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Uma vitrine para os médicos do sertão: a Revista Goiana de Medicina e a doença de Chagas em Goiás (1955-1962)

RESUMO

Órgão oficial da Associação Médica de Goiás, a Revista Goiana de Medicina ultrapassou suas fronteiras originais e tornou-se veículo de divulgação das pesquisas dos médicos do Brasil Central, dando-lhes muita visibilidade. O destaque conferido em sua linha editorial à doença de Chagas, grave endemia rural que ameaçava o interior do país em meados do século XX, é fator determinante da proeminência por eles alcançada. Com base na análise de artigos e correspondência institucional, e tomando o periódico em questão como fonte e objeto de pesquisa, busca-se refletir simultaneamente sobre a importância da revista goiana para a institucionalização da medicina local e sua relevância entre os estudiosos da tripanossomíase.

Palavras-chave:
periodismo médico; Goiás; doença de Chagas

ABSTRACT

As the official journal of the Goiás Medical Association, the Revista Goiana de Medicina transcended its original frontiers and became a vehicle for disseminating medical research by doctors from Central Brazil, giving them a high level of visibility. The editorial emphasis on Chagas disease, a serious rural endemic that threatened the interior of the country in the mid-twentieth century, is identified as a determining factor in the prominence achieved by them. Setting out from an analysis of articles and institutional correspondence, and taking the journal in question as both the source and object of research, the article reflects simultaneously on the importance of the Goiás medical journal for the institutionalization of local medicine and its relevance among scholars of American trypanosomiasis.

Keywords:
medical journals; Goiás state (Brazil); Chagas disease

A revista da Associação Médica de Goiás nasceu em meio à descrença geral e apenas meia dúzia de colegas acreditou ser possível manter-se uma publicação científica em pleno interior do País.

(RGM / Expedida para Alfredo Lima Jr. em 5 fev. 1959)

Órgão oficial da Associação Médica de Goiás, a Revista Goiana de Medicina (RGM) veio a público no terceiro trimestre de 1955 apresentando-se como espaço privilegiado de interlocução entre os médicos que atuavam no Brasil Central. Circularia até os anos 1990, a despeito das dificuldades financeiras e da irregularidade com que sairiam alguns de seus números (Rezende, 2001_______. Revista Goiana de Medicina. In: _______. Vertentes da Medicina. São Paulo: Giordano, 2001. p.172-174.). Entre suas metas estavam a publicação de artigos originais e atualizados, inclusive de “médicos ilustres” de outros estados, e o intercâmbio com outras revistas médico-científicas. Seu maior objetivo: “melhorar sempre o padrão da medicina que se pratica em Goiás, preparando o terreno da nossa futura Faculdade de Medicina” (Editorial, 1955EDITORIAL. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.1, n.1, p.1, 1955., p.1) - objetivo alcançado em 1960. Tomando para análise o período compreendido entre os anos de 1955 e 1962, este artigo busca evidenciar dois aspectos principais: a importância desse projeto editorial para o processo de institucionalização da medicina goiana e o peso adquirido pela revista entre os estudiosos da tripanossomíase americana.

Atuando na periferia da ciência nacional, os médicos goianos estavam, no entanto, entre os mais bem localizados para estudar algumas doenças tropicais, entre elas, a doença de Chagas. Privilegiados por contarem com um campo de pesquisas próximo e acessível, já que os doentes vinham requisitá-los em seus consultórios e clínicas, tais médicos se aprofundaram no estudo dessas patologias, publicaram artigos sobre esses temas e apresentaram trabalhos em congressos com ênfase nessas questões. Aos poucos foram sendo identificados como uma plêiade ímpar no interior do país e ganharam reconhecimento nacional e internacional pelas atividades que desenvolviam. Tal notoriedade se deveu não apenas à originalidade de suas pesquisas, mas também às redes de intercâmbio e colaboração que estabeleceram com instituições e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A construção dessa rede foi possível graças a algumas estratégias que evidenciaram sua atuação, entre elas, a publicação da Revista Goiana de Medicina. Ao longo de suas páginas é possível acompanhar a tessitura dessa rede e compreender a visibilidade alcançada pelos médicos do sertão, especialmente entre os estudiosos da enfermidade chagásica.

Para dar conta dos objetivos propostos, na primeira seção deste artigo, analisamos a revista procurando percebê-la como estratégia dos médicos goianos na busca por maior inserção no âmbito da comunidade médica nacional. Segundo seu editor, Joffre Rezende, a RGM foi pensada desde o início como uma publicação que estava no mesmo nível das melhores revistas científicas internacionais. Ambicionando figurar em indexadores de grande prestígio na época, a revista tinha forma e conteúdo esmerados: era impressa em papel de excelente qualidade e trazia entre as normas de publicação as prerrogativas da originalidade e do ineditismo de seus artigos. Com ampla tiragem, a RGM circulou entre bibliotecas de universidades, hospitais e instituições científicas, garantindo boa projeção aos trabalhos nela publicados. Inicialmente, portanto, analisaremos a revista enquanto objeto, enfatizando as estratégias de distribuição e circulação adotadas.

Na segunda e na terceira seções nos debruçaremos sobre o conteúdo do periódico, visando identificar os temas mais recorrentes em suas páginas e os médicos que nela publicavam. Compreendendo-a como um espaço de sociabilidade privilegiado, nela é possível conhecer os principais interlocutores dos goianos, as regiões e instituições onde atuavam e, com isso, estabelecer uma espécie de cartografia dessa interação. O acesso à correspondência ativa e passiva da revista ajudou no mapeamento dessas redes de intercâmbio e auxílio mútuo, facilitando o entendimento acerca do respaldo que as pesquisas desenvolvidas localmente, voltadas para as patologias regionais - em especial para a doença de Chagas - ganharam além das fronteiras de Goiás. O prestígio internacional da revista e as táticas de que se valeram os goianos para alcançá-lo são aspectos sobre os quais nos deteremos na quarta e última seção deste artigo (Ferreira, 1996FERREIRA, Luís Otávio. O nascimento de uma instituição científica: os periódicos médicos brasileiros da primeira metade do século XIX. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 1996.; Luca, 1999LUCA, Tânia Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.; Duarte, 2004DUARTE, Regina Horta. “Em todos os lares, o conforto moral da ciência e da arte”: a Revista Nacional de Educação e a divulgação científica no Brasil (1932-1934). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.XI, n.1, p.33-56, 2004.; Dutra, 2005DUTRA, Eliana de F. Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.; Biccas, 2008BICCAS, Maurilane de S. O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino em Minas Gerais (1925-1940). Belo Horizonte: Argumentum, 2008.).1 1 O que determina a aproximação deste trabalho com os autores referenciados é o fato de todos eles tomarem os periódicos simultaneamente por fonte e por objeto de pesquisa, isto é, ao se lançarem sobre as fontes, buscam não apenas explorá-las como um repositório de informações subsidiárias da pesquisa, mas principalmente, refletir sobre sua materialidade e significado histórico.

