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Avaliação pós-vacinal de lobos guarás Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1811) contra os vírus da cinomose e parvovirose caninas

Immune response of maned wolves Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1811) after vaccination against canine distemper virus (CDV) and canine parvovirus (CPV)

Resumos

Este estudo teve como objetivos acompanhar a resposta sorológica pós-vacinal de lobos guarás cativos imunizados contra os vírus da cinomose (CDV) e da parvovirose (CPV) caninas com vacina vírus vivo modificado (VVM) produzida para cães domésticos e determinar um programa de vacinação para a espécie. Amostras de soro foram coletadas de 47 lobos com idades variadas, provenientes de seis zôos. Foram utilizados os testes de soroneutralização (SN) e inibição da hemaglutinação (HI) para mensurar os títulos de anticorpos contra CDV e CPV, respectivamente, sendo testadas 361 amostras para CDV e 353 para CPV. A avaliação pós-vacinal demonstrou que 72% dos espécimes desenvolveram títulos de SN > ou = 100 contra CDV e 98% desenvolveram títulos de HI > ou = 80 contra CPV. Lobos guarás sem histórico de vacinação apresentaram soroconversão após a vacinação. Espécimes com histórico de vacinação e títulos considerados protetores para cães domésticos mantiveram títulos estáveis ao longo de 12 meses após a vacinação. A VVM utilizada (CDV atenuado por passagens em ovos embrionados de aves SPF e posteriormente adaptado às células da linhagem VERO) mostrou-se segura para os lobos guarás adultos e filhotes.

Lobo guará; vacinação; cinomose canina; parvovirose canina


The aim of this study was to evaluate the immune response of maned wolves vaccinated with modified-live vaccine (MLV) against canine distemper virus (CDV) and canine parvovirus (CPV), developed for use in domestic dogs. Serum samples were collected from 47 maned wolves from zoos and were analysed by the serum neutralization (SN) and hemagglutination-inhibition (H) tests against CDV and CPV, respectively, being 361 samples tested for CDV and 353 for CPV. The results showed that 72% of samples had SN titers > or = 100 against CDV and 98% developed H titers > or = 80 against CPV. Maned wolves without vaccination history were able to develop antibodies to CDV and CPV after the vaccination. Specimens with vaccination history that showed titers considered protective mantained their response over the period of one year after the vaccination. The MLV used in this study proved to be safe and immunogenic to adult and pup maned wolves.

Maned wolf; vaccination; canine distemper; canine parvovirus


Avaliação pós-vacinal de lobos guarás Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1811) contra os vírus da cinomose e parvovirose caninas

[Immune response of maned wolves Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1811) after vaccination against canine distemper virus (CDV) and canine parvovirus (CPV)]

O.B. Maia1, A.M.G. Gouveia2, A.M. Souza3, E.F. Barbosa4

1Médico veterinário, Mestre em Medicina Veterinária

2Escola de Veterinária da UFMG

Caixa Postal, 567

30123-970, Belo Horizonte, MG

3Bióloga, Mestre em Microbiologia

4Instituto de Ciências Biológicas da UFMG

Recebido para publicação, após modificação, em 19 de maio de 1999.

Colaboradores: L.T. Oliveira, M.E.L.T. Costa, J.A.B. Bastos, C.M. Coelho

Projeto financiado pela FAPEMIG

E-mail: ota@task.com.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivos acompanhar a resposta sorológica pós-vacinal de lobos guarás cativos imunizados contra os vírus da cinomose (CDV) e da parvovirose (CPV) caninas com vacina vírus vivo modificado (VVM) produzida para cães domésticos e determinar um programa de vacinação para a espécie. Amostras de soro foram coletadas de 47 lobos com idades variadas, provenientes de seis zôos. Foram utilizados os testes de soroneutralização (SN) e inibição da hemaglutinação (HI) para mensurar os títulos de anticorpos contra CDV e CPV, respectivamente, sendo testadas 361 amostras para CDV e 353 para CPV. A avaliação pós-vacinal demonstrou que 72% dos espécimes desenvolveram títulos de SN ³ 100 contra CDV e 98% desenvolveram títulos de HI ³ 80 contra CPV. Lobos guarás sem histórico de vacinação apresentaram soroconversão após a vacinação. Espécimes com histórico de vacinação e títulos considerados protetores para cães domésticos mantiveram títulos estáveis ao longo de 12 meses após a vacinação. A VVM utilizada (CDV atenuado por passagens em ovos embrionados de aves SPF e posteriormente adaptado às células da linhagem VERO) mostrou-se segura para os lobos guarás adultos e filhotes.

