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Ecos da Revolução Cubana no Chile da Unidade Popular: a “Declaración chilena”e a resposta de Enrique Lihn

Echoes of the Cuban Revolution on Popular Unity’s Chile:The “Declaración Chilena” and Enrique Lihn’s Response

RESUMO

O artigo examina as repercussões, no Chile da Unidade Popular (1970-1973), de dois eventos que marcaram o campo cultural cubano: o “Caso Padilla” e o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura (1971). O estudo foi realizado no marco da História Intelectual e se centrou no debate travado entre os signatários do documento intitulado “Declaración chilena” e um grupo de escritores representados pelo poeta Enrique Lihn. Verificou-se que os episódios cubanos tiveram impacto significativo no meio intelectual chileno, num momento em que escritores e artistas buscavam influenciar os rumos da política cultural da Unidade Popular. Como questão subjacente ao debate cultural, estava colocado o problema das vias revolucionárias representadas, naquele momento, por Cuba e Chile.

Palavras-chave:
intelectuais; Revolução Cubana; Unidade Popular (Chile)

ABSTRACT

This article examines the repercussions, in Popular Unity’s Chile (1970-1973), of two events that marked the Cuban cultural field: the “Padilla Affair” and the First National Congress of Education and Culture (1971). The study was conducted within the framework of Intellectual History and focused on the debate that took place between the signatories of the document entitled “Declaración chilena” and a group of writers represented by poet Enrique Lihn. The study found that the Cuban episodes had a significant impact on the Chilean intellectual milieu, at a time when writers and artists sought to influence the direction of Popular Unity’s cultural policy. The problem of the revolutionary ways represented at that time by Cuba and Chile was an underlying issue of the cultural debate.

Keywords:
intellectuals; Cuban Revolution; Popular Unity (Chile)

Em 20 de março de 1971, o poeta Heberto Padilla foi detido em Havana, acusado de praticar atividades subversivas. No final do mês seguinte, dois eventos explicitaram a consolidação de uma política cultural oficial que cerceava a liberdade de expressão: a autocrítica pública de Padilla, lida na sede da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC), e o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura. Tais episódios inauguraram o chamado “Quinquenio Gris” da Revolução Cubana, marcado pelo endurecimento do regime no plano cultural.

Naquele momento, 12 anos após o triunfo sobre Fulgencio Batista, Cuba enfrentava as consequências do fracasso da “safra dos 10 milhões” e via emergirem com força as contradições do projeto revolucionário. Por sua vez, o Chile vivia os primeiros meses de um governo que se propunha a implementar o socialismo no país pela via democrática. Representada pelo marxista Salvador Allende e liderada pelos partidos Comunista e Socialista, a Unidade Popular (UP)1 1 A UP foi criada em 1969 como resultado de uma aliança de três grandes partidos - Comunista, Socialista e Radical - e três organizações menores - Partido Social Democrata, Ação Popular Independente e Movimento de Ação Popular Unificado. Nos anos seguintes, outros partidos se incorporaram à coalizão ou dela se desligaram. A UP lançou Salvador Allende como candidato nas eleições presidenciais de 1970, representando o programa de governo intitulado “Via chilena ao socialismo”. Allende governou de novembro de 1970 a setembro de 1973, quando foi deposto pelo golpe militar que instaurou a ditadura do general Augusto Pinochet. venceu as eleições presidenciais de 4 de setembro de 1970 e teve seu mandato confirmado 2 meses depois, dando início à chamada “experiência chilena”. A vitória de Allende abria novas perspectivas para a esquerda e alterava o quadro de forças na América Latina. Se, por um lado, o governo de Fidel Castro passava a ter um importante aliado na luta pela implementação do socialismo no continente, por outro, a alternativa encarnada pela UP colocava em xeque seu modelo revolucionário.

No campo cultural, se em seus primeiros anos a Revolução Cubana atuou como “disparadora da vontade de politização intelectual”2 2 As traduções para o português de textos originalmente em castelhano são de minha autoria. (Gilman, 2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003., p. 60) e angariou o apoio massivo de escritores e artistas de diferentes latitudes, aos poucos foram se instaurando tensões nessa relação. No decorrer da década de 1960, acontecimentos tais como a censura a determinados periódicos, obras e autores e o apoio à invasão soviética à Tchecoslováquia (1968) levaram muitos intelectuais a questionarem o regime, mas foi no contexto do “Caso Padilla” que uma parcela significativa deles retirou pública e definitivamente o seu apoio. Instaurou-se, com isso, uma cisão no meio intelectual entre apoiadores e críticos do processo revolucionário conduzido na ilha.

Enquanto parte da intelectualidade, desiludida com o regime cubano, passava a depositar suas esperanças no governo da UP, outra parte se espelhava em Cuba para reivindicar sua radicalização. Os entraves enfrentados pela coalizão desde a campanha eleitoral indicavam que dificilmente seria possível cumprir os objetivos do programa de governo sem controlar a oposição política. Conforme argumentavam muitos intelectuais, essa questão cobrava especial relevância nos terrenos da educação e dos meios de comunicação de massas, onde predominavam valores “burgueses”.3 3 Ver, por exemplo, os trabalhos do sociólogo belga Armand Mattelart publicados nos Cuadernos de Realidad Nacional entre 1969 e 1973.

Como podemos depreender, os posicionamentos defendidos pelos intelectuais naquele contexto não estiveram circunscritos às questões internas do campo cultural: eles traziam à tona o problema das vias revolucionárias representadas, naquele momento, por Cuba e Chile. No presente artigo, abordarei essa problemática enfocando as repercussões do “Caso Padilla” e do Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura no Chile da UP. Os trabalhos acadêmicos que se debruçaram sobre tais episódios voltaram-se a recuperar os eventos que desembocaram no “Caso Padilla”; a circunscrevê-lo, junto ao Congresso, no quadro mais amplo da consolidação de uma política cultural governamental; e a examinar a ruptura que se instaurou no seio da intelectualidade latino-americana em meados dos anos 1970.4 4 São exemplos: Dill, 1996; Gilman, 2003; Rojas, 2007; Miskulin, 2003; Miskulin, 2009; Gallardo, 2009; Villaça, 2010; Costa, 2013. No campo memorialístico, destacam-se a autobiografia de Heberto Padilla, intitulada La mala memoria (PADILLA, 1989), e o livro organizado por Heras e Navarro (2008). O Chile e os intelectuais chilenos não aparecem destacados em nenhum desses estudos, que tendem a se centrar exclusivamente no contexto cubano ou em um cenário internacional amplo.

Abordarei a problemática proposta enfocando a polêmica que se instaurou em 1971 entre os escritores e artistas que subscreveram o documento intitulado “Declaración chilena”, no qual declaravam seu apoio ao governo cubano, e o escritor Enrique Lihn, que defendeu publicamente Padilla. Para além de seu posicionamento individual, Lihn é aqui tomado como representante de um grupo de escritores que se opuseram ao que consideravam ser uma tentativa de transpor a política cultural cubana ao Chile. Buscarei evidenciar a centralidade dessa preocupação com a realidade nacional na discussão sobre os episódios cubanos, em um momento no qual a intelectualidade chilena buscava influenciar os rumos da política cultural da UP. Também argumentarei que, ainda que divergissem em pontos importantes, prevaleceu entre os diferentes atores estudados a busca por um caminho próprio para o Chile no campo cultural.

A abordagem proposta se insere no marco teórico da História Intelectual, vertente da História Política Renovada voltada ao estudo dos intelectuais como atores do político. Como precisa o historiador Jorge Myers, “a história intelectual privilegia uma análise que enfatiza as formas de pensar, de discorrer e de imaginar que os seres humanos manifestaram no passado” (Myers, 2016MYERS, Jorge. Músicas distantes. Algumas notas sobre a história intelectual hoje: horizontes velhos e novos, perspectivas que se abrem. In: SÁ, Maria E. (org.). História Intelectual latino-americana: itinerários, debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016. p. 23-56., p. 23), tomando como pressuposto que “‘as ideias’, ‘o pensamento’ estão sempre enraizados em um contexto histórico específico” (p. 26). Assim, o estudo realizado se voltou a identificar, interpretar e contextualizar os diferentes posicionamentos frente à “questão cultural”5 5 No contexto da esquerda marxista, a expressão “questão cultural” remete ao tema do lugar da cultura e dos intelectuais no processo revolucionário. sustentados por intelectuais chilenos no início dos anos 1970, atentando para diferentes elementos envolvidos em seu discurso.

O texto está dividido em três partes. Na primeira, recupero informações sobre o “Caso Padilla” e o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura e abordo a repercussão internacional de tais episódios. A seguir, passo a enfocar o contexto chileno, examinando as posturas defendidas na imprensa por intelectuais de esquerda. Entre elas, destaco e analiso a “Declaración chilena”, publicada originalmente na revista Ahora e posteriormente reproduzida em Casa de las Américas. Na terceira parte, examino o posicionamento de Enrique Lihn em carta aberta publicada no jornal uruguaio Marcha e no livro La cultura en la vía chilena al socialismo, editado em parceria com outros escritores. Como veremos, os signatários da “Declaración chilena” são os principais interlocutores visados por Lihn.

