Acessibilidade / Reportar erro

Cristãos na Índia no século XVI: a presença portuguesa e os viajantes italianos

Resumos

Os mercadores das cidades italianas, atraídos pela rota do Cabo inaugurada por Vasco da Gama, acabaram por ser os principais divulgadores da ação portuguesa no período dito das descobertas. Embora europeus e cristãos, os viajantes italianos na Ásia ao longo do século XVI utilizavam a rede cristã estabelecida pelos portugueses quando lhes convinha, mas não estavam vinculados a um projeto de conquista ou de dominação mais amplo. Nem descobridores, nem mediadores ou intermediários, esses viajantes, para finalidade deste artigo, oferecem uma visão "de fora" da presença portuguesa na Índia, apontam o apego dos portugueses pelo mar, seu desinteresse ou incapacidade de penetração no território e contribuem para a compreensão do império asiático-português como um império sitiado, constituído por enclaves no litoral, cercado de um lado pelo mar, de onde vinham as riquezas e também os principais inimigos - os holandeses no final do quinhentos - e por outro lado pelos reinos asiáticos.

Viajantes italianos; portugueses na Ásia (século XVI); império português


Italian merchants attracted by the Cape route opened by Vasco da Gama, were the most important reporters of the Portuguese action during the discovery period. In spite of being Europeens and Christians, the Italian travellers in Asia during the 16th century took advantage of the Christian network settled by Portuguese, but they were not involved with a project of conquest and domination. These travellers were not discoverers, or mediators or intermediaries, but they were able to see "from outside" the Portuguese presence in India, showing their abilities as sailors and their impossibility of intering the native territory. Their accounts contribute to the comprehension of the Portuguese Asian Empire as a sieged one, based on isolated points along the coast, constantly menaced by their most dagerous enemies, the Dutch and, on the other side, by Asian Kingdoms.

Italian travellers; Portuguese in Asia (16th century); Portuguese empire


Cristãos na Índia no século XVI: a presença portuguesa e os viajantes italianos

Andréa Doré

Doutora História-Universidade Federal Fluminense

RESUMO

Os mercadores das cidades italianas, atraídos pela rota do Cabo inaugurada por Vasco da Gama, acabaram por ser os principais divulgadores da ação portuguesa no período dito das descobertas. Embora europeus e cristãos, os viajantes italianos na Ásia ao longo do século XVI utilizavam a rede cristã estabelecida pelos portugueses quando lhes convinha, mas não estavam vinculados a um projeto de conquista ou de dominação mais amplo. Nem descobridores, nem mediadores ou intermediários, esses viajantes, para finalidade deste artigo, oferecem uma visão "de fora" da presença portuguesa na Índia, apontam o apego dos portugueses pelo mar, seu desinteresse ou incapacidade de penetração no território e contribuem para a compreensão do império asiático-português como um império sitiado, constituído por enclaves no litoral, cercado de um lado pelo mar, de onde vinham as riquezas e também os principais inimigos — os holandeses no final do quinhentos — e por outro lado pelos reinos asiáticos.

Palavras-chave: Viajantes italianos; portugueses na Ásia (século XVI); império português.

ABSTRACT

Italian merchants attracted by the Cape route opened by Vasco da Gama, were the most important reporters of the Portuguese action during the discovery period. In spite of being Europeens and Christians, the Italian travellers in Asia during the 16th century took advantage of the Christian network settled by Portuguese, but they were not involved with a project of conquest and domination. These travellers were not discoverers, or mediators or intermediaries, but they were able to see "from outside" the Portuguese presence in India, showing their abilities as sailors and their impossibility of intering the native territory. Their accounts contribute to the comprehension of the Portuguese Asian Empire as a sieged one, based on isolated points along the coast, constantly menaced by their most dagerous enemies, the Dutch and, on the other side, by Asian Kingdoms.

Keywords: Italian travellers; Portuguese in Asia (16th century); Portuguese empire.

O novo caminho para as especiarias, inaugurado com a viagem de Vasco da Gama pela rota do Cabo da Boa Esperança em 1498, atraiu florentinos, genoveses e venezianos interessados no comércio, fazendo dos mercadores das cidades italianas os pioneiros na divulgação dos feitos portugueses nas Índias. Eram homens aventureiros, ávidos por confirmar o que se ouvia dizer sobre a Arábia, Pérsia, Índia...; ciosos por registrar o que viam e atestar o que os círculos letrados ou os comerciantes mais bem informados sabiam sobre o Oriente; eram agentes de prósperas casas comerciais com negócios que iam de Amsterdã a Beirute, passando por Lisboa. Foi pelas mãos desses viajantes, narradores ou missivistas, que em grande medida a presença portuguesa na Índia se fez conhecer ao longo do século XVI.

Esses italianos, presentes maciçamente em Portugal, onde desfrutavam de privilégios desde os tempos de D. Dinis, embora europeus e cristãos, utilizavam a estrutura portuguesa quando lhes convinha mas não estavam vinculados a um projeto de conquista ou de dominação mais amplo. Utilizar seus textos para o estudo da presença portuguesa na Ásia — como se faz neste artigo1 1 O conteúdo deste artigo é resultado das pesquisas desenvolvidas durante a elaboração de minha tese de doutorado em História, defendida na Universidade Federal Fluminense: Império sitiado: as fortalezas portuguesas na Índia (1498-1622). Niterói, 2002. Agradeço muito a Jacqueline Hermann, Anita Correia Lima de Almeida, Maria Fernanda Bicalho, Ronald Raminelli e a Ronaldo Vainfas pelas críticas e sugestões. — significa dispor, em última análise, de uma visão "de fora", nas palavras de Luciana Stagagno Picchio, de homens "então partícipes e testemunhas dos acontecimentos", em comparação com a "visão 'de dentro' dos portugueses, que na época foram os protagonistas da aventura ultramarina"2 2 A literatura de viagens e o diálogo italo-português. Postilas a um colóquio. Mare liberum, n. 2, 1991, p. 89. .

Diferentemente de outros viajantes do mesmo período, sobretudo os que se dirigiram ao Novo Mundo, os italianos que foram para a Índia no século XVI não tinham a preocupação de "descobrir" novas terras ou de relatar visões inéditas sobre terras incógnitas. A Índia, sobretudo para os mercadores das cidades italianas como Veneza e Gênova, era a India recognita da narrativa de Niccolo di Conti, que começou a circular em 1447. Tratava-se, antes de tudo, de verificar, de confirmar as informações, e havia assim um roteiro a seguir. A chegada dos portugueses ao Índico inseriu um elemento novo nesse roteiro. Se nosso interesse ao estudar as narrativas italianas está em decifrar a presença portuguesa contida nesses textos, seus autores não são nem descobridores, nem mediadores, nem intermediários. Essas categorias são comumente utilizadas quando a intenção é descrever e compreender o outro, seja ele asiático ou habitante do Novo Mundo.

Leonardo Olschki, num trabalho de grande interesse sobre as componentes do registro dos viajantes, concentra-se na ação do descobridor em oposição à daquele que apenas "encontra" algo diverso. Ele afirma que a descoberta acontece a partir do momento em que a consciência transforma em pensamento e em palavra o que é visto e, sendo assim, considera importante examinar quais os aspectos naturais e humanos que atraem a atenção dos viajantes. A questão principal, nesses casos — o autor analisa especificamente os relatos de Marco Polo e de Cristóvão Colombo -, é identificar a razão da escolha que faz o viajante-narrador do que é digno de ser considerado e descrito; escolha essa que pode ter sua origem nos interesses práticos, na instrução, na educação espiritual, no temperamento do viajante, ou na capacidade de se expressar e de observar. Identificar a forma como foram apresentadas as terras descobertas e exploradas ajuda a compreender o efeito que essas narrativas tiveram sobre o imaginário e sobre iniciativas futuras dos homens da época3 3 OLSCHKI, Leonardo. Storia letteraria delle scoperte geografiche. Firenze: Leo Olschki editore, 1937, p. 5. .

Para Stephen Greenblatt, que também se debruçou sobre narrativas de viagem, seus autores atuam como mediadores, como intermediários entre os leitores e os descobridores e conquistadores do Novo Mundo, atitude que Tzvetan Todorov também atribui a alguns autores que relataram a chegada dos europeus ao novo continente. Seguindo a linha de Greenblatt, um conceito-chave é o de "representação", que permitiria relacionar o texto ao seu autor e não essencialmente ao objeto que se descreve. Segundo ele, não é de outra forma que se estabelece o contato entre os europeus e o Novo Mundo senão "entre representantes munidos de representação", representação que, ao ser transmitida, relatada, faz com que a visão — e a imaginação que a amplia — se transforme em testemunho. Mas "Por que se deve dar crédito a um testemunho?", pergunta Greenblatt. Para buscar uma resposta ele vai à História, de Heródoto, "a primeira grande representação ocidental da alteridade", responsável por alguns princípios fundamentais do discurso que continuaram valendo muitos séculos depois, até o período das grandes viagens de descobertas. Heródoto considerava a importância crucial da viagem para compreender o mundo; em última instância, para distinguir o que era fábula do que era verdade. A autoridade, para ele, baseava-se na evocação do que pessoalmente viu e ouviu fora dos limites da cidade. Assim, "a viagem está ligada ao apelo constante à experiência pessoal, à autoridade do testemunho"4 4 GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Edusp, 1996, pp. 159, 162. . Se a viagem concede autoridade ao testemunho é pela sua constante afirmação que o autor de um relato — e os italianos seguem à risca essa orientação — pretende atrair a atenção do leitor. Ao insistir em escrever "eu vi", o autor, como afirma Michel de Certeau, fabrica e sanciona "o texto como uma testemunha do outro"5 5 Montaigne's 'Of Cannibals": The Savage 'I'. Heterologies: discourse on the other. Theory and History of Literature, vol. 17, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985, p. 68. Apud GREENBLATT, op. cit., p. 167. .

