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O Canadá Negro: Universal Negro Improvement Association, a Diáspora e a Amefricanidade

The Black Canada: Universal Negro Improvement Association, Diaspora and Amefricanity

Resumo

O artigo busca analisar as relações raciais no Canadá e a atuação da Universal Negro Improvement Association no país, nas primeiras décadas do século XX. Fundada por Marcus Garvey e Amy Ashwood, em 1914, na Jamaica, a organização desempenhará papel central tanto na consolidação da comunidade negra no Canadá quanto na influência de Garvey na América do Norte, após sua deportação dos EUA. Através do diálogo com autores canadenses contemporâneos dos campos da História, da Sociologia e da Literatura, o texto pretende revisitar a categoria de Amefricanidade, criada por Lélia Gonzalez, para construir uma análise dedicada ao conceito de diáspora. Destacando as tendências comparativas e transnacionais, a principal hipótese é a de que a efetiva inserção do Canadá nos debates sobre a diáspora oferece novos olhares aos fluxos e trânsitos de indivíduos negros e de suas ideias nas Américas pós-emancipação.

Palavras-chave:
Canadá; Amefricanidade; Diáspora; Relações raciais

Abstract

The article seeks to analyze race relations in Canada and the actions of the Universal Negro Improvement Association in the country in the first decades of the twentieth century. Founded by Marcus Garvey and Amy Ashwood, in 1914, in Jamaica, the organization would play a central role both in the consolidation of the black community in Canada and in Garvey’s influence in North America, after his deportation from the USA. Through dialogue with contemporary Canadian authors from the fields of History, Sociology and Literature, the article intends to revisit the category of Amefricanity, created by Lélia Gonzalez, to build an analysis dedicated to the concept of diaspora. Highlighting comparative and transnational trends, the main hypothesis is that Canada’s effective insertion in debates on diaspora offers new insights into the flows and transits of black individuals and their ideas in post-emancipation Americas.

Keywords:
Canada; Amefricanity; Diaspora; Race relations

O CANADÁ NEGRO E A AMÉFRICA

“Como posso abraçar a África depois de trinta e sete anos no Canadá? Como posso ser mais barbadense do que canadense depois de passar dois terços da minha vida em Toronto? Como faço para resistir à dermatologia da cultura canadense imbuída em mim ao longo desses anos, e ter ousadia racial para me considerar africano? E por que eu deveria? Apenas para dar ao meu protesto contornos mais nítidos? Ou, sem mais rodeios, para evitar o ferimento de ser chamado de ‘nigger’, ‘Negro’, ‘maldito jamaicano’ ou ‘índio ocidental’ [West Indian]? Eu pareço mais Africano do que canadense? Se eu permitir esse raciocínio, então eu estou dizendo que os canadenses são brancos e os africanos são negros. E se é negro, não se pode ter nascido aqui, não se pode ser canadense.”

Austin Clarke (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p. 11)

Em 1905, reuniram-se em Fort Erie, próximo às cataratas de Niágara, mulheres e homens negros dos Estados Unidos. Neste grupo estava o jovem W. E. B. Du Bois, um dos responsáveis pela organização do Niagara Movement, que depois seria rebatizado como a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP). A escolha do lado canadense da fronteira se deu devido à impossibilidade de se encontrar local que abrigasse tal encontro de mulheres e homens negros em busca de melhorias de suas condições, em solo estadunidense. Porém, apesar do encontro ter ocorrido em solo canadense, indivíduos negros não foram convidados a participar das articulações. E não foi por falta de interesse, pois canadenses negros haviam buscado contato com os organizadores do Niagara Movement (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p. 32). Analisados em perspectiva, tanto o episódio ocorrido em Fort Erie quanto a inquietude apresentada por Austin Clarke apontam para uma série de aspectos que servirão à reflexão sobre as relações raciais no Canadá e sobre os fluxos de pessoas negras através das fronteiras. Aspectos relacionados à territorialidade, aos pertencimentos ou às alienações, até questões de identidade e reconhecimento perante aqueles que supostamente deveriam ser seus semelhantes. Por estarem ligados a indivíduos - e a processos - da diáspora negra, refletir tanto sobre os aspectos territoriais quanto sobre as estratégias de identificação se faz pertinente, em relação ao conjunto de experiências exercidas na Améfrica (Gonzalez, 1988GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, ns. 92-93, pp. 69-82, 1988.).

A relação entre os negros canadenses e os povos autóctones ou originários reforça ainda mais a necessidade de se complexificar o debate teórico em torno do conceito de diáspora. Do ponto de vista do vocabulário político (Pocock, 2003POCOCK, John G. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP, 2003.; Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.) concernente às lutas antirracistas, o termo indígena esteve em circulação e disputa não apenas entre negros e povos originários, mas entre negros canadenses estabelecidos no território há diversas gerações e imigrantes recém-chegados do Caribe, dos Estados Unidos ou do continente africano ao longo da década de 1960. Segundo relato de George Elliott Clarke sobre sua juventude no final da década de 1970,

Eu provavelmente comecei a usar pessoalmente este termo, então, porque, quando estava começando a viajar para além da Nova Escócia, comecei a encontrar irmãos e irmãs negros de outras partes da diáspora africana, que se perguntariam, como muitos brancos, quem diabos eu era, afinal, e que estranha cultura negra eu possuía, quando uma gaita de foles podia me fazer chorar quase tão sentimentalmente quanto qualquer canção dolorida da Motown. Ao me identificar como um “negro indígena da Nova Escócia”, não quis desrespeitar o verdadeiro povo indígena, os Mi’kmaq, nem apagar sua reivindicação de presença originária, de uma absoluta indigeneidade. O que eu estava tentando fazer - como Borden e o ativista africadiano Dr. Burnley “Rocky” Jones - era distinguir esse pequeno e esquecido bando de africanos (mais ou menos) americanos de outros negros canadenses mais novos, porque éramos, de fato, diferentes, apesar de nossa adesão à retórica do pan-Africanismo (Clarke, 2016CLARKE, George Elliott. “Indigenous blacks”: An irreconcilable identity? 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3txsxPo . Acesso em: 9 mai. 2021.
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, traduzimos)1 1 No original: “I probably first began to use the phrase myself then, for, as I was beginning to voyage beyond Nova Scotia, I began to encounter brother and sister blacks from other parts of the African Diaspora, who would wonder, like many white folks, just who the hell was I, anyway, and what strange black culture did I possess, when bagpipes could make me weep almost as sentimentally as any Motown hurtin’ song. In identifying myself as an “indigenous Black Nova Scotian,” I meant no disrespect to the real Indigenous people, the Mi’kmaq, nor was I out to erase their claim to original presence, to an absolute indigeneity. What I was trying to do - like Borden and Africadian activist Dr. Burnley “Rocky” Jones, o.n.s., lld - was demarcate this small, forgotten band of African (more or less) Americans from other, newer Black Canadians because we were, in fact, different, despite our allegiance to the rhetoric of pan-Africanism.” .