“CASO PADILLA”, PRIMER CONGRESO NACIONAL DE EDUCACIÓN Y CULTURA E O INÍCIO DO “QUINQUENIO GRIS” EM CUBA

O período que vai de 1971 a 1976 ficou conhecido no meio cultural como “pavonato” ou “Quinquenio Gris” da Revolução Cubana.6 6 As duas datas que delimitam o quinquênio correspondem ao Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura (1971) e à criação do Ministério da Cultura, encabeçado por Armando Hart, e do Instituto Superior de Arte (ISA) (1976). O primeiro termo se refere aos anos em que Luis Pavón Tamayo esteve à frente do Consejo Nacional de Cultura (CNC), e o segundo apareceu pela primeira vez em duas notas de rodapé de uma resenha publicada em 1987 pelo escritor Ambrosio Fornet na revista Casa de las Américas. O autor se limitava a indicar que a literatura produzida em Cuba entre 1971 e 1976 teve como marca a ênfase no didático e favoreceu o desenvolvimento da novela policial e de obras infantojuvenis (Fornet, 1987FORNET, Ambrosio. A proposito de “Las iniciales de la tierra”. Casa de las Américas , La Habana, n. 164, p. 148-153, sept./oct. 1987.). A periodização e as características identificadas por Fornet vêm sendo questionadas por diversos autores, mas é possível afirmar que o ano de 1971 representa um marco da subordinação do campo cultural à política governamental.7 7 Sobre o assunto, ver os textos reunidos em Heras e Navarro, 2008. Trata-se da transcrição de comunicações apresentadas em 2007 no Centro Cultural Criterios com o fim de refletir criticamente sobre o significado e o impacto do “pavonato” na cultura cubana.

Não por se tratar da origem do fenômeno, como demonstram trabalhos de Sílvia Miskulin (2003MISKULIN, Sílvia. Cultura ilhada: imprensa e Revolução Cubana. São Paulo: Xamã, 2003.; 2009) e Emilio José Gallardo (2009GALLARDO, Emilio J. El martillo y el espejo: diretrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009.), entre outros pesquisadores, que recordam episódios tais como o “Caso P.M.” e o fechamento do suplemento cultural Lunes de Revolución (1961) e da Editora El Puente (1965). A importância de 1971 reside na visibilidade conferida pelo “Caso Padilla” e pelo Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura a aspectos de uma política cultural que foi sendo construída no decorrer da Revolução e que, como anotou precocemente o crítico literário uruguaio Ángel Rama, é indissociável da política econômica adotada pelo regime naquele momento. Também coincidimos com Rama em que Heberto Padilla não foi a causa nem o centro de tal processo, mas, para os fins deste artigo, é importante reconstituir seu caso específico, tendo em vista a repercussão que gerou em nível internacional (Rama, 1971RAMA, Ángel. Una nueva política cultural para Cuba. Cuadernos de Marcha, Montevideo, n. 49, p. 47-67, mayo 1971., p. 51, 65-67).

Entre 1967 e 1968, o poeta esteve envolvido em uma série de polêmicas desencadeadas pela publicação de textos críticos aos rumos tomados pela Revolução Cubana. A primeira delas teve como objeto uma resenha escrita para El Caimán Barbudo - suplemento cultural do jornal Juventud Rebelde - sobre o romance Pasión de Urbino, de Lisandro Otero, então vice-presidente do CNC. Em sua análise, Padilla qualificou o conteúdo da obra como banal, chamou o autor de burocrata da cultura e desferiu críticas ao Ministério de Relações Exteriores e à UNEAC. Em contrapartida, elogiou o livro Tres Tristes Tigres, do escritor exilado Guillermo Cabrera Infante. A resenha abriu uma polêmica não só com a direção do suplemento, mas também com a União de Jovens Comunistas (UJC), e se estendeu por várias edições (Miskulin, 2009MISKULIN, Sílvia. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda , 2009., p. 173-179; Gallardo, 2009GALLARDO, Emilio J. El martillo y el espejo: diretrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009., p. 165-172).

Como saldo final, Padilla foi demitido de seu trabalho no jornal Granma e a UJC desligou, em janeiro de 1968, os escritores da direção de El Caimán Barbudo, que entrou em nova fase. Os editores decidiram retomar, para encerrar, a polêmica envolvendo Padilla e convidaram-no a escrever um novo texto. Nele, o poeta reiterou sua crítica a Otero e demais “funcionários da cultura” e foi além: deixando claro que não aceitaria se calar em nome da Revolução, chegou a comparar os “desvios” do governo cubano com o stalinismo, além de citar a existência, na ilha, de campos de internação e trabalhos forçados8 8 Referência às Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAPs). (Miskulin, 2009MISKULIN, Sílvia. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda , 2009., p. 208-211).

Ainda em 1968, seu livro Fuera del juego foi premiado no IV Concurso Literário da UNEAC na categoria poesia, enquanto outro desafeto da Revolução, Antón Arrufat, obteve o prêmio de teatro. A direção da UNEAC expressou discordância com a decisão do júri - composto por intelectuais cubanos e estrangeiros - e acusou a obra de “politicamente conflituosa”, construída sobre “elementos ideológicos francamente opostos ao pensamento da revolução” (apudMiskulin, 2009MISKULIN, Sílvia. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda , 2009., p. 204). A revista Verde Olivo, órgão oficial das Forças Armadas, também entrou na polêmica, atacando duramente a obra de Padilla e os concursos organizados pelas instituições UNEAC e Casa de las Américas, acusados de valorizar obras alienadas ou francamente contrarrevolucionárias (Gallardo, 2009GALLARDO, Emilio J. El martillo y el espejo: diretrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009., p. 172-197).

Nos anos seguintes, Padilla, que se encontrava sob vigilância policial, seguiu fazendo críticas ao regime em textos e conversas privadas. A situação se arrastou até março de 1971, quando ele e sua esposa, a poetisa Belkis Cuza Malé, foram presos. Após ficar incomunicável por semanas e passar por interrogatórios, Padilla leu uma autocrítica na sede da UNEAC em 27 de abril, diante de dezenas de escritores e artistas. No texto, reconhecia ter conspirado contra a Revolução por ignorância, vaidade e ressentimento; ridicularizava a postura de “intelectual crítico” que teria buscado sustentar como disfarce; e acusava de traição, nominalmente, vários outros escritores cubanos e estrangeiros (Padilla, 1971PADILLA, Heberto. Intervención en la Unión de Escritores y Artistas de Cuba. Casa de las Américas , La Habana, n. 65/66, p. 191-203, mar./jun. 1971.).

O caso repercutiu internacionalmente: intelectuais renomados escreveram cartas de protesto dirigidas a Fidel Castro, destacando-se a que ficou conhecida como “Declaración de los 54”, publicada no jornal francês Le Monde em 9 de abril e assinada por nomes como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Italo Calvino, Octavio Paz, Hans Magnus Enzensberger, Carlos Franqui, Juan Goytisolo, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e Marguerite Duras. Com a perspectiva de influenciarem o rumo dos acontecimentos, os signatários expressaram sua preocupação com a detenção de Padilla e com o risco de que isso significasse a reaparição de um processo de sectarismo na ilha.

Paralelamente à prisão e à autocrítica do poeta, entre 23 e 30 de abril de 1971, foi realizado em Havana o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura. Conforme sugere a historiadora Mariana Villaça (2010VILLAÇA, Mariana. Cinema cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda , 2010., p. 268), a proximidade dos dois eventos sugere que Padilla foi usado como exemplo, visando desencorajar os intelectuais que ainda mantinham, em suas obras, uma postura crítica ao regime. A declaração final do evento explica que o foco original (educação) acabou sendo estendido para a cultura por conta das “influências culturais negativas que lutam por penetrar nossos meios” (Declaración del Primer..., 1971DECLARACIÓN DEL PRIMER Congreso Nacional de Educación y Cultura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 3-19, mar./jun. 1971., p. 4), corroborando o argumento da autora.

O documento postula que no campo da luta ideológica não haveria espaço para meios-termos e afirma que o socialismo criava condições para a autêntica liberdade de expressão, que não seria sinônimo de “libertinagem”. Dado que “seu trabalho influencia diretamente na aplicação da política cultural da Revolução”, os trabalhadores das “instituições superestruturais” deveriam ser selecionados de acordo com suas “condições políticas e ideológicas”. Por isso, seria necessário revisar as bases dos concursos literários nacionais e internacionais promovidos pelas instituições cubanas, assim como as “condições revolucionárias dos integrantes desses jurados e o critério mediante o qual se outorgam os prêmios”. Os meios culturais não poderiam servir “à proliferação de falsos intelectuais que pretendem converter o esnobismo, a extravagância, o homossexualismo e demais aberrações sociais, em expressões da arte revolucionária, afastados das massas e do espírito de nossa Revolução” (Declaración del Primer..., 1971DECLARACIÓN DEL PRIMER Congreso Nacional de Educación y Cultura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 3-19, mar./jun. 1971., p. 16).