O corpus de relatos de viagem analisados neste artigo tem, porém, duas especificidades que nos impedem de posicionar seus autores nas categorias citadas. Em primeiro lugar, como já dissemos, em se tratando da Ásia, o interesse maior estava justamente em "veder co gl'occhi" o que já se havia escrito, de real ou fabular, sobre suas terras e seus habitantes. Temos então dois aspectos a considerar e que vão influenciar o conteúdo das narrativas: a importância do testemunho visual, de que fala Greenblatt, e a autoridade dos conhecimentos herdados dos antigos.

A visão é considerada por alguns autores como o sentido mais importante para os homens que viviam na Europa do quinhentos. Fernand Braudel — que buscou identificar de que forma um italiano via o mundo em torno de 1450, mesmo admitindo que essa questão não seria mais do que "uma comodidade didática, anacrônica até"6 6 BRAUDEL, Fernand. Le Modèle italien. Paris: Champs Flammarion, 1994, p. 21. — afirma que Lucien Febvre teria sido o primeiro a questionar se eram os olhos ou os ouvidos que inspiravam maior confiança aos homens. Ao estudar Rabelais e o século XVI, Febvre conclui que os ouvidos — a audição — ocupam então uma posição privilegiada. André Chastel, por sua vez, defende o inverso: a primazia caberia ao olhar7 7 FEBVRE, Lucien. Le Problème de l'incroyance au XVIe siècle, pp. 461 e ss. e CHASTEL, André. La crise de la Renaissance, pp. 34 e ss. Apud BRAUDEL, op. cit, pp. 112e ss. Segundo Massimo Montanari, nos séculos XV-XVI, exibir é a nova palavra de ordem para as camadas dominantes, referindo-se à ostentação que se praticava à mesa e aos grandes desfiles de comida que se fazia antes dos banquetes para o deleite dos olhos do povo. La fame e l'abbondanza. Storia dell'alimentazione in Europa. Roma-Bari: Laterza & Figli, 1997, pp. 115-118. . Muitos viajantes escreveram, ao iniciar seus relatos, que o desejo de ver o que já tinham ouvido dizer a respeito da Índia os levara a partir. Em uma declaração a respeito dos motivos de sua viagem, de Lodovico de Varthema, um viajante dos primeiros anos do século XVI, verifica-se a importância atribuída à experiência da viagem:

(...) não havendo ânimo (sabendo-me de debilíssimo engenho) para o estudo ou conjecturas (...), decidi, em pessoa, e com os próprios olhos tratar de conhecer os sítios das localidades, as qualidades das pessoas, as diversidades dos animais, a variedade das árvores frutíferas e odoríferas do Egito, da Síria e da Arábia Deserta e Feliz, da Pérsia, da Índia, da Etiópia, sempre recordando-me ser de maior estima um testemunho de vista do que dez de ouvir-dizer8 8 " (...) né avendo animo (cognoscendomi di tenuissimo ingegno) per studio over conghietture (...), deliberai con la propia persona e con gli ochi medesimi cercar di cognoscer li siti delli luochi, le qualità delle persone, le diversità degli animali, la varietà degli arbori fruttiferi e odoriferi dell'Egito, della Soria e dell'Arabia Deserta e Felice, della Persia, dell'India, dell'Etiopia, massime ricordandomi esser piú da stimare un testimonio di vista che dieci d'udita". Itinerario di Lodovico di Barthema in Arabia, in India e nell'Asia Sudorientale. RAMUSIO, G. B. Navigazioni e viaggi. Torino: Giulio Einaudi editore, 1978, p. 763. .

Essa preocupação em oferecer um "testemunho de vista" aliava-se também ao desejo de domesticar o exótico. As árvores das especiarias ou a forma como eram obtidas as pedras preciosas eram descritas visando conhecer e compreender a origem — e, assim, talvez desmistificar — dos produtos que se consumiam na Europa. O veneziano Cesare Fedrici declarou nos anos 1560: "Eu desejava ver como a canela era retirada da árvore que a produz"9 9 "Io ero desideroso di veder como la canella si cavava dall'arbore che la produce". Il viaggio di Cesare de' Federici nelle Indie Orientali. RAMUSIO, G.B. Op. cit., p. 1.043. . As árvores da pimenta e da canela seriam repetidamente descritas, assim como as múltiplas formas de aproveitar as palmeiras e o coco.

Quanto à relação com os textos dos antigos, é bastante clara a observação de Carmem Radulet, autora de importantes estudos sobre viajantes renascentistas italianos. A maioria dos textos de viagens produzidos nesse período — que se referiam ao Novo Mundo ou à Índia — passou pelas mãos de editores e autores de coletâneas de viagem. Podemos citar, entre os mais célebres, Fracanzio da Montalboddo, autor da recolha Paesi nuovamente retrovati et Novo Mondo da Alberico Vesputio Florentino intitulato, publicada em 1507, e Giovanni Battista Ramusio e sua Navigationi e Viaggi, onde se encontram praticamente todos os textos conhecidos no século XVI, produzidos por italianos e portugueses sobre a presença lusitana na Ásia. Radulet identifica esses humanistas como "filosoficamente ligados e condicionados" por tudo o que obtiveram da educação clássica, criando, no seu conjunto, "um filtro deformador de leitura, geralmente proporcional ao grau de cultura do autor"10 10 RADULET, Carmem. Tipologia e significado da documentação italiana sobre os descobrimentos portugueses. Os descobrimentos portugueses e a Itália. Lisboa: Veja, 1991, p. 40. . Ou seja, havia o interesse, por parte dos editores e dos narradores, de superar os autores clássicos precisando informações por meio da experiência, mas não se dispensava o apoio de seus conhecimentos. Um exemplo, entre tantos outros, é a obra Cosmographia, de Ptolomeu, geógrafo e astrônomo grego do século II, disponível aos leitores europeus na tradução latina de 1410, que, mesmo superada em muitos aspectos pelas novas descobertas, não deixou de ser exaustivamente citada. O florentino Andrea Corsali, em viagem à Ásia nos anos 1510, expressa essa ligação com os clássicos ao escrever ao duque Juliano de Médici que pretendia ficar um tempo nas Índias para "percorrer o interior da terra firme e comparar com as latitudes os nomes antigos que deu Ptolomeu às localidades com os modernos que hoje estão"11 11 "(...) scorrer dentro alla terra ferma e riscontrar con l'altura de' gradi e' nomi antichi che pose Tolomeo, con moderni che oggi sono". Due lettere dall'India di Andrea Corsali. RAMUSIO, G.B. Op. cit., p. 37. .

O peso da autoritas é verificado nos textos assim como a preocupação em "confirmar" o que outros — tanto os autores clássicos como os viajantes medievais como Marco Polo e o missionário Odorico de Pordenone — já haviam descrito. "Assim, num certo sentido, a melhor viagem será aquela em que se aprende quase nada: a maior parte dos sinais simplesmente confirmarão o que já se sabe"12 12 GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas, p. 128. , como afirmou Greenblatt a respeito da viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo. Dessa forma, há topos obrigatoriamente relatados, como é o caso do ritual funerário sati — em que a viúva se lança ao fogo em que arde o corpo do marido ­, citado em diferentes localidades por todos os viajantes e já mencionado em textos europeus do século anterior, como o de Niccolo di Conti.

A segunda especificidade dos textos italianos está ligada às informações que deles tencionamos destacar. Interessa-nos saber em que medida a presença portuguesa na Índia chamava a atenção dessa visão aguçada e curiosa do viajante no primeiro século de contato entre os portugueses e o Oceano Índico — os mares, sobretudo, e suas margens. Assim sendo, as informações extraídas dos relatos estão livres da influência dos autores clássicos. Também podemos dizer que está praticamente ausente a preocupação em confirmar conhecimentos prévios a respeito da presença portuguesa, uma vez que raros foram os textos de viagens publicados no período sobre os portugueses no Oriente aos quais esses viajantes poderiam ter tido acesso.

Há um aspecto importante, porém, na leitura das narrativas italianas quando se avaliam as razões da escolha por uma determinada descrição: a tendência de buscar o que é familiar num ambiente exótico. Os italianos não deixaram de descrever as igrejas, os conventos e as fortalezas, cuja simbologia ou arquitetura correspondiam ao conhecido. Esse comportamento não foi exclusivo dos italianos, destacando-se igualmente nos textos portugueses, principalmente nos primeiros relativos à Índia, em que se nota um desejo constante de encontrar coisas familiares, "encontrar o mesmo no seio do outro"13 13 LOUREIRO, Rui. O encontro de Portugal com a Ásia no século XVI. ALBUQUERQUE, Luís de. Antonio; FERRONHA, Luís; HORTA, José da Silva e LOUREIRO, Rui. O confronto do olhar. O encontro dos povos na época das navegações portuguesas. Lisboa: Caminho, 1991, p. 168. . Resumindo: mesmo a "visão de fora" que identificamos como sendo a dos italianos, é também uma visão comprometida com os laços culturais e religiosos que ligam seus autores aos portugueses que eles descrevem.

Entre muitos outros aspectos, selecionamos três que nos parecem determinantes para um panorama do que chamava a atenção de um viajante cristão na Índia quinhentista. Visualiza-se, assim, o impacto que a chegada dos portugueses teve na geografia econômica e política do Índico, de maneira mais ampla, e no cotidiano das práticas comerciais, de forma mais específica.

