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Curso de epidemiologia básica para pneumologistas: 3ª parte - estudos de intervenção

PÓS-GRADUAÇÃO

Curso de epidemiologia básica para pneumologistas

3ª parte – estudos de intervenção

Ana M.B.MenezesI; Iná da S. dos SantosII

IProfessoraTitular de Pneumologia, Faculdade de Medicina – UFPEL; Professora do Curso de Pós-Graduação em Epidemiologia – UPFEL; Presidente da Comissão de Epidemiologia da SBPT

IIProfessora do Curso de Pós-Graduação em Epidemiologia – UFPEL

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Maria Menezes, Av. Domingos de Almeida, 2.872 – Areal 96085-470 – Pelotas, RS E-mail: anamene@nutecnet.com.br

A terceira parte do "Curso de Epidemiologia Básica para Pneumologistas" terá como enfoque os estudos "experimentais analíticos", que podem ser classificados em:

I) ensaio clínico randomizado

II) estudo de intervenção comunitária

I. ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO

A. DELINEAMENTO: o ensaio clínico randomizado é um tipo de estudo de intervenção em que se parte da causa em direção ao efeito (ver Figura 1)(1). Os participantes são divididos, aleatoriamente, em dois grupos: o grupo da intervenção e o grupo dos controles. Essa alocação aleatória tem como principal finalidade tornar os dois grupos semelhantes entre si. Idealmente, os ensaios clínicos devem ser randomizados, controlados e duplo-cegos(2).


Randomizados: significa que os pacientes são alocados para um dos dois grupos de forma aleatória, como, por exemplo, lançando-se uma moeda(3).

Controlados: significa que além do grupo que vai receber o tratamento novo que se quer testar, um outro grupo (o grupo controle) receberá placebo ou o tratamento até então consagrado (se houver) para aquela doença.

Duplo-cegos: significa que nem o paciente, nem o profissional que irá avaliar a ocorrência do desfecho que se quer prevenir (complicação da doença) deverão ter conhecimento do grupo ao qual o paciente pertence (intervenção ou controle).

É o estudo de melhor delineamento para investigar a relação causa-efeito. O fato de serem dois grupos semelhantes, cuja única diferença é a intervenção, e o uso de técnicas de avaliação duplo-cega e de placebos tornam esse tipo de estudo o menos sujeito a vieses e o mais semelhante a um estudo experimental de laboratório.

O ensaio clínico randomizado é semelhante ao estudo de coorte, onde também se parte da causa para o efeito. O estudo de coorte, entretanto, não permite a alocação aleatória da exposição.

B. PRINCÍPIO LÓGICO DO ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO: o princípio lógico do ensaio clínico randomizado é saber se a incidência de complicações da doença ou de outros desfechos como a morte, nos expostos (grupo de intervenção), é menor do que a incidência nos não expostos (grupo controle). A pergunta feita nesse tipo de estudo é a seguinte: será que o tratamento surtiu algum efeito? Na área da pneumologia, podem ser citados, como exemplos, estudos com a vacina antiinfluenza(4-6). Uma metanálise sobre a eficácia da vacina antiinfluenza, nos idosos, mostrou que 53% dos que receberam a vacina apresentaram menos infecções respiratórias e 50% hospitalizaram menos do que aqueles que não receberam vacina(4).

C. VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS:

Vantagens:

– Não devem ser influenciados por variáveis de confusão

– Permitem estudar a história natural da doença

Desvantagens:

– Podem ser muito caros

– Podem não ser generalizáveis

– Podem ser eticamente inaceitáveis

– Muitos pacientes podem desistir do tratamento

O ensaio clínico randomizado é considerado o delineamento padrão-ouro(7-9), pois é o que menos sofre a influência de fatores de confusão e vieses.

Algumas desvantagens, entretanto, devem ser lembradas. Além de ser um estudo de custo geralmente elevado e, sob o ponto de vista ético, muitas vezes inaceitável, apresenta, como uma das principais desvantagens, as perdas e recusas de acompanhamento. Para que isso não aconteça é preciso que o grupo de participantes seja cooperativo, o que muitas vezes é extremamente difícil. O estudo também exige muita cautela na seleção dos grupos, pois eles podem não ser representativos da população devido às exigências dos critérios de inclusão.

D) MEDIDAS DE OCORRÊNCIA E DE EFEITO: uma das maneiras de analisar esse tipo de estudo é através da medida do Risco Relativo (RR), ou seja, a razão entre a incidência de um grupo dividida pela incidência do outro grupo. Se o grupo da intervenção tiver menor incidência de complicações da doença do que o grupo controle, isso significa que a intervenção apresentou efeito (no caso de uma vacina, por exemplo, poderia ser concluído que o grupo que recebeu a vacina teve menor incidência de doença do que o grupo que não recebeu a vacina).

Uma outra maneira de avaliar esses estudos utiliza as chamadas Tábuas de Sobrevivência, que se aplicam não apenas à sobrevivência em si, mas também ao tempo até a ocorrência de uma determinada complicação (que não a morte) ou a cura do paciente. As Tábuas de Sobrevivência calculam a taxa de sobreviventes entre os pacientes que receberam um tratamento novo, comparada a dos que receberam placebo (ou o tratamento convencional), após decorrido um determinado espaço de tempo. Essas taxas podem ser expressas visualmente através de curvas(10).

II. INTERVENÇÕES COMUNITÁRIAS

Nesse tipo de estudo geralmente se utiliza uma intervenção preventiva. Assim, selecionam-se indivíduos "sadios", expõe-se a metade à intervenção preventiva e, decorrido um período de tempo, mede-se a incidência nos dois grupos da doença ou problema que se quer prevenir. Exemplos de intervenções comunitárias são os estudos sobre eficácia de vacinas e sobre a fluoretação da água para prevenção de cáries(11).

  • 1. Pereira MG. Epidemiologia. Teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995;capítulo 13:289-306.
  • 2. Kirkwood BR. Essentials of medical statistics. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1988;185-190.
  • 3. Almeida N, Rouquayrol MZ. Introdução à epidemiologia moderna. Salvador: Apce Produtos do Conhecimento, 1990;111.
  • 4. Gross PA, Hermogenes AW, Sacks HS, Lau J, Levandowski RA. The efficacy of influenza vaccine in elderly persons. A meta-analysis and review of the literature. Ann Intern Med 1995;123:518-527.
  • 5. Ahmed AE, Nicholson KG, Nguyen-Van-Tam JS. Reduction in mortality associated with influenza vaccine during 1989-90 epidemic. Lancet 1995;346:591-595.
  • 6. Colquhoun AJ, Nicholson KG, Botta JL, Raymond NT. Effectiveness of influenza vaccine in reducing hospital admissions in people with diabetes. Epidemiol Infect 1997;119:335-341.
  • 7. Hill AB. Statistical methods in clinical and preventive medicine. Edimburgo: Livingstone, 1962.
  • 8. Louis TA, Shapiro SH. Critical issues in the conduct and interpretation of clinical trials. Annual Review of Public Health 1983;4:25-46.
  • 9. Meinert CL. Clinical trials: design, conduct and analysis. New York: Oxford University Press, 1986.
  • 10. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Clinical epidemiology. Williams & Williams, 1988;106-128.
  • 11. El desafio de la epidemiologia: problemas y lecturas seleccionadas. Washington: OPS (Publicación Científica 505), 1988;812-818 (edição em espanhol). Na edição em inglês, p. 747-752.
  • Endereço para correspondência

    Ana Maria Menezes, Av. Domingos de Almeida, 2.872 – Areal
    96085-470 – Pelotas, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Out 1999
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