Os alvos, aqui, eram os intelectuais estrangeiros que estavam pressionando o governo cubano em nome da liberdade de expressão,9 9 Vale frisar que as tensões entre o governo cubano e a intelectualidade internacional remontam à década anterior. Sobre o assunto, ver Pogolotti, 2006; Gallardo, 2009; Morejón, 2017. conforme evidencia o trecho:

Condenamos os falsos escritores latino-americanos que depois dos primeiros êxitos [...] romperam seus vínculos com os países de origem e se refugiaram nas capitais das podres e decadentes sociedades da Europa Ocidental e dos Estados Unidos para converter-se em agentes da cultura metropolitana imperialista. (Declaración del Primer..., 1971DECLARACIÓN DEL PRIMER Congreso Nacional de Educación y Cultura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 3-19, mar./jun. 1971., p. 18)

Em uma concepção revolucionária, o intelectual deveria responder política e ideologicamente aos compromissos postos pela revolução, ficando descartada a possibilidade de atuar como juiz ou “consciência crítica” da sociedade. Esse papel caberia ao “povo” e, principalmente, à classe operária, capaz de “compreender e julgar com mais lucidez que nenhum outro setor social os atos da Revolução”. A condição de intelectual não outorgaria privilégio algum; “Sua responsabilidade é coadjuvar a essa crítica com o povo e dentro do povo”. Para distinguir os intelectuais “verdadeiros” dos “falsos”, bastaria observar sua atitude naquele momento: “Os farsantes estarão contra Cuba. Os intelectuais verdadeiramente honestos e revolucionários compreenderão a justeza de nossa posição” (Declaración del Primer..., 1971DECLARACIÓN DEL PRIMER Congreso Nacional de Educación y Cultura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 3-19, mar./jun. 1971., p. 19).

No discurso de encerramento do congresso, Fidel Castro retomou essa divisão, bem como o argumento que vinculava as críticas ao regime ao “imperialismo cultural”. Embora afirmasse que tratar do assunto não valeria a pena, dada a irrelevância, para a Revolução, de perder o apoio dos intelectuais em questão, o dirigente dedicou uma parte considerável de sua fala a desmerecer aqueles que viviam no exterior, desconheciam a situação cubana e os desafios enfrentados pela Revolução e reclamavam “porque ‘não lhes dão o direito’ de seguir semeando o veneno, a falsidade e a intriga na Revolução” (Castro, 1971CASTRO, Fidel. Discurso de Clausura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 21-33, mar./jun. 1971., p. 26). Tratar-se-ia de “ratazanas intelectuais” (p. 30), “‘agentezinhos’ do colonialismo cultural” (p. 27); “pseudoesquerdistas descarados que querem ganhar coroas de louro vivendo em Paris, em Londres, em Roma” (p. 27); liberais burgueses que estariam em guerra contra Cuba.

Fidel anunciou a decisão de impedir, a partir de então, a participação desses intelectuais em concursos e mesmo sua entrada na ilha. A seguir, explicitou os critérios que pautariam a política cultural oficial:

nós como revolucionários valorizamos as obras culturais em função dos valores que entranhem para o povo. [...] valorizamos as criações culturais e artísticas em função da utilidade para o povo, em função do que aportem ao homem, em função do que aportem à reivindicação do homem, à libertação do homem, à felicidade do homem. Nossa valoração é política. [...] Não pode haver valor estético contra a justiça, contra o bem-estar, contra a libertação, contra a felicidade do homem. (Declaración del Primer..., 1971DECLARACIÓN DEL PRIMER Congreso Nacional de Educación y Cultura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 3-19, mar./jun. 1971., p. 28)

As manifestações artísticas deveriam ser didáticas e refletir o momento de construção do socialismo em Cuba, o que, conforme argumenta Miskulin (2009MISKULIN, Sílvia. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda , 2009., p. 235), aponta para a aproximação da “nova” política cultural cubana com o realismo socialista soviético, não obstante esse gênero ser bastante criticado na ilha.

A historiadora Claudia Gilman utiliza o termo “anti-intelectualismo” para referir-se ao discurso que desautorizava e deslegitimava a postura do intelectual que se tornava crítico ao regime, que demandava liberdade artística para suas obras e que lutava contra o crescente controle da política sobre seu ofício. O discurso anti-intelectual configurou-se, então, sobre a afirmação de um modelo de atuação cultural e política afinado com as premissas revolucionárias e estabeleceu a condenação dos que não mostrassem alinhamento com as condutas esperadas pelo regime (Gilman, 2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003., p. 189-231).

Gilman (2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003., p. 224) e Lie (1996LIE, Nadia. Transición y transacción: la revista cubana Casa de las Américas (1960-1976). Leuven: Universiteit Leuven, 1996., p. 181-198) identificam em uma mesa-redonda realizada em 1969 e reproduzida na revista Casa de las Américas número 56 a hegemonia de um discurso que postulava a unidade entre pensamento e ação, relativizava a função específica do intelectual e estabelecia a dualidade “revolucionário/contrarrevolucionário”. De acordo com essa perspectiva, em uma sociedade revolucionada, o intelectual teria que se adequar a um novo tipo de atuação social, abandonando a função privilegiada de “consciência crítica” da sociedade para tornar-se um trabalhador a mais a serviço da Revolução.

Ainda no que tange a esse discurso, duas ponderações são necessárias. Em primeiro lugar, não se trata de diretrizes estabelecidas pelo governo e impostas aos intelectuais cubanos, pois uma parte da intelectualidade respaldou e até mesmo ajudou a construir a política cultural oficial (Heras; Navarro, 2008HERAS, Eduardo; NAVARRO, Desiderio (ed.). La política cultural del período revolucionario: memoria y reflexión. La Habana: Centro Cultural Criterios, 2008., p. 5). É o caso de Lisandro Otero e de outros escritores e artistas que ocupavam cargos diretivos em instituições culturais. Em segundo lugar, foi posto em prática um conjunto de enunciados que conformavam essa política, envolvendo “negociações, disputa de poder, discussão de projetos e tensões” (Villaça, 2010VILLAÇA, Mariana. Cinema cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda , 2010., p. 22) entre diferentes agentes e, portanto, adaptações de diferentes tipos. Isso foi explicitado por Mariana Villaça em seu livro sobre o Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC), no qual argumenta que, diferentemente da maioria das instituições culturais - em especial as que conformavam o campo literário -, o ICAIC gozou de certa autonomia em relação à política cultural do governo cubano, mas tal autonomia “foi contestada e minimizada em determinados momentos” (Villaça, 2010VILLAÇA, Mariana. Cinema cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda , 2010., p. 24). Esse e outros estudos de caso ajudam a relativizar a imagem de um poder unilateral e absoluto, trazendo à tona um complexo jogo político conformado por adesões e resistências.

Conforme mencionado anteriormente, a visibilidade conferida pelo “Caso Padilla” e pelo Congreso Nacional de Educación y Cultura aos princípios da política cultural cubana desencadearam fortes reações. Por meio de cartas, manifestos, artigos e até poemas, intelectuais de diferentes partes do mundo expressaram publicamente seu apoio ou condenação ao governo de Fidel Castro.10 10 Para uma análise dos posicionamentos defendidos nesse contexto, ver Costa, 2013, p. 181-189. No primeiro caso, destacam-se os nomes individuais de Mario Benedetti, Oscar Collazos, Rodolfo Walsh, Gonzalo Rojas, Carlos Droguett, Germán List Azurbide, Salvador Garmendia e Alfonso Sastre, além de declarações coletivas produzidas em Cuba, Chile, Peru e Uruguai. Já o grupo de intelectuais que se opôs às diretrizes estabelecidas na ilha incluía Octavio Paz, Mario Vargas Llosa, Ángel Rama, Carlos Fuentes, Marta Traba, José Revueltas, Adriano González León, Eduardo Lizalde, Juan García Ponce e Enrique Lihn.

A tais nomes somavam-se os dos signatários de uma nova carta aberta dirigida a Fidel Castro, publicada no jornal Le Monde em 22 de maio de 1971CASTRO, Fidel. Discurso de Clausura. Casa de las Américas, La Habana, n. 65-66, p. 21-33, mar./jun. 1971..11 11 Esta carta ficou conhecida como “Declaración de los 61” ou “Declaración de los 62” (ambos os nomes constam na bibliografia consultada). Esta mantinha boa parte dos nomes da “Declaración de los 54”, sendo importantes exceções Gabriel García Márquez, Carlos Barral e Júlio Cortázar, e agregava os de Pier Paolo Pasolini, Alain Resnais e Juan Rulfo, entre outros. Se na primeira o tom predominante era de crítica construtiva, sem colocar em xeque o apoio dos manifestantes à Revolução, a segunda era uma carta de ruptura (Gilman, 2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003., p. 239-240). Seus signatários expressaram “vergonha” e “cólera” frente às “afirmações absurdas e acusações delirantes” feitas na autocrítica de Padilla, compararam o governo cubano com o stalinismo e reivindicaram que a Revolução voltasse a ser “o que em um momento nos fez considerá-la um modelo dentro do socialismo” (Declaración de los 61, 1971DECLARACIÓN DE LOS 61. Cuadernos de Marcha, Montevideo, n. 49, p. 24, mayo 1971., p. 24).