AS ROTAS TRADICIONAIS E A ROTA DO CABO

O primeiro deles são as rotas adotadas pelos viajantes para atingir a Índia. Verifica-se, ao longo do século XVI, a utilização do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico, tradicionais vias de ligação entre a Europa e a Ásia que faziam de Adem e Ormuz as portas de entrada para o Oceano Índico, como já se verificava no século XV pelas experiências de dois italianos dos quais dispomos de relatos, o veneziano Niccolo di Conti e o genovês Ieronimo da Santo Stefano. A manutenção dessas rotas, que os relatos italianos exemplificam, vem reiterar a tese de Sanjay Subrahmanyam de que a rivalidade entre a rota do Mar Vermelho e a do Cabo — a Carreira da Índia — foi um problema inventado desde que a segunda frota portuguesa chegou ao Índico em 1500. O historiador afirma que a má compreensão da questão baseia-se na consideração de que apenas uma das duas rotas deveria abastecer a Europa de produtos asiáticos, e seria a mais "eficiente" do ponto de vista econômico14 14 SUBRAHMANYAM, Sanjay. The trading world of the western Indian Ocean, 1546-1565: a political interpretation. A carreira da Índia e as rotas dos estreitos. Actas do VIII Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa. Angra do Heroísmo, 1998, p. 211. . As duas vias de abastecimento, porém, puderam coexistir em ritmos variados ao longo do século.

O plano dos portugueses visando bloquear essas vias tradicionais teve êxito apenas parcial. O governador Afonso de Albuquerque (1509-1518) tencionava estabelecer o império português sobre "quatro cabeças": Adem, que tentou conquistar sem sucesso; Ormuz, conquistada uma primeira vez em 1508, perdida e novamente tomada em 1515; Goa, em 1510; e Malaca, em 1511. O bloqueio do Mar Vermelho, que o controle de Adem e Ormuz garantiria, tinha, na concepção de Albuquerque, apoiado nas ambições de D. Manuel, o peso de um grande projeto: o bloqueio também aos muçulmanos e a conseqüente recuperação dos Lugares Santos.

Às vésperas da chegada das naus portuguesas, no entanto, Lodovico di Varthema freqüentou essas rotas. Seu texto pode ser considerado o primeiro produzido após a chegada dos portugueses à Índia por um italiano inicialmente alheio à empresa lançada a partir de Lisboa. Originário de Bolonha, Varthema partiu do Cairo em 1500, atingiu a Índia pelo Mar Vermelho e retornou em 1508 pela rota do Cabo, após ter integrado a frota do primeiro vice-rei, D. Francisco de Almeida. Nesse sentido, pode ser visto como um viajante de transição. Nos sete anos em que perambulou por aquelas terras, fortalezas foram construídas e iniciou-se o declínio de Calicut, o primeiro grande porto indiano a travar contato com os portugueses. A primeira edição de sua narrativa, intitulada Itinerario de Ludovico di Varthema Bolognese nello Egypto, nella Suria, nella Arabia deserta e felice, nella Persia & nella Ethiopia. La fede, el vivere & costumi de tutte le pr fate Provinciae, foi publicada em Roma, em 1510, escrita a pedido do papa Júlio II.

Durante todo o percurso descrito, cuja extensão é comprovadamente inverossímil, são freqüentes as histórias rocambolescas, as soluções mais inusitadas encontradas pelo autor para se livrar dos inimigos. O teor dessas histórias nos leva a supor que, nos dois anos que separam o retorno a Roma da data da primeira edição de seu relato, Varthema teve tempo de fantasiar e apimentar muitas passagens, construindo um texto "cuidadosamente mentiroso", como afirma Jean Aubin, no qual o périplo descrito é impossível por "razões meteorológicas elementares"15 15 AUBIN, Jean. 'L'Itinerário' de Ludovico di Varthema. Le latin et l'astrolabe. vol II. Lisbonne-Paris: CNCDP-Fondation Calouste Gulbenkian, 2000, p. 485. O relato praticamente ignora as restrições à navegação impostas pelo regime dos ventos no Índico, as monções. Sobre essa questão e as datas possíveis da viagem, ver Banha de Andrade. Mundos Novos do Mundo. Panorama da difusão pela Europa de notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1972, pp. 689-691. . Neste intervalo, ou antes mesmo da viagem, não é difícil que o autor tenha assistido a um auto de carnaval, por exemplo, com suas piadas de disfarce e desmascaramento de identidades secretas que lembram as aventuras de Fernão Mendes Pinto. Pelo seu relato, sabe-se que no Cairo fez-se passar por mameluco para integrar uma caravana com destino a Meca, onde a entrada era proibida aos cristãos. Em Adem foi descoberto, e uma vez preso, fingiu estar louco. A mulher do sultão se apaixonou por ele, que assim conseguiu ser libertado. Mais tarde, em Calicut, passou por homem santo e médico, e teria curado um mouro.

Varthema participou ao lado dos portugueses da batalha contra Panane, próximo a Calicut, e foi feito cavaleiro pelo primeiro vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida. Em 6 de dezembro de 1507, embarcado na nau de Bartolomeo Marchionni, florentino residente em Lisboa, que integrava a frota de Tristão da Cunha, deixou a costa indiana e pela rota do Cabo chegou a Portugal.

Ao passar por Adem nos primeiros anos do século XVI, sintetizou em seu relato o que levaria os portugueses, alguns anos mais tarde, a uma triste derrota sob o comando de Albuquerque, na tentativa de conquistar a cidade:

(...) é a cidade mais forte que jamais foi vista em terra plana, tem os muros de dois lados, e das outras bandas estão montanhas grandíssimas, sobre as quais estão cinco castelos; e a terra é no alto desses montes, e faz cerca de seis mil fogos. (...) Junto à qual, a distância de um lance de pedra há uma montanha, sobre a qual há um castelo; e ao pé dessa montanha, onde bate o mar, surgem os navios16 16 "(...) è una città la piú forte che mai abbia visto in terra piana, ha le mura da due bande, e dall'altre bande sono le montagne grandissime, sopra le quali sono cinque castelli; e la terra è nel piano di questi monti, e fa circa cinque o seimila fuochi. (...) Appresso la quale ad un tirar di pietra è una montagne, sopra la quale è uno castello; e a piè di questa montagna, che vi batte il mare, surgono li navilii". Itinerario di Lodovico di Barthema..., pp. 789-90. .

A causa da cobiça do governador também chamou a atenção do viajante, ao relatar que "aqui fundeiam todos os navios que vêm da Índia maior e da menor, e da Etiópia, e da Pérsia, por causa do grande tráfico que ali se faz"17 17 "Qui fanno capo tutti li navilii che vengono dall'India maggiore e dalla minore, e dalla Etiopia e dalla Persia, per li gran traffichi che vi sono". Op. cit., p. 790. . Andrea Corsali, cerca de quinze anos depois de Varthema, descreveria o declínio de Adem, resultado da patrulha feita pelas armadas portuguesas à entrada do Mar Vermelho. Assim como Calicut, ao longo da primeira metade do século, e Cochim diante da prosperidade de Goa como "cabeça" do Estado da Índia, o movimento do porto de Adem também foi alterado pela presença portuguesa, sem que possamos, no entanto, falar de sua ruína.

O florentino Corsali partiu para a Índia na frota do governador que foi substituir Afonso de Albuquerque, Lopo Soares de Albergaria, em 1515, e retornou em 1518. Tinha a missão, atribuída pelo papa Leão X, de levar uma carta ao preste João, da Etiópia, para onde seguia acompanhado de Duarte Galvão, enviado do rei D. Manuel, e de Mateus, um mercador armênio que, a serviço do soberano abissínio, havia estado numa embaixada em Lisboa. Giovanni da Dino, um outro italiano que partiu de Lisboa para Cochim em 1518 na armada de Diogo Lopes de Sequeira, e de lá enviou a Florença uma carta, descreve-o como um "homem letrado e dotado, [que] tem estado por muito tempo por esta Índia e tenho como coisa certa que nenhum homem melhor do que ele pode escrever a respeito da astrologia e da cosmografia, nas quais ele é professo"18 18 "(...) huomo letterato et dotto, (...); è stato assai tempo per questa India et tengo per cosa certa che altro uomo meglio di lui, non possa scrivere rispetto alla astrologia et alla cosmografia, nelle quali lui è professo". BRENNA, Guglielmo (a cura di). Relazioni di viaggi di Piero di Giovanni di Dino nelle costi dell'Africa et delle India. Firenze: Cellini, 1885, p. 4. .

O interesse de Corsali não se fixou tanto na embaixada à Etiópia, mas em relatar que produtos eram comercializados e onde se encontravam; queria prevenir os Médici das dificuldades de navegação no Mar Vermelho e Golfo Pérsico, as tempestades e os corsários, além de observar e narrar os itinerários seguidos pela frota, os usos e costumes das populações e, principalmente, as relações já existentes ou recém-estabelecidas entre estas e os portugueses. As viagens de Corsali estão descritas em duas cartas: a primeira, endereçada a Juliano de Médici, de outubro de 1516, e a segunda, a Lourenço de Médici, duque de Urbino, após a morte de Juliano19 19 Utiliza-se a edição de Ramusio. A primeira edição dessas cartas data de 1518, pelo editor Io. Stepheno di Carlo da Pavia, de Florença. Sobre os manuscritos ainda existentes, as alterações feitas por Ramusio, assim como os objetivos de Corsali, ver BISCETTI, Rita. Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali a Giuliano e a Lorenzo de' Medici incluse nelle 'Navigazioni' di G. B. Ramuzio. Revista da Universidade de Coimbra. Vol. XXXII, 1985, pp. 79-83. .