Importante ressaltar o contexto sociopolítico do país no momento em que a revista circulava, o qual tem estreita relação com o interesse que ela despertou no meio médico nacional. Trata-se dos anos 1950, mais precisamente do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), no qual é possível notar o ápice das relações entre a retórica desenvolvimentista e o combate às endemias rurais. Preocupado com a produtividade do trabalhador rural, o governo esteve atento à implementação das medidas sanitárias necessárias ao pleno desenvolvimento do país (Hochman, 2009HOCHMAN, Gilberto. “O Brasil não é só doença”: o programa de saúde pública de Juscelino Kubitschek. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, suplemento 1, p.313-331, 2009.). Desse modo, chamava atenção uma revista cujo foco recaía sobre as patologias que mais acometiam o homem do interior. O destaque conferido à tripanossomíase em sua linha editorial se deve ao fato de essa doença ter sido uma das grandes preocupações do período, e atribuímos a boa repercussão da revista ao interesse que o tema despertava na comunidade médica nacional e internacional na época considerada.

A REVISTA COMO “CARTÃO DE VISITAS”: ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO E CIRCULAÇÃO

Há muito é meu desejo felicitar os nobres colegas goianos que dirigem a Revista Goiana de Medicina, uma das melhores publicações que temos, no gênero, em nosso Brasil a começar pelo primor do papel em que é impressa bem assim a perfeição da arte gráfica que honra sobremodo tão destacada Revista Médica.

(RGM / Recebida - remetida por Alfredo Lima Jr. em 19 jan. 1959)

O apoio ao projeto editorial goiano veio logo no primeiro número da revista, por parte da Associação Médica Brasileira - instituição que congregava todas as associações médicas regionais. Publicou-se então uma carta do presidente daquela instituição, Alípio Corrêa Netto, cumprimentando a Associação Médica de Goiás (AMG) pela iniciativa, que demonstrava “o alto grau de adiantamento do meio médico goiano” (Netto, 1955NETTO, Alípio C. Carta do Prof. Alípio Corrêa Netto. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.1, n.1, p.2, 1955., p.2). As boas-vindas dadas por esse eminente personagem do meio médico-científico conferia credibilidade à revista, que investiria não apenas no conteúdo, mas também na forma como se apresentaria ao público. Nesse sentido, desde o tipo de papel em que seria impressa, passando pela composição da capa e pela formatação dos artigos, tudo mereceu atenção e cuidado especial dos médicos goianos para que seu “cartão de visitas” (Noticiário, 1959NOTICIÁRIO. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.5, n.1, p.69-77, 1959., p.71) estivesse à altura de revistas científicas renomadas em circulação no país e no mundo.

Até 1957 a revista se apresentou ao público com o sumário na capa. Apesar de parecer uma forma estratégica de divulgação do novo periódico, já que permitia o rápido acesso ao conteúdo, esse era um modelo bastante comum no período, adotado até mesmo fora do Brasil. Em 1958 a capa se modernizou e o sumário foi levado para o interior da revista. Um concurso promovido pela AMG para elaboração de nova estampa resultou em uma imagem emblemática relacionada, segundo sua autora, com a atualidade brasileira, de interiorização da capital do País” (Rassi, 1958RASSI, Luiz. Nova Capa. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.4, n.1, p.4, 1958., p.4). De acordo com Luiz Rassi, presidente da associação na época, o novo modelo gráfico refletia o anseio de progresso da classe médica de Goiás (Rassi, 1958RASSI, Luiz. Nova Capa. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.4, n.1, p.4, 1958.).

Vale destacar que o momento em que a revista goiana surge já é de grande expectativa com a transferência da capital federal para o Planalto Central Goiano. Em seu primeiro editorial, percebe-se uma atmosfera de euforia diante das inúmeras possibilidades que se abriam com a interiorização da capital, assim como a preocupação dos médicos em não ficarem à margem das mudanças que se faziam sentir. Embora em 1955 ainda não fosse possível afirmar com certeza que a capital seria transferida, estudos levados a cabo pelo governo com essa intenção até os anos 1950,2 2 Desde a Comissão Cruls, no final do século XIX, o governo federal vinha organizando comissões de estudos com o objetivo de escolher a melhor localização para a nova capital federal. Em 1953 foi organizada a última delas – a Comissão de Localização da Nova Capital Federal – que em 30 de abril de 1955 definiu o sítio onde atualmente está Brasília. Na mesma data o governador de Goiás, José Ludovico de Almeida, baixou decreto declarando ser de utilidade pública toda a área, evitando assim a especulação imobiliária. Cf. VIEIRA, 2007; VIEIRA, 2009; VIEIRA; LIMA, 2011). bem como a grande participação dos goianos nesse processo, justificavam o ambiente de grande entusiasmo compartilhado pelos médicos e expresso nas páginas da revista ao iniciar sua circulação. Se em meados de 1955 essa era apenas uma esperança, embora motivada por decisões políticas concretas, em 1958 as obras de Brasília já caminhavam a todo vapor. A nova capa da revista médica goiana refletia, portanto, as grandes transformações pelas quais passava o estado de Goiás, em especial a medicina local, que ampliava sua visibilidade à medida que a construção da nova capital avançava, chamando a atenção do país pela importância do projeto político que abrigava.

Figura 1
Capa do primeiro número da revista (v.1, n.1, jan./mar. 1955)

Figura 2
Primeira capa após a modificação de sua estampa, no primeiro trimestre de 1958

De periodicidade trimestral, cada volume da Revista Goiana de Medicina era composto por quatro números com aproximadamente 100 páginas cada (quantidade elevada se comparada a revistas de outras associações médicas do período). Ao longo do recorte temporal considerado, marcado pelo primeiro número da revista e pelo último número antes de se tornar também órgão oficial da Faculdade de Medicina de Goiás, suas condições de publicação sofreram poucas alterações. Aos interessados, informava-se que qualquer trabalho original e inédito versando sobre ciências médicas seria aceito para publicação.3 3 Os artigos deveriam vir acompanhados de resumos em português (a versão para o inglês seria feita pelo autor ou pela redação), as citações bibliográficas deveriam seguir o modelo da Associação Médica Americana (autor, título, periódico, volume, página e ano) e as despesas com até quatro clichês correriam por conta da revista. Os artigos publicados não tinham tamanho predefinido, e aos autores eram fornecidas 25 separatas – número que chegou a 50 em 1958 e que dobraria a partir de 1963. Sua tiragem inicial foi de 1.000 exemplares, alcançando 1.200 em 1958.

Sua distribuição era gratuita a todos os médicos de Goiás e do Triângulo Mineiro, em consideração aos “tradicionais laços culturais e de amizade” (RGM / Expedida em 24 jan. 1958 para Mário Salomão). Mais tarde, em 1958, a revista ampliaria seu alcance e passaria a ser distribuída gratuitamente também entre os médicos de Cuiabá, com os quais visava estabelecer maior intercâmbio (RGM / Expedida em 13 mar. 1958 para José Vinagre). A quantidade de exemplares da revista goiana destinada a essas regiões - que chegou a mais da metade de sua tiragem em 1961 (embora nessa época já não fosse mais distribuída sem ônus entre os médicos do Triângulo Mineiro e de Mato Grosso por razões financeiras) - demonstra a importância que goianos, mineiros e mato-grossenses conferiam ao estreitamento de suas relações (Tabela 1).