Com o fim da “lua de mel” entre os intelectuais de esquerda e a Revolução, instalou-se uma ruptura na intelectualidade latino-americana entre os defensores do ideal “crítico” do intelectual e os apoiadores do governo cubano, reivindicadores da concepção “revolucionária” do intelectual (Gilman, 2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003., p. 251; Costa, 2013COSTA, Adriane V. Intelectuais, política e literatura na América Latina: o debate sobre revolução e socialismo em Cortázar, García Márquez e Vargas Llosa. São Paulo: Alameda, 2013., p. 188-189). Vejamos a seguir como esse debate se desenvolveu no Chile da Unidade Popular.

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Notícias e opiniões sobre o “Caso Padilla” e o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura circularam em periódicos chilenos de direita e de esquerda. No primeiro caso, interessava a veículos como El Mercurio e La Prensa denunciar o autoritarismo do regime cubano e dar projeção ao fato de intelectuais renomados terem rompido com ele. No outro extremo, encontrava-se a revista Punto Final, que entre os números 130 e 136 publicou matérias dedicadas ao tema, todas elas em acordo com a postura do governo cubano - muitas vezes citando os postulados de Fidel Castro.

De dentro da ilha, as principais fontes de informação eram a agência Prensa Latina, que veiculou a versão taquigráfica da autocrítica de Heberto Padilla, reproduzida em vários periódicos chilenos, e a revista Casa de las Américas, que em seu número 65-66 publicou na íntegra a declaração final do Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura, o discurso de encerramento proferido por Fidel Castro e a autocrítica de Padilla. A edição seguinte dedicou uma seção à reprodução de várias manifestações de apoio ao governo cubano, incluindo uma declaração assinada por dezenas de escritores e artistas chilenos, originalmente publicada na revista de atualidades Ahora.

Ahora foi veiculada semanalmente no Chile pela recém-estatizada Editora Nacional Quimantú entre abril e dezembro de 1971. Em seus números 7 e 8, a revista publicou matérias sobre o “Caso Padilla” dedicadas a recuperar cronologicamente os fatos, reproduzir trechos da autocrítica e apresentar os posicionamentos de intelectuais chilenos e estrangeiros frente à polêmica. O escritor Antonio Skármeta, por exemplo, assinou um texto defendendo o governo cubano, negando que sua atitude teria sido stalinista e reprovando o posicionamento dos defensores estrangeiros de Padilla. Para ele, as palavras de Fidel marcavam a abertura de uma nova época para os intelectuais: “o momento de readequar sua função em uma sociedade revolucionária”. Embora esclarecesse que a revolução chilena seria algo muito diferente, já que pluralista, Skármeta parece defender a validade universal da perspectiva anti-intelectual ao expressar que “Um processo há que sê-lo, vivê-lo, amá-lo e vigiá-lo. Vigiá-lo não da torre da consciência crítica do intelectual, senão em meio ao baile. Isso dará o direito moral de fazer a mais impiedosa crítica cada vez que corresponda” (Skármeta, 1971SKÁRMETA, Antonio. Otras voces, otros ámbitos. Ahora , Santiago, n. 8, p. 48, 8 jun. 1971., p. 48).

Na sequência dessa matéria, publicou-se a “Declaración chilena”, assinada por Skármeta entre outros escritores, artistas plásticos, cineastas, músicos e artistas de teatro, que totalizavam 77 nomes.12 12 São eles: Escritores: Guillermo Atías, Waldo Atías, Santiago del Campo, Carlos Droguett, Eduardo Embry, Mario Ferrero, Juilio Huasi, Hernán Lavín, Hernán Loyola, Carlos Maldonado, Luis Alberto Mansilla, Mahfud Massis, Manuel Miranda, Carlos Olivarez, Gonzalo Rojas, Federico Schopf, Antonio Skarmeta, Bernardo Subercaseaux, Víctor Torres e Juvencio Valle; Artistas plásticos: José Balmes, Gracia Barrios, Eduardo Bonati, Antonio Campi, Luz Donoso, Francisco Gacitúa, Ignatius González Janzen, Patricia Israel, Helga Krebs, Pedro Millán, Guillermo Núñez, Víctor Hugo Núñez, Augustín Olivarría, Alberto Pérez e Lukó de Rokha; Músicos: Luis Advis, Rolando Alarcón, Homero Caro, Horacio Durán, Payo Grondona, Patricio Manns, Sergio Ortega, Héctor Pavez, Angel Parra, Isabel Parra, Roberto Parra, Enrique Rivera, Fernando Ugarte, Silvia Urbina e os conjuntos Huamarí, Los Curacas, Inti-Illimani e Tiempo Nuevo; Cineastas: Fernando Balmaceda, Fernando Bellet, Guillermo Cahn, Pedro Chaskel, Carlos Flores, Patricio Guzmán, Dunav Kuzmanic, Miguel Littín, Gustavo Moris, Carlos Piaggio, Alvaro Ramírez, Héctor Ríos, Raúl Ruiz, Claudio Sapiaín, Helvio Soto, Sergio Trabucco e Angelina Vásquez; Artistas de teatro e dramaturgos: Isidora Aguirre, Carlos Núñez, María Angélica Núñez, Roberto Parada, Domingo Piga, Orlando Rodríguez e Rubén Sotoconil. O documento expressava solidariedade com o governo cubano e afirmava concordar com Fidel Castro “sobre a necessidade de incrementar os combates contra o imperialismo ideológico e o colonialismo cultural”, o que demandaria que os “trabalhadores da cultura” fossem responsáveis “não somente com sua obra, mas também com sua atitude revolucionária”. Os signatários rechaçavam uma concepção de liberdade “que não nasça do compromisso do homem - neste caso, do trabalhador cultural - com os combates pela libertação de nossos povos”. Esta seria a autêntica liberdade revolucionária, à qual opunham o conceito de liberdade “imposto pela burguesia”. Por isso, recusavam também “a existência de castas privilegiadas de intelectuais que se atribuem o monopólio da verdade ou da consciência crítica”. Por fim, declaravam seu apoio ao processo cubano de “clarificação e aprofundamento ideológicos” e reivindicavam que a revisão de valores também fosse promovida no Chile, pois “chegou o momento das definições e não há nem haverá lugar para as posições intermediárias”. Aparentemente buscando enquadrar-se na divisão estabelecida na declaração final do congresso cubano e reiterada no discurso de Fidel Castro, postularam: “Nós nos definimos por sermos revolucionários” (Declaración chilena, 1971DECLARACIÓN CHILENA. Ahora, Santiago, n. 8, p. 49, 8 jun. 1971., p. 49).

A simpatia pelas medidas adotadas pelo governo cubano no âmbito da cultura também se pode notar em duas outras matérias publicadas posteriormente em Ahora: em uma delas, o poeta Federico Schopf (1971)SCHOPF, Federico. Política cultural cubana. Ahora , Santiago, n. 11, p. 48-49, 29 jun. 1971. atacava os intelectuais que não aceitavam se adaptar ao contexto revolucionário, apegando-se a noções ultrapassadas; na outra, foi feita uma cobertura elogiosa do Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura (La cultura..., 1971LA CULTURA: patrimonio de todo el pueblo. Ahora , Santiago, n. 15, p. 36-37, 25 jul. 1971., p. 36-37).

Os textos publicados em Ahora testemunham que uma parte significativa da intelectualidade chilena saiu em apoio ao governo cubano. Aos propósitos do presente texto, interessa destacar o posicionamento de Antonio Skármeta e Federico Schopf, que, para além de respaldarem a atitude do governo cubano, afirmaram concordar com seus postulados, ainda que estes se afastassem daqueles defendidos pelos mesmos escritores em documento publicado meses antes na revista cultural Cormorán.

A coleção de livros “Cormorán” e a revista cultural homônima reuniam intelectuais atuantes na esfera universitária (Universidad de Chile e Pontificia Universidad Católica de Chile), em sua maioria literatos. Publicada pela Editorial Universitaria a partir de 1967, a coleção foi a primeira do país formada por livros de bolso. Em meados de 1973, abarcava 163 títulos divididos em 15 séries temáticas diferentes, além de reedições (Editorial Universitaria, 1973EDITORIAL UNIVERSITARIA. Libros Cormorán. Santiago: Ed. Universitaria, 1973.). Já a revista, dirigida pelos escritores Enrique Lihn (editor) e Germán Marín (chefe de redação), foi publicada entre agosto de 1969 e dezembro de 1970, totalizando oito edições.

