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APRESENTAÇÃO

Muito embora os estudos medievais no Brasil não possuam longa tradição, uma observação mais atenta mostra que seu desenvolvimento acompanhou de perto a institucionalização dos estudos históricos no país. Exemplo significativo disso é que a reunião que deu origem à Anpuh - a Associação Nacional dos Professores Universitários de História (atual Associação Nacional de História) -, acontecida em 1961 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, foi um momento decisivo também para os estudos medievais. Eurípedes Simões de Paula, professor da Universidade de São Paulo e autor da primeira Tese de Doutorado em História defendida no Brasil, um trabalho na área de História Medieval, coordenou a discussão, cujo resultado foi a veemente e unânime defesa da especialização como condição necessária à interação efetiva entre ensino e pesquisa. Entendia-se que formar medievalistas, inclusive incentivando estágios em centros de excelência no exterior, significava sustentar a importância do próprio conhecimento histórico no país.

As moções aprovadas em Marília por representantes das principais instituições de ensino e pesquisa histórica brasileiras dependiam, para se efetivar, de repercussão na política nacional de ciência e tecnologia. Essa repercussão foi conquistada, mas levou tempo até sua efetivação. A separação entre a História Antiga e a História Medieval permaneceu algo raro nas universidades públicas ou privadas até o final dos anos 1970 - como também era raro encontrar especialistas dessas áreas ministrando as respectivas disciplinas. Foi somente a partir dos anos 1990 que o Brasil passou a contar com um número considerável de centros de formação de Mestres e de Doutores; foi também a partir desse período que as instituições de fomento puderam acompanhar de forma mais efetiva as demandas decorrentes do crescimento da Pós-Graduação.

Desde então, assistimos à ampliação considerável dos grupos de pesquisa, à diversificação das temáticas abordadas e a um aumento sem precedentes do número de pesquisadores na área de História Medieval. Os setenta programas de Pós-Graduação atualmente existentes na área de História - cerca de metade deles estabelecida nos últimos 10 anos - permitiram que se criasse um ambiente cada vez mais favorável à pesquisa em História Medieval e à formação de medievalistas. Essa expansão dos estudos medievais explica o aparecimento recente de uma série de balanços sobre a área. Artigos, e mesmo um livro, procuraram refletir sobre os estudos medievais no Brasil, contrapondo passado e futuro das pesquisas e do ensino e estabelecendo perspectivas para sua inserção social.1 1 ALMEIDA, 2008; 2012; BASTOS; RUST, 2009; COELHO, 2006; FRAZÃO, 2013; MACEDO, 2003; RIBEIRO, 2001.

Nossa intenção com este dossiê é bastante distinta. Não se trata de olhar para o que já foi feito, mas de oferecer ao leitor um panorama da pesquisa recente na área de História Medieval no Brasil. É claro que não se trata de um panorama completo, o que exigiria - felizmente, diga-se de passagem - um espaço bem maior do que o de um dossiê. Trata-se aqui de apresentar, efetivamente, alguns resultados desse futuro presumido pelos balanços realizados. Os textos aqui reunidos mostram a pujança temática da área, a atualidade de seu diálogo com as ciências sociais e a persistência de sua autocrítica.

"A Cronaca di Partenope e o Reino de Nápoles: contribuições de e para a historiografia brasileira no século XXI", artigo de Igor Teixeira, propõe um estudo do Ms. Italien 301 Cronaca di Partenope, levando em conta o acesso digital aos manuscritos e as habilidades necessárias para a análise, procurando responder à questão: "Em que este estudo pode contribuir para os estudos medievais no Brasil?".

Em seu artigo, intitulado "Algumas experiências, perspectivas e desafios da Medievalística no Brasil frente às demandas atuais", Aline Dias da Silveira discute alguns dilemas das pesquisas brasileiras na área de História Medieval, bem como a originalidade de seu olhar sobre a historiografia europeia.

Em "Uma calamidade insaciável: espaço urbano e hegemonia política em uma história dos incêndios (880-1080)", Leandro Rust dedica sua atenção aos incêndios que devastaram os espaços urbanos do Regnum Italicum nesse período de 200 anos. O autor questiona as interpretações tradicionais que ou naturalizam essas ocorrências como fatalidades ou acidentes, ou buscam explicá-las como epifenômenos de uma suposta desordem feudal. Para Leandro Rust, o aparecimento documental dos incêndios teria raízes políticas.