Tabela 1
Destinação dos exemplares, por estado

As fontes deixam entrever o grande esforço dos médicos goianos em estabelecer intercâmbio com o maior número possível de instituições científicas no Brasil e no exterior, sendo boa parte dos números da revista destinada a esse fim. Além dos médicos atuantes no Brasil Central, recebiam a revista goiana bibliotecas universitárias, escolas de medicina, associações médicas, institutos de pesquisa e hospitais espalhados pelo Brasil e pelo mundo, com os quais os goianos esperavam estabelecer permuta. Com esse sistema, a associação médica conseguia manter e atualizar sua biblioteca, destinada ao uso irrestrito dos médicos da região. A Tabela 2 mostra um aumento gradativo no número de publicações recebidas em permuta com a congênere goiana entre 1956 e 1958, perspectiva que se pode projetar para os anos posteriores tendo em vista a circulação cada vez maior da RGM.4 4 A correspondência expedida pela RGM até 1963 permite que se afirme sobre a manutenção desse intercâmbio no restante do período considerado, mas não viabiliza a quantificação dos dados. Em artigo sobre os 30 anos da revista, Rezende informa que naquela época o número de permutas já ultrapassava 300 periódicos médicos (REZENDE, 1984).

Tabela 2
Publicações recebidas em permuta

Com relação à circulação internacional, os Estados Unidos são o país responsável pelo fato de a América do Norte figurar entre as regiões que mais enviaram periódicos em permuta com a RGM. Muitas dessas publicações vinham de associações médicas locais, além do Boletín de la Oficina Sanitária Panamericana, editado em Washington. Itália e Espanha foram os países europeus que mais remeteram revistas em troca da congênere goiana, totalizando a metade do montante proveniente dessa região. Da Inglaterra vieram três publicações, entre elas o Tropical Diseases Bulletin - que será abordado mais adiante em função de sua importância na divulgação da RGM - e o British Medical Journal, um dos mais antigos e respeitados periódicos médicos do mundo (Bartrip, 1992BARTRIP, Peter. The ‘British Medical Journal’: a Retrospect. In: BYNUM, William F.; LOCK, Stephen; PORTER, Roy (Eds.) Medical Journals and Medical Knowledge - Historical Essays. London and New York: Routledge, 1992. p.126-145.). Itália, Alemanha, França e Portugal enviaram, cada um, pelos menos uma publicação relacionada ao tema da medicina tropical e parasitologia. Chile, Equador e Venezuela também permutaram publicações relacionadas a esses temas, mas Peru, Argentina e Uruguai encabeçam a lista dos países sul-americanos com mais títulos permutados, com destaque para os Anales del Instituto de Medicina Regional, publicação vinculada à Universidad Nacional de Tucumán (Gráfico 1).5 5 Fundado em 1942, o referido instituto existe até hoje e continua se dedicando à pesquisa científica, a levantamentos epidemiológicos e ao ensino das doenças tropicais. Seu primeiro diretor foi Cecílio Romaña – importante interlocutor dos brasileiros, e dos goianos em particular, em função de suas pesquisas sobre doença de Chagas, tendo publicado mais de um artigo sobre esse tema na RGM.

Gráfico 1
Circulação internacional RGM (1955-1962) (relação continente / quantidade de periódicos permutados)

No que se refere à circulação nacional, dos 61 periódicos provenientes da região Sudeste, mais da metade (35) veio do Rio de Janeiro. Entre eles merecem destaque o Brasil-Médico e Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, dada a longevidade e importância de ambos (o primeiro começou a circular em 1887, o segundo em 1909). São Paulo está logo atrás, com 24 títulos permutados com a RGM. As regiões Sul e Nordeste enviaram oito revistas cada, vinculadas às associações médicas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Piauí, Alagoas, Minas Gerais e Pernambuco (Gráfico 2).

Gráfico 2
Circulação nacional RGM (1955-1962) (relação região / quantidade de periódicos permutados)

Parece não ter havido preferência temática das revistas que seriam permutadas, uma vez que todas as publicações recebidas comporiam a biblioteca da AMG. Vale ressaltar, no entanto, o interesse em periódicos específicos, voltados para os temas da parasitologia e da medicina tropical, mesmo que a descontinuidade das fontes não permita que se afirme sua proeminência sobre os demais. O interesse maior dos goianos, ao que tudo indica, era tornar a RGM cada vez mais conhecida e fazê-la circular ao máximo, principalmente entre instituições renomadas - o que nem sempre aconteceu, dadas as negativas que receberam a alguns pedidos de permuta.6 6 Esse foi o caso da conceituada Transactions, editada pela Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene desde 1665, que justificou a negativa tendo em vista a longa lista de intercâmbios que já mantinha (RGM / Recebida – remetida em 27 jan. 1958 pela Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene); ou dos Annals of Tropical Medicine and Parasitology, editados pela Liverpool School of Tropical Medicine – outra renomada instituição britânica, fundada no final do século XIX. No entanto, às vezes a iniciativa partia das próprias instituições, que ofereciam seus periódicos em troca da revista goiana, dando indícios de sua circulação. Esse foi o caso da Universidad Nacional de San Agustín, no Peru (RGM / Recebida – remetida em 29 abr. 1958 pela Universidad Nacional de San Agustín) e do Office de la Recherche Scientifique et Technique Outre-Mer (ORSTOM), de Paris, que além de perguntar sobre o interesse dos goianos no seu Bulletin Signalétique D’entomologie Médicale et Vétérinaire, pediram autorização para mencionar os trabalhos da RGM em sua publicação (RGM / Recebida – remetida em 4 maio 1959 pelo Diretor do ORSTOM). De todo modo, os goianos foram bem-sucedidos na empreitada a que se lançaram, garantindo boa circulação para sua revista e um bom acervo de publicações, mantendo atualizados os médicos que o buscavam.

Apesar do exitoso projeto de intercâmbio, que fazia a revista ser conhecida e demandada em várias regiões no Brasil e no exterior, desde seu primeiro ano de vida ela enfrentou dificuldades financeiras. Mantinha-se por meio de assinaturas e de anúncios de empresas ligadas aos ramos da medicina e da farmácia. No entanto, o aumento do preço do papel, do valor da mão de obra e da confecção de clichês levou ao desequilíbrio nas contas a partir de 1958, impactando diretamente sobre a regularidade da publicação (RGM / Expedida em 31 dez. 1958 - relatório). Médicos que aguardavam com trabalhos no prelo, insatisfeitos com o atraso na expedição da revista, pediram seus artigos de volta (RGM / Expedida em 28 maio 1961 para Paulo Becker, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto). Embora o atraso comprometesse uma das principais normas da revista - o ineditismo dos trabalhos nela publicados - esse critério se manteve, e os artigos que não o atendiam eram rejeitados.7 7 Esse foi o caso de um médico de São Paulo, que teve o artigo devolvido com a seguinte justificativa por parte da revista: “Infelizmente o referido trabalho não mais poderá ser publicado em nossa Revista em vista de ter sido o mesmo publicado nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia (vol. 76, p.243-246, out. 1958). De acordo com as ‘Condições de Publicação’ desta Revista só serão aceitos trabalhos originais inéditos...” (RGM / Expedida em 27 jan. 1959 para F. Caldeira Algodoal, Hospital Municipal de São Paulo, SP).

A responsabilidade por avaliar a qualidade dos trabalhos enviados à revista e por decidir sobre a conveniência ou não de sua publicação cabia a um conselho científico composto por dez membros. No topo da estrutura administrativa estava o diretor responsável, no caso, o presidente da AMG em exercício. Entre outras atribuições, ele deveria escolher os membros que atuariam no conselho científico e nas comissões (de redação e finanças). O mandato de cada membro vigoraria por tempo indeterminado, ficando a cargo do diretor qualquer modificação necessária. Um corpo de redatores completava tal estrutura.8 8 Organizado inicialmente por inscrição voluntária dos sócios da AMG, o quadro de redatores fixos estava distribuído segundo as especialidades médicas. Embora a maioria deles atuasse em Goiânia, alguns médicos residiam nas cidades contempladas com sedes regionais da associação, instaladas em Anápolis, Ceres, Jataí, Morrinhos e Brasília. Rio Verde e Rubiataba não contavam com sedes regionais, mas desses municípios também vieram alguns dos redatores.