Em seu estudo sobre a revista, César Zamorano (2016ZAMORANO, César. La revista Cormorán y su contribución al debate en torno a la cultura en la Unidad Popular. Izquierdas, Santiago, n. 30, p. 215-235, oct. 2016. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-50492016000500008 ; Acesso em: 19 jun. 2019.
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, p. 222) conclui que ela não foi somente um projeto destinado à difusão cultural, “mas também foi capaz de gerar debates críticos em torno das produções artísticas nacionais e internacionais, modificar os eixos programáticos imperantes e propor alternativas capazes de intervir a partir da arte e da cultura no espaço do político”. Foi com esse objetivo que o autointitulado Taller de Escritores de la Unidade Popular publicou, no último número da revista, o texto “Política cultural: por la creación de una cultura nacional y popular”. O documento dialogava diretamente com as instâncias governamentais, buscando tomar parte nos debates sobre política cultural:

Na perspectiva aberta pelo triunfo da Unidade Popular, diversos grupos de intelectuais e artistas deram a conhecer ao presidente Allende e à opinião pública suas aspirações programáticas no que diz respeito à política cultural que corresponderá assumir ao novo governo. O presente documento constitui nosso aporte à discussão que se inicia. (Taller de Escritores..., 1970TALLER DE ESCRITORES de la Unidad Popular. Política cultural: por la creación de una cultura nacional y popular. Cormorán, Santiago, n. 8, dez. 1970. p. 7-10., p. 7)

Empregando um vocabulário marxista, os signatários afirmaram que superar o desenvolvimento e a dependência seria, ao mesmo tempo, uma ação cultural, e defenderam que se levasse a cabo um “processo de culturização nacional e popular”, para o qual “resultam imprescindíveis a autocrítica e o debate permanentes”. O intelectual ocuparia papel central nesse processo: o de orientador, “vanguarda do pensamento; o de crítico permanente de um presente conflitivo, o de consciência vigilante das metas alcançadas e das projeções autênticas que vão resultando como conclusões” (Taller de Escritores..., 1970TALLER DE ESCRITORES de la Unidad Popular. Política cultural: por la creación de una cultura nacional y popular. Cormorán, Santiago, n. 8, dez. 1970. p. 7-10., p. 7). Daí a crítica à concepção “burguesa” de cultura, individualista e elitista, em que a função criativa e criadora do intelectual estaria neutralizada, e a reivindicação da valorização de seu trabalho por meio do incentivo à profissionalização. Com base em tais princípios, o documento propunha a incorporação de artistas e escritores a determinados organismos de poder e criticava o cenário existente, em que abundariam meios dispersos e paralisados. Como medida urgente, reivindicava a criação de um poder central que organizasse e coordenasse as entidades culturais. Um primeiro passo na concretização desse organismo seria iniciar as atividades do Instituto do Livro e Publicações, projeto descrito detalhadamente em um documento anexado à declaração.

As propostas apresentadas se pautavam na concepção de que as transformações na esfera cultural deveriam se voltar a propiciar a autoconsciência como mecanismo para desvencilhar-se da dependência, do subdesenvolvimento e da alienação social, pois, “De outro modo, inclusive a própria tentativa de transformação da nossa estrutura econômica resultará viciada” (Taller de Escritores..., 1970TALLER DE ESCRITORES de la Unidad Popular. Política cultural: por la creación de una cultura nacional y popular. Cormorán, Santiago, n. 8, dez. 1970. p. 7-10., p. 7). Isso conduz à reivindicação de um papel orientador para o intelectual enquanto vanguarda do pensamento, crítico e consciência vigilante do processo (Zamorano, 2016ZAMORANO, César. La revista Cormorán y su contribución al debate en torno a la cultura en la Unidad Popular. Izquierdas, Santiago, n. 30, p. 215-235, oct. 2016. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-50492016000500008 ; Acesso em: 19 jun. 2019.
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, p. 229-230). Assinaram a declaração: Alfonso Calderón, Poli Délano, Luis Domínguez, Ariel Dorfman, Jorge Edwards,13 13 Dois dias após a prisão de Padilla, o escritor e diplomata Jorge Edwards, que havia residido em Cuba por 3 meses e meio como encarregado de negócios do governo de Allende, retornou ao Chile. Enviado à ilha com a função de reorganizar a embaixada chilena após o reestabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países, ele foi alvo de vigilância permanente durante sua estada e manteve relações tensas com o alto escalão cubano. Ao fim da missão, o próprio Fidel, em documento dirigido a Allende, manifestou seu descontentamento com o representante chileno, sublinhando sua amizade com escritores que naquele momento eram considerados contrarrevolucionários pelo regime, incluindo o próprio Padilla. O tema foi abordado no livro Persona non grata, lançado na Espanha em 1973, proscrito em Cuba e duramente criticado pela esquerda chilena (EDWARDS, 2006). Cristián Huneeus, Hernán Lavín, Enrique Lihn, Hernán Loyola, Germán Marín, Waldo Rojas, Antonio Skármeta, Federico Schopf e Hernán Valdés.

As críticas de que o documento foi alvo, somadas aos diferentes posicionamentos tomados posteriormente pelos escritores que conformavam o grupo, levaram à dissolução deste em meados de 1971.14 14 Sobre as críticas feitas ao documento e a dissolução do grupo, ver Lihn, 1971b, p. 26-30. Do lado oposto ao dos que assinaram a “Declaración chilena” e demais textos publicados em Ahora, encontravam-se Enrique Lihn e outros escritores que alegavam manterem-se fiéis aos princípios defendidos em Cormorán.

“UN CAMINO DE CHILE PARA CHILE”: A RESPOSTA DE ENRIQUE LIHN

Enrique Lihn15 15 Lihn comentou os episódios resumidos no presente item - referentes à relação que manteve com a Revolução Cubana e com o governo da UP - em entrevistas concedidas no final dos anos 1980 a Juan Andrés Piña (1990, p. 150-156). obteve o Prêmio Casa de las Américas em 1966, com o livro Poesía de Paso. Após uma tentativa frustrada de viver em Paris, viajou para Cuba em janeiro de 1967 e permaneceu ali por cerca de 2 anos, período em que atuou como colaborador da revista Casa de las Américas e do jornal Granma; trabalhou nos textos que viriam a compor as obras La musiquilla de las pobres esferas e Escrito en Cuba, publicadas no Chile em 1969; e aproximou-se de um grupo de escritores cubanos que incluía o poeta Heberto Padilla, com quem estabeleceu uma relação de amizade.

Autores como Niall Binns (1999BINNS, Niall. Un vals en un montón de escombros: poesía hispanoamericana entre la modernidad y la postmodernidad (Nicanor Parra, Enrique Lihn). Frankfurt: Peter Lang, 1999., p. 19), Roger Santiváñez (2009SANTIVÁÑEZ, Roger. Poesía y revolución: Enrique Lihn en La Habana, circa 1968. Anales de Literatura Chilena, Santiago, n. 11, p. 177-190, jun. 2009. Disponível em: Disponível em: http://analesliteraturachilena.letras.uc.cl/images/N11/a11_9.pdf ; Acesso em: 18 ago. 2019.
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, p. 182-187) e Matías Ayala (2010AYALA, Matías. Lugar incómodo: poesía y sociedad en Parra, Lihn y Martínez. Santiago: Ed. Universidad Alberto Hurtado, 2010., p. 111-118) identificam em La musiquilla de las pobres esferas e Escrito en Cuba uma reflexão sobre os limites da escritura, que conduz à indagação sobre a capacidade do poeta de amar e de se comprometer com a revolução. Seu pessimismo é evidente em versos tais como “No seré yo el que transforme el mundo” (apudAyala, 2010AYALA, Matías. Lugar incómodo: poesía y sociedad en Parra, Lihn y Martínez. Santiago: Ed. Universidad Alberto Hurtado, 2010., p. 115) e “prefiero aceptar esta derrota en toda su extensión / en la extensión de la Tierra de Nadie por donde me paseo / pensando en nada, escribiendo en la arena versos sobre nada”16 16 Optei por não traduzir estes versos, tendo em vista as peculiaridades do gênero poético. (apudSantiváñez, 2009SANTIVÁÑEZ, Roger. Poesía y revolución: Enrique Lihn en La Habana, circa 1968. Anales de Literatura Chilena, Santiago, n. 11, p. 177-190, jun. 2009. Disponível em: Disponível em: http://analesliteraturachilena.letras.uc.cl/images/N11/a11_9.pdf ; Acesso em: 18 ago. 2019.
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, p. 185). Mas, como explica Ayala,

A particularidade da posição poética e pública de Lihn não se deve somente ao seu pessimismo. Em termos políticos, apesar das abertas simpatias pela esquerda, sua literatura está demasiadamente entregue aos meandros da subjetividade, da culpa e da autorreferência para ser considerada positivamente por aqueles que exigiam uma hiperbólica eloquência. (Ayala, 2010AYALA, Matías. Lugar incómodo: poesía y sociedad en Parra, Lihn y Martínez. Santiago: Ed. Universidad Alberto Hurtado, 2010., p. 117)

O pesquisador reconhece em Lihn “uma constante vigilância para manter política e literatura separadas”, lição que teria sido aprendida em Cuba e colocada em prática durante a UP. Assim, o poeta

chama a sustentar uma liberdade crítica sem restrições; um reconhecimento da especificidade da literatura - argumento esgrimido principalmente contra a literatura comprometida -; licença para a experimentação formal; respeito aos escritores independentes; críticas ao falso realismo e apreensão por cair em um populismo cultural. (Ayala, 2010AYALA, Matías. Lugar incómodo: poesía y sociedad en Parra, Lihn y Martínez. Santiago: Ed. Universidad Alberto Hurtado, 2010., p. 108)

Salta aos olhos a distância entre essa visão sobre a Literatura e aquela sustentada pelo regime cubano no início dos anos 1970 e respaldada pelos signatários da “Declaración chilena”. Antes que este último documento saísse à luz, Lihn publicou no semanário uruguaio Marcha uma carta aberta endereçada a Padilla, na qual defendia sua obra literária, qualificava a campanha contra o poeta promovida pela revista Verde Olivo de “verdadeiro deslize stalinista da heroica Revolução Cubana” (Lihn, 1971aLIHN, Enrique. Carta abierta de Enrique Lihn. Marcha, Montevideo, n. 1541, p. 28-29, 30 abr. 1971a., p. 28) e pedia esclarecimentos sobre os fatos que resultaram em sua prisão.