Uma vez que Adem nunca foi conquistada pelos portugueses, era no porto de Ormuz que a dominação portuguesa se apresentava aos viajantes que atingiam a Índia pelo Golfo Pérsico. Tanto Cesare Fedrici como Gasparo Balbi, ambos viajantes venezianos da segunda metade do século XVI, citam os portugueses pela primeira vez ao chegarem a Ormuz. Fedrici escreveu: "Há uma fortaleza belíssima, próxima ao mar, na qual reside um capitão do rei de Portugal, com um bom grupo de portugueses, e em frente à fortaleza está uma bela esplanada"20 20 "Ha una fortezza belissima, vicina al mare, nella qual risiede un capitano del re di Portogallo con una buona banda di Portoghesi, e inanzi alla fortezza è una bella spianata". Il viaggio di Cesare de' Federici..., p. 1.021. . Essa fortaleza seria perdida em 1622 para uma força anglo-persa, causando danos definitivos na conformação do império asiático-português.

OS PORTUGUESES NA PAISAGEM URBANA

O segundo ponto a destacar é a importância das cidades ao longo da viagem e ao longo do tempo — cidades onde o comércio era facilitado pela presença dos portugueses ou sultanatos mais favoráveis ao comércio com os europeus — e as alterações na sua conformação, com a construção de fortalezas e igrejas. Interessam-nos as observações dos italianos a respeito da forma como os portugueses se instalaram às margens do Oceano Índico, o que, para muitos viajantes, como Aloigi Giovanni, Cesare Fedrici e Gasparo Balbi, nada mais era do que a velha "rota das especiarias" divulgada por Niccolo di Conti. Os estabelecimentos portugueses, quando verificamos as cidades e portos citados pelos viajantes do século XVI, podem assim ser vistos como uma colagem sobre o roteiro praticado no século anterior e descrito por homens como di Conti. A esse respeito, os textos de Varthema e de Giovanni da Empoli oferecem visões complementares. O primeiro simplesmente cita as fortalezas portuguesas, mas o faz no período exato em que surgiram essas primeiras edificações na paisagem indiana. Da Empoli, por sua vez, traz a percepção de um estrangeiro atuando no interior do empreendimento português, envolvido com os homens responsáveis pela sua implantação.

Pelas duas primeiras descrições de Lodovico di Varthema referentes a edificações, percebemos que o autor se preocupa em registrar o que lhe é familiar. Sua primeira descrição de uma construção aconteceu em Menim, cidade próxima a Amã. Depois de ter passado pelo Cairo, Alexandria, Beirute, Trípoli, Alep e Amã, Varthema escreveu que naquele cidade havia duas "belíssimas igrejas, as quais dizem ter mandado fazer Santa Elena, mãe de Constantino"21 21 "(...) belissime chiese, le quali dicono aver fatte far santa Elena madre di Constantino". Itinerario di Lodovico di Barthema... ., p. 766. . Em Damasco, onde ficou alguns meses "para aprender a língua mourisca", encontrou "um belíssimo e forte castelo, o qual dizem ter sido fundado por um mameluco florentino"22 22 "(...) per imparar la lingua moresca"; "uno belissimo e forte castello, il qual dicono aver fondato un Mammalucco fiorentino". Op. cit., p. 767. .

Em todo o seu percurso, Varthema assinalou as condições de defesa das cidades, preocupado em descrever tanto as edificações dos muçulmanos quanto dos portugueses. Nessa seleção do que interessava descrever, o desejo de informar a respeito das estruturas de proteção das cidades dos infiéis aliava-se ao fato de as muralhas e fortalezas lhe serem familiares, e pela tradição das cidades italianas, indissociáveis do próprio conceito de cidade. Na maior parte das localidades citadas, os portugueses ainda não haviam se instalado, e em muitas não chegaram a fazê-lo de forma consistente. Alguns reinos locais, no entanto, já se manifestavam como aliados de Portugal, como Cochim e Coulão, mais ao sul. Durante o seu retorno, Varthema pôde verificar que algumas alianças tinham resultado na concessão de uma feitoria fortificada, ou mesmo de uma fortaleza, como foi o castelo de Cananor, que ele veria pronto alguns anos depois. Foi justamente uma fortaleza portuguesa que lhe serviu de refúgio quando se livrou das vestes de muçulmano e declarou-se cristão. Ao deixar a Índia ainda observou a fortaleza portuguesa em Melinde, a de Quiloa, a de Sofala e a da Ilha de Moçambique, então em construção. Outros dois italianos citam a fortaleza de Moçambique: Giovanni da Empoli, durante o retorno de sua primeira viagem à Índia, encontrou na ilha um grande castelo e várias casas de portugueses, e o florentino Andrea Corsali, que diria anos mais tarde que a ilha só tinha alguma qualidade pelo seu porto. A precária fortaleza seria logo abandonada e a nova só viria a ser construída em meados do século.

Nesses primeiros anos do século XVI, em 6 de abril de 1503, Giovanni da Empoli, nascido em Florença de uma família de Empoli, então com 20 anos, partia de Lisboa na frota de quatro navios capitaneada por Afonso de Albuquerque, com destino a Cochim como agente comercial de firmas florentinas. Era sua primeira viagem à Índia, descrita em uma carta endereçada a seu pai. Na mesma frota embarcou um número significativo de mercadores italianos, representantes de importantes casas comerciais florentinas estabelecidas em Lisboa, como Girolamo Sernigi, um dos principais armadores, em cuja nau seguiu Giovanni da Empoli. Outros agentes florentinos eram Leonardo Nardi, Benedetto Pucci e Alessandro Galli.

Essa armada, que travou os primeiros contatos com a cidade de Coulão, deixou a Índia partindo de Cananor, em 27 de janeiro de 1504, arriscando perder a monção para atravessar o Índico e, após uma calmaria de 55 dias no golfo da Guiné, em que morreram 130 homens — 76 apenas na nau de Giovanni da Empoli —, chegou a Lisboa em 16 de setembro. Uma viagem assim tão perigosa, no entanto, não o desencorajou a partir novamente para a Índia, em 16 de março de 1509, desta vez na frota comandada por Diego Mendes de Vasconcellos e pelo florentino Girolamo Sernigi, armador de três navios. Em 1514, a 12 de julho, escreveu ao pai contando esta sua viagem em que participaria da conquista de Malaca. Na terceira viagem, Giovanni da Empoli seguiu para a China, quando acabou morrendo no porto de Cantão, em outubro de 1517. A nave portuguesa foi varrida por uma epidemia, quando também morreram os amigos florentinos Benedetto Pucci e Raffaelli Galli. Giovanni tinha então 34 anos.

Giovanni da Dino, que partiu de Lisboa para Cochim em 1518 na armada de Diogo Lopes de Sequeira, e de lá enviou a Florença uma carta, escreveu sobre a morte de Giovanni da Empoli e de seus dois companheiros. De sua carta-relação, destaca-se a participação de um grande número de italianos no início da presença portuguesa nas Índias, participação esta que não se caracterizou propriamente como uma colônia, já que a circulação de pessoas era bastante intensa, mas formou um grupo em que todos se conheciam. As referências encontradas em seu texto denotam, no entanto, a rapidez com que os italianos, importantes mercadores residentes em Lisboa ou que ali tinham representantes, souberam responder à nova oportunidade de lucro aberta pela rota do Cabo.

Quando Giovanni da Empoli chegou a Cochim, em sua primeira viagem à Índia, havia pouco os portugueses, liderados pelo capitão Francisco de Albuquerque, tinham auxiliado o rei da cidade a recuperar o trono após um ataque de Calicut. Em represália, Afonso e Francisco de Albuquerque atacaram a cidade do Samorim e, como recompensa, puderam construir em Cochim "um castelo no alto da ponta do rio de Repellim, muito forte de madeira, e circundado de grandes fossos, e com muita gente e artilharia"23 23 "(...) uno chastello in su la punta del rio di Repellim, molto forte di legniame, e fossi grandi circhundato, e con molta gente e artigliaria". SPALLANZANI, Marco. Giovanni da Empoli. Mercante navigatore fiorentino. Firenze: SPES, 1984, p. 120. , um embrião da primeira sede do poder português na Índia. Já na segunda viagem, e com a sua participação, foram conquistadas duas praças decisivas para o controle marítimo idealizado pelos portugueses: Goa e Malaca. Depois de conquistada a cidade de Goa, para marcar a presença portuguesa e defendê-la, Afonso de Albuquerque ordenou, também ali, a construção de um castelo de pedra e argamassa.

Ao chegar a Goa, após cinco anos de sua conquista, Andrea Corsali encontrou uma nova paisagem. Fortes muralhas e fossos em volta da cidade e, no interior, muitas casas, "ruas ordenadas a nosso costume [e uma fortaleza] que parece hoje em dia das melhores coisas que os portugueses têm na Índia"24 24 "(...) strade ordinate a nostro costume [e uma fortaleza] che parmi oggidì delle miglior cose che i Portoghesi tengono nell'India". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 25. , numa possível referência à fortaleza de São Pedro de Benastarim, muito admirada, de autoria de Tomás Fernandes, arquiteto militar e homem de confiança de Afonso de Albuquerque. Nos finais dos anos 1510, Corsali contou que na Índia se encontravam quatro mil portugueses; a presença lusa já se consolidara em Malaca, Ormuz — onde uma fortaleza havia sido iniciada em 1507 e concluída por Albuquerque em 1515, batizada de Nossa Senhora da Conceição — e em Goa. No Malabar, ele observou mais outras três fortalezas, a de Cananor, de Calicut e de Cochim. Citou a construção do castelo de Malaca e participou do início da fortaleza de Socotorá, na boca do Mar Vermelho, e de Comorão, construída após a destruição de uma fortaleza muçulmana.

Com o fim do reinado de D. Manuel e a ossatura de portos fortificados já consolidada, o reinado de D. João III (1521-1557) preocupou-se com a manutenção das praças. As ameaças foram importantes: dois cercos contra a fortaleza de Diu — o primeiro em 1538, pelo sultão do Guzerate apoiado pelos turcos, e em 1546, pelo rei de Cambaia ­, e o cerco de Malaca, de 1551, imposto por uma coligação de reis mouros de Java e da península malaia.