Segundo observam Loudon & Loudon (1992LOUDON, Jean; LOUDON, Irvine. Medicine, Politics and the Medical Periodical 1800-50. In: BYNUM, Willaim F.; LOCK, Stephen; PORTER, Roy (Eds.) Medical Journals and Medical Knowledge - Historical Essays. London and New York: Routledge, 1992. p.49-69.) em trabalho sobre o periodismo médico no século XIX, os house journals - periódicos vinculados a instituições, como no caso aqui analisado - teriam algumas vantagens em relação aos demais. Além de contar com um público leitor cativo e com recursos para cobrir os gastos com a publicação, provenientes das anuidades pagas pelos sócios, encontraria também entre os médicos associados os principais autores para seus artigos, ou seja, uma fonte quase inesgotável de matéria-prima para enriquecer seu conteúdo. No caso da revista goiana, a permanência no cargo de redator efetivo estava condicionada à colaboração contínua no periódico, no qual seus membros deveriam publicar pelo menos um artigo por ano. Apesar do grande número de médicos que aceitaram tal incumbência - quase cem no período analisado -, em relatório produzido ao final de 1957 o editor-chefe expôs a escassez de contribuições e sugeriu um prazo máximo para que esses redatores dessem sua colaboração ao periódico, sob pena de desligamento da revista (RGM / Expedida em 31 dez. 1957 - relatório). A promessa foi rigorosamente cumprida, e dos 81 redatores que compunham o corpo redatorial em 1959, apenas 39 permaneceram no cargo no ano seguinte.9 9 A partir de 1957 criou-se na revista uma seção de redatores-correspondentes formada por colegas residentes em cidades vizinhas de outros estados (RGM / Expedida em 12 jun. 1957 para Calil Porto). Entre 1957 e 1962 a RGM contou com correspondentes nas cidades de Uberlândia, Uberaba, Araguari, Frutal e Ituiutaba (Minas Gerais); São José do Rio Preto (SP), Campo Grande e Cuiabá (MT) e Brasília.

REVISTA GOIANA DE MEDICINA: ÓRGÃO DE DIFUSÃO DA PESQUISA EM DOENÇA DE CHAGAS

Entre 1955 e 1962 a revista goiana foi composta por seções que podemos considerar “fixas”, dada a sua regularidade, e por outras que se apresentavam transitoriamente em suas páginas. Entre as seções fixas estavam o Editorial (cuja autoria cabia ao diretor responsável), artigos originais, noticiário e resumos (de trabalhos publicados no Brasil e no exterior). No período aqui considerado, os editoriais versaram sobre diversos assuntos, entre eles a doença de Chagas - tema de três números que corresponderam a edições especiais da revista dedicadas à enfermidade.

Doença típica do Brasil Central, causada por um parasito - o Trypanossoma cruzi - e transmitida ao homem por meio da picada do barbeiro, a doença de Chagas marcou presença em todos os números da revista desde o início de sua circulação. Tendo em vista que acometia preferencialmente o trabalhador rural adulto em plena idade produtiva, representava uma ameaça ao desenvolvimento do país e atraía a atenção de todos os especialistas comprometidos com sua eliminação, atuantes no interior ou no litoral. Por conta dela a revista goiana ganhou ampla visibilidade, tornando-se bibliografia de referência para todos os interessados no assunto. De maneira tímida a princípio, aos poucos a revista foi assumindo o papel de principal instrumento de divulgação das investigações em torno dessa patologia que avassalava o interior do país, apesar das críticas a respeito da prevalência do tema em suas páginas:

Algumas críticas têm sido feitas à natureza e utilidade de alguns trabalhos publicados. Alguns colegas têm dito inclusive que a Revista tem se dedicado principalmente à Doença de Chagas. Não nos cabe a culpa ou mérito algum nisso. Nenhuma colaboração recebida deixou de ser publicada até hoje e, se temos publicado muitos trabalhos sobre Doença de Chagas é porque temos recebido trabalhos sobre este assunto. Aliás, é preciso que se diga, que é justamente o fato de a Revista Goiana de Medicina estar se transformando, por força das circunstâncias, em órgão especializado em Doença de Chagas, é que a projetou em outros países, que a fez procurada em Bibliotecas estrangeiras e que nos proporcionou valiosas permutas com outras revistas médicas que estão vindo enriquecer o patrimônio da AMG. Foi ainda graças à Doença de Chagas, assunto eminentemente brasileiro e goiano, que a nossa Revista tem sido citada e distinguida por outras revistas de projeção internacional, com citações e resumos de trabalhos aqui publicados... (RGM / Expedida em 31 dez. 1957 - relatório, grifo nosso)

Os trabalhos sobre a doença, não por acaso, interessavam também a seu editor. Joffre Rezende foi profundo estudioso da enfermidade chagásica e protagonista no processo que culminou com a comprovação de uma nova forma de manifestação da doença nos anos 1950.10 10 O atendimento diário a pacientes que sofriam com o “mal de engasgo” despertou Rezende para as pesquisas clínicas sobre doença de Chagas. Tais pesquisas o levaram a uma inédita associação entre a afecção, conhecida também como “megaesôfago”, e a infecção pelo Trypanossoma cruzi, chegando a uma das formas possíveis de manifestação da enfermidade chagásica, denominada “forma digestiva”. Junto a outros médicos do interior, Rezende se destacaria internacionalmente por essa associação, antecipada por ele desde 1956, mas totalmente aceita somente alguns anos depois (cf. REZENDE, 2009; VIEIRA, 2015b). Tendo em vista seu investimento de pesquisa, organizou números especiais da revista sobre o assunto em níveis regional (v.2, n.4, 1956), nacional (v.4, n.2, 1958) e internacional (v.5, n.4, 1959). A despeito das críticas, a partir de 1958 passou a ser um “compromisso de honra” assumido pela diretoria da publicação a presença de pelo menos um trabalho sobre o tema em cada número do periódico (RGM / Expedida em 28 jan. 1958 para Thereza Freire).

