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Editorial - Escrito a várias mãos: revisitando a autoria e a coautoria na área de História1 1 O presente texto é uma versão modificada do documento produzido para o GT de Coautoria do Fórum de Editores de Periódicos de História - Anpuh-Brasil. ,2 2 Agradeço os comentários dos professores Valdei Araujo e Fábio Faversani.

Written by Several Hands: Revisiting Authorship and Co-authorship in the Field of History

A discussão sobre autoria e coautoria no campo da História conta, no âmbito da Anpuh-Brasil, com o documento A Questão da co-autoria: entre práticas e éticas (Gomes et al., 2008GOMES, Angela de Castro et al. Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação de História GT-Autoria da Anpuh. A Questão da co-autoria: entre práticas e éticas. 2008. Disponível em: Disponível em: http://anpuh.org/download/download?ID_DOWNLOAD=1427 . Acesso em: 13 out. 2019.
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), produzido pelo Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação de História, GT-Autoria. Tal documento reflete sobre “em que momento da chamada ‘operação historiográfica’ efetivamente o historiador-pesquisador se torna seu autor? Em que etapa do processo de construção do conhecimento histórico, uma autoria ou uma co-autoria se legitimaria?” (Gomes et al., 2008GOMES, Angela de Castro et al. Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação de História GT-Autoria da Anpuh. A Questão da co-autoria: entre práticas e éticas. 2008. Disponível em: Disponível em: http://anpuh.org/download/download?ID_DOWNLOAD=1427 . Acesso em: 13 out. 2019.
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, p. 5). Cabe mencionar que parte da motivação para a elaboração do documento é definir diretivas para se pensar a natureza da autoria do trabalho historiográfico, assim como apresentar elementos para coibir apropriações indevidas de coautoria por parte de orientadores - conforme Regina Horta Duarte (2017DUARTE, Regina Horta. A quatro mãos: encruzilhadas da coautoria na área de história. Varia Historia, v. 33, n. 63, p. 571-576, dez. 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752017000300571&lng=pt&tlng=pt . Acesso em: 29 out. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) também abordou em editorial para a revista Varia Historia.

O documento do Fórum traça as bases para uma definição do que caracterizaria o trabalho coletivo na área de História:

1) trabalho coletivo não se identifica necessariamente com a questão e reivindicação de autoria, pois esta se autoriza apenas quando a pesquisa é partilhada coletivamente em toda sua extensão e intenções; 2) a questão da co-autoria envolve cada vez mais uma discussão que sendo acadêmica (diz respeito às singularidades da produção do conhecimento em História) é também política e ética. (Gomes et al., 2008GOMES, Angela de Castro et al. Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-graduação de História GT-Autoria da Anpuh. A Questão da co-autoria: entre práticas e éticas. 2008. Disponível em: Disponível em: http://anpuh.org/download/download?ID_DOWNLOAD=1427 . Acesso em: 13 out. 2019.
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, p. 7)

Conforme mencionado, esse trabalho colaborativo, que resulta em coautorias, não pode ser instrumentalizado para inflar artificialmente a produção de um pesquisador3 3 Questão que também está presente, em especial, nos itens 16 a 20 da lista de “Diretrizes de Integridade na atividade científica”, proposta pelo CNPq (2012). ou Programa de Pós-Graduação (PPG), ele deve visar à constituição de trabalhos em grupos e/ou redes de pesquisa e colaboração.

É importante enfatizar, neste contexto, que há uma demanda/expectativa por produção de discentes vinculados aos PPGs, considerando os critérios de avaliação da Capes aos programas4 4 Temos aqui uma ampla contradição: é exigido de discentes de pós-graduação, em especial os/as doutorandos/as, publicações de artigos, mas ao mesmo tempo, a imensa maioria dos periódicos mais importantes e mais bem avaliados da área não aceitam trabalhos de não doutores/as - alguns aceitam, se também constar o nome do/a orientador/a doutor/a, numa espécie de chancela do conhecimento. Soma-se a isto a recomendação da Capes para que o Qualis não seja utilizado para qualquer outro fim que não seja a avaliação de PPG (CAPES, 2019a), no entanto esta não é a realidade (GABARDO; HACHEM; HAMADA, 2018), e as publicações atuam como importante elemento da e para a futura carreira do pós-graduando. . No entanto, a área de História, na medida em que possui um posicionamento mais centrado no trabalho individual, pode ter seu desempenho avaliado abaixo do esperado, já que não incentiva o desenvolvimento de projetos e produções em conjunto entre orientadores e orientandos, assim como entre discentes ou mesmos entre pesquisadores.