Neste sentido, este artigo busca ampliar as possibilidades de se compreender/explicar2 2 Considero aqui as reflexões sobre a interrelação entre os exercícios de compreender e explicar no fazer historiográfico, evitando, deste modo, um esquema metodológico dicotômico entre tais operações. A este respeito, ver Catroga (2009, pp. 116-119). as lutas antirracistas e as formas de inscrição de negros e negras, alargando a Améfrica para além das fronteiras dos Estados Unidos, reavaliando o caráter afrocêntrico da categoria desenvolvida por Lélia Gonzalez (Gonzalez, 1988GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, ns. 92-93, pp. 69-82, 1988.). A partir da experiência da Universal Negro Improvement Association no Canadá, e do diálogo com autores negros canadenses contemporâneos, o texto propõe questões sobre o conceito de diáspora e as suas tendências comparativas e transnacionais. Avançar os olhares sobre a experiência negra no Canadá poderá, igualmente, contribuir para novos olhares sobre as relações raciais no Brasil, já que ambos os países compartilham de formas narrativas que buscam conciliar certa identidade nacional com as promessas de inclusão racial e étnica, seja através da “democracia racial” ou do multiculturalismo (Schwartzman, 2021SCHWARTZMAN, Luisa Farah. Canadian Multiculturalism and Brazilian Racial Democracy in Two Newspapers: (Post-?) Colonial Entanglements of Race, Ethnicity, Nationhood, and Culture. Latin American and Caribbean Ethnic Studies, n. 3, pp. 259-282, 2021.; Paschel, 2015PASCHEL, Tianna S. Becoming Black Political Subjects: Movements and Ethno-Racial Rights in Colombia and Brazil. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2015.; Costa, 1985COSTA, Emilia Viotti da. The Myth of Racial Democracy, A Legacy of the Empire. In: The Brazilian Empire: Myths and Histories. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1985. pp. 234-248.). Mapear os processos históricos e sociológicos das respostas institucionais e de movimentos sociais ao racismo estrutural no Canadá reforçará e ampliará as reflexões sobre o caráter integrado e extensivo das Américas que vêm sendo construídas em diversos centros de pesquisa (Jaumain; Lehman-Frisch, 2021JAUMAIN, Serge; LEHMAN-FRISCH, Sonia. Introduction. A Brief Overview of “American Studies” in Western Europe. IdeAs [Online], n. 17, pp. 1-3, 2021. ).

Ao abordar os falares dos negros nas Américas, e mais especificamente no Brasil, Lélia Gonzalez cunhou a categoria de “pretoguês” para designar as transformações operadas pelas populações negras amefricanas diante do contato entre os troncos linguísticos trazidos do continente africano e as línguas de suas antigas metrópoles (Gonzalez, 1988GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, ns. 92-93, pp. 69-82, 1988.). A categoria permite uma aproximação com a experiência do Canadá, através das críticas direcionadas a uma premiada obra do escritor canadense, nascido em Barbados, Austin Clarke. The Polished Hoe, obra vencedora do prêmio Scotiabank Giller de 2002, concedido a obras de escritore(a)s canadenses, acumulou prêmios e gerou críticas positivas na imprensa canadense. No entanto, também deu margem a questionamentos sobre o pertencimento de Adam Clarke ao cânone nacional. Em entrevista de Clarke concedida a Jeffrey Brown, da PBS, em setembro de 2003BROWN, Jeffrey. Jeffrey Brown Discusses the Award-Winning Novel “The Polished Hoe” with its Author Austin Clarke. 5 set. 2003. Disponível em: Disponível em: https://to.pbs.org/3exG1WZ . Acesso em: 9 mai. 2021.
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, o entrevistador destacou que “há uma mistura em seu livro de uma espécie de... Eu chamaria de linguagem quase altamente poética, uma linguagem muito formal, e então, um dialeto, a maneira como eles falavam um com o outro.” (Brown, 2003BROWN, Jeffrey. Jeffrey Brown Discusses the Award-Winning Novel “The Polished Hoe” with its Author Austin Clarke. 5 set. 2003. Disponível em: Disponível em: https://to.pbs.org/3exG1WZ . Acesso em: 9 mai. 2021.
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, traduzimos)3 3 No original: “There is a mix in your book of a kind of… I would call it almost a high poetic language, a very formal language, and then a dialect, the way they would talk to each other.” . Em um país que se autointitula uma democracia multicultural e valoriza a diversidade linguística oficialmente desde 1971 (Brosseau; Dewing, 2009BROSSEAU, Laurence; DEWING, Michael. Canadian Multiculturalism. 2009. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3eYqvCk . Acesso em: 9 mai. 2021.
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, p. 2), considerar os falares próprios de indivíduos negros a partir da categoria dialeto aponta para os questionamentos sobre a materialidade do multiculturalismo canadense cinquenta anos após a sua adoção, sob a liderança do primeiro-ministro Pierre Elliott Trudeau (Bell; Hartmann, 2007BELL, Joyce M.; HARTMANN, Douglas. Diversity in Everyday Discourse: The Cultural Ambiguities and Consequences of “Happy Talk”. American Sociological Review, v. 72, pp. 895-914, 2007. ; Hooker, 2008HOOKER, Juliet. Afro-descendant Struggle for Collective Rights in Latin America: Between Race and Culture. Souls: A critical Journal of Black Politics, Culture, and Society, v. 10, n. 3, pp. 279-291, 2008. ; Thobani, 2007THOBANI, Surena. Exalted Subjects: Studies in the Making of Race and Nation in Canada. Toronto: University of Toronto Press , 2007.; Winter, 2015WINTER, Elke. Rethinking Multiculturalism after its “Retreat”: Lessons from Canada. American Behavioral Science, v. 59, n. 6, pp. 637-657, 2015.).

Quando Lélia Gonzalez escreveu a respeito dos aportes linguísticos que a diáspora exerceu no português do Brasil, ela referia-se à diáspora africana ocorrida até o século XIX e aos falares Bantos e Iorubás, que adicionaram características tonais e rítmicas, bem como eclipsaram consoantes, tais como o L ou o R (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia González em primeira pessoa. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 330). Ao propor a categoria da amefricanidade, Lélia busca ultrapassar limites territoriais e ideológicos em direção à Améfrica (do Sul, Central, Norte e insular), tendo em vista seus processos (de adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas), que são, segundo a autora, “afrocentrados” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia González em primeira pessoa. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 329). Sendo o “pretoguês” um produto das interações entre o Brasil e a região centro-africana, sobretudo, quais seriam os fatores que compuseram os falares negro-canadenses compostos por Clarke, um barbadiano, em The Polished Hoe? Quais seriam os processos “afrocentrados” na obra de Austin Clarke? A epígrafe deste texto nos leva, entretanto, a uma reflexão sobre qual seria o centro do processo de transformação cultural ocorrido. Qual o lugar da África em uma sociedade que se construiu a partir de outras matrizes diaspóricas, as quais se intensificam ao longo do século XX? E esta reflexão deve considerar qual o topos da África não apenas no processo, mas enquanto centro do processo.

Em entrevista concedida ao Pasquim em 1985, ao comentar sobre o “pretoguês”, Lélia Gonzalez afirmou que, como as “línguas africanas não são consideradas línguas, mas sim “dialetos”, é óbvia a postura etnocêntrica, racista, que se apoia num evolucionismo linear idiota” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia González em primeira pessoa. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 288). O que creio que deva ser destacado em função dos debates teóricos, neste caso, é que o jogo local das forças externas as quais caracterizam/qualificam as formas negras, culturais e políticas, dispersas na diáspora, importa mais do que a busca por um centro único ou por uma origem. Isto não significa, contudo, deixar de lado as similitudes possíveis diante das operações da colonialidade (Lander, 2005LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur. Buenos Aires: CLACSO, 2005.) ou das conexões transnacionais. Há que se atentar às articulações e às diferenças (Hall, 1980HALL, Stuart. Race, Articulation, and Societies Structured in Dominance. In: UNESCO. Sociological Theories: Race and Colonialism. Paris: UNESCO, 1980. pp. 305-343. ).

Tanto na avaliação de Lélia Gonzalez quanto no caso das críticas recebidas por Austin Clarke, a branquitude opera propondo uma leitura enviesada. Ambos os casos apontam para um sistema de opressão global e transnacional, que se expressa em sua colonialidade e verte seus ataques a indivíduos negros através dos séculos. E, neste caso, pouco importa se estes indivíduos se referem às suas origens de forma “afrocentrada” ou obliteram a África e o Caribe em nome de uma identidade de fundo nacional. Mesmo reivindicando seu lugar de canadense, Clarke permanece sendo lido pela chave do “dialeto”, logo, “estrangeiro”. De que forma podemos reposicionar a categoria político-cultural da Amefricanidade diante de uma contranarrativa histórica universalista e do relativismo cultural, para retomarmos o debate iniciado pelo professor Paulo Fernando de M. Farias (2003FARIAS, Paulo F. de Moraes. Afrocentrismo: entre uma contranarrativa histórica universalista e o relativismo cultural. Afro-Ásia, Bahia, n. 29-30, pp. 317-343, 2003.)?