Além da afinidade de seu editor com o tema, o predomínio da doença de Chagas no índice temático da RGM tem estreita relação com o perfil que a revista foi assumindo ao longo do período aqui estudado, ou seja, o de um periódico mais voltado para as doenças regionais que mais ameaçavam os trabalhadores no Brasil Central. A enfermidade chagásica já vinha sendo observada como um grave problema no estado desde os anos 1940, quando a realização de inquéritos epidemiológicos constatou a prevalência da doença em alguns municípios (Freitas; Mendonça, 1951FREITAS, José L. P. de; MENDONÇA, Wilson. Inquérito sobre moléstia de Chagas no Município de Rio Verde (Estado de Goiás). O Hospital, Rio de Janeiro, v.39, n.2, p.251-261, 1951.). A campanha contra os barbeiros vinha sendo feita pelo Serviço Nacional de Malária desde 1951 e foi continuada depois pela circunscrição Goiás do Departamento Nacional de Endemias, criado em 1956 (Carvalho; Verano, 1956CARVALHO, Áttila G. de; VERANO, Ottoni T. Contribuição ao conhecimento da distribuição geográfica dos triatomídeos domiciliários e de seus índices de infecção natural pelo schizotrypanum cruzi na região do Planalto Central (Retângulo de Cruls), Estado de Goiás, Brasil. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.2, n.3, p.181-200, 1956.). No entanto, as reivindicações dos médicos nos congressos regionais, em especial nos Congressos Médicos do Triângulo Mineiro e Brasil Central,11 11 Os Congressos Médicos do Triângulo Mineiro (mais tarde agregando a essa denominação “Brasil Central”), que começaram em 1947 por iniciativa da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, conformaram um espaço de troca intelectual importante para os médicos que trabalhavam no interior do país, bem como de cobrança aos poderes públicos. Inicialmente reunindo poucas dezenas de profissionais, logo chegariam a agregar centenas de participantes provenientes até mesmo de grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. No total, entre os anos de 1947 e 1965 aconteceram 13 congressos médicos dessa natureza, e Goiânia sediou dois deles: em 1951 e em 1958 (VIEIRA, 2015a). deixam entrever que as ações empreendidas pelo governo não eram suficientes. Os trabalhos apresentados nessas ocasiões indicavam que a incidência da doença era muito maior do que pensavam os poderes públicos, e por isso os médicos demandavam a realização de inquéritos sorológicos mais abrangentes para avaliar a verdadeira extensão da endemia. Ao mesmo tempo, pediam a intensificação do combate aos triatomíneos pelos inseticidas de ação residual.

A publicação dos goianos foi, assim, se consolidando como um veículo importante para os médicos que lidavam com tais doenças no seu dia a dia, fosse em seus ambientes de pesquisa nos grandes centros, em institutos ou faculdades, fosse em seus consultórios e clínicas particulares, como acontecia com goianos e mineiros especialmente. Conformando mais de 50% do total de artigos publicados, a tripanossomíase americana configurou-se como o “carro-chefe” da revista. A maior quantidade de trabalhos dedicados a essa doença reflete o compromisso dos goianos com as patologias locais. Nesse sentido, é interessante ressaltar a inexistência de artigos sobre a hanseníase e a tuberculose, por exemplo - problemas que vinham preocupando os goianos e sendo amplamente debatidos nesses mesmos congressos regionais. Do mesmo modo, a pouca quantidade de trabalhos sobre a malária, a esquistossomose e mesmo o pênfigo foliáceo, doença cuja etiologia ainda hoje é desconhecida, salta aos olhos. Algumas dessas também haviam sido temas de destaque nos eventos médicos regionais, e surpreende que não tenham obtido mais espaço no periódico em questão.12 12 Nesse sentido, é interessante observar que não havia paralelo exato entre as demandas expressas nesses eventos e os temas em destaque na revista goiana.

A escassez de trabalhos a respeito desses males, no entanto, faz sentido se avaliamos o peso que as pesquisas envolvendo a doença de Chagas foram adquirindo sobre a rede de conhecimento médico-científico que os goianos vinham construindo desde que fundaram sua associação médica em 1950. Tendo em vista que a ênfase nessa enfermidade garantia a maior circulação do periódico, estimulando até mesmo renomados personagens do cenário médico nacional a contemplarem a revista com seus trabalhos, como será possível observar na próxima seção, nada mais natural do que continuar fomentando essa rede de intercâmbio privilegiando pesquisas e artigos relacionados ao tema. Nesse sentido, pode-se afirmar que a projeção alcançada pela revista goiana se deveu à doença de Chagas. Em função dela, grande número de instituições científicas, médicos e alunos das faculdades de medicina, no Brasil e no exterior, passaram a demandar a revista. Muitos foram os pedidos tanto pelos números especiais quanto por assinaturas anuais do periódico médico goiano, que assim foi ultrapassando fronteiras.13 13 Chama atenção o interesse dos médicos latino-americanos, especialmente dos argentinos. A relação entre brasileiros e argentinos no que se refere à tripanossomíase americana vem desde o início do século XX, sendo a Argentina um dos primeiros países a se interessar pelos trabalhos de Carlos Chagas (KROPF, 2009). Nas páginas da revista goiana essa relação se traduziu por meio de três artigos sobre a enfermidade, publicados entre 1959 e 1967.

TECENDO A REDE: O INTERCÂMBIO INTELECTUAL FOMENTADO PELA TRIPANOSSOMÍASE

Os médicos goianos conformaram a maioria dos autores que escreviam na revista (Gráfico 3), mas foram seguidos de perto pelos médicos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso completam o quadro nacional, no qual também se destaca Brasília. Um número comemorativo dos 50 anos da descoberta da doença de Chagas, que circulou em 1959, é responsável pelos artigos de autoria de estrangeiros.

Gráfico 3
Distribuição dos médicos que escreviam na RGM segundo sua origem (1955-1962)

A seguir, temos uma ideia mais detalhada acerca da origem - por município - desses autores (Gráfico 4). Apesar de outras cidades goianas estarem representadas na revista, vemos que grande parte dos médicos de Goiás residia e atuava na capital, Goiânia. O Rio de Janeiro vem logo atrás, seguido de muito perto por Ribeirão Preto - cidade que dá a São Paulo o segundo lugar no Gráfico 3, tendo em vista que dos 29 médicos desse estado, 19 atuavam naquela cidade do interior paulista. Da cidade de São Paulo oito médicos escreveram para o periódico goiano, e das cidades do Triângulo Mineiro (Araguari, Uberaba e Uberlândia) sete foram os autores que contemplaram a revista com algum artigo. Somados, os médicos que atuavam em Goiás, Ribeirão Preto e Triângulo Mineiro chegam a pouco mais da metade do total de médicos que escreveram na RGM no período considerado, o que permite concluir que a revista goiana alcançou uma das metas arroladas em seu primeiro editorial e funcionou, portanto, como veículo de projeção para os médicos do interior (Editorial, 1955EDITORIAL. Revista Goiana de Medicina, Goiânia, v.1, n.1, p.1, 1955., p.1).

Gráfico 4
Distribuição nacional dos médicos que publicavam na RGM segundo a cidade em que atuavam (1955-1962)

Essa quantificação deixa entrever os estreitos laços mantidos entre goianos e os médicos atuantes em Ribeirão Preto e no Triângulo Mineiro, com os quais estabeleceram verdadeiras redes de colaboração mútua. Com relação a Ribeirão Preto, esse intercâmbio foi sendo construído por intermédio da faculdade de medicina, instalada naquela cidade em 1952 e vinculada à Universidade de São Paulo (USP). O interesse comum pela doença de Chagas foi o que motivou a aproximação desses médicos em meados dos anos 1950. Fritz Koeberle, chefe do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e José Lima Pedreira de Freitas, do Departamento de Higiene e Medicina Preventiva da mesma instituição, mantiveram vínculos bastante estreitos com os goianos, sendo seus principais interlocutores. Além da intensa colaboração nas pesquisas relacionadas à enfermidade chagásica, esses médicos participaram ativamente dos congressos regionais e firmaram verdadeiras parcerias com os goianos, contribuindo sobremaneira para a visibilidade alcançada por estes últimos. Pedreira de Freitas, aliás, estava entre os sócios honorários da AMG e entre as personalidades que mais inspiraram os goianos (RGM / Expedida em 4 ago. 1956 para José L. Pedreira de Freitas).