COAUTORIA E PUBLICAÇÃO EM PERIÓDICOS

Ressalte-se que já existem publicações, na área de História, que estabeleceram parâmetros de autoria de artigo, como a Varia Historia, a partir de recomendações internacionais, como as do Committee on Publication Ethics (Cope). Lemos em seu site:

  1. A coautoria é legítima quando todas as condições abaixo encontram-se preenchidas por todos os que assinam o artigo:

  2. Concepção do problema/argumento, condução teórica e metodológica da análise.

  3. Análise das fontes e sua interpretação.

  4. Participação na escrita e na revisão do texto.

  5. Compromisso com todas as práticas envolvidas na produção do artigo (questões éticas, originalidade, inexistência absoluta de plágio, uso devido de imagens e ilustrações etc.).

  6. Revisão e aprovação do texto final a ser publicado, com assinatura do Termo de Compromisso. (Varia Historia, [s. d.]VARIA HISTORIA. Código de Autoria. [S. d.]. Disponível em: http://www.variahistoria.org/author. Acesso em: 30 out. 2019.
    http://www.variahistoria.org/author...
    )

Estes três últimos tópicos estão em consonância com um conjunto de orientações internacionais, no sentido de que se estabeleça, pelo menos, a indicação de em qual fase da elaboração da pesquisa e da produção do texto participou cada um dos envolvidos na colaboração5 5 Uma das revistas da área de História que tem adotado um modelo de identificação da participação dos autores é a revista Esboços: histórias em contextos globais. Em fevereiro de 2020, o blog SciELO postou a tradução do texto de Elizabeth Gadd (2020) sobre o modelo CRediT de detalhamento das contribuições de um trabalho acadêmico. .

É importante apontar que a História tem, atualmente, uma grande variedade de subculturas acadêmicas, que interagem com as outras disciplinas com as quais fazem fronteiras. Deste modo, práticas dessas outras áreas mesclam-se com as mais típicas da área de História. Além disso, os campos de especialização também recebem uma forte influência das culturas nacionais com as quais colaboram - podemos citar aqui, como exemplo, a História da Ciência, a História da Arte e os Estudos de Gênero. O que observamos repetidamente é que publicações com maior aderência dessas áreas das Humanidades tendem a apresentar maior frequência de artigos em coautoria, frutos de trabalhos colaborativos. Deste modo, o tratamento homogêneo dessa ampla pluralidade mostra-se desaconselhável.

Interessante mencionar ainda os trabalhos de Ülle Must (2011MUST, Ülle. Implications on History Research - Does Cooperation Matter? Collnet Journal of Scientometrics and Information Management, v. 5, n. 1, p. 53-60, jun. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09737766.2011.10700902 . Acesso em: 1º nov. 2019.
http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.10...
; 2012MUST, Ülle. Alone or together: examples from history research. Scientometrics, v. 91, n. 2, p. 527-537, 11 maio 2012. Disponível em: Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/s11192-011-0596-2 . Acesso em: 13 out. 2019.
http://link.springer.com/10.1007/s11192-...
) sobre a área de História em âmbito internacional, nos quais ela observa que pesquisas com múltiplos autores tendem a receber mais citações do que trabalhos com um único autor, além de constatar que trabalhos em coautoria internacional têm performance ainda melhor. Apesar de a autora não se aprofundar nas hipóteses que possam explicar esse desempenho de trabalhos em colaboração, elencamos as seguintes possibilidades para isso:

  • as redes de contato e difusão estabelecidas pelos grupos de pesquisas nacionais/ internacionais;

  • os intercâmbios acadêmicos e/ou estágios pós-doutorais realizados pelos envolvidos;

  • a participação em eventos e palestras nacionais/internacionais6 6 Os três tópicos já são elementos valorizados na avaliação dos PPGs (BATALHA; PACHECO; SILVA, 2019). .

  • a ampliação dos atores e dos espaços envolvidos no processo de circulação da discussão ampliam as possibilidades de mais pesquisadores tomarem conhecimento dos resultados daquela pesquisa.