Palavras-Chave: Lobo guará, vacinação, cinomose canina, parvovirose canina,

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the immune response of maned wolves vaccinated with modified-live vaccine (MLV) against canine distemper virus (CDV) and canine parvovirus (CPV), developed for use in domestic dogs. Serum samples were collected from 47 maned wolves from zoos and were analysed by the serum neutralization (SN) and hemagglutination-inhibition (H) tests against CDV and CPV, respectively, being 361 samples tested for CDV and 353 for CPV. The results showed that 72% of samples had SN titers ³ 100 against CDV and 98% developed H titers ³ 80 against CPV. Maned wolves without vaccination history were able to develop antibodies to CDV and CPV after the vaccination. Specimens with vaccination history that showed titers considered protective mantained their response over the period of one year after the vaccination. The MLV used in this study proved to be safe and immunogenic to adult and pup maned wolves.

Keywords: Maned wolf, vaccination, canine distemper, canine parvovirus

INTRODUÇÃO

O lobo guará apresenta susceptibilidade a diversos patógenos comuns aos animais domésticos (Appel, 1987). A análise do International Studbook for the Maned Wolf revelou as principais causas da morte de lobos guarás em cativeiro no período de 1980-97: incompetência parental (38%), doenças infecciosas (9%) e alterações do sistema digestório (7%). Dentre as doenças infecciosas, as viroses caninas apresentaram a maior prevalência (53%), sendo cinomose (20,8%) e parvovirose (23,1%) caninas as viroses mais freqüentes e responsáveis por 4% das mortes de lobos guarás cativos no período de 1980-97 (Maia & Gouveia, 1999).

O primeiro registro de infecção pelo vírus da cinomose canina (CDV) em lobos guarás foi feito no San Diego Zoological Gardens, em 1956, quando dois filhotes criados artificialmente por uma cadela lactante morreram com sinais clínicos sugestivos de cinomose canina (Cabasso et al., 1956). Em 1983, resultados satisfatórios foram obtidos na imunização de lobos guarás contra CDV com vacinas vírus vivo modificado (VVM) originárias de cultura de fibroblastos de embrião de galinha (FEG) ou de ovos embrionados de aves SPF (Montali et al., 1983). Não obstante, um acidente vacinal foi registrado quando VVM contra CDV originária de cultura de célula de rim de cão foi utilizada (Tomas-Baker, 1985). De acordo com o International Studbook for the Maned Wolf, VVM e/ou vacinas inativadas (VI) contra CDV vêm sendo freqüentemente utilizadas na imunização de lobos guarás cativos (Matern & Peter, 1990). O Maned Wolf Species Survival Plan recomenda a vacinação contra CDV com VVM. No Brasil, o Laboratório Solvay forneceu, durante alguns anos, doses de vacina contra CDV (VVM, monovalente, originária de cultura de FEG) aos zôos brasileiros para a vacinação de lobos guarás (Richard Burt, Solvay Saúde Animal Ltda., Campinas, SP. [comunicação pessoal]).

A parvovirose teve seu primeiro registro feito em 1979, no San Antonio Zoological Garden, EUA, onde dois lobos guarás desenvolveram sinais clínicos semelhantes àqueles observados em cães domésticos infectados pelo vírus da parvovirose canina (CPV) (Fletcher et al., 1979). Posteriormente, também nos EUA, foram descritos outros casos mostrando a susceptibilidade do lobo guará ao CPV (Mann et al., 1980). No Brasil, o primeiro registro de CPV em lobos guarás foi em 1984, quando um surto de enterite hemorrágica ocorreu no Zôo de São Paulo, acometendo 17 lobos adultos e dois espécimes de felinos sul-americanos (Angelo et al., 1988). Em 1982, foi observado o desenvolvimento de títulos de anticorpos em filhotes de lobos guarás, vacinados contra CPV com vacina inativada (VI) de origem canina, similar ao observado em cães domésticos (Janssen et al., 1982). Três acidentes vacinais foram também registrados pelo Maned Wolf Species Survival Plan na imunização de filhotes contra CPV em três zôos americanos — a VVM que vinha sendo usada com segurança foi substituída por outra que apresentava nova cepa vacinal do parvovírus canino (Barbiers & Bush, 1995). No caso da parvovirose, o Maned Wolf Species Survival Plan recomenda que animais com idade inferior a seis meses devem ser imunizados a cada duas semanas, a partir da 6ª semana de vida, com sucessivas doses da VI e, a partir da 16ª semana, com VVM contra CPV (Barbiers & Bush, 1995).