Já a relação com os médicos do Triângulo Mineiro começou a ser tecida um pouco antes, nos anos 1940, com as primeiras edições dos congressos médicos que se realizavam naquela região. A participação cada vez maior dos goianos nesses eventos levou não apenas à ampliação de seu escopo e à inclusão da designação “Brasil Central” em seu nome (passando a Congresso Médico do Triângulo Mineiro e Brasil Central), mas principalmente intensificou as trocas intelectuais entre os dois meios, estimulando colaborações e aumentando o respaldo dado às pesquisas que ambos levavam a cabo. Um sinal da afinidade entre os médicos de Goiás e do Triângulo Mineiro está no fato de estes últimos preterirem o periódico ligado à associação mineira em favor da congênere goiana, escolhida como melhor veículo para divulgação de seus trabalhos.

Destacam-se nesse grupo Calil Porto, clínico atuante em Araguari, e Adib Jatene, professor de anatomia topográfica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, em Uberaba. Assim como os médicos de Ribeirão Preto, ambos tinham interesse pela doença de Chagas. Como observado anteriormente, essa doença se constituiu como prioridade da RGM, e isso foi sendo percebido pelos médicos nela interessados, os quais acabavam optando por mandar seus artigos para a revista goiana em vez de qualquer outra, fosse de associação local ou de circulação mais abrangente:

Conforme prometi quando aí estive segue o trabalho sobre Doença de Chagas e transfusão de sangue. Aqui me sugeriram que o mandasse à Revista da AMB. Eu creio que na Revista Goiana, que vocês têm procurado engrandecer com um grande trabalho e torná-la mais dedicada aos problemas relacionados com o grande flagelo de nossa região seria o mais aconselhável... (RGM / Recebida - remetida em 29 dez. 1958 por Adib Jatene)

Emmanuel Dias, um dos médicos mais engajados na luta em prol da erradicação da doença de Chagas (Kropf, 2009KROPF, Simone P. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909-1962. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009.), foi outro personagem importante a priorizar a RGM. Diretor do Centro de Estudos e Profilaxia da Doença de Chagas em Bambuí (MG), posto avançado do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e importante referência nos métodos de combate aos barbeiros, considerou mais adequada a publicação de seu trabalho na RGM do que na tradicional publicação O Hospital:

Prezado Dr. Joffre, recebi neste instante sua carta de 31 de dezembro, que respondo com satisfação. Será com prazer que verei publicado na Revista Goiana de Medicina meu relatório apresentado à Mesa Redonda sobre Doença de Chagas, do IX Congresso Médico do Brasil Central e lido pelo meu filho João Carlos Pinto Dias, que aí terá deixado a cópia datilografada (sem os defeitos das mimeografadas) para publicação. Entretanto, estou enviando nova cópia, pois tenho muito interesse em que apareça na RGM, que tanta atenção vem dando, felizmente, ao momentoso assunto da Doença de Chagas ... Eis por que fiquei surpreendido com o pedido de autorização para a publicação do trabalho. Julgava, mesmo, obrigatória sua publicação na RGM, e por isto deixei de mandá-lo a “O Hospital”... (RGM / Recebida - remetida em 10 jan. 1959 por Emmanuel Dias)

Além dos médicos citados, com os quais a relação se deu de modo mais estreito e frequente, muitos outros se interessaram pela revista goiana. C. Magarinos Torres, Chefe da Divisão de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Geraldo Siffert de Paula e Silva, professor de gastroenterologia na PUC-Rio, Samuel Pessoa, Catedrático do Departamento de Parasitologia da Faculdade de Medicina da USP, Aluizio Prata, Catedrático de Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas e Zilton Andrade, Patologista do Hospital das Clínicas, ambos da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, são alguns nomes que merecem destaque dada a posição que ocupavam no cenário científico nacional. Cada um deles compareceu com pelo menos um artigo na RGM, prestigiando o trabalho editorial levado a cabo pelos goianos. Ao deixarem de publicar em periódicos de maior circulação, tradição e peso, esses personagens de relevo no cenário médico-científico ajudavam a consagrar a revista goiana como espaço mais adequado para veiculação de trabalhos relacionados com as doenças que mais ameaçavam as populações rurais. Não é mera coincidência, como se viu, o fato de todos os artigos publicados pelos pesquisadores citados versarem sobre a mesma temática: a doença de Chagas.

CRUZANDO FRONTEIRAS NACIONAIS: O PRESTÍGIO INTERNACIONAL DA RGM

Como se viu anteriormente, a circulação da RGM no exterior foi fruto do trabalho de seus diretores, os quais buscavam ampliar o público leitor do periódico e estabelecer um sistema estável de permutas, o que garantiria um acervo sempre atualizado à disposição dos médicos goianos. O interesse que a revista despertou no professor inglês de medicina tropical Philip Marsden, no entanto, significou a potencialização da divulgação do periódico fora do Brasil e o aumento de seu prestígio. Segundo Rezende, Marsden aperfeiçoava os resumos em inglês contidos na revista e os encaminhava para publicação nas páginas do Tropical Diseases Bulletin, de Londres (Rezende, 2001REZENDE, Joffre M. de. Depoimento. Projeto História da Pesquisa sobre a Doença de Chagas no Brasil. Rio de Janeiro: Programa de História Oral da Casa de Oswaldo Cruz, 2001., fita 4 / lado B). Sendo um dos mais antigos na linha das obras de referência, nele estão resumidos trabalhos publicados em revistas de diversos países do mundo, versando sobre as enfermidades tropicais.14 14 O Tropical Diseases Bulletin começou a circular em 1912, em um contexto no qual havia necessidade de se disseminar informações sobre as doenças que grassavam nas colônias britânicas. Nasceu da decisão dos governos da Grã-Bretanha e do Sudão de financiar um escritório encarregado de coletar e publicar informações sobre tais doenças, a que se deu o nome de Escritório de Higiene e Doenças Tropicais. Coube a um comitê, do qual faziam parte cientistas como Patrick Manson e Ronald Ross, sua supervisão (WILCOCKS, 1972; SIX DECADES..., 1972). Entre os trabalhos da revista goiana que foram resumidos nessa obra, estão aqueles referentes à doença de Chagas.

Segundo Martins (2003MARTINS, Ruth B. Do papel ao digital: a trajetória de duas revistas científicas brasileiras. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Rio de Janeiro, 2003.) entre os papéis de um editor científico está a promoção da máxima difusão do periódico. Para atender a essa exigência, o editor precisaria se empenhar em ampliar a rede de assinantes da revista e trabalhar para que seu periódico fosse incluído e mantido em bases de dados e indexadores, garantindo assim uma visibilidade maior entre os membros da comunidade científica. Como foi possível observar até aqui, o empenho em aumentar o público leitor da RGM era notório entre seus diretores. Alcançar a meta de incluir a revista goiana em indexadores de grande prestígio internacional foi um grande desafio, principalmente diante de algumas exigências que deveriam ser atendidas, entre elas, a regularidade da publicação - algo que a RGM não vinha conseguindo manter, como se viu páginas atrás.

