveis mecanismos seriam aventados para tal ocorrência: o primeiro é que a diminuição da capacidade vital pudesse resultar em microatelectasias ou colapso alveolar periférico; o segundo possível mecanismo seria o fechamento precoce que ocorre nas pequenas vias aéreas, levando ao colabamento alveolar. A PaO2 não foi medida no pós-operatório, mas a alteração da oxigenação pode ser constatada pela diminuição da SaO2, que, neste estudo, evidenciou queda de apenas dois pontos percentuais no primeiro e segundo dia de pós-operatório, não sendo estatisticamente significante. Este resultado nos mostra que não ocorreu hipoxemia arterial acentuada no pós-operatório.

A redução dos volumes pulmonares costuma levar ao acúmulo de secreção nas vias aéreas, tornando-se um valor preditivo para ocorrência de atelectasia e pneumonia(34). Além disso, a diminuição de 39% ± 27% na pressão expiratória máxima (p < 0,05), que reflete a capacidade tussígena do paciente, poderia também possibilitar o acúmulo de secreções pulmonares. A pressão expiratória máxima pode estar diminuída pela presença de fraqueza ou fadiga muscular, mas pode sofrer influência direta da dor, ou até mesmo do receio de senti-la(35). Entretanto, apesar da diminuição da capacidade vital e da força muscular respiratória, somente uma paciente apresentou atelectasia como complicação pulmonar no pós-operatório. Além deste tipo de cirurgia oferecer menor tempo e menor risco cirúrgico e embora não tenhamos avaliado os benefícios da fisioterapia respiratória no pré e no pós-operatório, é provável que esta tenha colaborado para a boa evolução clínica dos pacientes, pois nenhum outro paciente apresentou tal complicação.

Todos os pacientes tiveram o mesmo tipo de atendimento fisioterápico, compreendendo exercícios diafragmáticos, inspiração máxima sustentada e respiração diafragmática associada à mobilização de membros superiores. Eles foram orientados em relação à importância da tosse e incentivados a fazê-la após cada série de exercícios ou quando se fizesse necessário; além disso, os pacientes foram instruídos a deambular diariamente, com a finalidade de prevenir a possível instalação de trombose e embolia pulmonar(15,16). Quanto à paciente que apresentou atelectasia, optou-se por uma conduta mais específica, sendo introduzida inaloterapia, com oxigênio e soro fisiológico, exercícios com pressão positiva, além dos exercícios acima mencionados(5,15).

Comparando os vários parâmetros estudados, volume corrente, volume minuto, capacidade vital, pressões inspiratória e expiratória máximas e índice diafragmático, observamos que a pressão inspiratória máxima, seguida da capacidade vital, seriam as duas melhores medidas para comparar alterações presentes entre o pré e o pós-operatório. Estas refletem o comportamento toracoabdominal e indiretamente a ação diafragmática. Em acréscimo, são determinações razoavelmente simples de serem realizadas, os equipamentos necessários são relativamente pouco onerosos e consomem muito pouco tempo para as medidas.

Concluímos então que os pacientes submetidos à colecistectomia por via laparoscópica apresentam no 1o dia de pós-operatório diminuição significante dos volumes pulmonares e da força muscular respiratória. Porém, quando comparado com dados de literatura, o retorno aos valores pré-operatórios é mais rápido na cirurgia por via laparoscópica (3o e 4o dias de pós-operatório) do que na cirurgia abdominal convencional.

1. Mestre e Fisioterapeuta Supervisora do Curso de Especialização em Fisioterapia Respiratória.

2. Professor Adjunto e Chefe da Disciplina de Pneumologia.

3. Doutora em Pneumologia e Chefe do Ambulatório de Risco Cirúrgico.

4. Professora Adjunta da Disciplina de Bioestatística.

Endereço para correspondência ¾ Sonia Maria Faresin, Rua Botucatu, 740 ¾ 3o andar do Edifício Jairo Ramos ¾ 04023-062 ¾ São Paulo, SP.

Recebido para publicação em 1/6/99. Reapresentado em 28/9/99. Aprovado após revisão, em 4/1/00.

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    Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia ¾ Unifesp-Escola Paulista de Medicina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Aceito
      04 Jan 2000
    • Revisado
      28 Set 1999
    • Recebido
      01 Jun 1999
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