Maria Filomena Coelho, em seu artigo "Cartas políticas da Dinastia de Avis: a arte de ditar o bem comum (século XV)", pretende analisar algumas cartas escritas no século XV por personagens-chave da dinastia de Avis, a partir da noção de "cultura política". Essa noção permite que a análise vá além da retórica, tal como era tradicionalmente entendida a epistolografia, permitindo ao historiador compreender uma trama discursiva complexa, que, embora pareça seguir fórmulas, não deixa de atender às circunstâncias e aos casuísmos da política, mas, sobretudo, que propõe e evoca valores políticos, como o do bem comum.

Esperamos, com este dossiê, apresentar algumas pesquisas que são, em última instância, o resultado da especialização e da institucionalização dos estudos medievais no Brasil. E, assim, divulgá-las não apenas a colegas e a estudantes que desejam aproximação com a área, mas também àqueles que, confiantes em que a pujança dos estudos humanos e sociais repousa no diálogo e no entendimento mútuo, estão interessados em estabelecer novas interlocuções.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, Néri de B. La formation des médiévistes dans le Brésil contemporain: bilans et perspectives (1985-2007). Études et Travaux. Bulletin du Centre d'Études Médiévales d'Auxerre (BUCEMA), v.12, p.145-159, 2008. Disponível em: http://cem.revues.org/6652
    » http://cem.revues.org/6652
  • ______. L'histoire médiévale au Brésil: du parcours solitaire à l'inclusion dans le champ des sciences humaines, In: ALMEIDA, Néri; CÂNDIDO DA SILVA, Marcelo; MEHU, Didier. Pourquoi étudier le Moyen Âge? Les médiévistes face aux usages sociaux du passé. Paris: Publications de la Sorbonne, 2012. p.125-143.
  • BASTOS, Mario J.; RUST, Leandro. "Translatio Studii". A História Medieval no Brasil. Signum, n.10, p.163-188, 2009.
  • COELHO, Maria Filomena. Breves reflexões acerca da História Medieval no Brasil. In: SILVA, Leila Rodrigues (Dir.) Atas da VI Semana de Estudos Medievais do Programa de Estudos Medievais da UFRJ. Rio de Janeiro: PEM, 2006. p.29-33.
  • FRAZÃO, Andreia. Os estudos medievais no Brasil e o diálogo interdisciplinar. Medievalis, v.1, n.2, p.1-15, 2013.
  • MACEDO, José Rivair. Os estudos medievais no Brasil: catálogo de teses e dissertações. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
  • RIBEIRO, Maria Eurydice B. Os estudos medievais no Distrito Federal. In: MALEVAL, Maria do Amparo T. (Dir.) Atas do III Encontro Internacional de Estudos Medievais. Rio de Janeiro: ágora, 2001. p.155-158.
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    ALMEIDA, 2008ALMEIDA, Néri de B. La formation des médiévistes dans le Brésil contemporain: bilans et perspectives (1985-2007). Études et Travaux. Bulletin du Centre d'Études Médiévales d'Auxerre (BUCEMA), v.12, p.145-159, 2008. Disponível em: http://cem.revues.org/6652.
    http://cem.revues.org/6652...
    ; 2012______. L'histoire médiévale au Brésil: du parcours solitaire à l'inclusion dans le champ des sciences humaines, In: ALMEIDA, Néri; CÂNDIDO DA SILVA, Marcelo; MEHU, Didier. Pourquoi étudier le Moyen Âge? Les médiévistes face aux usages sociaux du passé. Paris: Publications de la Sorbonne, 2012. p.125-143.; BASTOS; RUST, 2009BASTOS, Mario J.; RUST, Leandro. "Translatio Studii". A História Medieval no Brasil. Signum, n.10, p.163-188, 2009.; COELHO, 2006COELHO, Maria Filomena. Breves reflexões acerca da História Medieval no Brasil. In: SILVA, Leila Rodrigues (Dir.) Atas da VI Semana de Estudos Medievais do Programa de Estudos Medievais da UFRJ. Rio de Janeiro: PEM, 2006. p.29-33.; FRAZÃO, 2013FRAZÃO, Andreia. Os estudos medievais no Brasil e o diálogo interdisciplinar. Medievalis, v.1, n.2, p.1-15, 2013.; MACEDO, 2003MACEDO, José Rivair. Os estudos medievais no Brasil: catálogo de teses e dissertações. Porto Alegre: UFRGS, 2003.; RIBEIRO, 2001RIBEIRO, Maria Eurydice B. Os estudos medievais no Distrito Federal. In: MALEVAL, Maria do Amparo T. (Dir.) Atas do III Encontro Internacional de Estudos Medievais. Rio de Janeiro: ágora, 2001. p.155-158..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016
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