Cerca de um terço do texto é dedicado a comentar a repercussão da notícia no Chile, que, segundo o autor, foi inicialmente alardeada pelos jornais de oposição ao governo da UP, com vistas a desmoralizar a Revolução Cubana. A prisão de Padilla teria sido “uma fonte de perplexidade, dúvida e mal-estar” para Lihn e um grupo de escritores chilenos, os quais, recusando-se a acreditar no que liam na imprensa, “não deixamos de reunir-nos diariamente para refletir sobre seu significado; ver o modo de obter, aqui e ali, um esclarecimento cabal sobre dita prisão, e determinar nossa atitude perante ela” (Lihn, 1971aLIHN, Enrique. Carta abierta de Enrique Lihn. Marcha, Montevideo, n. 1541, p. 28-29, 30 abr. 1971a., p. 28). Na busca por informações, os escritores teriam recorrido, sem sucesso, primeiro à Embaixada Cubana em Santiago, onde falaram com Lisandro Otero,17 17 Durante o governo da UP, Otero foi adido cultural da Embaixada de Cuba no Chile. e depois, por telegrama, à Universidad de La Habana.

A importância dada ao tema devia-se, segundo Lihn, ao fato de que o caso de Padilla “coloca para nós, seus amigos e amigos da Revolução Cubana, um problema de fundo do qual não podemos nos esquivar”: os limites do controle em uma sociedade socialista. O autor explicita que o interesse pela questão estava relacionado à problemática nacional, isto é, ao projeto político encabeçado pela UP, que ele distingue do caso cubano:

O modelo de um sociaslismo pluripartidário em que a liberdade de expressão e de organização de seus próprios adversários seja o pão de cada dia não foi colocado, realmente, à prova, em termos que convenham aos países subdesenvolvidos. No Chile, onde ele é proposto, apostamos nele, mas isso é tudo. Aqui, em nome da liberdade democrático-burguesa sustentada por um governo de projeções socialistas, a sedição e a oposição tendem a se confundir. […] Em Cuba, a liberdade de expressão burguesa, ou a crítica global aos planos revolucionários, têm que ter sido necessariamente restringidas. (Lihn, 1971aLIHN, Enrique. Carta abierta de Enrique Lihn. Marcha, Montevideo, n. 1541, p. 28-29, 30 abr. 1971a., p. 29)

Embora afirmasse a impossibilidade de construir o socialismo sem exercer controle sobre determinadas liberdades previstas no sistema democrático, Lihn argumenta que isso não justificaria reprimir todos os que fizessem críticas ao regime. Com base em tal princípio, recusa a qualificação de Padilla como contrarrevolucionário e afirma que suas provocações seriam não somente legítimas, mas construtivas para a Revolução (Lihn, 1971aLIHN, Enrique. Carta abierta de Enrique Lihn. Marcha, Montevideo, n. 1541, p. 28-29, 30 abr. 1971a., p. 28-29).

No mês seguinte, junho de 1971, a revista cristã chilena Mensaje publicou uma longa matéria dedicada ao “Caso Padilla”. Ela tinha início com um texto do escritor Antonio Avaria que denunciava o oportunismo da direita e o silêncio da esquerda chilenas frente ao assunto e acusava de gremialista e contrarrevolucionária a “Declaración de los 61” (Avaria, 1971AVARIA, Antonio. El “Caso Padilla”. Mensaje, Santiago, v. XX, n. 199, p. 229-239, jun. 1971., p. 229-230). Na sequência, figuravam: um resumo dos acontecimentos cubanos, uma entrevista realizada em fevereiro pelo escritor Cristian Huneeus com Heberto Padilla, e as opiniões de Enrique Lihn, Mauricio Wacquez, Carlos Ossa, Cristian Huneeus, Germán Marín e Lisandro Otero sobre a polêmica. Enquanto Otero justificou e reiterou os posicionamentos da oficialidade cubana e Marín se recusou a comentar o tema publicamente, Lihn, Wacquez, Ossa e Huneeus qualificaram como erros da Revolução o tratamento dispensado a Padilla e as diretrizes culturais anunciadas no Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura.

A tônica empregada por Lihn em seu texto é mais hostil do que a utilizada por ele na carta publicada em Marcha. O poeta aponta que Cuba “parece ter escolhido o ascetismo para as massas e o poder irrestrito de seus dirigentes”; afirma que o discurso de Castro no encerramento do congresso estava cheio de “apreciações toscas”; condena os dirigentes cubanos por “recorrer[em] a um verdadeiro ritual primitivo, feito de ocultamentos, confissões e mistificações”; e, por fim, postula que a almejada cultura nacional e popular chilena “deve ser colocada em outros termos e de acordo com outros princípios” (Avaria, 1971AVARIA, Antonio. El “Caso Padilla”. Mensaje, Santiago, v. XX, n. 199, p. 229-239, jun. 1971., p. 236-237). Por sua vez, Huneeus explica que “Dificilmente se poderia opinar sobre o caso de Padilla sem colocar-me na perspectiva concreta de um chileno que escreve a oito meses do triunfo eleitoral da Unidade Popular” (Avaria, 1971AVARIA, Antonio. El “Caso Padilla”. Mensaje, Santiago, v. XX, n. 199, p. 229-239, jun. 1971., p. 238) e demarca as diferenças deste último projeto político em relação à Revolução Cubana.

Alguns meses após essas declarações, Lihn, Huneeus, Ossa, Wacquez e Hernán Valdés editaram um livro no qual retomavam o assunto e se posicionavam no debate sobre as diretrizes culturais que deveriam pautar o processo chileno. Intitulada La cultura en la vía chilena al socialismo, a obra foi publicada em fins de 1971 pela Editorial Universitaria. Em seu capítulo “Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo”, Lihn revela que a imprensa chilena de esquerda não se interessou em publicar sua carta aberta a Padilla, que acabou sendo acolhida pelo jornal uruguaio. E, até aquele momento, “não existe uma publicação que torne público o debate da esquerda para a esquerda, no subentendido de que a verdade é revolucionária” (Lihn, 1971bLIHN, Enrique. Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo. In: LIHN, Enrique et al. La cultura en la vía chilena al socialismo. Santiago: Ed. Universitaria , 1971b. p. 13-72., p. 40, grifo meu). Ao contrário, por “temor ao inimigo”, teria proliferado “uma série de publicações oficialistas, inimigas e pouco imaginativas” (p. 41).

O autor se dedica a desacreditar o que considerava um posicionamento “excludente, dogmático e sectarista” (Lihn, 1971bLIHN, Enrique. Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo. In: LIHN, Enrique et al. La cultura en la vía chilena al socialismo. Santiago: Ed. Universitaria , 1971b. p. 13-72., p. 55) por parte da intelectualidade chilena, alertando para o perigo de transpor o modelo cubano para a realidade nacional. Ele argumenta que “os episódios que desembocaram numa sorte de revolução cultural cubana” (p. 30) desencadearam um “terrorismo verbal sem fronteiras [...] com declarações e teorias extremistas, proféticas e futuristas” (p. 34), o que estaria dificultando a promoção de um entendimento entre a UP e os setores sociais afins ao seu projeto. Para Lihn, esses “terroristas verbais” seriam movidos pela necessidade de se redimirem do “pecado original” de não serem autenticamente revolucionários - discurso que antes esteve limitado a um pequeno grupo de “caçadores de bruxas”, mas que naquele momento estaria sendo reproduzido por “determinados elementos valiosos de nossa precária intelectualidade [...] Sem que isso tenha significado um aporte seu ao esclarecimento teórico e à construção prática de uma nova cultura” (p. 35, grifo no original).

