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Impacto, relevância social e citação: novos e velhos desafios para a historiografia

Com este número fechamos mais um ano da RBH. Ele ainda inaugura os mandatos deste editor e do novo Conselho Editorial. Trata-se, sem dúvida, de grande honra e responsabilidade para todos os envolvidos. O desafio é muito facilitado pelo trabalho generoso dos que nos precederam, especialmente pela diligência e competência de Bruno Feitler e de toda a equipe da revista. Um novo ciclo se inicia e esperamos estar à altura da empresa.

Neste mandato o editor da RBH acumula também a função de coordenador do Fórum de editores de periódicos científicos da Anpuh-Brasil. Vivemos um momento de grandes incertezas quanto aos rumos da avaliação Capes dos Programas de Pós-Graduação e do sistema Qualis que avalia os periódicos. Desde que assumimos o fórum em agosto deste ano temos mantido grupos de trabalho para debater e formular propostas e diagnósticos acerca de temas urgentes e relevantes, a exemplo da pressão crescente pelo uso de métricas como fator na avaliação das revistas, os impasses na cultura de citação de artigos em nossa área e a revisão da política que regula as práticas de coautoria na produção científica. Com o amparo integral da atual diretoria da Anpuh-Brasil estamos organizando um serviço de apoio aos editores de periódicos que em breve estará disponível no site de nossa associação.

Em uma de suas primeiras ações, o Conselho Editorial eleito decidiu pela criação de novas editorias para a RBH. O professor Wagner Geminiano foi escolhido para inaugurar a editoria de resenhas e já trabalha ativamente na construção de ações que atendam à demanda do campo para o fortalecimento desse tipo de produção. Os professores Marcos Stein e Helena Papa atuarão como editores executivos, dividindo comigo as responsabilidades pelo acompanhamento do fluxo editorial. A crescente complexidade e a relevância das revistas acadêmicas impunham essa ampliação do número de gestores diretamente envolvidos com a produção do periódico.

Outra mudança importante já em curso é o lançamento de editais voltados para a proposição de dossiês. A intenção do Conselho Editorial é permitir uma maior participação da comunidade acadêmica na formatação das propostas a partir de uma série de requisitos traçados pela revista, como a existência de política de diversidade (regional, de gênero e étnico-racial) claramente explicitada pelos organizadores. Em nossa primeira chamada, voltada para a área de História Antiga, a proposta vencedora tem como título “A História Antiga entre o local e o global: integração, conflito e usos do passado”. Previsto para o segundo número de 2020, será o primeiro dossiê nessa área a ser publicado pela RBH.

Um dos maiores desafios que enfrentaremos nesta gestão é ampliar o impacto acadêmico e a relevância social dos artigos publicados na RBH. A acertada recusa da área de História em adotar de modo automático indicadores bibliométricos para a avaliação do impacto das revistas não deve significar uma total recusa dessas ferramentas, nem muito menos a ausência de um debate amplo sobre o impacto e a relevância da produção veiculada nos periódicos. A carência de estudos aprofundados nesse tópico impede avaliações muito definitivas, mas é certo que muito podemos fazer para alargar o alcance nacional e internacional de nossas revistas, bem como a circulação desse conhecimento produzido em diversos espaços sociais.

A adoção crítica dos indicadores bibliométricos pode nos ajudar a entender e dimensionar o impacto acadêmico da produção em periódicos, o perfil dos artigos de maior alcance e a segmentação do público leitor. A manutenção de uma revista acadêmica de alto nível é hoje tarefa complexa e exaustiva, exigindo trabalho cada vez mais especializado. O caminho entre a submissão de um manuscrito e sua publicação envolve uma série longa de ações que visa aprimorar o valor acadêmico e assegurar a qualidade e integridade do que chega aos leitores e leitoras. Os artigos são indexados e depositados em repositórios que garantem sua sobrevivência e os protegem de fraudes e adulterações. Em tempos de desinformação, as revistas acadêmicas são portos seguros para a ciência e o saber social acumulados.

Precisamos nos perguntar se a mesma cadeia editorial se aplica às coletâneas de artigos inéditos que têm se multiplicado, competindo com o sistema de periódicos, mas raramente alcançando o impacto deste. Com a criação do chamado Qualis Livros, que permitiu a valorização desse tipo de produção, as coletâneas tornaram-se mais frequentes, sem que tenhamos feito um debate amplo e integrado sobre o seu lugar em nossa matriz de publicações científicas. Não estariam as coletâneas, carentes de indexação individual dos capítulos e sem auditoria regular acerca de seus processos editoriais, contribuindo para a dispersão de uma já dispersa produção acadêmica? Infelizmente, as pesquisas que poderiam oferecer diagnósticos desse e de outros problemas ainda são raras na historiografia nacional.1 1 Uma boa exceção é o trabalho de Rafael F. Benthien (2019). Ver também Fico, Wasser- man e Magalhães (2018) e Ginzburg (2014). Apontar essas fragilidades não significa desqualificar as coletâneas, muitas das quais se destacam pela excelência, relevância e oportunidade da iniciativa.