Durante a década de 1950, no Canadá, houve quem afirmasse que os negros canadenses, e mais especificamente aqueles da Nova Escócia, possuíam um “sotaque do sul [dos Estados Unidos]” (Clarke, 2002CLARKE, George Elliott. Odysseys Home: Mapping African-Canadian Literature. Toronto: University of Toronto Press, 2002., p. 71). E tal conclusão era proposta mesmo que a última grande migração do sul dos Estados Unidos para o norte de sua fronteira tenha ocorrido em 1812, posteriormente às guerras de independência dos Estados Unidos. Rinaldo Walcott, ao comentar o lugar da nostalgia na obra de Dionne Brand e Cecil Foster, problematiza que “um dos desafios da arte negra canadense contemporânea é ultrapassar o discurso de nostalgia de um outro lugar e abordar a política de sua localidade atual” (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., pp. 45-46). É, contudo, evidente que, em se tratando de populações envolvidas em diásporas, não está se cobrando um apagamento do passado, ou as devidas referências à ancestralidade. Entretanto, é fundamental superar concepções temporais que, muitas vezes, estão envoltas em um anseio nostálgico, segundo o qual o “passado” é articulado de forma que se negligenciam a política do presente e do local atual. Além disso, convém sempre refletir sobre qual passado, o porquê e para que o estamos acessando. É sempre bom termos como referência a frase de Ailton Krenak, que sugere que o “futuro é ancestral” (Krenak, 2021KRENAK, Ailton. Roda Viva: Ailton Krenak. 19 abr. 2021 (92 min. 41 seg.). Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BtpbCuPKTq4 . Acesso em: 1 mai. 2021.
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).

O que estas questões nos apresentam, do ponto de vista das reflexões teóricas sobre a diáspora, é a necessidade de considerarmos experiências da amefricanidade que dialoguem de forma a complexificar a centralidade dada à África por Lélia Gonzalez. Não obstante, ampliar, para o extremo norte das Américas, o alcance do que Lélia chamou de Améfrica Ladina, é fundamental para que realoquemos nossas diásporas e nossa amefricanidade. A própria autora afirma que, “assumindo nossa amefricanidade, podemos ultrapassar uma visão idealizada, imaginada ou mitificada de África e, ao mesmo tempo, voltar nosso olhar para a realidade em que vivem todos os amefricanos do continente” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia González em primeira pessoa. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018., p. 331).

A amefricanidade, neste sentido, abrigaria também experiências as quais buscam sua sobrevivência diante da afirmação de sua especificidade e da primazia de seu caráter nacional, partindo de um diálogo menos centrado na África, mas nem por isso menos global ou transnacional. O Canadá permite combinações teórico-metodológicas que em muito podem enriquecer os estudos culturais, de forma geral. Segundo Rinaldo Walcott, por ter sido, de alguma maneira, um santuário para negros escravizados em fuga, destino de migrantes caribenhos e, mais recentemente, de migrantes continentais africanos, no pós-emancipação e no pós-independências, a “multiplicidade das experiências negras no Canadá colidem de maneiras instrutivas para a atual teorização diaspórica” (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p. 40). Neste sentido, a reflexão sobre a amefricanidade e a “afrocentricidade”, a partir dos fluxos diaspóricos do Canadá, deve levar em consideração a forte e marcante presença caribenha, tanto aquela que chega por vias continentais quanto a que chega pelas vias Atlânticas. Por ter somente recebido um fluxo migratório considerável de indivíduos oriundos do continente africano a partir da década de 1960, alguns cuidados devem ser tomados. Utilizar um conceito de diáspora, que considera o fluxo de pessoas a partir de origens comuns, ou estáveis, seguindo as formulações iniciais deste conceito, fortemente ligadas à experiência judaica, revela-se problemático (Shepperson, 1976SHEPPERSON, George. Introduction. In: KILSON, Martin L.; ROTBERG, Robert I. (Orgs.). The African Diaspora: Interpretative Essays. Cambridge, Massachusetts; London: Harvard University Press , 1976.).

A UNIA E O INTERNACIONALISMO NEGRO NO CANADA, 1919-1940

Se remontarmos às experiências da Universal Negro Improvement Association (UNIA) no Canadá, teremos outra oportunidade de compreender a complexidade da diáspora e do topos África para os negros canadenses, bem como suas relações com o Caribe e com os caribenhos. A partir dos trabalhos de Dionne Brand (1991BRAND, Dionne. No Burden to Carry: Narratives of Black Working Women in Ontario, 1920s-1950s. Toronto: Women’s Press, 1991.), Robin Winks (1997WINKS, Robin W. The Blacks in Canada: A History. Montréal: McGill-Queen’s University Press, 1997.) e Carla Marano (2010MARANO, Carla. “Rising Strongly and Rapidly”: The Universal Negro Improvement Association in Canada, 1919-1940. Canadian Historical Review, v. 91, n. 2, pp. 234-259, 2010.; 2014MARANO, Carla. “We All Used to Meet at the Hall”: Assessing the Significance of the Universal Negro Improvement Association in Toronto, 1900-1950. Journal of the Canadian Historical Association/Revue de la Société historique du Canada, v. 25, n. 1, pp. 143-175, 2014.; 2018MARANO, Carla. “For the Freedom of the Black People”: Case Studies on the Universal Negro Improvement Association in Canada, 1900-1950. Dissertation (PhD in History), University of Waterloo. Waterloo, 2018. ) sobre a presença da UNIA no Canadá, destacaremos alguns aspectos desta organização e seus membros. Ainda em relação aos deslocamentos de indivíduos negros no mundo, cabe destacarmos que, de forma semelhante a diversas Repúblicas liberais do início do século XX, o Canadá buscou limitar ao máximo a entrada de negros em seu país (Cook-Martín; Fitzgerald, 2014COOK-MARTÍN, David; FITZGERALD, David Scott. Culling the Masses: The Democratic Origins of Racist Immigration Policy in the Americas. Cambridge, Massachusetts; London: Harvard University Press, 2014., p. 141). Em 1908, o líder da oposição canadense Robert Borden afirmava que o “Partido Conservador luta por um Canadá branco”. Em reação, o governo liberal implementou restrições migratórias com o intuito de preservar o Canadá para “as raças do norte” (Walker, 1984WALKER, James W. St. G. The West Indians in Canada. Ottawa: Canadian Historical Association, 1984., p. 9).


Imigração do Caribe anglófono para o Canadá, 1900-1979

Fundada por Marcus Garvey e por sua esposa à época, Amy Ashwood Garvey, no ano de 1914, na Jamaica, a UNIA se estabeleceu nos Estados Unidos em 1916 (Grant, 2008GRANT, Colin. Negro with a Hat: The Rise and Fall of Marcus Garvey. New York: Oxford University Press, 2008.; Ewing, 2014EWING, Adam. The Age of Garvey: How a Jamaican Activist Created a Mass Movement and Changed Global Black Politics. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 2014.). Garvey afirmava que, nas Índias Ocidentais4 4 Adotei, neste caso, a tradução literal de West Indies, classificação que, contudo, revela estruturas do colonialismo britânico na região insular da América Central. ,

o preconceito de classe traz divisões à raça e deixa os mais pobres praticamente sem educação, liderança e orientação financeira, e mais do que isso, os negros [Negroes] e mulatos [mulattos] de melhor classe se alinham com os poucos brancos de verdade para manter os negros [blacks] em “seus lugares”, o que significa abaixo de tudo - nos estratos mais baixos (Garvey; Essien-Udom; Garvey, 1977GARVEY, Marcus; ESSIEN-UDOM, Essien Udosen; GARVEY, Amy Jacques (Orgs.). More Philosophy and Opinions of Marcus Garvey. London; Totowa, N.J.: Cass, 1977., p. 184).

É possível afirmar, portanto, que Garvey reconhecia a associação entre raça e classe no processo de opressão ao qual os negros estavam submetidos no Caribe. Como afirma Robert Hill, Garvey e a UNIA simbolizam, no nível mais simples, o

encontro histórico entre duas tradições políticas: aquela da construção e reforço de uma consciência social de trabalhadores e do campesinato ligada às demandas de autogoverno, e a do fortalecimento da consciência racial diante do racismo na busca por justiça da comunidade afro-americana (Hill, 1991HILL, Robert A. (Org.). The Marcus Garvey and Universal Negro Improvement Association Papers. Vol. VII. Berkeley: University of California Press, 1991., xxxvi).