Ao mencionar a ocorrência de um “reajuste ideológico fulminante” (p. 35), Lihn tinha um alvo preciso: os escritores que haviam assinado, no ano anterior, o documento “Política cultural: por la creación de una cultura nacional y popular” - que, como já apontado, reivindicava para o intelectual um papel orientador no processo de transformações culturais -, mas teriam mudado de posicionamento, subscrevendo a “Declaración chilena”.18 18 Os escritores que assinaram os dois documentos são Antonio Skármeta, Federico Schopf e Hernán Loyola. Este último documento é o grande alvo do autor. Frisando as diferenças entre os contextos chileno e cubano, ele acusa:

A Declaración chilena foi muito além de expressar um ponto de vista solidário em relação a outro país onde não só se constrói, de fato o socialismo, mas que também o faz desde uma história e desde uma situação muito distintas das nossas e onde, com toda probabilidade, o sistema já gerou suas próprias contradições. A Declaración chilena fez virtual e explicitamente seus, junto com a ruptura da Frente Única, os enunciados contidos na Declaración del Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura [...] e no discurso de Fidel Castro no encerramento do dito Congresso[...] (Lihn, 1971bLIHN, Enrique. Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo. In: LIHN, Enrique et al. La cultura en la vía chilena al socialismo. Santiago: Ed. Universitaria , 1971b. p. 13-72., p. 41-42, grifo no original)

Este “mimentismo da Declaración chilena em relação à política cultural adotada por Cuba” (p. 42) teria se traduzido no repúdio da consciência crítica e na defesa da instrumentalização da produção cultural - princípios que, a seu ver, seriam incongruentes com a via chilena.

Observa-se que, nesse texto, Lihn evitou discutir o tema da política cultural cubana em si. Sua grande preocupação era impedir que tal modelo fosse copiado no Chile, especialmente no que se refere à submissão da produção cultural à ideologia revolucionária. Daí a crítica que realiza à “Declaración chilena”, não tanto por se solidarizar com o regime cubano, mas principalmente por defender a incorporação de seus pressupostos em um contexto distinto. Opondo-se às atitudes que julgava extremistas, ele recupera o documento do Taller de Escritores para defender “a necessidade de encontrar um caminho do Chile para o Chile no campo cultural”, respeitando “todos os níveis de produção cultural alcançados e por se alcançar no Chile, incluindo, certamente, os mais complexos e especializados” (Lihn, 1971bLIHN, Enrique. Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo. In: LIHN, Enrique et al. La cultura en la vía chilena al socialismo. Santiago: Ed. Universitaria , 1971b. p. 13-72., p. 51). Assim, insiste na importância de um projeto cultural coerente com o presente concreto do processo: “É necessário contar com o caráter pluralista da sociedade chilena, desenhando um amplo contorno a que deve se estender a criação de uma nova cultura” (p. 72). Adotando perspectivas variadas, os demais textos que compõem o livro reforçam a crítica à postura anti-intelectual (Schmiedecke, 2017SCHMIEDECKE, Natália. “Nuestra mejor contribución la hacemos cantando”: a Nova Canção Chilena e a “questão cultural” no Chile da Unidade Popular. 2017. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Franca, 2017., p. 117-130).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: BALANÇO E LIMITES DE UMA POLÊMICA

Diante do que foi exposto, fica claro que o ano de 1971 representa um ponto de inflexão importante nas histórias da Revolução Cubana, da “Via chilena ao socialismo” e da relação entre os dois processos. O “Caso Padilla” e o Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura tiveram impacto significativo no meio intelectual chileno, alimentando o debate sobre a “questão cultural” e gerando rupturas no interior do grupo reunido em torno das edições “Cormorán”. Como questão subjacente, estava colocado o problema das vias revolucionárias representadas, naquele início dos anos 1970, por Cuba e Chile.

Enquanto os signatários da “Declaración chilena” tenderam a aproximar as duas realidades, trazendo à tona os episódios cubanos para afirmar princípios revolucionários “universais”, a serem observados até mesmo no processo conduzido pela UP, o grupo representado por Enrique Lihn fez questão de demarcar as especificidades da via chilena. Nesse sentido, uns e outros apontaram para lições ensinadas pela Revolução Cubana. Para os primeiros, tratar-se-ia de aceitar a necessidade, por parte do intelectual, de readequar sua função em um contexto revolucionário, abandonando a função crítica para servir à revolução. Com base nesse princípio, criticaram a noção tradicional (“burguesa”) de intelectual e relativizaram a demanda por liberdade de expressão. Por sua vez, Lihn chamou atenção para o risco de um processo revolucionário incorrer em práticas autoritárias respaldadas por concepções “equivocadas”. Ainda que reconhecesse a impossibilidade de manter a totalidade dos princípios democráticos na transição para o socialismo, em especial em um processo instaurado pela via armada, recusou o que considerava ser uma atitude sectária e excludente por parte de dirigentes políticos e grupos de esquerda, que, com isso, minariam a perspectiva emancipadora.

Se, por um lado, é possível reconhecer importantes diferenças entre os discursos sustentados nos documentos tomados como objeto, por outro, cabe perguntar pelos limites dessa polêmica. Ainda que seja tentador dividir a intelectualidade chilena entre aqueles que queriam aplicar acriticamente as diretrizes cubanas no país e aqueles que sustentavam a proposta de um caminho próprio (democrático) ao socialismo, tal hipótese não se sustenta. Em estudo, ainda inédito, que realizei sobre a revista cultural La Quinta Rueda (LQR), publicada pela Editora Nacional Quimantú entre 1972 e 1973, verifiquei que muitos escritores que assinaram a “Declaración chilena” participaram da revista - como editores ou autores. Além disso, uma de suas nove únicas edições está dedicada a homenagear a Revolução Cubana, no contexto do aniversário do ataque ao quartel Moncada. Mas isso não significou o alinhamento de LQR com a política cultural cubana; pelo contrário, observei em suas páginas uma diversidade de posicionamentos quanto à problemática do intelectual, sendo minoritárias as vozes que se aproximavam da perspectiva anti-intelectual.

Em outro estudo, que integra minha tese de Doutorado, constatei que a maior parte dos músicos ligados ao movimento da Nova Canção Chilena consta na lista de signatários da “Declaración chilena”, embora muitas declarações que fizeram à imprensa indiquem que eles não compactuavam com o pressuposto que opunha criação artística e ação revolucionária. É perceptível nesses textos, bem como em muitas letras de canções, que eles atribuíam um papel de destaque ao artista, enquanto tal, no processo revolucionário. Para citar dois exemplos, Víctor Jara afirmou em entrevista que “para os criadores o rigor artístico deve estar como primeira exigência, porque, enfim, somos chamados a criar a nova cultura”, enquanto Patricio Manns defendeu que o artista, enquanto “consciência crítica do seu tempo”, deveria “exercitar o olhar crítico” (Schmiedecke, 2017SCHMIEDECKE, Natália. “Nuestra mejor contribución la hacemos cantando”: a Nova Canção Chilena e a “questão cultural” no Chile da Unidade Popular. 2017. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Franca, 2017., p. 151-152).

Mas, se os escritores e artistas mencionados não coincidiam com os principais fundamentos da política cultural cubana, por que expressar sua solidariedade com o regime diante dos ataques deferidos por outros intelectuais de esquerda? Entendo que um argumento desenvolvido pelo historiador Rolando Álvarez referindo-se ao Partido Comunista do Chile pode ser estendido ao caso que nos interessa:

a posição internacionalista, indissoluvelmente ligada a suas relações com a União Soviética, formavam parte de uma identidade política que estava convencida da inevitabilidade histórica do socialismo. Erros, situações equívocas, em particular as inconsequências da União Soviética e as polêmicas com Fidel Castro, ficavam subordinadas à “defesa do socialismo”. Para o PC, reconhecer essas situações debilitava sua causa em nível internacional e nacional, razão pela qual só cabia ser leais a eles. (Álvarez, 2011ÁLVAREZ, Rolando. Arriba los pobres del mundo: cultura e identidad política del Partido Comunista de Chile entre democracia e dictadura. 1965-1990. Santiago: LOM, 2011., p. 72)

Do mesmo modo que o Partido, muitos intelectuais que saíram em defesa da Revolução Cubana colocaram em primeiro plano a necessidade política de defender o socialismo, bem como a luta anti-imperialista que estava sendo travada por Cuba e as conquistas sociais alcançadas por seu governo.

Assim, ainda que a “Declaración chilena”, escrita no calor dos acontecimentos, apontasse para Cuba como modelo a ser seguido pelo Chile, o cotejamento de seu conteúdo com outras declarações e obras de muitos signatários sugere que se tratava principalmente de manifestar solidariedade com o processo revolucionário da ilha quando este passava por um momento difícil, não havendo uma real intenção de aplicar as diretrizes culturais do governo cubano ao cenário chileno. Em outras palavras, ainda que seja possível observar a radicalização do discurso por parte de alguns atores do período, prevaleceu a busca por um processo cultural congruente com o projeto político e pautado na realidade nacional, tal como reivindicado por Lihn.

