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Editorial

Em 1923, livro celebrativo da independência do Brasil traz aquarela de Jurandir Pais Leme. Acompanhados de sugestiva legenda - “últimos representantes de uma raça no estado da Bahia” -, estão três índios em retrato (Coelho, 1923COELHO, José. Estado da Bahia: obra de propaganda geral. Rio de Janeiro: Empresa Brasil Editora, 1923.). Inserto entre as páginas 14 e 15, tudo aí é expressivo. Na dita terra mãe do Brasil - a Bahia -, indígenas são, nessa precisa hora, uma raça. (E, em sendo uma raça, são algo à parte: não são assim fruto de feliz enlace, parteiro de povo mestiço, comemorativo de suas virtudes em cívicas cerimônias verde-amarelas.) Não possuem lugar demarcado (estão entre as páginas 14 e 15!) e, todos vestidos, dos pés à cabeça, figuram no início de vultuosa obra nacional da qual irão fatalmente desaparecer, já que seus representantes são os derradeiros.

Com orgulho e oportunamente, este número 75 da Revista Brasileira de História caminha na contramão daqueles que querem aniquilar os índios do Brasil e apoderar-se de suas terras como gananciosos senhores brancos proprietários (a reboque de palavras enganosas, balas e bois). Com toda a clareza, o Dossiê “O protagonismo indígena na História” - responsável por nove artigos (ver Apresentação de Maria Leônia Chaves de Resende) - exprime que os povos nativos existem, resistem e têm futuro, sendo sujeitos de diferença e de autodemarcação de seus territórios. Aqui, pesquisa histórica de fina qualidade o comprova, evidenciando seu relevo e presença na sociedade.

Montado com base na publicação avançada de artigos, este número veio a lume gradativamente. Ao ser fechado, 12 artigos e quatro resenhas compõem o Sumário. De autoria de Pamela Cox, o primeiro dos três artigos avulsos trata das garotas de loja, grupo significativo da força de trabalho na Grã-Bretanha desde a década de 1850. A autora argumenta que houve negligência sistemática em relação a um dos maiores segmentos do emprego feminino por parte dos historiadores e investiga por que isso aconteceu. O artigo entrelaça sua história social cotidiana com representações sobre a “garota de loja”, das paródias do café-concerto vitoriano ao bizarro ataque à bomba da butique Biba em Londres, no Primeiro de Maio de 1971.

Em seguida, Cecilia Allemandi centra seu artigo nas características do mercado de trabalho do serviço doméstico em Buenos Aires, na virada para o século XX. Analisando diferentes instituições, percebe lógicas que estruturam o campo de escolhas e iniciativas das mulheres trabalhadoras, inseridas em relações de subordinação e de dependência cujos efeitos sobre a sociedade se fizeram sentir profundamente. E, por isso mesmo, se fazem até hoje sentir.

Por fim, o artigo de Natascha S. C. de Ostos examina a trajetória da União Internacional Protetora dos Animais de São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Com base em fontes da imprensa, são analisadas as ações e estratégias discursivas da entidade, no intuito de sensibilizar a população e o poder público para a necessidade de proteger os animais. No meio urbano em expansão, a convivência entre humanos e animais se apresentava como um desafio a ser encarado também sob o prisma do direito dos animais, tema de grande interesse em nossa contemporaneidade.

Ao concluir uma fase de renovação, este septuagésimo quinto número da RBH empreende distribuição regional e internacionalização. A primeira está contemplada não só pelos locais de atuação das autorias mas também pelos objetos de cada artigo. Já a segunda aparece pelas mãos de um autor estadunidense, uma francesa, uma inglesa e outra argentina, ou seja, três pontos diferentes do globo. (Deveria ser desnecessário observar que a pesquisa brasileira não é paroquial e que é reconhecida, internacionalmente, por sua qualidade.) Não por acaso, em 2016 a revista subiu para a avaliação Q3 na base Scimago. É, além disso, Qualis A1 em História e é também a segunda revista mais acessada da SciELO, no que toca aos periódicos brasileiros de História. Esses dados refletem características tais como traduções de originais brasileiros para o inglês, conteúdo aberto, pontualidade, celeridade na avaliação e na publicação, a nova periodicidade quadrimestral (com publicação avançada de artigos), avaliação por pares às cegas, constante difusão e circulação nas redes sociais, bem como acompanhamento minucioso - sem delongas e com transparência -, quer do sistema de submissão em rede, quer da correspondência.

Todos esses resultados atraem autoras e autores que visam publicar resultados originais de pesquisas inéditas. No que toca ao Dossiê em tela, foram cerca de sessenta submissões e, decorrentemente, 125 pedidos de parecer. Diante da meta de 25 artigos anuais, atender uma procura assim tão alta não é de solução fácil, sendo as decisões baseadas em pareceres emitidos por pares (às cegas) e tendo em mente a descentralização da produção científica.

Tudo somado, resulta então que a RBH é expressa e pontual, é ponderada por critérios e procedimentos, possui mérito e saliência (veja-se o interesse de autores e leitores, dentro e fora do Brasil). Sinal disso, recente editorial é o seu octogésimo artigo mais lido (Negro, 2016NEGRO, Antonio Luigi. Editorial. Revista Brasileira de História, v.36, n.71, p.7-9, 2016. Ver: https://analytics.scielo.org/w/accesses/list/articles?py_range=1997-2017.
https://analytics.scielo.org/w/accesses/...
). Nada teria sido assim não fosse a RBH um periódico de uma associação científica cuja presidenta, Maria Helena Capelato, no biênio 2015-2017, contou com o suporte de 6.884 filiações. Em seu XXIX Simpósio (Brasília, 24-28 de julho de 2017), do total de 3.542 inscrições, 2.802 apresentaram pesquisas.

Agradece-se também a quem se envolveu com seu labor e engenho, voluntário, gratuito, ou não. Pablo Serrano e Deivison Amaral concorreram decisivamente como assistentes editoriais, com entusiasmo e afinco, sem desanimar. Carolina Bittencourt Mendonça deu apoio precioso. Filipe Monteiro foi o nó conectado e dinâmico das redes. Armando Olivetti, Eoin O’Neill, Flavio Peralta e Roberta Accurso prestaram serviços profissionais de rara qualidade.

Os cumprimentos estendem-se ao conselho editorial, ao conselho consultivo e à editoria associada internacional.

Gravam-se aqui penhorados agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em História, Cultura e Práticas Sociais da Universidade do Estado da Bahia (PPGHCPS-UNEB), e também ao CNPq.

Boa sorte à nova presidenta Joana Maria Pedro, e ao novo editor, Bruno Feitler!

Antonio Luigi Negro

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
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