POSSÍVEIS CAMINHOS A SEGUIR

As reflexões aqui apresentadas podem oferecer caminhos para a continuidade das discussões e mesmo reforçar algumas práticas já em andamento:

  1. Aprofundar as discussões acerca da coautoria na área, tendo como ponto de partida os pontos abordados aqui, assim como as diretivas sobre autoria de entidades internacionais, como o Cope, e a prática de algumas revistas nacionais, como a Varia Historia e a Esboços: histórias em contextos globais;

  2. Explicitar que o receio com relação a um produtivismo excessivo tem seu efeito mitigado, ao considerarmos que a área de História estabeleceu faixas fixas de produção a ser contabilizada pelos PPGs (Capes, 2019bCOORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Relatório do Seminário de Meio Termo: História. 2019b. Disponível em: Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/Seminário_de_meio_2019/HISTORIA.pdf . Acesso em: 28 jan. 2020.
    https://www.capes.gov.br/images/Seminári...
    , p. 6);

  3. Considerar o incentivo à realização de trabalhos em coautoria, de modo que isso não se limite a trabalhos entre orientadores e orientandos, mas inserindo essa prática para englobar projetos entre docentes, projetos interinstitucionais e mesmo internacionais, tendo por horizonte, é claro, a participação de todos os envolvidos em todos os desdobramentos, assim como a declaração do nível de contribuição de cada um dos envolvidos;

  4. Considerar a adoção de um sistema de identificação da colaboração dos envolvidos no processo de produção dos trabalhos publicados pelos periódicos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    O presente texto é uma versão modificada do documento produzido para o GT de Coautoria do Fórum de Editores de Periódicos de História - Anpuh-Brasil.
  • 2
    Agradeço os comentários dos professores Valdei Araujo e Fábio Faversani.
  • 3
    Questão que também está presente, em especial, nos itens 16 a 20 da lista de “Diretrizes de Integridade na atividade científica”, proposta pelo CNPq (2012CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO (CNPq). Diretrizes de Integridade na atividade científica, proposta pelo CNPq. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes . Acesso em: 12 set. 2019.
    http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes...
    ).
  • 4
    Temos aqui uma ampla contradição: é exigido de discentes de pós-graduação, em especial os/as doutorandos/as, publicações de artigos, mas ao mesmo tempo, a imensa maioria dos periódicos mais importantes e mais bem avaliados da área não aceitam trabalhos de não doutores/as - alguns aceitam, se também constar o nome do/a orientador/a doutor/a, numa espécie de chancela do conhecimento. Soma-se a isto a recomendação da Capes para que o Qualis não seja utilizado para qualquer outro fim que não seja a avaliação de PPG (CAPES, 2019aCOORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). O que é o Qualis Periódicos? 2019a. Disponível em: Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/index.xhtml . Acesso em: 6 set. 2019.
    https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/p...
    ), no entanto esta não é a realidade (GABARDO; HACHEM; HAMADA, 2018GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel W.; HAMADA, Guilherme. Sistema Qualis: análise crítica da política de avaliação de periódicos científicos no Brasil. Revista do Direito, v. 1, n. 54, p. 144, 2018. Disponível em: Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/12000 . Acesso em: 26 maio 2019.
    https://online.unisc.br/seer/index.php/d...
    ), e as publicações atuam como importante elemento da e para a futura carreira do pós-graduando.
  • 5
    Uma das revistas da área de História que tem adotado um modelo de identificação da participação dos autores é a revista Esboços: histórias em contextos globais. Em fevereiro de 2020, o blog SciELO postou a tradução do texto de Elizabeth Gadd (2020GADD, Elizabeth. Verificação CRediT - Devemos adotar ferramentas para diferenciar as contribuições em trabalhos acadêmicos? 2020. Disponível em: Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2020/01/23/devemos-adotar-ferramentas-para-diferenciar-as-contribuicoes-em-trabalhos-academicos/ . Acesso em: 7 fev. 2020.
    https://blog.scielo.org/blog/2020/01/23/...
    ) sobre o modelo CRediT de detalhamento das contribuições de um trabalho acadêmico.
  • 6
    Os três tópicos já são elementos valorizados na avaliação dos PPGs (BATALHA; PACHECO; SILVA, 2019BATALHA, Claudio Henrique de M.; PACHECO, Ricardo de A.; SILVA, Cristiani Bereta da. CAPES - Diretoria de Avaliação. Documento de Área - Área 40: História. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/Documento_de_área_2019/História.pdf. Acesso em: 17 set. 2019.
    https://www.capes.gov.br/images/Document...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020
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