Ainda que, após sua instalação nos Estados Unidos, o discurso sobre as questões de classe tenha arrefecido, centrando-se na primazia da raça, essas duas tradições ajudaram a tornar o Garveyismo um dos mais fortes movimentos antirracistas e anticoloniais do século XX.

Durante as décadas de 1920 e 1930, quinze filiais da UNIA foram abertas no Canadá. Os canadenses negros, especialmente aqueles que - mesmo através dos Estados Unidos - emigraram do Caribe anglófono nessa época, foram atraídos por sua filosofia e apoiaram a expansão da UNIA, fazendo destes locais espaços de sociabilidade e manutenção de práticas e códigos ancestrais. A primeira filial canadense da UNIA foi aberta em 1918, em Glace Bay, Nova Escócia. A filial de Toronto foi aberta em 1919 e diversas localidades foram visitadas por Garvey. Um de seus famosos discursos proferidos em uma destas visitas, em 1937, inspirou posteriormente uma canção do cantor Bob Marley5 5 No original: “We are going to emancipate ourselves from mental slavery because whilst others might free the body, none but ourselves can free the mind. Mind is your only ruler, sovereign. The man who is not able to develop and use his mind is bound to be a slave of the other man who uses his mind, because man is related to man under all circumstances for good or ill.”. Cf. Robert Hill, 1991, pp. 788-794. . A UNIA teve também um papel fundamental na mobilização política de mulheres por espaços de destaque no interior da organização - ainda que estes postos correspondessem a locais marcados pelas percepções contemporâneas de gênero.

Somente as mulheres podiam administrar a seção do Juvenille Branch, por exemplo, dedicada ao ensino e ao cuidado de crianças, pois acreditava-se que possuíam habilidades inerentes para ensinar mentes jovens. Cursos profissionalizantes, entretanto, também eram oferecidos para jovens e adultos negros de ambos os gêneros (Bertley, 1982BERTLEY, June. The Role of the Black Community in Educating Blacks in Montreal, from 1910 to 1940, with Special Reference to Reverend Dr. Charles Humphrey Este. Thesis (Master of Arts) - Faculty of Education, McGill University. Montreal, 1982. , p. 70). Da mesma forma, a divisão de Black Cross Nurses era apenas para mulheres, porque a enfermagem era considerada uma profissão feminina, dado o seu (suposto) conhecimento inato de higiene, cura e nutrição. Na mesma linha, a Universal African Legion, que era estritamente para homens, exigia que seus membros se vestissem com trajes militares e realizassem exercícios que expressavam e valorizavam símbolos militaristas e imperiais. Os seguidores da UNIA aceitaram e celebraram amplamente esses papéis de gênero, o que deu aos membros um senso de orgulho e propósito.

No início dos anos 1900, masculinidade e feminilidade eram estritamente definidas por ideais brancos de classe média, sendo a masculinidade medida pela capacidade do homem de sustentar e proteger sua família, enquanto a maternidade e a domesticidade refletiam o modelo de mulher (Wane, 2002WANE, Njoki Nathani. Back to the Drawing Board: African-Canadian Feminisms. Toronto: Sumach Press, 2002.). Para os negros da classe trabalhadora, a realidade era que tanto homens quanto mulheres tiveram que entrar na força de trabalho remunerada para sustentar suas famílias. As condições socioeconômicas impediram que os homens se tornassem os únicos responsáveis pela família e proibiram as mulheres negras de ficar em casa para criar os filhos. Os papéis oferecidos pela UNIA, porém, permitiram que homens e mulheres negras da classe trabalhadora reivindicassem as qualidades que definiam a masculinidade e a feminilidade para brancos e pessoas de classe média. Como explica Leo Bertley, as várias funções da UNIA permitiram que seus membros “aumentassem sua autoestima e moral”, enquanto os títulos que lhes foram conferidos, como “Senhora Presidente” [Lady President] ou “Capelão” [Chaplain], certamente “ajudaram os imigrantes das Índias Ocidentais a reforçar sua autoestima” (Bertley, 1980BERTLEY, Leo W. The Universal Negro Improvement Association of Montreal, 1917-1979. Dissertation (PhD in History), Concordia University. Montreal, 1980., pp. 268-269; Hill, 1991HILL, Robert A. (Org.). The Marcus Garvey and Universal Negro Improvement Association Papers. Vol. VII. Berkeley: University of California Press, 1991., pp. 3, 315).

Uma das integrantes da UNIA, Violet Blackman, residente em Toronto, Canadá, elogiou Garvey por despertar seu interesse no ativismo racial. Blackman, que se mudou dos Estados Unidos para Toronto em 1920, juntou-se à UNIA pela primeira vez nesta cidade. “Você não conseguia nenhuma posição”, disse Blackman, “independentemente [de] quem você era e quão educado você era, exceto o trabalho doméstico, porque mesmo se o empregador o empregasse, aqueles com quem você tinha que trabalhar não trabalhariam contigo” (Brand, 1991BRAND, Dionne. No Burden to Carry: Narratives of Black Working Women in Ontario, 1920s-1950s. Toronto: Women’s Press, 1991., pp. 37-50). Como outros homens e mulheres negros no Canadá deste período, Blackman voltou-se para o movimento a fim de garantir direitos e oportunidades iguais. Até arrecadar todo dinheiro para a compra do salão da UNIA em Toronto, ela organizava a maioria dos eventos em sua casa. Também integrou o coral da organização, nunca faltou a uma missa de domingo, dirigiu o programa infantil de escolas dominicais e fundou o Ladies Committee da divisão, do qual era presidente, ajudando mulheres negras mais jovens que buscavam empregos na área. “A UNIA era meu coração, minha alma e minha vida” (Brand, 1991BRAND, Dionne. No Burden to Carry: Narratives of Black Working Women in Ontario, 1920s-1950s. Toronto: Women’s Press, 1991., pp. 40-41, 44).

No início da década de 1930, havia cinco filiais nas Províncias Marítimas, uma em Montreal, Quebec, quatro em Ontário, três em Alberta e duas na Colúmbia Britânica. Todas as filiais da UNIA abriram salões que serviam tanto como locais de reunião política quanto como centros comunitários e sociais. Este foi um benefício importante para os membros das comunidades negras, porque, muitas vezes, experimentavam a segregação e não eram bem-vindos em locais brancos. As filiais da UNIA tiveram importância central no estabelecimento e na consolidação da comunidade negra no Canadá (Marano, 2018MARANO, Carla. “For the Freedom of the Black People”: Case Studies on the Universal Negro Improvement Association in Canada, 1900-1950. Dissertation (PhD in History), University of Waterloo. Waterloo, 2018. ).


Distribuição da população caribenha no Canadá, 1981. James St. G. Walker.

Em janeiro de 1922, Garvey foi preso por agentes federais nos Estados Unidos e acusado de fraude postal, por ter anunciado a venda de ações de um navio, o Orion, que a Black Star Line ainda não possuía. Após sua libertação, em novembro de 1927, Garvey foi deportado via Nova Orleans para a Jamaica. De forma geral, a sua prisão se desdobrou em cisões e afastamentos entre seus apoiadores caribenhos e negros dos Estados Unidos. Garveyistas canadenses, entretanto, permaneceram leais a Garvey e as divisões receberam novos estatutos sob o novo nome da organização. Nesse ponto, como sugere Carla Marano, o Canadá começou a desempenhar um papel mais importante dentro da organização.

Garvey passou a usar o Canadá como porta de entrada para a América do Norte. Ele fez várias viagens ao Canadá durante a década de 1930 e as usou como uma oportunidade para alcançar seus seguidores dos Estados Unidos. Em 1936 e 1937, Toronto realizou duas conferências da UNIA, seguidas por uma convenção internacional, em 1938, atraindo participantes de toda a América do Norte. Garvey também começou a mudar sua retórica para revitalizar o movimento e reconquistar apoiadores na América do Norte. Como o acordo com a Libéria havia fracassado, passou a minimizar a necessidade de uma nação totalmente negra sediada na África e, ao invés disso, encorajou os negros a desenvolverem sentimentos patrióticos para com suas terras natais. Isso incluía uma retórica de que buscassem tirar o melhor proveito de todas as oportunidades que seus governos e empregadores lhes oferecessem (Hill, 1991HILL, Robert A. (Org.). The Marcus Garvey and Universal Negro Improvement Association Papers. Vol. VII. Berkeley: University of California Press, 1991., pp. 7, 775, 790).