Não parece arriscado afirmarmos que a centralidade do livro autoral e da tese no campo da história não deve servir de desculpa para o descaso quanto à exaustividade e atualidade de nossas bibliografias. Deveríamos nos perguntar se a crescente disponibilidade de textos e pesquisas tem sido acompanhada de um maior empenho de recuperação e enfrentamento crítico dessa produção em nossos trabalhos. Como orientadores e avaliadores estaríamos suficientemente atentos a essa exigência de representatividade e exaustividade bibliográfica tão essenciais à boa pesquisa? Por outro lado, nossos artigos e capítulos de livros podem igualmente buscar formas de enquadramento de temas e objetos que ao se afastar do relato excessivamente monográfico possa estar mais aberto ao diálogo e relevância interdisciplinar. Enfim, precisamos falar sobre o impacto e a relevância social de nossas pesquisas, em particular em um momento no qual forças políticas autoritárias trabalham para enfraquecer a disciplina e cercear o direito à história.

Em outra frente não menos importante, a relevância dos periódicos deve passar por sua capacidade de investir a produção científica armazenada em suas páginas em ações de história pública, divulgação científica e curadoria de histórias. Aproximar o público das pesquisas requer iniciativas que façam a transmidiação de seus conteúdos para outros formatos e auditórios, envolvendo, por exemplo, ações voltadas para a produção de conteúdos que possam ser usados no ensino básico e pelos diversos movimentos e sujeitos sociais. Assim, os artigos podem ganhar novas vidas em formatos de áudio e vídeo, em narrativas adaptadas e em bibliografias comentadas e colaborativas, dentre outras iniciativas. A criação de portais virtuais associados a projetos editoriais tem sido um caminho possível nessa direção. Talvez nesta trincheira a participação discente, em níveis de graduação e pós-graduação, possa ganhar nova e decisiva dimensão, o que poderia levar o sistema de pós-graduação a dar maior peso a essa modalidade de produção intelectual em sua matriz de avaliação e os periódicos acadêmicos a uma maior participação discente em suas equipes.

Em um semestre no qual acompanhamos atônitos o governo federal tratar as ameaças à Amazônia com desinformação e má-fé, em que o vazamento de óleo no Nordeste brasileiro é igualmente abordado na chave do descaso, do rumor e da mentira, é por demais oportuno que o último dossiê do ano esteja dedicado às Fronteiras Amazônicas. Seu organizador, Sidney Lobato, soube reunir uma amostra representativa, viva e complexa da pesquisa histórica sobre tema tão urgente. Como de costume, neste número o leitor encontrará ainda artigos na seção livre que são o retrato da qualidade editorial de nossa revista.

Boa leitura a todas e todos.

4 de outubro de 2019

REFERÊNCIAS

  • BENTHIEN, Rafael F. Qualis periódicos na área de história: alguns apontamentos sobre os pressupostos, os resultados e os possíveis efeitos de uma avaliação. In: ÁVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (org.). A história (in) disciplinada: teoria, ensino e difusão do conhecimento histórico. Vitória: Milfontes, 2019. p. 119-148.
  • FICO, Carlos; WASSERMAN, Claudia; MAGALHÃES, Marcelo. Expansão e avaliação da área de História 2010/2016. História da Historiografia International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, MG, v. 11, n. 28, dez. 2018.
  • GINZBURG, Jaime. Periódicos acadêmicos: antagonismo entre produção e leitura (notas sobre revistas da área de Letras publicadas em 2013). Revista Expedições Teoria da História & Historiografia, Morrinhos, GO, v. 5, n. 1, p. 10-41, 2014.
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    Uma boa exceção é o trabalho de Rafael F. Benthien (2019BENTHIEN, Rafael F. Qualis periódicos na área de história: alguns apontamentos sobre os pressupostos, os resultados e os possíveis efeitos de uma avaliação. In: ÁVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo (org.). A história (in) disciplinada: teoria, ensino e difusão do conhecimento histórico. Vitória: Milfontes, 2019. p. 119-148.). Ver também Fico, Wasser- man e Magalhães (2018FICO, Carlos; WASSERMAN, Claudia; MAGALHÃES, Marcelo. Expansão e avaliação da área de História 2010/2016. História da Historiografia International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, MG, v. 11, n. 28, dez. 2018.) e Ginzburg (2014GINZBURG, Jaime. Periódicos acadêmicos: antagonismo entre produção e leitura (notas sobre revistas da área de Letras publicadas em 2013). Revista Expedições Teoria da História & Historiografia, Morrinhos, GO, v. 5, n. 1, p. 10-41, 2014.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019
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