Iniciada na segunda metade do século XIX, a indexação da literatura científica surgiu em decorrência da crescente produção acadêmica. De acordo com Martins, os cientistas passaram a demandar instrumentos que os mantivessem atualizados com relação à literatura produzida na sua especialidade - algo cada vez mais difícil dado o crescente volume de publicações. Assumindo papel preponderante na disseminação de informações científicas na sociedade contemporânea, aos poucos esses indexadores teriam incorporado novas atribuições e atualmente funcionariam, segundo Martins, como verdadeiras “grifes”, valorizando os periódicos selecionados para integrar suas coleções (Martins, 2003MARTINS, Ruth B. Do papel ao digital: a trajetória de duas revistas científicas brasileiras. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Rio de Janeiro, 2003., p.49). Esse novo sentido adquirido pelos índices talvez tenha motivado os goianos a requererem a inclusão de seu periódico em tão renomados instrumentos de difusão da produção acadêmica.

Assim, a consciência da abrangência da revista goiana levou seus diretores a pedirem sua inclusão, já em 1956, em indexadores internacionais de grande peso como o Quarterly Cumulative Index Medicus, editado pela American Medical Association, e o Current List of Medical Literature, editado pela National Library of Medicine, também dos Estados Unidos. Para tanto, enviaram uma coleção completa da revista para essas instituições na expectativa de que a revista passasse a integrá-los (RGM / Expedida em 26 nov. 1956 para Quarterly Cumulative Index Medicus - American Medical Association / Chicago, Illinois, USA). Embora a solicitação não tenha sido atendida imediatamente, a insistência dos goianos levou à inclusão parcial do periódico no Index Medicus nos anos 1960 (RGM / Expedida em 19 jan. 1961 para National Library of Medicine / Washington D.C. - USA).15 15 Atualmente o Medline, uma de suas bases bibliográficas eletrônicas, é a mais utilizada em todo o mundo por profissionais das áreas de saúde e medicina (MARTINS, 2003).

O prestígio internacional da RGM também pode ser aferido pelo interesse de médicos estrangeiros em nela publicar. Envolvidos com as pesquisas em torno do mal de Chagas, Cecílio Romaña (Argentina), Amador Neghme (Chile), Juan José Osimani (Uruguai), Rodrigo Zeledón (Costa Rica), Aristides Herrer (Peru) e Luiz Mazzotti (México) foram alguns dos médicos que aceitaram o convite para escrever artigos para um número comemorativo do periódico goiano em homenagem aos 50 anos da descoberta da doença. O aceite desses médicos reforça a importância adquirida por esse veículo de divulgação também em espaços de pesquisa fora do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais do que um elo entre os médicos do Brasil Central, a RGM simbolizou um amplo canal de divulgação das atividades e pesquisas desenvolvidas pelos médicos da região - uma vitrine, para retomar o título deste artigo. O aumento progressivo de sua distribuição e circulação interferiu diretamente, e positivamente, sobre o processo de consolidação da comunidade médica goiana, aumentando a visibilidade do grupo e chamando a atenção para a especificidade de sua atuação no interior do país. Essa revista, no entanto, conformou apenas parte de uma estratégia mais ampla dos médicos goianos de levarem para seu estado uma instituição de ensino superior, que envolvia também as atividades promovidas por sua associação médica e o intercâmbio promovido durante os congressos médicos regionais. O investimento nesse ambicioso projeto editorial rendeu bons frutos para um grupo que em 1955 contava apenas 5 anos de existência formalizada e que em 1960 inauguraria uma faculdade de medicina em Goiás.

A ampla circulação do periódico, fruto dos esforços empregados pelos diretores na manutenção de sua qualidade editorial, rendeu a visibilidade almejada. O destaque conferido à doença de Chagas em suas páginas foi fundamental para que a revista obtivesse reconhecimento além das fronteiras regionais e se transformasse em bibliografia de referência para estudiosos da enfermidade em todo o país e no mundo. Demandada principalmente por aqueles que se interessavam pela doença de Chagas, a revista contou com nomes de peso entre seus articulistas, como José Lima Pedreira de Freitas, Emmanuel Dias e C. Magarinos Torres, o que lhe conferia credibilidade. Como foi possível observar, no entanto, a maior parte das colaborações era de médicos atuantes no interior do país, e entre eles destacavam-se os goianos e seus principais interlocutores, os médicos de Ribeirão Preto e do Triângulo Mineiro. A construção desses laços esteve associada diretamente com os interesses mútuos em torno da enfermidade chagásica, e foi fundamental no processo de institucionalização da medicina em Goiás. Do mesmo modo, a notoriedade alcançada pelo periódico, e pelos médicos do Brasil Central como um todo, em função da ênfase nesse tema, explica tal investimento.

Considerando-a um dos “marcos para a inserção da doença em novos espaços institucionais” (Kropf, 2009KROPF, Simone P. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909-1962. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009., p.481), a historiadora Simone Kropf ressalta a importância da revista goiana no fomento às pesquisas em torno da tripanossomíase, evidenciando o papel dos clínicos do interior na sua construção científica e social. Nesse sentido, ao mesmo tempo que se configurou como veículo de divulgação das pesquisas em torno dessa enfermidade, a Revista Goiana de Medicina contribuiu para a legitimidade alcançada pela comunidade médica atuante em Goiás. Vale destacar que a proeminência adquirida pelo periódico, e pelo próprio grupo que se organizou ao redor dele, também se deve atribuir às discussões em torno dos temas saúde e desenvolvimento, em voga no momento em que a revista começou a circular e que, em âmbito nacional, se refletiram no combate às endemias rurais, percebidas como principais obstáculos ao desenvolvimento do país durante o governo de Juscelino Kubitschek. A doença de Chagas foi um dos alvos principais de seu programa de saúde. Nesse cenário, a Revista Goiana de Medicina e os médicos goianos adquiriram posição de destaque, transformando-se em grandes aliados nessa batalha contra a doença.

FONTES PRIMÁRIAS

  • Arquivo da Associação Médica de Goiás - Correspondência Expedida: 1955-1962.
  • Arquivo da Associação Médica de Goiás - Correspondência Recebida: 1958-1959.