Garvey atenuou seu discurso da pureza racial, percebendo que a população “mestiça” da Jamaica era bastante integrada politicamente e mantinha certa adesão a determinado sentimento de britanidade (Rush, 2011RUSH, Anne Spry. Bonds of Empire: West Indians and Britishness from Victoria to decolonization. Oxford: Oxford University Press , 2011., p. 103). Também convidou os jamaicanos a serem “súditos obedientes e britânicos gratos, para exigir seus direitos não por revolução, mas por métodos constitucionais de apelo ao Parlamento” (Garvey; Essien-Udom; Garvey, 1977GARVEY, Marcus; ESSIEN-UDOM, Essien Udosen; GARVEY, Amy Jacques (Orgs.). More Philosophy and Opinions of Marcus Garvey. London; Totowa, N.J.: Cass, 1977., pp. 174, 185). Segundo aponta Melissa Shaw, durante a Primeira Guerra Mundial, ao longo do processo de construção de uma consciência racial entre negros canadenses e de suas demandas por fazerem parte do exército, George Morton, membro da comunidade negra de Ontário, escreveu ao ministro da Defesa, Sir Sam Hughes, afirmando que se encontrava “perturbado” diante do impedimento de que indivíduos negros se alistassem, considerando que tais indivíduos estavam “ansiosos para servir o seu Rei e a seu país neste momento crítico de sua história” (Shaw, 2016SHAW, Melissa N. “Most Anxious to Serve their King and Country”: Black Canadians’ Fight to Enlist in WWI and Emerging Race Consciousness in Ontario, 1914-1919. Histoire sociale/Social History, v. 49, n. 100, pp. 543-580, 2016. , pp. 554-555). Neste sentido, o Canadá também se apresenta enquanto campo privilegiado para a apreensão das transformações no vocabulário político garveyista em relação à diáspora negra.

No Canadá, as filiações à UNIA correspondiam tanto aos aspectos das identidades raciais e étnicas quanto às identidades de classe. Seus membros eram formados em sua maioria por caribenhos e, em menor número, por negros imigrantes que atravessavam as fronteiras do norte dos Estados Unidos. Os canadenses negros não representavam filiações significativas na UNIA, e as razões para isto sugerem reflexões que passam pelas diferentes experiências negras em território canadense. De maneira geral, a população negra estabelecida no Canadá desde o século XIX era minoritária e esparsa. Em 1921, a população negra do Canadá correspondia a 0,2%. Segundo Robin Winks, a política da organização do garveyismo chocava-se com alguns aspectos das identidades de canadenses negros. No ato de sua criação, em 1919, a UNIA fez face a algumas organizações locais de Montreal, como a Colored Political Protection Association, que possuía ampla adesão dos negros canadenses, e a Association of Universal Loyal Negroes, frequentadas, em grande medida, por indivíduos negros nascidos nos Estados Unidos. No início da década de 1920, diante do êxodo de negros canadenses em fuga das condições adversas no campo, a UNIA cresceu junto com a adesão de caribenhos, transformando-se em um poderoso instrumento de protesto tanto em Quebec quanto na Nova Escócia (Winks, 1997WINKS, Robin W. The Blacks in Canada: A History. Montréal: McGill-Queen’s University Press, 1997., p. 414).

A filosofia do race first, que fora fortemente implementada e difundida nos Estados Unidos, não encontrou território fértil para florescer entre os negros canadenses. Isto ocorreu pois, dadas as altas taxas de contato entre negros, indígenas, brancos e “não brancos”, de maneira geral, a noção de “pureza racial” - ou qualquer essencialismo ligado ao que se entendia por raça no início do século XX, na América do Norte - não oferecia apelo aos negros canadenses. Se, ao sul da fronteira, Garvey assegurava a mobilização de seus filiados a partir de suas críticas ao “negro de pele clara” Du Bois, reforçando aspectos que podem ser ligados ao colorismo (Devulsky, 2021DEVULSKY, Alessandra. Colorismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.) e reificando tonalidades de pele retintas, nos territórios canadenses, organizações ligadas à NAACP se fortaleciam desde o fim da Primeira Guerra Mundial, com forte adesão de canadenses negros, em coalizão com setores brancos da população (Shaw, 2016SHAW, Melissa N. “Most Anxious to Serve their King and Country”: Black Canadians’ Fight to Enlist in WWI and Emerging Race Consciousness in Ontario, 1914-1919. Histoire sociale/Social History, v. 49, n. 100, pp. 543-580, 2016. ). Sua retórica próxima da cultura religiosa do Harlem, que exacerbava aspectos do etiopianismo (Adi, 2018ADI, Hakim. Pan-Africanism: A History. London: Bloomsbury, 2018., p. 16), somada às críticas direcionadas ao reverendo M. J. Divine, que gozava de adesão entre os negros canadenses e pregava sermões que obliteravam questões raciais, também afastavam alguns dos negros canadenses dos salões da UNIA (Winks, 1997WINKS, Robin W. The Blacks in Canada: A History. Montréal: McGill-Queen’s University Press, 1997., p. 415).

Em obra que coletou diversos relatos orais de ex-integrantes da UNIA no Canadá, Dionne Brand contribui para um quadro mais complexo da diáspora caribenha ao norte da América, sobretudo em relação à formação do tecido social negro no Canadá da primeira metade do século XX. Em depoimento para o livro No Burden to Carry, Eleanor Hayes, filha de pais das Índias Ocidentais, afirma que “se você é filha de uma família das Índias Ocidentais nascida em solo canadense, jamais poderia alcançar os níveis sociais e econômicos que seus pais haviam deixado pra trás” (Brand, 1991BRAND, Dionne. No Burden to Carry: Narratives of Black Working Women in Ontario, 1920s-1950s. Toronto: Women’s Press, 1991., p. 210). Isto se dava não apenas por conta das barreiras raciais impostas pela branquitude canadense, mas, sobretudo, devido às diferenças de qualificação educacional e profissional trazidas pelos caribenhos. Era comum que negros caribenhos chegassem à América do Norte com vasta experiência em organizações de trabalhadores ou associações de classe, e até mesmo algum grau de educação básica. Grande parte destes indivíduos haviam passado pelo processo de construção do canal do Panamá, o que gerou uma série de transformações políticas e ideológicas na virada do século XIX, na região caribenha (James, 1999JAMES, Winston. Holding Aloft the Banner of Ethiopia: Caribbean Radicalism in Early Twentieth-Century America. New York: Verso, 1999., pp. 70-72). Entretanto, apenas havia vagas para ocupações que não exigissem qualificação, consequentemente, em situações precárias de trabalho e remuneração (Newton, 1984NEWTON, Velma. The Silver Men: West Indian Labour Migration to Panama, 1850-1914. Mona, Jamaica: Institute of Social and Economic Research, University of the West Indies, 1984.; Ngai, 2004NGAI, Mae N. Impossible Subjects: Illegal Aliens and the Making of Modern America. Princeton: Princeton University Press, 2004.).

