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EDITORIAL

Enquanto irrompia a revolução de outubro na Rússia, o Brasil, levado pelos constantes ataques alemães a navios brasileiros, entrou, mesmo que modestamente, na Grande Guerra. Alguns meses antes, operárias de São Paulo haviam começado uma greve por melhores salários e redução da jornada de trabalho que desembocaria numa primeira greve geral no país. Esse contexto de crise, mas ao mesmo tempo de inéditas reivindicações, faz, neste ano de 2017 que se encerra, cem anos. Essas efemérides, rememoradas por diversos eventos acadêmicos, reedição de textos clássicos e publicação de análises retrospectivas, não poderiam deixar de ser abordadas pela Revista Brasileira de História no dossiê intitulado “Centenário 1917: Grande Guerra, greves e revoluções”. Organizado por Aldrin Castellucci, Edilene Toledo e Silvia Correia, o dossiê traz uma alentada apresentação historiográfica, contribuindo, com os textos altamente originais que o compõem, para o campo da história intelectual e social desse que, como eles lembram, é visto como o começo de um novo tempo histórico.

O ano de 2017 também foi o marco de ataques ao debate de ideias, inclusive no meio acadêmico. Pensar que seja possível abordar o passado e o presente (e assim também o futuro) sem ideologias, é uma grande falácia contra a qual a Anpuh se empenha em combater. Um ensino (e um aprendizado) completamente neutro é impossível, e mascara um totalitarismo que representa enorme retrocesso do ponto de vista de uma representação plural da sociedade. O perigo dessa falsa neutralidade também surge nas mais recentes propostas para a desejada Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essa terceira revisão da BNCC vislumbra a implementação de um currículo único, que não leva em conta as diferenças regionais de um país continental como o Brasil, e uma perda de autonomia docente. Mais ainda, ela retira toda menção a gênero e sexualidade da Base e também a imprescindível obrigatoriedade do ensino de História no Ensino Médio. Esperemos que o Conselho Nacional de Educação reveja essas posições de modo a assegurar aos docentes, como previsto nas diretrizes Curriculares Nacionais, autonomia e a possibilidade de exercício do pensamento crítico.

Além dos quatro textos que compõem o dossiê 1917, este número 76 da Revista Brasileira de História traz mais três artigos resultantes de pesquisas originais. Em “Apropriações possíveis de um protagonismo outro”, Maria Cristina dos Santos e Guilherme Galhegos Felippe, a partir de dois exemplos aparentemente contraditórios, querem demonstrar a possibilidade de se entender certos comportamentos indígenas, mesmo em contexto urbano, como evidências de normas culturais específicas, e a partir delas, apontar para a existência de diferentes protagonismos possíveis no mundo colonial.

No exame que faz do percurso e da rica produção do historiador italiano Edoardo Grendi (1932-1999), Matteo Giuli relativiza o lugar geralmente dado pelos historiadores latino-americanos a Giovanni Levi e a Carlo Ginzburg enquanto formuladores e pais fundadores da micro-história. O autor faz assim uma fina análise das interlocuções de Grendi com as ciências sociais, da importância de seu papel tanto nos Quaderni Storici quanto na coleção Microstorie da editora Einaudi, e de suas propostas metodológicas, terminando com um interessante exercício de adaptação da relevância da história local preconizada por Grendi ao atual global turn da historiografia internacional.

Finalmente, em seu estudo dos temas dos artigos, da origem dos autores e da circulação dos volumes da Revista Goiana de Medicina durante os primeiros anos de existência do periódico (1955-1962), Tamara Rangel Vieira e Nísia Trindade Lima mostram como a RGM se tornou o veículo de divulgação das pesquisas dos médicos do Brasil Central. Esse órgão oficial da Associação Médica de Goiás alcançou tal espaço graças ao destaque dado às pesquisas sobre a tripanossomíase (a doença de Chagas), contribuindo, finalmente, para a institucionalização da medicina na região.

Este volume se encerra, como de costume, com a publicação de resenhas de livros lançados recentemente, duas das quais se dedicam a discutir obras relacionadas ao tema do Dossiê.

Finalmente, sendo este o primeiro número da RBH que assumo enquanto editor, gostaria de agradecer o empenho e o excelente trabalho editorial que Antonio Luigi Negro e sua equipe, mormente deivison Amaral, fizeram durante os 2 anos e pouco em que estiveram à sua frente, consolidando seu lugar de principal periódico brasileiro geral de História e de importante órgão representativo da nossa Anpuh. Agradeço também com sinceridade a dedicação do corpo editorial da revista nas pessoas de Pablo Serrano, Marcus Vinicius Correia Biaggi, Armando Olivetti, Flavio Peralta e Roberta Accurso, como também do Conselho Editorial e da editoria associada internacional em seu papel consultivo e decisório.

A RBH não teria a qualidade que tem sem o apoio do Programa de Pós-Graduação em História, Cultura e Práticas Sociais da Universidade do Estado da Bahia (PPGHCPS-Uneb) e do CNPq.

Bruno Feitler

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017
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