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Culture, health and medicine

Culture, health and medicine

RESENHA REVIEW

Maria Cecília de Souza Minayo

Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz

Culture, Health and Medicine . Janardan Subedi & Eugene B. Gallagher (Guest Editors), Special Issue, Central Issues in Anthropology, vol. 10, pp. 05-139, Washington, DC: American Anthropological Association, 1992.

US$ 15.00

Este volume da Central Issues in Anthropology dedica-se a temas clássicos da Antropologia Médica ao combinar relatos de pesquisas empíricas com reflexões sobre cultura, saúde e medicina, enfatizando o contexto dos países subdesenvolvidos. No seu conjunto, os artigos classificam-se em estudos sobre mortalidade, fertilidade e saúde; pluralismo médico; contexto social; e saúde mental.

Na primeira parte são abordadas questões de distribuição econômica e poder político dentro das sociedades, de comunidades particulares e em termos globais. São tomados como exemplos para reflexão os casos de dois países socialistas (China e Cuba) onde a mortalidade e a morbidade infantil foram controladas através de transformações sociais, que promoveram o acesso a serviços preventivos e curativos de saúde para grupos populacionais antes relegados. Estes temas são tratados nos estudos de Kindanemarian e Gallagher ("Theoretical perspectives for explainning infant mortality in the third world"; e de J. G. Anderson "Health care in People's Republic of China", .

A partir deste primeiro passo, transcendendo os dados substantivos trazidos pelos autores, pode-se dizer que o tema relevante tratado por eles, do ponto de vista conceitual, é a relação dinâmica entre racionalidade e valores culturais. No campo da saúde haveria, por vezes, uma certa crença ingênua de que, se as pessoas geralmente agem movidas por seus melhores interesses, é óbvio que os mesmos seriam melhor servidos se pudessem ser acrescidos de informações úteis. Os artigos de K. Sharma e J. Subedi questionam tal afirmação, mostrando que, neste campo, a racionalidade e a informação técnica valem menos que valores hierar-quicamente constituídos. A lógica subjacente a ações tradicionais em função da saúde é o privilégio do imediato, em detrimento do longo prazo, bem como dos interesses individuais e familiares, em detrimento das preocupações coletivas.

Seguindo ainda a trilha conceitual, alguns autores discutem a articulação entre racionalidade e poder, mostrando a dubiedade com que ambos os termos são tratados em relação a valores econômicos, sociais, de gênero, de idade e de relações entre sociedades específicas. O tema dos conflitos de poder e de interesses é tratado por vários estudiosos, mas este fica mais patente nos trabalhos de W. Ward, D. Glik, A. Gordon e F. Habu ("Maternal and primary care system factors affecting oral rehydration therapy in rural Ghana") e de L. C. Wilson, D. R. Williams e K. Wilkins ("Family structure and mental health in urban Guyana").

O apelo à discussão sobre racionalidade é ainda maior e mais problematizado em trabalhos onde os autores mostram a vida cotidiana como um palco onde se é obrigado, constantemente, a operar com esferas de conflitos entre cálculo e ação. Este tema é perseguido, por exemplo, no texto de S. Tolmar ("Wives roles in fertility decision-making among Nepalese Caste-Hindus"), onde o autor examina circunstâncias geralmente tratadas na literatura de planejamento familiar. De um lado, as decisões sobre fertilidade são tomadas por um desejo de nascimento, sobretudo para garantir a sobrevivência de uma criança do sexo masculino; de outro, pesam razões de pressão populacional, uso intensivo do solo e depredação ecológica. O artigo de N. Andes ("Child survival in community contexts") coloca como questão a intensificação de racionalidades conflitivas em situações de rápida mudança cultural e desestabilização social.

Como último ponto, assinala-se uma reflexão sobre as possíveis dicotomias nós versus ele, ciência versus cultura e pragmatismo versus tradição. Vários autores chamam a atenção para o fato de a noção de "Medicina Tradicional" poder ser útil quando utilizada de forma genérica. Mas, se empregada para identificar uma espécie homogênea ou sistemas médicos primitivos, esta torna-se problemática. Em primeiro lugar, porque são colocadas sob um mesmo rótulo variedades incomensuráveis de tradição que pouco têm em comum. Em segundo lugar, porque a Antropologia é mais produtiva quando se debruça sobre "objetos" específicos, como o fazem autores como K. S. Oths, em "Some symbolic dimensions of Andean", sobre a medicina indígena, e A. P. Hardon's, em "That drug is Hiyang for me", onde são focalizadas percepções altamente particulares de eficácia a partir de uma comunidade.

O artigo de P. Conrad ("Epilepsy in Indonesia") dá o fecho terminal sobre a discussão sobre racionalidade, mostrando que é um erro pensar a Biomedicina como sendo um sistema hemogêneo. Pelo contrário, ela está profundamente marcada pela cultura local e pelas circunstâncias sociais.

Desta forma, tradição e mudança, na visão de vários autores, têm que ser tratadas de forma complementar. No artigo "Institutional pluralism: the incomplete differentiation of health care in Nepal", J. Subedi e S. Subedi mostram a convivência competitiva de três sistemas de crenças e práticas de saúde. Da mesma forma, o artigo de G. B. Fosu ("Perceptions of mental disorders in the context of social change") sublinha a interpenetração de diferentes códigos interpretativos dos distúrbios mentais.

Esta revista vale a pena ser lida por vários motivos: pelas questões substantivas que aborda, pelos temas apropriados aos antropólogos enquanto profissionais e seu mercado de trabalho, mas, sobretudo, pela relevância das abordagens conceituais que os artigos suscitam.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Set 1993
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