No que tange à participação destes caribenhos, a possibilidade de contribuírem com publicações ou organização de eventos aumentou o engajamento deste grupo na UNIA. Somado a isso, tendo em vista suas perspectivas transnacionais formadas no intenso fluxo destes indivíduos intra-Caribe, bem como uma relação mais forte com o colonialismo britânico e com outras metrópoles imperiais, este grupo também conseguiu imprimir um olhar mais global e conectado ao garveyismo no Canadá. Neste sentido, diversos postos de liderança eram ocupados por estes indivíduos (James, 1999JAMES, Winston. Holding Aloft the Banner of Ethiopia: Caribbean Radicalism in Early Twentieth-Century America. New York: Verso, 1999., pp. 78-89). Entretanto, ao chegarem no Canadá, caribenhos, apesar de todas estas qualificações, formavam uma minoria no local, sendo, muitas vezes, representados como radicais, diante do tipo de relação estabelecida usualmente entre canadenses brancos e indivíduos negros. Neste sentido, sua filiação às seções da UNIA fortalecia os laços caribenhos, permitindo-lhes exercer sociabilidades mais imediatamente conectadas com sua terra natal (Marano, 2010MARANO, Carla. “Rising Strongly and Rapidly”: The Universal Negro Improvement Association in Canada, 1919-1940. Canadian Historical Review, v. 91, n. 2, pp. 234-259, 2010., p. 246).

Nuances da questão racial podem ser percebidas a partir da comparação entre a UNIA, com forte adesão da classe trabalhadora, e a Canadian League for the Advancement of Colored People - CLAP, com grande participação da classe média. Inspirados na NAACP, liderada à época por Du Bois, buscavam melhoria nas condições econômicas, sociais e industriais dos povos negros, por meio da cooperação inter-racial. Além disso, os membros da CLAP discordaram veementemente da filosofia de Garvey de uma “África para os africanos”, argumentando que “África é a casa dos nossos antepassados, mas o Canadá é a nossa própria casa” (Marano, 2010MARANO, Carla. “Rising Strongly and Rapidly”: The Universal Negro Improvement Association in Canada, 1919-1940. Canadian Historical Review, v. 91, n. 2, pp. 234-259, 2010., p. 243). Em 1932, uma ex-integrante da UNIA, Mittie Maude Lena Gordon, ativista originária da Louisiana, estabeleceu o Peace Movement for Ethiopia (PME) nos fundos de seu restaurante, em Chicago, cidade na fronteira norte dos Estados Unidos. Na presença de seu marido, William, e de doze outros homens e mulheres negros, Gordon redigiu a declaração de missão da organização, endossando a emigração negra à África do Oeste, a autodeterminação política negra e a “confraria entre todas as raças escuras [dark races]”. Segundo demonstra Keisha Blain, é possível identificar uma série de conexões entre o PME e os militantes negros ligados à UNIA no Canadá (Blain, 2018BLAIN, Keisha N. Set the World on Fire: Black Nationalist Women and the Global Struggle for Freedom. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2018.).

Para muitas mulheres negras que participavam de organizações negras transnacionais, a Libéria representava o local ideal, devido aos seus laços com os afro-americanos e à sua posição de destaque como uma das duas únicas nações africanas independentes durante esse período - a outra era a Etiópia, que, em 1935, seria invadida pela Itália, desencadeando uma massiva campanha transnacional de apoio à causa Pan-Africana (Mattos, 2019MATTOS, Pablo de Oliveira de. George Padmore e C. L. R. James: A invasão da Etiópia, Pan-africanismo e a opinião africana internacional. RTH: Revista de Teoria da História, v. 22, n. 2, pp. 137-176, 2019. ). O curioso é que, diferente de outras organizações negras transnacionais, como a International African Friends of Ethiopia, com destaque para Amy Ashwod Garvey, sediada em Londres, a PME não se envolveu concretamente nos esforços antifascistas em apoio ao estado etíope. Logo em seguida à invasão, os desejos de emigração e formação de uma nação exclusivamente negro-africana, por sua vez, voltaram-se para a Libéria. De forma semelhante, contudo, o Canadá também gozava de certo prestígio entre negros e negras desde a segunda metade do século XIX. Como é possível se perceber a partir do romance Blake, or the Huts of America, escrito por Martin Delany entre 1859 e 1862, como resposta a outro romance, o de Harriet Beecher Stowe, Uncle Tom’s Cabin, de 1855, o território ao norte dos Estados Unidos representava a esperança de liberdade.

Também é possível se identificar uma ambivalência nas avaliações de Delany sobre o quão livre seria este Canadá em The Condition, Elevation, Emigration and Destiny of the Coloured People of the United States (1852), em que revelou tanto o seu fascínio quanto o seu medo com relação às potencialidades do Canadá. No texto, argumenta que o Canadá seria um dos melhores lugares para os negros escaparem, até que uma pátria nacional fosse possível. A ambivalência de Delany em relação ao Canadá foi articulada por meio do que ele acreditava ser não apenas a possível anexação do Canadá pelos Estados Unidos, mas também do que era visto por ele como “uma tendência manifesta da parte dos canadenses em geral, ao americanismo” (Delany, 1852DELANY, Martin Robison. The Condition, Elevation, Emigration, and Destiny of the Coloured People of the United States, Politically Considered. Philadelphia: Published by the Author, 1852. , p. 174). Esta dualidade é astutamente expressa em suas observações sobre o que considera ser a subserviência canadense aos americanos, apontando para o impacto que tanto a proximidade de fronteiras quanto a diáspora dos negros norte-americanos causavam no Canadá. Rinaldo Walcott, no que pode ser interpretado como um diálogo direto com o primeiro capítulo do livro O Atlântico Negro, de Paul Gilroy, atribui a esta presença e às articulação de Delany, na cidade de Chatham, o “passaporte” para que o Canadá seja integrado às rotas do Atlântico Negro, ainda que considerando as referências terrestres e continentais do contato Canadá-Estados Unidos (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p 34).

Ao longo do fluxo migratório de caribenhos durante a Primeira Guerra, a comunidade negra de Toronto começa a se fortalecer e a se estabelecer. Aspecto marcante entre os indivíduos que migravam do Caribe rumo à América do Norte era a referência à busca por “aventuras”; para além, é claro, da motivação principal, a econômica. Esta busca por aventuras pode ser interpretada como um traço marcante da formação de uma masculinidade atlântica nas primeiras décadas do século XX (Chamberlain, 2009CHAMBERLAIN, Mary. Family Love in the Diaspora: Migration and the Anglo-Caribbean Experience. Abingdon: Routledge. 2009., pp. 91-112). No caso destes indivíduos negros em territórios de forte influência britânica (Rush, 2011RUSH, Anne Spry. Bonds of Empire: West Indians and Britishness from Victoria to decolonization. Oxford: Oxford University Press , 2011.), produziram-se diálogos interessantes e complexos com modelos de masculinidade vitoriana, o que permite articular, ao se estudarem os fluxos das diásporas, aspectos de gênero a fatores econômicos, sociais e raciais (Stephens, 2005STEPHENS, Michelle Ann. Black Empire: The Masculine Global Imaginary of Caribbean Intellectuals in the United States, 1914-1962. Durham: Duke University Press, 2005.). Concentrar-se nas análises deste intenso fluxo de pessoas em um período no qual os traços da escravidão permaneciam fortemente presentes na Améfrica oferece ótimas oportunidades para que as solidariedades e as conexões transnacionais entre Caribe, Estados Unidos, América do Sul e Canadá sejam desveladas. Apesar das diferenças linguísticas, os fluxos de ideias transnacionais vêm sendo foco de análises que privilegiam as trocas entre o Brasil e os Estados Unidos (Pereira, 2013PEREIRA, Amílcar Araújo. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas; FAPERJ, 2013.; Lima, 2015LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939). Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. ; Domingues, 2017DOMINGUES, Petrônio. O “Moisés dos pretos”: Marcus Garvey no Brasil. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, v. 36, n. 3, pp. 129-150, 2017. ; Gledhill, 2020GLEDHILL, Sabrina. Travessias no Atlântico Negro: reflexões sobre Booker T. Washington e Manuel R. Querino. Salvador: Edufba, 2020.).

O CANADA E AS DIÁSPORAS: NEM SOMENTE AO MAR, MAS CONTINENTE ADENTRO

A inserção do Canadá nas reflexões da diáspora, ou do que Paul Gilroy (1993GILROY, Paul. The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness. London; New York: Verso Press, 1993.) nomeou de Atlântico Negro, é fundamental para fazer valer reivindicações que teóricos da diáspora vêm apresentando ao longo dos últimos 30 anos. James Clifford, por exemplo, sugere que não há razões para se privilegiar o Atlântico Negro, a menos que sejam silenciadas outras experiências diaspóricas e, se diáspora é algo cuja história pode ser escrita, esta não deve ter o nome de um local de múltiplos deslocamentos e reconstituições de identidade. A escrita sobre a diáspora, neste sentido, deve ser sobre a produção histórica de formações sociais (Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997., pp. 267-269). Clifford, entretanto, tinha em mente, nesta crítica, localidades ao Sul do Atlântico, o Caribe hispânofônico, e mesmo regiões do sul asiático - que, segundo o autor, já apontavam “contribuições das culturas islâmicas para a construção e crítica da modernidade” (Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997., p. 267).