A imunoprofilaxia de canídeos selvagens sempre foi motivo de polêmica e controvérsia envolvendo a imunogenicidade e segurança das vacinas disponíveis. Todavia, vacinações empíricas de lobos guarás com vacinas vírus vivo modificado (VVM) e vacinas inativadas (VI), assim como a aplicação de soro hiperimune em filhotes, foram realizadas por alguns zôos (Velloso, 1991). Esses procedimentos de imunização, em que foram utilizados biológicos destinados a cães domésticos, nunca permitiram uma análise concludente quanto ao desenvolvimento de resposta imune pelos lobos guarás (Maia, 1998).

Existem cerca de 413 (211.201.1) (Nomenclatura utilizada no International Studbook significa número de machos, número de fêmeas, número de espécimes cujo sexo não foi determinado. Geralmente, apresenta-se apenas na forma de número de macho e número de fêmeas) lobos guarás cativos distribuídos em 129 instituições espalhadas pelo mundo (Matern, 1997). Considerando a susceptibilidade da população ex situ de lobos guarás às viroses caninas, este estudo teve como objetivos acompanhar a resposta sorológica pós-vacinal de lobos guarás mantidos em zôos brasileiros, utilizando-se VVM polivalente para cães domésticos a fim de se estabelecer a eficiência da utilização de imunógenos disponíveis e determinar um programa de vacinação que minimize a mortalidade por CDV e CPV.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras de soro sangüíneo foram coletadas de 47 (22.25) espécimes, 34 (18.16) adultos e 13 (4.9) filhotes, com idades que variavam de 3 meses a 12 anos, mantidos por seis zôos: Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte - FZBH (MG), Parque Natural da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração - PNCBMM (Araxá, MG), Jardim Zoológico de Brasília (DF), Zoológico de Curitiba (PR), Zoológico Municipal de Andradas (MG) e Fundação Rio-Zôo (RJ). Os lobos guarás foram divididos em dois grupos: vacinados, com 33 adultos e quatro filhotes, procedentes de zôos, com histórico de vacinação, e não vacinados, com 10 filhotes que não tinham sido vacinados antes da primeira coleta de sangue, sendo 5 procedentes de zôos e 5 capturados na natureza, com idade inferior a um ano.

Os lobos guarás foram devidamente identificados de acordo com sua procedência e os dados referentes a cada animal, assim como as informações sobre o manejo adotado por cada zôo, foram anotados em fichas individuais padronizadas. Os espécimes foram tratados, por via oral, com anti-helmíntico de largo espectro antes da vacinação.

As amostras de sangue foram coletadas nos próprios recintos mediante contenção física ou química dos espécimes. As drogas de escolha para a contenção química foram xilazina e quetamina, associadas ou não a sulfato de atropina. As amostras de soro, armazenadas em frascos estéreis devidamente identificados, foram congeladas e transportadas para o Laboratório de Virologia Animal do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária da UFMG, onde foram inativadas em banho-maria a 56oC por 30min e armazenadas a –20oC até a realização dos testes sorológicos. As alíquotas de soro utilizadas no teste de inibição da hemaglutinação (HI) foram tratadas com suspensão de eritrócitos de suíno a 50% em solução tampão salina fosfatada pH 6,4 e suspensão de caolim 25% em solução tampão salina borato pH 9,0 nas proporções 1:1:½ , respectivamente, à temperatura ambiente (20oC), por 30min, para remoção de inibidores inespecíficos da aglutinação. A seguir, as amostras foram centrifugadas a 8000g por três minutos à temperatura ambiente.

O período de coleta estendeu-se de junho de 1995 a janeiro de 1998. Elas ocorreram no dia da vacinação e em intervalos variados após a última vacinação (considerando a fase reprodutiva dos animais e sistema de manejo adotado pelo zôo) durante um período de 3 a 28 meses, conforme o zôo. O número de amostras coletadas de cada espécime variou de 3 a 20. Alguns zôos já vinham vacinando seus lobos guarás contra CDV, CPV e leptospirose utilizando vacinas monovalentes ou polivalentes. Para efeito de avaliação dos títulos sorológicos, durante o experimento, a maioria dos espécimes foi imunizada com as vacinas polivalentes Eurican® CHPL e CHPLR 3 contra CDV, CPV, leptospirose, adenovirose e raiva. O Zôo de Curitiba utilizou a VVM polivalente Duramune® DA2P+PV+LCI (Laboratório Fort Dodge, Campinas, SP).