Do período joanino só são conhecidos dois textos de italianos em viagem às Índias. O primeiro viajante foi Aloigi Giovanni, que partiu de Alexandria para conhecer Calicut, e deixou um pequeno relato no qual se concentrou na descrição do reino da Pérsia. O segundo viajante foi forçado a ir à Índia. Em 1538 ele estava em Alexandria quando Suleimão Pacha preparava sua armada que, depois de tomar Adem, seguiria para cercar a fortaleza portuguesa de Diu. Junto com centenas de outros cristãos foi obrigado a embarcar nessa frota. O autor ficou conhecido como o Comito Veneziano, que se poderia traduzir como chefe dos marinheiros. Seu texto foi publicado, junto com o de Aloigi Giovanni, pela primeira vez em 1543, por Antonio Manuzio na coletânea Viaggi fatti da Vinetia alla Tana, in Persia, in India. Ramusio incluiria depois na sua antologia Navigazioni e Viaggi apenas a narrativa do Comito. Escrito na forma de um diário de bordo, na qual para cada dia há as léguas percorridas, esse relato trata mais da campanha dos turcos liderados Suleimão Pacha no Mar Vermelho e poucas informações traz a respeito do cerco de Diu, propriamente, além das que as narrativas do conflito contêm.

No terço final do século, três viajantes italianos registraram sua passagem pela Índia e a situação dos domínios portugueses durante o reinado de D. Sebastião e as primeiras décadas do período filipino. Cesare Fedrici, o primeiro deles, esteve na Índia de 1563 a 1581, atraído pelo reino de Pegu. Nasceu por volta de 1530 na Valcamonica, na região da Lombardia, e viveu em Veneza, onde trabalhava como joalheiro. Suas anotações foram organizadas pelo padre Bartolomeo Dionigi da Fano e editadas pela primeira vez em 1587, em Veneza, por Andrea Muschio: Il Viaggio di M. Fedrici nell'India Orientale, et Oltra l'India; Ramusio incluiu seu relato no volume III das Navigazioni e viaggi, de 1606.

Depois de chegar a Goa, Cesare Fedrici foi a Cochim e lá viu consolidada a cadeia de fortalezas portuguesas entre as duas cidades. Citou as fortalezas de Onor — recém construída a partir do acordo firmado em 1569 com a rainha de Garçopa, de quem dependia a região ­, Mangalor e Barcelor, datadas do mesmo período, e Cananor. Mencionou ainda as de Coulão, Manar, Colombo, no Ceilão, e Chaul. Em algumas ocasiões não deixou de observar a restrita dominação portuguesa, a hostilidade que a cercava e sua dependência em relação às vias marítimas. Sobre Colombo, que os portugueses perderiam em 1656 para os holandeses, escreveu que "fora dos muros estão os inimigos, somente do lado do mar há o porto livre"25 25 "(...) ma fora delle mura è de' nemici, ha solo verso il mar il porto libero". Il viaggio di Cesare de' Federici..., p. 1.042. . E sobre São Tomé de Meliapor, nas terras do reino de Vijayanagar, afirmou que "não possuem os portugueses outros edifícios que as casas e os jardins que estão dentro da cidade"26 26 "(...) non possedono i Portoghesi altri stabili che le case e i giardini che sono dentro alla città". Op. cit., p. 1.045. .

Gasparo Balbi, veneziano, também era joalheiro e fez sua viagem à Índia no período de 1579 a 1588. Em 1590 já saía a primeira edição de seu Viaggio nelle Indie Orientali em Veneza. Em seu texto aconselhou que o trajeto mais seguro se fazia saindo de Veneza a Alep, que ele não descreveu por considerar bem conhecido, e depois Babilônia, Balfara, Ormuz, Diu, Chaul, Goa, Cochim, São Tomé, Pegu e Martavão. Ou seja, a partir de Ormuz o viajante europeu era aconselhado a freqüentar a rede de portos cristãos estabelecida pelos portugueses. Balbi descreveu também as fortalezas portuguesas de Damão, de Onor e de Cananor, e foi o único a referir-se à conflituosa sucessão do trono português. No trajeto de Chaul a Goa, iniciado em 4 de novembro de 1580, a nau em que estava, capitaneada por um português, recebeu a notícia da morte, em janeiro daquele ano, do cardeal D. Henrique, no trono desde o desaparecimento do rei D. Sebastião. Ao chegar a Pegu, faria referência à sucessão em Lisboa durante uma audiência com o rei, que lhe perguntara sobre o rei de Portugal e ouviu como resposta: "que o rei Filipe, o qual havia expugnado Portugal, era o mais potente rei que havia entre os cristãos"27 27 "(...) ch'l Re Filippo, il quale haveva espugnato Portogallo, era il più potente Rè, che fosse fra Christiani". BALBI, Gasparo. Viaggio dell'Indie Orientale. Vinezia: Camillo Borgominieri, 1590, fl. 104. .

Do viajante florentino Filippo Sassetti nos chegaram observações preciosas sobre a presença portuguesa nas Índias no período referente ao início da união ibérica. Sassetti partiu de Lisboa para a Índia em 8 de abril de 1583, onde permaneceu por cinco anos como encarregado do envio de pimenta do Malabar para Lisboa, representando o também florentino Giovanni Battista Rovellasco, uma atividade que tinha sua origem nos primeiros contratos assinados entre a Coroa e particulares, feitos durante o reinado de D. Sebastião. Morreria em Goa em 3 de setembro de 1588, deixando parte de sua herança a Ventura, filho que tivera com uma escrava, e seus instrumentos e livros aos jesuítas de Goa. Trinta e uma de suas cartas foram escritas em Cochim, cidade que, ao tempo de Sassetti, contava cinco mil fogos e sofria os efeitos do abandono por parte dos portugueses em benefício de Goa, este "desventurado Cochim", como ele escreve, que tendo sido a primeira terra onde os portugueses tiveram apoio, deixara de ser uma escala muito importante, "procurando os vice-reis que estão em Goa atraírem para lá todos os negócios e todas as grandezas deste país"28 28 "(...) male aventurato Coccino"; "procurando i viceré che stanno in Goa di tirare là tutti i negozi e tutte le grandezze di questo paese". Carta de Filippo Sassetti a Baccio Valori, de Cochin em 20.01.1584. Lettere dall'India (1583-1588). A cura di Adele Dei. Roma: Salerno Editrice, 1995, p. 42. .

Filippo Sassetti era um mercador e um humanista, criado com o que Florença tinha de melhor na segunda metade do século XVI, filho de uma família tradicional mas de poucas posses. Conhecia as obras compiladas por Ramusio e seu interesse pela Índia ia além do desejo de aventura ou de lucro; esperava estudar em profundidade as ciências e religiões do Oriente a fim de encontrar nesse espaço relíquias dos costumes antigos. Sua formação, sua curiosidade e o tempo de permanência permitiram que o conhecimento das Índias se tornasse mais denso, mesmo que, inicialmente, apenas para os meios letrados florentinos. Trinta e cinco cartas suas foram publicadas pela primeira vez em 1743 na Raccolta di prose fiorentine. Depois de várias edições parciais, Bramanti organizou em 1970 Lettere da vari paesi (Milão: Longanesi), que contém o corpus completo das 126 cartas.

Suas cartas trazem algo de novo a respeito dos habitantes do Malabar, de sua relação com o clima e a diversidade da fauna e flora. As descrições dos portugueses, feitas por um estrangeiro que não se envolveu com a administração portuguesa além do necessário para a realização de seus negócios, são especialmente agudas e confirmam de forma original alguns aspectos que vimos observando desde o início do século. Sempre insatisfeito com o conhecimento que era capaz de obter — já que dizia ser preciso ter chegado à Índia com dezoito anos para voltar com algum conhecimento —, sua curiosidade também se alterou com o tempo e a Índia tornou-se mais complexa. Depois de três anos, "o costume, que afasta a maravilha, me toma agora a matéria"29 29 "l costume, che spegne la maraviglia, mi toglie adesso la materia". Carta a Bernardo Davanzati. Cochin, 22.1.1586. Op. cit., p. 165. , escreveu Sassetti, e ao humanista, talvez angustiado com as árvores que não deixam ver o bosque, não interessava mais tratar dos hábitos estranhos, da cor das pessoas ou das palmeiras. A dificuldade em conhecer os costumes das gentes ele atribuía ao "domínio absoluto" que possuíam os portugueses sobre a ilha de Goa, afugentando muitos gentios (forma como Sassetti, assim como as fontes portuguesas, designava os hindus, ou todos os que não eram muçulmanos ou judeus) e os mais dotados para lhe oferecer informações; a saída desses homens, a seu ver, empobrecera a cidade.

Diferente de outros italianos que passaram pela Índia, Sassetti foi um residente sedentário e sua movimentação limitou-se a Goa e Cochim e a Calicut, que apenas visitou. A viagem de Cochim a Goa, uma distância de 800 quilômetros, que feita por mar demorava trinta dias, Sassetti fez numa fusta, atracando em todas as fortalezas que os portugueses tinham em terra firme, e escreveu que estas eram da forma:

(...) como o tempo antigo talvez permitia que se fizesse, e talvez não sejam necessárias senão para serem guardadas por um tão grande capitão como é o nosso senhor. Porque, quanto às guarnições, elas são de tal forma que se pode inclusive dizer que os mouros e gentios não as querem do que os portugueses as defendem, já que um só sino tocado por um negro é o que as vigia e guarda30 30 "(...) le quali sono della maniera che il tempo antico forse permetteva ch'elle si facessero, e forse non sono necessarie altrimenti per essere guardate da tanto gran capitano quanto è il nostro signore. Ché, quanto sia per le guarnigioni umane, elle sono tali che si può anzi dire che i mori e' gentili non le vogliono che i portoghesi le difendino da loro, già che un solo campanello sonato da un negro è quello che le vigila e che le guarda". Carta a Francesco dei Medici, granduca di Toscana. Cochin, 11.2.1585. Op. cit., p. 108. .