George Elliott Clarke - intelectual canadense e autodefinido como “africadiano”6 6 George Elliot Clarke criou esta categoria para nomear as identidades dos descendentes de africanos no Canadá e na região da Nova Escócia, especialmente os descendentes de escravizados afro-americanos que se estabeleceram na costa leste da Nova Escócia. A categoria “Africadian” foi criada a partir da contração de “África” e “Acádia” (o antigo nome de Nova Escócia e New Brunswick) para denotar as populações negras da região dos Marítimos e especialmente da Nova Escócia. Cf. Clarke, 1991. - apresentou críticas ao trabalho de Gilroy, julgando que este supervalorizava um fluxo atlântico entre Grã-Bretanha, Caribe e Estados Unidos, bem como atrelava a negritude a um modelo estadunidense. Clarke reivindica, a partir da obra do escritor Walter M. Borden, a alteridade da literatura afro-canadense baseada em uma “africanadianidade” [African-Canadianité], construída a partir de seus diálogos criativos com a literatura afro-americana (Clarke, 2002CLARKE, George Elliott. Odysseys Home: Mapping African-Canadian Literature. Toronto: University of Toronto Press, 2002., p. 71). Já Rinaldo Walcott oferece uma série de contrapontos intelectuais às perspectivas de George Elliott Clarke sobre o pensamento negro canadense, classificando as posições de Clarke como “nativistas” e conservadoras, inclusive (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003.). Walcott propõe que, se para Gilroy o navio é a metáfora do Atlântico Negro e dos afro-americanos, para o território do Canadá negro a corrida [jogging] seria aquela que melhor caracterizava os fluxos “de duplo trânsito” e seus aportes aos discursos da diáspora (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p. 32). Walcott, entretanto, segue as pistas de Gilroy e propõe o que chama de “desvios” em relação ao Atlântico Negro. Neste sentido, as críticas de George Elliott Clarke e Walcott revelam que, mesmo as críticas feitas à categoria Atlântico Negro, por sua ênfase no Atlântico Norte (Palmer, 2000PALMER, Colin A. Defining and Studying the Modern African Diaspora. The Journal of Negro History, vol. 85, ns. 1-2, pp. 27-32, 2000. , p. 31), devem ser complexificadas ao se lidar com as experiências negras desta região. Cada qual a sua maneira, estes autores reivindicam que o Canadá negro seja localizado no mapa das diásporas e do Atlântico Negro.

Tomas Holt sugere aos estudantes das diásporas que

as diferenças entre as experiências dos povos negros situados em locais distintos importam tanto quanto, ou talvez mais do que, as unidades e continuidades definidoras destes povos. Em outras palavras, evocar o enfoque da diáspora pressupõe que através da análise comparativa há algo a ser aprendido a partir das experiências desenvolvidas por diferentes povos negros em diferentes locais e tempos. Isto é, obviamente, a tensão entre estes dois enfoques - a mesmidade da experiência sugerida pelos requisitos políticos da diáspora e da ideia de povo, e a diferença da experiência que qualquer análise e compreensão destas experiências requerem (Holt, 1992HOLT, Thomas C. The Problem of Freedom: Race, Labour and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938. Baltimore; London: Johns Hopkins University Press, 1992., p. 8).

Ainda no que diz respeito ao enfoque comparativo, outro historiador que refletiu sobre o conceito de diáspora foi Colin Palmer. Segundo ele,

Novos campos requerem novas metodologias, e é inaceitável que pesquisadores percebam a diáspora africana moderna como uma réplica de outras diásporas ou como, grosso modo, a história afro-americana, afro-britânica, ou a caribenha. O campo deve operar orientações disciplinares e interdisciplinares e deve, necessariamente, ser comparativo em suas dimensões metodológicas (Palmer, 2000PALMER, Colin A. Defining and Studying the Modern African Diaspora. The Journal of Negro History, vol. 85, ns. 1-2, pp. 27-32, 2000. , p. 31).

Além do caráter comparativo, o conceito de diáspora foi pensado ao longo de sua história sob o aspecto transnacional, seguindo as reflexões iniciais de George Shepperson em meados da década de 1960 (Edwards, 2001EDWARDS, Brent Hayes. The Uses of Diaspora. Social Text 66, v. 19, n. 1, pp. 45-73, 2001.). Lisa Brock, em referência à diáspora africana, alerta para a necessidade de que ela seja observada para além dos limites do estado-nação, compreendendo-a a partir dos fluxos internacionais orientados pelo Pan-Africanismo, que a autora classifica como “manifestação política e cultural mais notável entre os africanismos”; dando ênfase na historicidade e nos mapas formados pelas consciências sobrepostas e coexistentes com outros círculos e outras visões de mundo, tais como o Pan-americanismo, a esquerda internacional, o feminismo internacional, o anticolonialismo, os movimentos pelos direitos de povos nativos e a justiça ambiental, por exemplo (Brock, 1996BROCK, Lisa. Questioning the Diaspora: Hegemony, Black Intellectuals and Doing International History from Below. Issue: A Journal of Opinion, v. 24, n. 2, pp. 9-12, 1996., p. 10).

Desta forma, Lisa Brock compreende a diáspora africana enquanto um campo que deve ser pensado não apenas em comparação com outros processos culturais e políticos, mas em relação a outras tradições políticas que se sobrepõem - overlapping (Brock, 1996BROCK, Lisa. Questioning the Diaspora: Hegemony, Black Intellectuals and Doing International History from Below. Issue: A Journal of Opinion, v. 24, n. 2, pp. 9-12, 1996.). A ideia de que a diáspora fosse marcada por um “overlap” de diásporas já havia sido, entretanto, desenvolvida por Earl Lewis, em artigo que questionava o lugar de afro-americanos na historiografia norte-americana. A fim de romper com a marginalidade conferida a algumas trajetórias de afro-americanos, Lewis sugere que se observem os processos de diásporas que se sobrepõem, coexistem - overlapping diasporas -, de maneira que os descendentes de africanos, os afro-americanos, sejam vistos enquanto centrais (pivotal, nas palavras de Lewis) na formação da história e da cultura americana (Lewis, 1995LEWIS, Earl. To Turn as on a Pivot: Writing African Americans into a History of Overlapping Diasporas. The American Historical Review, v. 100, n. 3, pp. 765-787, 1995.).

É notável a influência de Stuart Hall (1990HALL, Stuart. Cultural Identity and Diaspora. In: RUTHERFORD, Jonathan (Org.) Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence & Wishart, 1990. pp. 222-237.) neste campo a partir de um de seus artigos, Cultural Identity and Diaspora, no qual enfatiza as descontinuidades, continuidades, similaridades e diferenças. Hall avança sobre as reflexões da diáspora e dos seus processos enquanto geradores de identidades híbridas e polifônicas, não essenciais e dispostas em um cenário global. James Clifford também exerceu grande influência em seus diálogos com as formulações de Paul Gilroy sobre o Atlântico Negro, livro que foi parcialmente inspirado no trabalho de Clifford (1997)CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997. sobre as culturas viajantes - traveling cultures.