As vacinas polivalentes Eurican® foram escolhidas para imunização dos lobos guarás porque, embora produzidas para cães domésticos, são indicadas para carnívoros selvagens, segundo seu informe técnico, e este foi um argumento importante no convencimento dos colegas para as utilizarem. Além disso, vacinações empíricas de lobos guarás com VVM realizadas anteriormente em alguns zôos, e ensaios publicados na literatura (Montali et al., 1983; Harrenstien et al., 1997)já assinalavam a segurança e a imunogenicidade de alguns tipos de VVM para canídeos selvagens. VVM monovalentes ou VI contra CDV e CPV não estão, usualmente, disponíveis no comércio, pois parece não haver demanda para o uso de imunógenos com essas características em cães domésticos, e o mercado para animais de zôos, no Brasil ou em outros países, é, segundo os laboratórios fabricantes de vacinas, muito pequeno para ser lucrativo (Appel & Summers, 1995).

Foram testadas 361 amostras para CDV e 353 para CPV. As amostras foram testadas por soroneutralização (SN), segundo Souza (1996). Foi utilizado como vírus padrão a amostra Onderstepoort, cedida pelo Laboratório Lema Biologic do Brasil. Como controle positivo, foi utilizado Cinoglobulin®1. Os títulos neutralizantes foram calculados pelo método de Reed & Muench (1938). Foram considerados positivos títulos SN>2. As amostras foram também analisadas pelo teste de inibição da hemaglutinação (HI), segundo Senda et al. (1986). Foi utilizada como antígeno a vacina Primodog® (Laboratório Merial, Campinas, SP) Esta foi titulada por HA, utilizando-se suspensão de hemácias a 0,5%. Como controle positivo, foi utilizado Enteroglobulin® (Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista, SP) Foram considerados positivos títulos HI>5.

Os títulos de anticorpos dos lobos guarás foram analisados tomando como parâmetros títulos considerados protetores para cães domésticos. Títulos de anticorpos neutralizantes contra CDV maiores ou iguais a 100 conferem aos cães domésticos proteção completa contra o vírus de campo. Títulos inferiores a 30 podem não conferir proteção. Títulos entre 30 e 100 conferem proteção moderada, ou seja, os animais são considerados protegidos desde que não sejam expostos a alta carga de vírus de campo ou apresentem uma queda na resistência (Povery, 1986). No caso do CPV, títulos de anticorpos maiores ou iguais a 80 são considerados protetores para cães domésticos (Smith-Carr e al., 1997). O Maned Wolf Species Survival Plan considera títulos SN>30 e HI ³ 80 como protetores(Barbiers & Bush, 1995). Por se tratar de um levantamento de informações fez-se apenas a análise descritiva dos resultados.