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  • 1
    O que determina a aproximação deste trabalho com os autores referenciados é o fato de todos eles tomarem os periódicos simultaneamente por fonte e por objeto de pesquisa, isto é, ao se lançarem sobre as fontes, buscam não apenas explorá-las como um repositório de informações subsidiárias da pesquisa, mas principalmente, refletir sobre sua materialidade e significado histórico.
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    Desde a Comissão Cruls, no final do século XIX, o governo federal vinha organizando comissões de estudos com o objetivo de escolher a melhor localização para a nova capital federal. Em 1953 foi organizada a última delas – a Comissão de Localização da Nova Capital Federal – que em 30 de abril de 1955 definiu o sítio onde atualmente está Brasília. Na mesma data o governador de Goiás, José Ludovico de Almeida, baixou decreto declarando ser de utilidade pública toda a área, evitando assim a especulação imobiliária. Cf. VIEIRA, 2007; VIEIRA, 2009VIEIRA, Tamara R. No coração do Brasil, uma capital saudável - a participação dos médicos e sanitaristas na construção de Brasília (1956-1960). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl. 1, p.289-312, 2009.; VIEIRA; LIMA, 2011VIEIRA, Tamara R.; LIMA, Nísia T. A capital federal nos altiplanos de Goiás - medicina, geografia e política nas comissões de estudos e localização das décadas de 1940 e 1950. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.24, n.47, p.29-48, 2011.).
  • 3
    Os artigos deveriam vir acompanhados de resumos em português (a versão para o inglês seria feita pelo autor ou pela redação), as citações bibliográficas deveriam seguir o modelo da Associação Médica Americana (autor, título, periódico, volume, página e ano) e as despesas com até quatro clichês correriam por conta da revista. Os artigos publicados não tinham tamanho predefinido, e aos autores eram fornecidas 25 separatas – número que chegou a 50 em 1958 e que dobraria a partir de 1963. Sua tiragem inicial foi de 1.000 exemplares, alcançando 1.200 em 1958.
  • 4
    A correspondência expedida pela RGM até 1963 permite que se afirme sobre a manutenção desse intercâmbio no restante do período considerado, mas não viabiliza a quantificação dos dados. Em artigo sobre os 30 anos da revista, Rezende informa que naquela época o número de permutas já ultrapassava 300 periódicos médicos (REZENDE, 1984).
  • 5
    Fundado em 1942, o referido instituto existe até hoje e continua se dedicando à pesquisa científica, a levantamentos epidemiológicos e ao ensino das doenças tropicais. Seu primeiro diretor foi Cecílio Romaña – importante interlocutor dos brasileiros, e dos goianos em particular, em função de suas pesquisas sobre doença de Chagas, tendo publicado mais de um artigo sobre esse tema na RGM.
  • 6
    Esse foi o caso da conceituada Transactions, editada pela Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene desde 1665, que justificou a negativa tendo em vista a longa lista de intercâmbios que já mantinha (RGM / Recebida – remetida em 27 jan. 1958 pela Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene); ou dos Annals of Tropical Medicine and Parasitology, editados pela Liverpool School of Tropical Medicine – outra renomada instituição britânica, fundada no final do século XIX. No entanto, às vezes a iniciativa partia das próprias instituições, que ofereciam seus periódicos em troca da revista goiana, dando indícios de sua circulação. Esse foi o caso da Universidad Nacional de San Agustín, no Peru (RGM / Recebida – remetida em 29 abr. 1958 pela Universidad Nacional de San Agustín) e do Office de la Recherche Scientifique et Technique Outre-Mer (ORSTOM), de Paris, que além de perguntar sobre o interesse dos goianos no seu Bulletin Signalétique D’entomologie Médicale et Vétérinaire, pediram autorização para mencionar os trabalhos da RGM em sua publicação (RGM / Recebida – remetida em 4 maio 1959 pelo Diretor do ORSTOM).
  • 7
    Esse foi o caso de um médico de São Paulo, que teve o artigo devolvido com a seguinte justificativa por parte da revista: “Infelizmente o referido trabalho não mais poderá ser publicado em nossa Revista em vista de ter sido o mesmo publicado nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia (vol. 76, p.243-246, out. 1958). De acordo com as ‘Condições de Publicação’ desta Revista só serão aceitos trabalhos originais inéditos...” (RGM / Expedida em 27 jan. 1959 para F. Caldeira Algodoal, Hospital Municipal de São Paulo, SP).
  • 8
    Organizado inicialmente por inscrição voluntária dos sócios da AMG, o quadro de redatores fixos estava distribuído segundo as especialidades médicas. Embora a maioria deles atuasse em Goiânia, alguns médicos residiam nas cidades contempladas com sedes regionais da associação, instaladas em Anápolis, Ceres, Jataí, Morrinhos e Brasília. Rio Verde e Rubiataba não contavam com sedes regionais, mas desses municípios também vieram alguns dos redatores.
  • 9
    A partir de 1957 criou-se na revista uma seção de redatores-correspondentes formada por colegas residentes em cidades vizinhas de outros estados (RGM / Expedida em 12 jun. 1957 para Calil Porto). Entre 1957 e 1962 a RGM contou com correspondentes nas cidades de Uberlândia, Uberaba, Araguari, Frutal e Ituiutaba (Minas Gerais); São José do Rio Preto (SP), Campo Grande e Cuiabá (MT) e Brasília.
  • 10
    O atendimento diário a pacientes que sofriam com o “mal de engasgo” despertou Rezende para as pesquisas clínicas sobre doença de Chagas. Tais pesquisas o levaram a uma inédita associação entre a afecção, conhecida também como “megaesôfago”, e a infecção pelo Trypanossoma cruzi, chegando a uma das formas possíveis de manifestação da enfermidade chagásica, denominada “forma digestiva”. Junto a outros médicos do interior, Rezende se destacaria internacionalmente por essa associação, antecipada por ele desde 1956, mas totalmente aceita somente alguns anos depois (cf. REZENDE, 2009_______. A viagem científica de Neiva e Penna: roteiro para os estudos das doenças do sertão. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl. 1, p.265-288, 2009.; VIEIRA, 2015b_______. Um médico sem fronteiras: a trajetória de Joffre Marcondes de Rezende e a definição de uma nova forma clínica da doença de Chagas. História Revista, Goiânia, v.20, p.188-229, 2015b.).
  • 11
    Os Congressos Médicos do Triângulo Mineiro (mais tarde agregando a essa denominação “Brasil Central”), que começaram em 1947 por iniciativa da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, conformaram um espaço de troca intelectual importante para os médicos que trabalhavam no interior do país, bem como de cobrança aos poderes públicos. Inicialmente reunindo poucas dezenas de profissionais, logo chegariam a agregar centenas de participantes provenientes até mesmo de grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. No total, entre os anos de 1947 e 1965 aconteceram 13 congressos médicos dessa natureza, e Goiânia sediou dois deles: em 1951 e em 1958 (VIEIRA, 2015a_______. Dos “sertões da farinha podre” para todo o Brasil: os congressos médicos regionais e a institucionalização da medicina em Goiás (1947­1960). Varia Historia, Belo Horizonte, v.31, p.479-510, 2015a.).
  • 12
    Nesse sentido, é interessante observar que não havia paralelo exato entre as demandas expressas nesses eventos e os temas em destaque na revista goiana.
  • 13
    Chama atenção o interesse dos médicos latino-americanos, especialmente dos argentinos. A relação entre brasileiros e argentinos no que se refere à tripanossomíase americana vem desde o início do século XX, sendo a Argentina um dos primeiros países a se interessar pelos trabalhos de Carlos Chagas (KROPF, 2009KROPF, Simone P. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909-1962. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009.). Nas páginas da revista goiana essa relação se traduziu por meio de três artigos sobre a enfermidade, publicados entre 1959 e 1967.
  • 14
    O Tropical Diseases Bulletin começou a circular em 1912, em um contexto no qual havia necessidade de se disseminar informações sobre as doenças que grassavam nas colônias britânicas. Nasceu da decisão dos governos da Grã-Bretanha e do Sudão de financiar um escritório encarregado de coletar e publicar informações sobre tais doenças, a que se deu o nome de Escritório de Higiene e Doenças Tropicais. Coube a um comitê, do qual faziam parte cientistas como Patrick Manson e Ronald Ross, sua supervisão (WILCOCKS, 1972WILCOCKS, Charles. The Tropical Diseases Bulletin - 1912-1972. The Practitioner, London, v.209, n.1253, p.706-708, 1972.; SIX DECADES..., 1972SIX DECADES OF SERVICE - The Tropical Diseases Bulletin (1912-1972). The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, Illinois, v.21, n.6, p.1004-1005, 1972.).
  • 15
    Atualmente o Medline, uma de suas bases bibliográficas eletrônicas, é a mais utilizada em todo o mundo por profissionais das áreas de saúde e medicina (MARTINS, 2003MARTINS, Ruth B. Do papel ao digital: a trajetória de duas revistas científicas brasileiras. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Rio de Janeiro, 2003.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2017
  • Aceito
    27 Jul 2017
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