Diante de tal desafio - que em certa medida havia sido autoatribuído -, os escritores e artistas chilenos trilharam variados caminhos, contribuindo para que os anos da UP se consagrassem como “uma das épocas de maior debate e produção cultural” (Berríos, 2003BERRÍOS, María. Presentación del tema “Cultura”. In: BAÑO, Rodrigo (ed.). La Unidad Popular treinta años después. Santiago: LOM , 2003. p. 229-240., p. 240), na qual a cultura “cumpriu papel importante e decisivo - como projeto - no processo revolucionário” (Bowen, 2006BOWEN, Martín. Construyendo nuevas patrias: el proyecto sociocultural de la izquierda chilena durante la Unidad Popular. In: BOWEN, Martín et al. Seminario Simon Collier 2006. Santiago: Instituto de Historia de la Pontifícia Universidad Catolica de Chile, 2006. p. 9-42., p. 9). Nesse sentido, a perspectiva socialista atuou antes como estímulo à diversificação da produção cultural do que como elemento limitador e homogeneizante, tal como observado, aliás, nos primeiros anos da Revolução Cubana.

REFERÊNCIAS

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    » https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-50492016000500008

NOTAS

  • 1
    A UP foi criada em 1969 como resultado de uma aliança de três grandes partidos - Comunista, Socialista e Radical - e três organizações menores - Partido Social Democrata, Ação Popular Independente e Movimento de Ação Popular Unificado. Nos anos seguintes, outros partidos se incorporaram à coalizão ou dela se desligaram. A UP lançou Salvador Allende como candidato nas eleições presidenciais de 1970, representando o programa de governo intitulado “Via chilena ao socialismo”. Allende governou de novembro de 1970 a setembro de 1973, quando foi deposto pelo golpe militar que instaurou a ditadura do general Augusto Pinochet.
  • 2
    As traduções para o português de textos originalmente em castelhano são de minha autoria.
  • 3
    Ver, por exemplo, os trabalhos do sociólogo belga Armand Mattelart publicados nos Cuadernos de Realidad Nacional entre 1969 e 1973.
  • 4
    São exemplos: Dill, 1996DILL, Hans-Otto. Cultura, literatura, politica latinoamericanas en Casa de las Américas, 1970-1990. América -Cahiers du CRICCAL, Paris, n. 15-16, p. 105-118, 1996.; Gilman, 2003GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003.; Rojas, 2007ROJAS, Rafael. Anatomia do entusiasmo: cultura e revolução em Cuba (1959-1971). Tempo social, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 71-88, 2007.; Miskulin, 2003MISKULIN, Sílvia. Cultura ilhada: imprensa e Revolução Cubana. São Paulo: Xamã, 2003.; Miskulin, 2009MISKULIN, Sílvia. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda , 2009.; Gallardo, 2009GALLARDO, Emilio J. El martillo y el espejo: diretrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009.; Villaça, 2010VILLAÇA, Mariana. Cinema cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda , 2010.; Costa, 2013COSTA, Adriane V. Intelectuais, política e literatura na América Latina: o debate sobre revolução e socialismo em Cortázar, García Márquez e Vargas Llosa. São Paulo: Alameda, 2013.. No campo memorialístico, destacam-se a autobiografia de Heberto Padilla, intitulada La mala memoria (PADILLA, 1989PADILLA, Heberto. La mala memoria. Barcelona: Plaza & Janés, 1989.), e o livro organizado por Heras e Navarro (2008)HERAS, Eduardo; NAVARRO, Desiderio (ed.). La política cultural del período revolucionario: memoria y reflexión. La Habana: Centro Cultural Criterios, 2008..
  • 5
    No contexto da esquerda marxista, a expressão “questão cultural” remete ao tema do lugar da cultura e dos intelectuais no processo revolucionário.
  • 6
    As duas datas que delimitam o quinquênio correspondem ao Primer Congreso Nacional de Educación y Cultura (1971) e à criação do Ministério da Cultura, encabeçado por Armando Hart, e do Instituto Superior de Arte (ISA) (1976).
  • 7
    Sobre o assunto, ver os textos reunidos em Heras e Navarro, 2008HERAS, Eduardo; NAVARRO, Desiderio (ed.). La política cultural del período revolucionario: memoria y reflexión. La Habana: Centro Cultural Criterios, 2008.. Trata-se da transcrição de comunicações apresentadas em 2007 no Centro Cultural Criterios com o fim de refletir criticamente sobre o significado e o impacto do “pavonato” na cultura cubana.
  • 8
    Referência às Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAPs).
  • 9
    Vale frisar que as tensões entre o governo cubano e a intelectualidade internacional remontam à década anterior. Sobre o assunto, ver Pogolotti, 2006POGOLOTTI, Graziella. Polémicas culturales de los 60. La Habana: Letras Cubanas, 2006.; Gallardo, 2009GALLARDO, Emilio J. El martillo y el espejo: diretrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009.; Morejón, 2017MOREJÓN, Idalia. Política y polémica en América Latina: las revistas Casa de las Américas y Mundo Nuevo. Leiden: Almenara, 2017..
  • 10
    Para uma análise dos posicionamentos defendidos nesse contexto, ver Costa, 2013COSTA, Adriane V. Intelectuais, política e literatura na América Latina: o debate sobre revolução e socialismo em Cortázar, García Márquez e Vargas Llosa. São Paulo: Alameda, 2013., p. 181-189.
  • 11
    Esta carta ficou conhecida como “Declaración de los 61” ou “Declaración de los 62” (ambos os nomes constam na bibliografia consultada).
  • 12
    São eles: Escritores: Guillermo Atías, Waldo Atías, Santiago del Campo, Carlos Droguett, Eduardo Embry, Mario Ferrero, Juilio Huasi, Hernán Lavín, Hernán Loyola, Carlos Maldonado, Luis Alberto Mansilla, Mahfud Massis, Manuel Miranda, Carlos Olivarez, Gonzalo Rojas, Federico Schopf, Antonio Skarmeta, Bernardo Subercaseaux, Víctor Torres e Juvencio Valle; Artistas plásticos: José Balmes, Gracia Barrios, Eduardo Bonati, Antonio Campi, Luz Donoso, Francisco Gacitúa, Ignatius González Janzen, Patricia Israel, Helga Krebs, Pedro Millán, Guillermo Núñez, Víctor Hugo Núñez, Augustín Olivarría, Alberto Pérez e Lukó de Rokha; Músicos: Luis Advis, Rolando Alarcón, Homero Caro, Horacio Durán, Payo Grondona, Patricio Manns, Sergio Ortega, Héctor Pavez, Angel Parra, Isabel Parra, Roberto Parra, Enrique Rivera, Fernando Ugarte, Silvia Urbina e os conjuntos Huamarí, Los Curacas, Inti-Illimani e Tiempo Nuevo; Cineastas: Fernando Balmaceda, Fernando Bellet, Guillermo Cahn, Pedro Chaskel, Carlos Flores, Patricio Guzmán, Dunav Kuzmanic, Miguel Littín, Gustavo Moris, Carlos Piaggio, Alvaro Ramírez, Héctor Ríos, Raúl Ruiz, Claudio Sapiaín, Helvio Soto, Sergio Trabucco e Angelina Vásquez; Artistas de teatro e dramaturgos: Isidora Aguirre, Carlos Núñez, María Angélica Núñez, Roberto Parada, Domingo Piga, Orlando Rodríguez e Rubén Sotoconil.
  • 13
    Dois dias após a prisão de Padilla, o escritor e diplomata Jorge Edwards, que havia residido em Cuba por 3 meses e meio como encarregado de negócios do governo de Allende, retornou ao Chile. Enviado à ilha com a função de reorganizar a embaixada chilena após o reestabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países, ele foi alvo de vigilância permanente durante sua estada e manteve relações tensas com o alto escalão cubano. Ao fim da missão, o próprio Fidel, em documento dirigido a Allende, manifestou seu descontentamento com o representante chileno, sublinhando sua amizade com escritores que naquele momento eram considerados contrarrevolucionários pelo regime, incluindo o próprio Padilla. O tema foi abordado no livro Persona non grata, lançado na Espanha em 1973, proscrito em Cuba e duramente criticado pela esquerda chilena (EDWARDS, 2006EDWARDS, Jorge. Persona non grata. Santiago: Alfaguara, 2006.).
  • 14
    Sobre as críticas feitas ao documento e a dissolução do grupo, ver Lihn, 1971bLIHN, Enrique. Política y cultura en una etapa de transición al Socialismo. In: LIHN, Enrique et al. La cultura en la vía chilena al socialismo. Santiago: Ed. Universitaria , 1971b. p. 13-72., p. 26-30.
  • 15
    Lihn comentou os episódios resumidos no presente item - referentes à relação que manteve com a Revolução Cubana e com o governo da UP - em entrevistas concedidas no final dos anos 1980 a Juan Andrés Piña (1990PIÑA, Juan Andrés. Conversaciones con la poesía chilena. Santiago: Pehuén, 1990., p. 150-156).
  • 16
    Optei por não traduzir estes versos, tendo em vista as peculiaridades do gênero poético.
  • 17
    Durante o governo da UP, Otero foi adido cultural da Embaixada de Cuba no Chile.
  • 18
    Os escritores que assinaram os dois documentos são Antonio Skármeta, Federico Schopf e Hernán Loyola.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2019
  • Aceito
    01 Abr 2020
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