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Saudação a Mario Rigatto (17.01.2000)

IN MEMORIAM

Saudação a Mario Rigatto (17.01.2000)

Meu querido Amigo e Mestre Mario Rigatto:

Mesmo os piores momentos, aqueles que não queremos que ocorram, quando inevitáveis, se defrontarão conosco em alguma hora. Mas muito menos que chorar a tua perda deve ser a alegria por teres existido. Foste um prodígio da natureza. Bondade, ação e inteligência são qualidades capazes de fazer a fortuna de quem as possui. Pois, Rigatto, as tiveste em grau máximo e delas sabias fazer bom uso.

Conhecemo-nos há 40 anos, exatamente desde 1960, quando eu, terceiranista de medicina, ingressei na famosa Enfermaria 29 da Santa Casa de Porto Alegre, dirigida pelo Prof. Rubens Maciel. Tu, recém-retornado de um estágio nos Estados Unidos, havias sido "descoberto" como brilhante aluno anos antes pelo Prof. Maciel. Naquela ocasião eu te "descobri" como meu professor preferido. Iniciamos uma fraternal amizade que durou sempre e trabalhamos juntos por mais de 25 anos.

Teu currículo é impressionante. Foste o maior e mais freqüente conferencista médico do Brasil. Pesquisador original e criativo, adicionaste vários avanços à medicina, como acompanhamento da insuficiência cardíaca por variações no gradiente alvéolo-arterial de oxigênio, medida do débito cardíaco por técnica respiratória, medida do volume residual pulmonar por nova técnica pletismográfica, e tantos e tantos outros. Muitos prêmios científicos. Foste ativo na medicina societária, sendo Presidente da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Fundador e primeiro Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Presidente do Departamento de Fisiologia Cardiovascular e Respiratória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Foste organizador do primeiro Curso de Pós-Graduação (Pneumologia) em área médica no Brasil. Membro atuante por muitos anos da Associação Brasileira de Escolas Médicas. Foste vice-Reitor da UFRGS. Membro das Academias Sul-rio-grandense e Nacional de Medicina e de inúmeras sociedades médicas no exterior, a lista de teus títulos e trabalhos é enorme. Foste também campeão na luta antitabágica no Rio Grande do Sul e no Brasil. Graças também a tua colaboração o Rio Grande do Sul é o mais avançado do país no controle do tabagismo. Além disso, foste atleta e remador premiado pelo teu GPA.

Porém, Mario Rigatto, foste Professor acima de tudo. Com um giz na mão e um quadro-negro eras capaz de fazer mais pelo ensino que uma equipe inteira de audiovisuais. Mestre da palavra, artífice do conhecimento, fenômeno de eloqüência, seduziste todos que te ouviam. Elevaste ao grau máximo os atributos de um grande orador: convencer, deleitar, persuadir. E o fizeste com engenho e arte, pois ao lado do grande cientista morava na tua alma o grande artista. A união de belas palavras com ações magistrais te tornaram imortal.

Pelo tanto que te conheci, posso dizer que viveste de acordo com dois princípios e duas atitudes. Os princípios depreendi de duas frases que me disseste ao longo do tempo. A primeira foi: Gottschall, devemos fazer tudo da melhor maneira possível, darmos o máximo de nós; os resultados serão conseqüência. Se não vierem, pelo menos fizemos tudo o que era possível. Isso é honestidade. A segunda foi: Quando todos param, nós devemos correr mais, porque, aí, a distância aumenta. Imaginem se esses conselhos fossem seguidos pela maioria. Que potência não seria este país! As duas atitudes básicas que mais ressaltavam na tua personalidade, Mario, foram encanto pela vida e ausência de medo. O encanto pela vida se traduziu na tua alegria contagiante, no teu modo de vestir, na gravata borboleta, no teu acendrado amor diante de tudo que a vida tem de bom.

Nunca mostraste medo e, se o sentias, era para vencê-lo. Para ti, o maior argumento era que as coisas precisavam ser feitas. Essa atitude de realizador, de vencedor de obstáculos era inerente a tua pessoa. Mesmo diante da doença irreversível disseste-me, sorrindo: Carlos Antonio, sei que minha chance é pequena, devido à doença ser sistêmica, mas vou me agarrar no transplante cardíaco porque é tudo que me resta. Quando, já em falência de múltiplos órgãos, ao ver um ou outro colega não conseguir disfarçar a preocupação, dizias: Não te preocupes, está tudo bem; ganhar ou perder faz parte do jogo. Deve ser o primeiro caso na Medicina de paciente consolando o médico. Não cultivavas inimizades, apesar de teres opiniões firmes. Só eras contundente com os exploradores do tabagismo. Não pactuavas com a mentira ou a falsidade, mas até eras capaz de entender o lado humano do canalha. De algumas injustiças que recebeste, não te queixavas e, quando precisavas criticar alguém, eras tão construtivo a ponto de confundir o criticado, que ficava sem saber bem se era crítica ou elogio. Erros? Como humano, tiveste alguns defeitos, mas o que importa é o balanço final. Se tuas qualidades fossem colocadas ao lado de eventuais erros, estes certamente quase desapareceriam.

As tuas imensas qualidades te permitiram, Mario Rigatto, que atravessasses a vida vestido de gala e borboleta, pronto para uma festa, sem deixar de ser simples e acessível, principalmente para com os que mais precisavam de ti, como os pobres e desvalidos; que fosses cortês e generoso, sem necessitar ser político; que tivesses sempre coragem, sem jamais ser arrogante; que fosses cientista laureado sem ficar limitado nas, às vezes, exíguas fronteiras da ciência.

Falavas em viver 120 anos. Por ironia do destino, não conseguiste, mas nas várias vidas que tiveste fizeste mais em 71 anos que um homem comum faria em 150. Perdão, um homem comum não faria nunca tudo o que conseguiste fazer.

Meu querido Mario: Não vou te dizer adeus, não vamos te dizer adeus, porque ficaremos com o mais precioso do teu legado: tua imagem, teus ensinamentos e teu exemplo.

CARLOS ANTONIO MASCIA GOTTSCHALL

Fundador e primeiro Secretário Geral da SBPT

Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do RS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2000
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
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