RESULTADOS

Os resultados da avaliação pós-vacinal demonstraram que dos 47 animais vacinados, 34 (72%) foram capazes de desenvolver título de anticorpos neutralizantes contra CDV iguais ou maiores a 100, nove (19%) desenvolveram título 100<SN£ 30 e quatro (9%) apresentaram resposta inferior a 30. Quanto ao CPV, dentre os 47 animais vacinados, 45 (96%) foram capazes de desenvolver título de anticorpos iguais ou maiores a 80 e apenas dois (4%) apresentaram resposta inferior a 80.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A avaliação pós-vacinal demonstrou que os lobos guarás foram capazes de responder à vacinação com VVM desenvolvida para cães domésticos, e que essa resposta pode ser mensurada por testes sorológicos padronizados para cães domésticos. Dos 47 lobos guarás vacinados durante o experimento, nenhum apresentou qualquer tipo de reação indesejável após a vacinação, sugerindo que a atenuação das cepas vacinais utilizadas foi suficiente para os lobos guarás, em parte, possivelmente, devido a sua proximidade filogenética em relação ao cão doméstico. A VVM utilizada provou ser segura para lobos guarás, tanto para adultos quanto para filhotes. A segurança da amostra Onderstepoort, CDV atenuado por passagens em ovos embrionados de aves SPF e posteriormente adaptado às células da linhagem VERO, foi claramente evidenciada por nove espécimes (um adulto e oito filhotes), soronegativos para CDV, vacinados durante o experimento, pois, ao contrário dos espécimes soropositivos que apresentam alguma proteção contra o vírus vacinal, espécimes soronegativos são totalmente susceptíveis. Quinze filhotes, com idade inferior a seis meses, foram vacinados contra CPV durante este estudo e nenhuma reação indesejável foi observada. Dez espécimes do Zôo de Curitiba, incluindo três filhotes, foram vacinados, por dois anos consecutivos, com a vacina Duramuneâ (Laboratório Fort Dodge, Campinas, SP) que utiliza a amostra Rockborn (CDV atenuado em células de cão), sem apresentarem, qualquer indício de reação pós-vacinal indesejável, segundo informou a instituição. Todavia, o número de espécimes vacinados, nessa situação, é muito pequeno para assegurar a inocuidade da amostra Rockborn para lobos guarás. Essa mesma vacina foi também usada pelo Red Wolf Recovery Program (O lobo-vermelho Canis rufus estava quase extinto e vem sendo alvo de um dos mais bem-sucedidos programas de reintrodução.) do US Fish and Wildlife Service (Harrenstien et al., 1997).

Os títulos de AN contra CDV, maiores que 100, e título de anticorpos contra CPV, maiores que 80, observados corroboram com os achados de outros autores e são comparáveis àqueles verificados em outras espécies de canídeos selvagens e outros carnívoros (Halbrooks, et al., 1981; Montali et al., 1983; Harrenstien et al., 1997). A vacinação pré-cobrição de fêmeas de lobos guarás é indicada e importante para conferir anticorpos aos filhotes, como foi observado em coiotes (Green et al., 1984). É importante mencionar, também, que não foi observado qualquer prejuízo no sucesso reprodutivo das fêmeas por causa das coletas mensais de sangue.

De maneira geral, os espécimes do grupo "vacinados" que apresentavam títulos considerados desejáveis os mantiveram estáveis ao longo de um ano. Ainda que esses títulos desejáveis perdurem por mais de 12 meses, como é observado em cães (Appel, 1987), a revacinação anual de lobos guarás é recomendada, pois reforça o cumprimento do Programa de Medicina Veterinária Preventiva que apregoa a contenção de todo espécime cativo, pelo menos, uma vez por ano a fim de avaliar sua condição de saúde. Espécimes que apresentavam títulos abaixo do desejável mostraram soroconversão, no caso da primovacinação de filhotes "não vacinados", ou mantiveram títulos baixos e estáveis (espécimes revacinados) ao longo das coletas de sangue. As variáveis observadas no grupo de lobos guarás avaliados neste estudo (esquema de vacinação e tipos de vacina utilizada em cada zôo, número variável de amostras coletadas, idade da primovacinação de filhotes, momento da primeira coleta de sangue e idade dos filhotes na primovacinação) e o número reduzido de espécimes submetidos às mesmas variáveis não permitiram comparações que considerassem procedência, idade e sexo.

Não foi objetivo deste estudo proceder ao desafio da imunidade dos lobos guarás com amostras de campo de CDV e CPV, embora a maioria dos espécimes tenha desenvolvido títulos vacinais considerados protetores para cães domésticos. As inúmeras dificuldades encontradas para se obterem amostras de soro, e, em alguns casos, para convencer os colegas a aplicarem a VVM demonstraram a inviabilidade de realizar-se o desafio de alguns animais, pois nenhum zôo estaria disposto a ceder espécimes para tal procedimento. A tempo, ainda que a ciência exija, muitas vezes, o completo banimento da passionalidade na realização de seus feitos, não seria confortável expor uma espécie selvagem considerada "vulnerável" do ponto de vista da biologia da conservação a desafio diante de agentes sabidamente capazes de provocar sua morte, quando estudos epidemiológicos e a adoção de medidas preventivas associadas à vacinação, podem, a médio e longo prazo, atestar, indiretamente, a eficiência desta prática.