Comentário sucinto sobre o estado geral das fortalezas portuguesas que seria denunciado também por muitos portugueses, dos mais célebres como Diogo do Couto, nomeado cronista e guarda-mor da Torre do Tombo em 1595, a homens comuns como o soldado Francisco Rodrigues Silveira. No último quartel do século XVI, na importante praça de Ormuz, esse soldado não via muitas razões para se tranqüilizar com o comportamento dos portugueses, de quem dependia a segurança da fortaleza. Para além das ferozes críticas à indisciplina dos homens de armas, seu texto oferece um quadro do dia-a-dia no interior da fortificação, que concluía da seguinte forma: "Tanto que o sol se põe, desamparam todos a fortaleza, e se vão para suas casas: ficando as portas entregues aos porteiros que são taes que nem para guardar patas seriam sufficientes"31 31 RODRIGUES, Francisco. Memórias de um soldado da Índia. Compiladas por A. de S. S. Costa Lobo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1877, p. 122. .

OS PORTUGUESES E OS REINOS ASIÁTICOS

O terceiro aspecto que nos interessa destacar são as relações dos portugueses com os habitantes e a percepção que os italianos tinham sobre a ação portuguesa, revelando o aspecto humano dessa presença. Luciana Picchio, ao analisar os textos publicados na antologia organizada por Ramusio, identificou três grupos de testemunhos ligados ao mundo português. O primeiro, de autoria dos próprios portugueses ou de marinheiros a seu serviço, traz uma conotação positiva. O segundo grupo é formado por textos de estrangeiros ocidentais, italianos na maioria, "imparcial no juízo histórico, embora ligado ao mundo português pela religião, a cultura européia, às vezes os negócios"32 32 PICCHIO, Luciana Stagagno. Portugal e portugueses no livro das "Navigationi" de G. B. Ramusio. Revista da Universidade de Coimbra. Vol. XXX, 1984, p. 14. . E um terceiro conjunto de textos apresenta o português de forma negativa. Menos numerosos na coletânea de Ramusio, seus autores representam o outro lado da Reconquista. O principal representante deste terceiro grupo é Leão Africano, nascido Hazan Ben Mohammed al-Hazzan, autor da Descrição da África.

Verificando de perto os textos italianos, não podemos, porém, considerá-los em bloco como imparciais. A conotação dos relatos oscila ao longo do texto e dependeu, em grande parte, do contato que cada viajante teve com a administração portuguesa, em muitos casos bastante conflituosa. Giovanni da Empoli e Andrea Corsali, por exemplo, tinham razões pessoais para serem críticos diante das ações dos portugueses, assim como Fedrici, em menor grau. Já Gasparo Balbi beneficiou-se diretamente da presença portuguesa, como relatou ao deixar Ormuz na nau do capitão da cidade, por ordem do qual não pagou direitos pela saída de suas mercadorias, afirmando ter sido tratado como português.

A dificuldade das relações entre o poder português e os particulares influenciou a visão de muitos mercadores e está bem explícita na trajetória de Giovanni da Empoli na Índia. Em sua segunda viagem, participou de um dos confrontos mais importantes entre a política do governador Afonso de Albuquerque, de fortalecimento do poder estatal, e os interesses comerciais que a rota do Cabo passou a despertar. Ao chegar a Goa, que fora conquistada e em seguida perdida por Afonso de Albuquerque, o capitão da frota em que estava embarcado Giovanni da Empoli, Diego Mendes de Vasconcellos, foi à nau de um governador ávido por reforços, homens e embarcações. Apesar de seu destino ser Malaca, Albuquerque obrigou Vasconcellos e seus homens a permanecerem na barra de Goa, onde ajudaram na tomada da cidade, aos finais de novembro de 1510. O viajante concluiu esse episódio com uma reflexão importante a respeito dos conflitos que agitavam as relações no nascente Estado da Índia:

Foram feitos na dita guerra muitos cavaleiros do capitão geral, entre os quais lhe aprouve dar-me minha parte. Aceitei-o mais pelos privilégios que a esse se dão do que outra coisa; porque mercadores e cavaleiros são bastante diferentes: ainda que hoje em dia, visto que as coisas se governam para quem mais pode, é melhor ser cavaleiro do que mercador33 33 "Furno fatti in detta guerra molti chavalieri dal capitano generale, de' quali gli piaque darmene la mia parte. Accieptalo più per i previlegi che chon esso si danno, che per altre chose; perché merchanti e chavalieri sono assai diferenti: anchora che al dì d'oggi, visto che lle chose si ghovernano a chi più può, viene meglio a essere chavaliere che merchante". SPALLANZANI, Marco. Giovanni da Empoli, p. 145. .

Esse desabafo demonstra bem os reflexos de uma política fadada a perder terreno na forma como os portugueses passaram a conduzir sua política de dominação no Índico. O vice-rei Lopo Soares de Albergaria, que substituiria Afonso de Albuquerque, foi responsável pela chamada "grande soltura", em que a ação de particulares foi permitida e incentivada, inaugurando o que seria a regra a partir de então, sem que cessassem os conflitos de interesses e o refluxo dessa tendência pela ação de governadores ou vice-reis mais inclinados às causas da Coroa. Giovanni da Empoli registrou um momento em que o conflito entre a fidalguia e a nascente categoria dos homens de negócios se exacerbava e pendia para o lado da nobreza tradicional, dos cavaleiros. O movimento seguinte seria no sentido contrário e o espaço conquistado pelos comerciantes se ampliaria cada vez mais.

No caso de Andrea Corsali, sua missão foi comprometida pela intransigência de Lopo Soares, que não autorizou o desembarque na Etiópia, e assim não permitiu que Corsali entregasse as cartas que portava ao soberano. Não foi, então, sem razão que o florentino descreveu os portugueses como homens animosos e audazes, dispostos a se meterem em toda empresa "sem nenhum respeito por coisas ou vidas, e têm causado tanto temor por estas partes, que me parece difícil que por algum tempo cheguem a sofrer algum dano"34 34 "(...) tutti uniti insieme e parziali del lor re, animosi e audaci a mettersi in ogni impresa senz'alcun rispetto di robba o di vita, e hanno ingenerato tanto tremore in queste parti, che mi par difficile che per alcun tempo abbino ad essere damnificati". "Due lettere dall'India di Andrea Corsali", pp. 29 e ss. Ao comentar esse trecho, Biscetti salienta sua dupla significação. Corsali reconhece a audácia dos portugueses, mas se preocupa mais em salientar os métodos negativos e violentos empregados. Ver BISCETTI, Rita. "Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali (...)", p. 86. .

Cesare Fedrici não expressou nenhuma simpatia pelos portugueses, uma vez que fora abandonado por companheiros de viagem. Aconteceu no caminho entre Vijayanagar e Goa, quando viajou acompanhado por dois soldados portugueses que o deixaram sem ajuda após ter sido assaltado. Mais tarde, em Martavão, no reino de Pegu, em torno de 1568, Fedrici encontrou cerca de noventa portugueses, entre "mercadores e vagabundos", que estavam com problemas com autoridades da cidade, por certos portugueses terem matado cinco servos do rei. O soberano, ao saber dessa afronta, mandou que lhe fossem entregues os malfeitores. O capitão da feitoria recusou-se a atendê-lo e, estando a cidade vazia, já que o rei estava em guerra com o Sião, os portugueses andavam em bandos causando danos aos moradores. Quando o exército do rei voltou, atacou as casas dos portugueses e estes, "sem dar prova alguma digna do orgulho mostrado nos dias passados, vergonhosamente fugiram e se salvaram nos navios que estavam no porto"35 35 "(...) senza far prova alcuna degna dell'orgoglio i passati giorni mostrato, vergognosamente si poser in fuga e si salvarono sui navilii che in porto erano surti". Il viaggio di Cesare de' Federici.. ., p. 1.057. . Com este conflito, Fedrici não quis desembarcar sua mercadoria, com receio de que o desentendimento entre o rei e os portugueses o atingisse; esperava uma garantia do rei para si e seus produtos, "posto que eu não tinha parte alguma no que ocorria nem intervinha nestes rumores e diferenças"36 36 "(...) poiché io non avevo parte né interveniva in questi rumori e diffenze". Op. cit., p. 1.057. .

Podemos ler nessa passagem que os italianos, como cristãos, beneficiavam-se da rede de comércio estabelecida pelos portugueses no Oriente e, ao mesmo tempo, desvinculados de uma ação estatal ancorada em projetos de conquista ou de dominação, possuíam larga autonomia de ação. Apesar de serem todos cristãos, podemos imaginar que, para os reinos locais, havia alguma diferença entre todos aqueles que se costumava chamar de franges, ou seja, os europeus? A crer no próprio Fedrici, no que diz respeito à Índia, não era feita qualquer diferenciação. Estando em Cochim, ele relatou que pelo nome de portugueses chamavam na Índia todos os cristãos que vinham do poente, italianos, franceses ou alemães. A administração portuguesa, porém, fazia essa discriminação. Podemos dizer que a política da Coroa portuguesa relativa aos homens, seus súditos, que partiram para a Ásia, era dividida em duas categorias: a dos casados, os "uomini maritati", que Fedrici citou ao passar por Ormuz, e a dos soldados. Segundo Charles Boxer, os homens embarcados iam como missionários sob o patrocínio do padroado, enquanto a grande maioria dos leigos ia como soldados. Os fidalgos e soldados que se casavam nas Índias com mulheres da terra, então convertidas, passavam a ser denominados casados, eram geralmente autorizados a deixar o serviço real e se fixavam como comerciantes. Os restantes eram chamados "soldados" e estavam sujeitos a "prestar o serviço militar até morrerem, casarem, desertarem ou ficarem incapacitados por feridas ou doenças"37 37 O Império colonial português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1969, p. 283. . Os casados, mesmo não sendo mais homens de armas, eram convocados para defender os enclaves portugueses em momentos de conflito. Usufruíam, no entanto, de alguns privilégios na realização dos negócios. O próprio Fedrici conta que dos casados de Cochim não eram cobrados direitos sobre as duas principais mercadorias comercializadas na cidade: a seda da China e o açúcar do reino de Bengala. Quanto às outras mercadorias, pagavam 4%, enquanto os portugueses não casados ou os estrangeiros pagavam 8%. Além da discriminação que beneficiava os casados, a legislação filipina viria proibir a presença de estrangeiros no Estado da Índia.