O que Clifford sugere é que não se pode definir a diáspora precisamente, seja através do recurso às categorias essenciais ou por oposições excludentes. Entretanto, é possível se compreender alguma coerência, um conjunto de respostas para lidarem com a experiência do deslocamento - dwelling-in-displacement. Clifford avança sobre a diáspora, sugerindo que as culturas da diáspora são mediadoras da tensão experienciada, das experiências de separação e imbricamento, do viver aqui e lembrar/desejar outro lugar (Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997., p. 255). Clifford aponta que,

A consciência diaspórica é [...] constituída tanto negativamente e positivamente. É constituída negativamente pelas experiências de discriminação e exclusão [...]. A consciência diaspórica é produzida positivamente através de identificações com forças políticas e culturais históricas, como por exemplo, África ou China. O processo não deve ser sobre ser africano ou chinês, bem como ser americano ou britânico ou aonde quer que tenha estabelecido, diferentemente [...] a consciência diaspórica “transforma a experiência ruim em boa”. Experiências de perda, marginalidade e exílio (atentando-se às questões de classe) são geralmente reforçadas pela exploração sistemática e as limitações de fluxo (Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997., pp. 256-257).

Clifford sugere que a consciência diaspórica opera na manutenção da comunidade, preservando seletivamente e reformulando tradições, adaptando e ressignificando, dando novas versões, ainda que híbridas ou antagônicas. As culturas da diáspora, segundo Clifford, são produzidas a partir de regimes de dominação política e desigualdade econômica. Contudo, estes processos de deslocamento violento não impedem que as pessoas encontrem soluções e estratégias de distinção política e comunidades de resistência cultural. Ou seja, em todo lugar em que há racismo, há também expressões do antirracismo. E, de acordo com o contexto e suas especificidades, esta luta antirracista pode apresentar estratégias e dinâmicas locais que servirão de referência a outros espaços e processos diaspóricos. Neste sentido, renovar os olhares sobre os locais da luta antirracista é também a oportunidade para que se renovem os enquadramentos teóricos dos estudos sobre a diáspora e as relações raciais. Considerar o enfoque transnacional nas análises sobre a diáspora possibilita que se compreenda o papel de narrativas de uma branquitude global conectada sob as “malhas que os Impérios tecem” (Sanches, 2011SANCHES, Manuela Ribeiro (Org.). Malhas que os Impérios Tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011.).

Em diálogo agora com Wiliam Safran (Safran, 1991SAFRAN, William. Diasporas in Modern Societies: Myths of Homeland and Return. Diaspora: A Journal of Transnational Studies, University of Toronto Press, v.1, n. 1, pp. 83-99, 1991.), Clifford alerta que, ao considerarmos a diáspora um processo atrelado necessariamente à dispersão, pressupomos um centro. Clifford propõe uma excelente questão,

A centralidade das diásporas em torno de um ponto de origem e retorno oblitera as interações locais específicas (identificações e rupturas, ambas construtivas e defensivas) necessárias para a manutenção das formas sociais diaspóricas. O paradoxo poderoso das diásporas é que o estar aqui implica na solidariedade e conexão com o . Contudo, este lá não é necessariamente um local específico ou uma nação em particular. Como é a conexão (alhures) que, relembrada e rearticulada, faz a diferença (aqui)? (Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997., p. 269).

Rinaldo Walcott aponta que os canadenses negros são uma “ausência presente sob apagamento constante” e encontram-se localizados entre os Estados Unidos e o Caribe, envoltos em uma bolha de “desejos de outro lugar, desapontamentos com a nação e os prazeres do exílio - mesmo para aqueles que residem aqui por diversas gerações” (Walcott, 2003WALCOTT, Rinaldo. Black Like Who? Writing Black Canada. 2a Ed. Toronto: Insomniac Press, 2003., p. 27). O que Walcott possibilita enquanto enquadramento teórico é a análise das conexões e dos diálogos do internacionalismo negro (Kelley, 1999KELLEY, Robin D. G. “But a Local Phase of a World Problem”: Black History’s Global Vision, 1883-1950. The Journal of American History, Oxford: Oxford University Press v. 86, n. 3, pp. 1045-1077, 1999. ; West; Martin; Wilkins, 2009WEST, Michael O.; MARTIN, William G.; WILKINS, Fanon Che. From Toussaint to Tupac: The Black International since the Age of Revolution. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2009.) para além da “afrocentricidade” ou das conexões que passem necessariamente pela África enquanto matriz ou origem, privilegiando um olhar transnacional. Não se trata de obliterar este radical que se faz presente na reflexão de Austin Clarke, mesmo enquanto um topos a ser evitado diante de sua canadianidade, mas de compreender que, em algumas situações, a luta antirracista reivindica, antes de tudo, o reconhecimento e a assunção de sua existência local frente às tentativas de apagamento sistemático. No caso de uma nação autonomeada multicultural, com fortes crenças “pós-raciais” que remetem a um “país racista sem racistas” (Bonilla-Silva, 2003BONILLA-SILVA, Ricardo. Racism without Racists: Color-Blind Racism and the Persistence of Racial Inequality in America. New York: Rowman & Littlefield Publishers, 2003.) e com uma miríade de grupos sociais - ou minorias visíveis - racializados, as lutas da comunidade negra canadense podem ser experiências interessantes para se analisar a pertinência das políticas da identidade e das formulações de um racismo “anti-negro” (Wilderson III, 2021WILDERSON III, Frank B. Afropessimism. New York; Liveright Publishing Corporation, 2021.). Neste sentido, a fim de conseguirmos compreender a Améfrica como um todo, devemos operar com um conceito de diáspora que consiga transitar em meio ao debate sobre o relativismo cultural e sobre as contranarrativas históricas universalistas. É preciso, sobretudo, que tenhamos atenção aos processos sociais, e que as experiências sejam observadas de forma historicizada.

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  • 1
    No original: “I probably first began to use the phrase myself then, for, as I was beginning to voyage beyond Nova Scotia, I began to encounter brother and sister blacks from other parts of the African Diaspora, who would wonder, like many white folks, just who the hell was I, anyway, and what strange black culture did I possess, when bagpipes could make me weep almost as sentimentally as any Motown hurtin’ song. In identifying myself as an “indigenous Black Nova Scotian,” I meant no disrespect to the real Indigenous people, the Mi’kmaq, nor was I out to erase their claim to original presence, to an absolute indigeneity. What I was trying to do - like Borden and Africadian activist Dr. Burnley “Rocky” Jones, o.n.s., lld - was demarcate this small, forgotten band of African (more or less) Americans from other, newer Black Canadians because we were, in fact, different, despite our allegiance to the rhetoric of pan-Africanism.”
  • 2
    Considero aqui as reflexões sobre a interrelação entre os exercícios de compreender e explicar no fazer historiográfico, evitando, deste modo, um esquema metodológico dicotômico entre tais operações. A este respeito, ver Catroga (2009CATROGA, Fernando. Os passos do homem como restolho do tempo: memória e fim do fim da História. Lisboa: Almedina, 2009., pp. 116-119).
  • 3
    No original: “There is a mix in your book of a kind of… I would call it almost a high poetic language, a very formal language, and then a dialect, the way they would talk to each other.”
  • 4
    Adotei, neste caso, a tradução literal de West Indies, classificação que, contudo, revela estruturas do colonialismo britânico na região insular da América Central.
  • 5
    No original: “We are going to emancipate ourselves from mental slavery because whilst others might free the body, none but ourselves can free the mind. Mind is your only ruler, sovereign. The man who is not able to develop and use his mind is bound to be a slave of the other man who uses his mind, because man is related to man under all circumstances for good or ill.”. Cf. Robert Hill, 1991HILL, Robert A. (Org.). The Marcus Garvey and Universal Negro Improvement Association Papers. Vol. VII. Berkeley: University of California Press, 1991., pp. 788-794.
  • 6
    George Elliot Clarke criou esta categoria para nomear as identidades dos descendentes de africanos no Canadá e na região da Nova Escócia, especialmente os descendentes de escravizados afro-americanos que se estabeleceram na costa leste da Nova Escócia. A categoria “Africadian” foi criada a partir da contração de “África” e “Acádia” (o antigo nome de Nova Escócia e New Brunswick) para denotar as populações negras da região dos Marítimos e especialmente da Nova Escócia. Cf. Clarke, 1991CLARKE, George Elliott. Fire on the Water: An Anthology of Black Nova Scotian Writing. V. 1. Nova Scotia: Pottersfield Press, 1991..
  • **
    Vinculado ao centro de pesquisa AmericaS/Maison des Sciences Humaines -ULB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Aceito
    13 Ago 2021
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