A ausência de parâmetros de títulos protetores, determinados frente a desafios, para as diversas espécies de carnívoros selvagens, não é tida como entrave nas práticas de imunização, já que muitos autores extrapolam os parâmetros adotados em cães domésticos para as demais espécies de canídeos e outros carnívoros (Barker et al., 1983; Montali et al., 1983; Green et al., 1984; Maia, 1998) ou apóiam-se em ensaios realizados com espécies aparentadas (Green et al., 1984; Harder & Osterhaus, 1997). Na literatura consultada, foi observado que, tratando-se de espécies selvagens o desafio da imunidade não é de praxe, haja vista os poucos estudos encontrados.

Não há registro de surtos de CDV ou CPV em populações selvagens de lobos guarás. O hábito solitário da espécie associado à ocupação de territórios extensos (Machado et al., 1998), com área de 25-30 km2 faz com que a densidade de indivíduos selvagens seja baixa, diminuindo, assim, a possibilidade do acometimento de um grande número de espécimes durante eventual surto. Não obstante, essas características também dificultam a obtenção de dados sanitários dos indivíduos selvagens, sendo infundadas as afirmações de que doenças como a parvovirose sejam responsáveis pela morte de muitos indivíduos ao longo da área de ocorrência natural da espécie (Ginsberg & MacDonald, 1990). Uma vez que a condição sanitária de lobos guarás selvagens é desconhecida, assim como o impacto causado por doenças virais nas diversas populações, como foi observado por outros autores em relação a outros canídeos (Johnson et al., 1994), os resultados deste estudo fornecem subsídios para adoção de medidas profiláticas, caso necessário, naquelas populações confinadas em áreas de conservação consideradas sob risco devido às fortes pressões antrópicas, caracterizadas pela perda de habitat natural para a agroindústria e pecuária, caça e expansão incessante das áreas urbanas que podem levar a um aumento no número de interações entre cães e outras espécies domésticas. Contudo, é preciso incrementar o desenvolvimento de campanhas de educação visando à preservação do habitat natural do lobo guará para que ela, assim como tantas outras espécies do cerrado, não fique fadada à exclusividade do cativeiro e os zôos se transformem em museus vivos da fauna.

Baseado nos resultados obtidos neste estudo, foi sugerida ao Comitê de Manejo do Lobo guará a adoção do seguinte programa de vacinação contra CDV e CPV:1) Filhotes de lobos guarás, nascidos em cativeiro ou sem histórico de vacinação: vacinação recomendada a partir dos 45-60 dias de vida com três doses consecutivas de vacina polivalente, em intervalos de 21-30 dias; 2) Lobos guarás adultos sem histórico de vacinação: recomendada a vacinação com duas doses consecutivas de vacina polivalente, em intervalos de 21-30 dias; 3) Lobos guarás adultos com histórico de vacinação: revacinação anual; 4) Vacinação pré-cobrição de fêmeas para conferir proteção passiva ao filhotes.

A vacinação de lobos guarás cativos contra hepatite, leptospirose e raiva é também indicada. A recomendação para vacinação contra hepatite e leptospirose baseou-se nos registros de óbito no International Studbook for the Maned Wolf, em ensaios realizados no Laboratório de Zoonoses da Escola de Veterinária da UFMG, que demonstraram a positividade de alguns espécimes às Leptospira spp. e também no grande número de roedores invasores presentes nos zôos. Em relação a raiva, há na literatura registro da ocorrência dessa doença em três espécimes cativos, não vacinados, do Zoológico de Brasília (Silva & Breckenfeld, 1968). Além disso, ainda é grande o número de espécimes de lobos guarás importados da natureza, justificando-se, assim, a vacinação.

O programa de vacinação sugerido deve, também, suscitar uma revisão nos procedimentos de imunização de lobos guarás que vêm sendo adotados a fim de reduzir o número excessivo de vacinações e, conseqüentemente, contenções desnecessárias.

AGRADECIMENTOS

Aos colegas Adriana Melo (Jardim Zoológico de Brasília), Oneida Paschoalli (Zoológico de Curitiba), Júlio César Carvalho (Zoológico Municipal de Andradas), Fernando Sousa (Parque do Sabiá) e Rafael Monteiro (Fundação Rio-Zôo), Melissa Rodden (Conservation Research Center, Smithsonian Institution) e Robyn Barbiers (Lincoln Park Zoo) coordenadoras do Maned Wolf Species Survival Plan, Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte, Parque Natural da CBBM, Laboratórios Merial e Lema Biologic do Brasil Ltda., pelas contribuições dadas a este estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2001
  • Data do Fascículo
    Out 1999

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 1999
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