Filippo Sassetti foi, sem dúvida, o mais atento ao comportamento dos portugueses, preocupado principalmente com a situação dos homens simples que chegavam à Índia e que ele nem sabia como nomear:

Não sei como poderia chamar essa gente com um nome latino, sendo como se disséssemos uma colônia; nem sequer colônia, porque àqueles que andavam a povoar uma terra, era dado casa, campo, bosque, prado e qualquer outra coisa da qual, com seu engenho e trabalho, pudessem viver. Mas a estes não lhes dão nada, nem por muito que eu tenha observado, vejo poder convenientemente assemelhar o que lhes dão a outra coisa que não a migalhas que depois da refeição sobram sobre a toalha; são sacudidas pelo chão por quem a dobra, e vindo a servente as varre e joga no lixo38 38 "Non so come si potesse chiamare questa gente cosí con nome latino, essendo come se noi dicessimo una continova colonia; né anco colonia, perché a coloro che andavano a popolare uma terra, era assegnato casa, campo, bosco, prato e qualunque altra cosa donde, mediante l'industria e travaglio loro, e' potessero viversi. Ma a costoro niente di queste cose; né per molto che io abbia considerato, veggo di poterli acconciamente assomigliare ad altro che a' minuzzoli che dipoi desinare avanzano avanzano sopra la tovaglia, che sono scossi in terra da chi la ripiega, viene la servente e sí gli spazza e terragli tra la spazzatura." Carta a Pier Vettori. Cochin, 27.1.1585. Lettere dall'Índia (1583-1588), p. 78. .

Não se pode, em nenhum momento, considerar que a Coroa portuguesa tenha planejado atuar na Índia com base num projeto de colonização. Mesmo os termos colônia ou colono não fazem parte dos textos quinhentistas quando se referem à Ásia. Havia discursos isolados defendendo o incremento da presença portuguesa, como os de Afonso de Albuquerque e Diogo do Couto, mas a ação lusitana era ali de outra ordem: visava à exploração e ao controle das rotas marítimas e não possuía em terra senão o apoio necessário para atingir esses objetivos. Durante o reinado de D. Sebastião (1557-1578), e somente naquela ocasião houve a intenção de avançar para a conquista territorial, quando algumas frentes se abriram: as minas de ouro do reino do Monomotapa, na costa oriental africana, o reino de Cambaia, a ilha de Ceilão, o reino de Pegu e a China, mas em nenhuma delas se obteve sucesso. A nova estratégia representava, como avalia Luís Filipe Thomaz, uma inflexão da política tradicional "no sentido de uma expansão 'à castelhana'"39 39 A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia. Mare liberum, n. 9, 1995, p. 488. , ou uma "crescente hispanificação da concepção portuguesa de império"40 40 O Império Asiático Português, p. 152. , no dizer de Subrahmanyam.

A relação entre avanço territorial, colonização e o modelo espanhol não escapava também aos contemporâneos. Digo do Couto chegou a afirmar, a respeito da conquista do Monomotapa: "Não sei como se não põe os ombros a cousa tamanha e tão necessária; se isso fora dos reis d'Espanha, já houvera de estar tudo descoberto e senhoreado"41 41 O soldado prático. 3ª ed. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, 1980. Parte III, cena III, p. 199. . Assim, talvez o próprio Sassetti tivesse em mente a experiência castelhana no Novo Mundo — já bastante avançada e conhecida na Europa — quando citava os elementos ausentes do projeto português.

Estes homens, a quem apenas eram dadas migalhas, podemos identificar como sendo os casados, que desempenhavam nos enclaves portugueses não somente atividades comerciais mas eram também encarregados de uma pequena produção agrícola. Muitas famílias — incluindo também homens casados pretos da terra, como eram conhecidos os indianos convertidos ao cristianismo — residiam fora dos muros das fortalezas e ali mantinham hortas e pomares. Circulavam também por esses espaços, com freqüência desrespeitando os limites da jurisdição portuguesa, os soldados, cuja sorte não parecia melhor, segundo Sassetti. Depois de viajar duzentos e quinze dias numa nau da Carreira da Índia e chegar a Cochim, ele descreveu o abandono, mais do que a liberdade, que esperava os soldados portugueses:

Essa gente que assim chega aqui viva, uma vez desembarcada, não tem ninguém que lhe pergunte ou diga nada. Cada um toma o caminho que julga de maior benefício para si: este se torna mercador, aquele se põe como servidor e aquele outro vai mendigando sem que ninguém se importe, como se não lhe tivesse cabido dinheiro em Portugal42 42 "Questa gente che cosí ci si conduce viva, sbarcata che la si è, non ha nessuno che li domandi o dica niente. Ciascuno piglia quel camino che piú giudica di suo beneficio: questo si fa mercante, quel si pone per servitore e quell'altro va accattando senza che nessuno ne tenga conto, come se non avessero tocco danari in Portogallo". Carta a Francesco I de' Medici, Granduca da Toscana. Cochin, 22.1.1584. Lettere dall'Índia (1583-1588), p. 47. .

Os que vinham em sua armada receberam um pequeno soldo que ao chegar o inverno havia terminado, levando-os a estar "em algum lugar a roubar ou fazer alguma arte parecida com esta"43 43 "qualche luogo a cappeggiare o fare qualch'arte simile a questa". Op. cit. Charles Boxer explica que incialmente os soldados eram pagos no momento do embarque em Lisboa, mas depois de 1540 eram enviados sem soldo, que lhes deveria ser pago num prazo de seis meses ou um ano depois de sua chegada. Sobre o complexo sistema de pagamentos ver BOXER, Charles. O Império colonial português (1415-1825), pp. 283-290. . Essa dispersão dos homens, muitas vezes forçada por questões de sobrevivência e outras tantas estimulada pela promessa de lucros por meio do comércio privado, alterava-se no momento de um conflito, quando o refúgio estava na fortaleza. Sassetti verificou a instabilidade das relações dos portugueses com os reinos locais ao escrever que "com os vizinhos estão às vezes bem outras mal, e com freqüência ocorre a ruptura; e se há guerra, dentro dos muros salvus est"44 44 "Con li vicini stanno anzi male che bene e spesso spesso vengono a rottura; e como sia guerra, dietro al muro salvus est; e per lo contrario i gentili in mare non fanno guerra, se non come corsari". Carta a Michele Saladini [Cochin, dezembro] 1585. Lettere dall'Índia (1583-1588), p.130. .

Sassetti foi capaz de inserir a presença portuguesa no contexto do subcontinente indiano. Em plena década de 1580, enquanto muitos iam buscar na dominação filipina e na transferência dos inimigos de Espanha para o Índico uma suposta decadência do império asiático português, o florentino apresentou três razões — seguramente entre tantas outras componentes — para o declínio de Goa, "cabeça" desse Império. Em primeiro lugar estaria a pretensão de conversão dos gentios. Podemos ler aqui uma referência à ação empreendida pelos jesuítas, e em seguida pelo Tribunal do Santo Ofício de Goa, criado em 1560, proibindo as práticas ligadas ao bramanismo e forçando a conversão ao cristianismo, o que afugentou muitos hindus, principalmente os mercadores mais ricos e os brâmanes. A segunda razão seria a destruição da cidade de Vijayanagar, último reino hindu da Índia, aliado dos portugueses, derrotado pelos sultanatos muçulmanos do Decão em 1565. A conquista dessa cidade estimularia a ação de outros reinos muçulmanos contra os portugueses, sendo os cercos de Goa e Chaul nos anos 1570 alguns dos resultados. E a terceira razão seria, segundo Sassetti, a destruição do rei de Cambaia, com a incorporação, em 1572, do sultanato do Guzerate ao império mogol de Akbar.

Justamente por seu isolamento no Malabar, Sassetti não podia avaliar todas as questões em jogo nos anos 1580, entre as quais as crises financeiras do Estado da Índia e a política de todo o reino, resultante da dominação filipina, tiveram papel fundamental. Mas o que ele apreende da situação vale para quinze ou vinte anos antes, no momento de uma reordenação de forças no subcontinente indiano.

OS PORTUGUESES E O COMÉRCIO NO ÍNDICO

O último ponto que queremos destacar são as observações que indicam de que forma o poder português sobre o tráfico no Oceano Índico refletiu-se nas práticas comerciais. O controle marítimo era exercido pelo sistema de cartazes que, junto com a atividade corsária, monopolizou a ação portuguesa; corso e cartazes sendo o "anverso e reverso da mesma política de controle do oceano, de que estes representam o aspecto preventivo, aquele o repressivo"45 45 THOMAZ, Luís Filipe. A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia, p. 489. . Tratava-se de uma espécie de salvo-conduto concedida a reinos aliados para que pudessem dispor de um número de navios e de viagens predeterminado pela Coroa. O interesse dos portugueses se fixava, sobretudo, em coibir a ação dos mercadores no mar Arábico, a fim de impedir que a pimenta seguisse o caminho do Estreito de Meca e chegasse aos portos do Mediterrâneo. Essa circulação fortaleceria tanto os mercadores levantinos, como os muçulmanos da Índia, daí o fato de a maioria dos cartazes ter sido emitida para viagens ao estreito, ou seja, era naquela região que se concentrava o controle português, assim como a ação punitiva das armadas. Somente nos anos 1570 passou a ser mais freqüente a emissão de cartazes para a Ásia do Sudeste. Essa medida foi uma resposta à retomada do comércio da pimenta pelo Mar Vermelho, resultante das alianças entre os turcos otomanos, que então controlavam o estreito, e o sultão de Achém, ao norte da ilha de Sumatra, poderoso inimigo dos portugueses e grande produtor de especiarias.

Outra decisão do mesmo período foi a centralização das emissões em Goa. Nos primeiros anos da presença portuguesa, muitas autoridades emitiam cartazes: vice-reis, governadores, capitães de fortalezas e armadas, feitores, e reis aliados ou em paz com os portugueses. O controle também tornou-se mais rígido, principalmente sobre os navios que se dirigiam ao Mar Vermelho. A emissão do cartaz passou a ser feita para um número fixo de navios, por uma viagem apenas, e não mais para todos os súditos de cada potentado ou para todos os armadores de cada porto. Um cartaz, emitido em Goa em 1621, oferece-nos um exemplo do teor desse gênero de documento:

Fernão de Albuquerque ette [então governador do Estado da Índia] faço saber aos que este virem que tendo em respeito a amizade que Nizamoxa Ellrey do Decao tem com este estado, e pollo contrato das pazes que com elle este feito lhe serem concedidos sete cartazes para sete naos suas poderem navegar, cinco para Ormuz um para Mecca, e outra para Malacca (...).

Além dessas informações-chave, incluía algumas restrições que dão provas da preocupação com a circulação dos homens no espaço asiático, assim como o ingresso de material que pudesse ser usado contra os portugueses durante um ataque. Os navios que iriam de Chaul a Ormuz não poderiam trazer:

(...) rumes [turcos otomanos], turcos, abexins [naturais da Abissínia ou Etiópia], aço, breu, cobre, chumbo, latão, ferro, pimenta, canela de Ceilão nem de mato, bombas machos, salitre, enxofre, tudo mais contendo e declarando no regimento do S.M. nem levará portugueses, nem trará cavalos sem licença minha e poderá trazer escravos e escravas de sua nação somente, e avendo suspeito, ou informação que alguns delles sai christãos ou filhos de christão, se fará com elles o exame declarado no concilio provincial (...)46 46 Cópia de cartaz reproduzida em AHMAD, Afzal. Indo-portuguese Trade in Seventeenth Century (1600-1663). New Delhi: Gian Publishing House, 1991, p. 192. .

Por volta de 1515, Andrea Corsali mencionou o controle dos portugueses por meio desse sistema. Ele relatou que em Goa faziam escalas as naus de Ormuz com cavalos para os senhores de Paleacate e o rei de Narsinga, "porque, se em algum outro lugar desembarcassem, os portugueses que são os senhores do mar, com licença dos quais se navega, tomariam as naus e tudo estaria perdido".47 47 "(...) perché, s'altrove sbarcassino, i Portoghesi che sono signori del mare, con licenzia de' quali si naviga, piglierebbono le navi e il tutto saria perduto". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 26. Por causa desses cavalos, que podiam ser vendidos por até dois mil ducados, e que em 1515 haviam rendido de impostos 30 mil ducados, Afonso de Albuquerque, segundo o relato do florentino, havia subjugado a cidade de Ormuz, e feito ali uma fortaleza. Nenhum mercador que chegasse ao Golfo Pérsico podia transportar cavalos ou especiarias sem fazer escala em Ormuz e assim pagar direitos ao rei de Portugal. Apesar de outros viajantes italianos falarem desse sistema adotado pelos portugueses, foi no texto de Fedrici que encontramos pela primeira vez a palavra. Ao deixar Ormuz, ele afirmou que em direção ao Golfo Pérsico não podiam seguir naus de mouros sem o "cartacco".

Outro aspecto da presença portuguesa no Índico referente à atividade comercial está ligado à já citada rede cristã constituída após a chegada dos portugueses. A cadeia de fortalezas serviu de roteiro para os viajantes, como vimos, e Fedrici incluiu em seu relato um outro benefício que esta poderia trazer aos mercadores que pretendiam se aventurar por aquelas regiões. Sua recomendação visava assegurar os bens aos herdeiros dos comerciantes que morressem na Ásia. Segundo o autor, em todas as cidades portuguesas na Índia havia uma Santa Casa da Misericórdia — que ele chamou escola da Santa Misericórdia — que se correspondiam entre si e desfrutavam de grande privilégio, não podendo contra elas nem o vice-rei. Ele recomendava, então, que quando se chegasse à Índia, a uma dessas cidades, se fizesse o testamento, deixando a Santa Casa como sua comissária, mediante uma esmola. O mercador, passando para além da Índia, em terras de mouros e gentios, encontraria nas naus um capitão-mor português para administrar a justiça entre os cristãos. Sempre nessas viagens haveria algum mercador comissário da Santa Casa, com ordem para recuperar os bens em caso de morte. A Santa Casa, então, venderia as mercadorias e mandaria o dinheiro por letra de câmbio à Casa de Lisboa.

Fedrici só não alertou que essa herança poderia demorar anos até chegar a quem pertencia por direito. Charles Boxer recuperou a trajetória de Lourenço Correia Ribeiro, natural de Cintra, que partiu de Lisboa em abril de 1586 e morreu em Macau em 14 de fevereiro de 159848 48 Ver BOXER, Charles. "Casados and cabotagem in the Estado da Índia, 16th/17th centuries". In II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1985, pp. 121-123. . Em seu testamento, feito em 11 de fevereiro, deixava a maior parte de seus bens para sua mãe viúva em Cintra, e também deixava uma herança substancial a dois irmãos, e 500 cruzados para garantir doações a dez jovens órfãs na mesma cidade. Fez provisões para a distribuição de trigo aos pobres na noite de Natal e várias outras doações para a caridade. Para executar seu último desejo nomeou a irmandade da Santa Casa da Misericórdia, da qual era membro. Exatamente como explicou Fedrici, a entidade em Macau ficou encarregada de liquidar os bens e enviar os lucros a Cintra por meio das Misericórdias de Cochim, Goa e Lisboa. O dinheiro, no entanto, não chegou a Cintra antes de 1625. Boxer afirma que esse atraso não deve ser atribuído à Santa Casa, que já em novembro de 1598 dispunha do dinheiro da herança. A ameaça dos holandeses ao comércio marítimo português no Índico seria a principal razão. Naquele período, para enfrentar a concorrência foram freqüentes os empréstimos feitos à Coroa pelas Misericórdias, empréstimos estes que nunca eram pagos.

CONCLUSÃO

Não escapou aos italianos o verdadeiro mote da empresa portuguesa: o controle do comércio marítimo. Giovanni da Empoli afirma que o "rei de Portugal é senhor de grandíssimas conquistas e terras e senhorias, mas muito mais no mar, e de riquezas de todo gênero"49 49 "(...) re di Portoghallo è signore di grandissime chonquisti e tterre e signorie, ma molto più al mare, e di ricchezze d'ogni gienere". SPALANZANNI, Marco. Giovanni da Empoli, p. 182. . Essa afirmação, como tantas outras que se pode depreender da leitura dos textos, reitera o caráter marítimo-comercial do império asiático português, com escalas em terra e cercado pelas muralhas. Na avaliação de Corsali, era a superioridade das armadas portuguesas o que permitia o domínio sobre o mar e os portos da Índia:

E porque em muitas partes faltam víveres, nem se pode conduzi-los de um local a outro sem a navegação, por essa causa, nestas partes orientais não há nenhum porto que, estando a armada portuguesa a postos, não lhe obedeça e deixe fazer fortalezas e castelos onde quiserem, como até agora têm feito nos locais mais importantes da Índia50 50 "E perché in molte parti mancano le vettovaglie, né si possono da un loco all'altro condurre senza navigarle, per questa causa in queste parti orientali non c'è porto alcuno che, stando l'armata in piedi, non lo renda obbedienza e lassi far fortezze e castelli in quelle parti che vorranno, come fino adesso ne hanno fatte nei piú importanti luoghi dell'India". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 30. .

A permissão para a construção de fortalezas poderia fazer parecer a Corsali, nas primeiras décadas do século XVI, que a presença portuguesa se consolidaria de maneira definitiva às margens do Índico. Setenta anos depois, porém, pelas palavras de Filippo Sassetti, vê-se descrita a condição de continuamente cercados que a nosso ver caracterizou a presença portuguesa no Oriente, especialmente na costa ocidental da Índia:

Os portugueses têm muitos locais nesta costa do mar, onde têm certas fortalezas feitas antigamente e com muitas dessas uma população; onde vivem sua gente não sem muito perigo de se tornar presa dos naturais conforme a vontade deles, estando em tudo pouco precavidos e mal guardados; e o que é pior, dando a eles com freqüência muitas razões. Em terra adentro não têm um palmo, seja porque a conquista é dificílima, seja porque vindo todo o lucro da navegação não se têm dado o trabalho nesta parte51 51 "I portoghesi tengono molti luoghi in questa costa del mare, dove hanno certe fortezze fatte anticamente e con molte d'esse una popolazione; donde vivono le lor genti non senza molto pericolo di andare in preda de' naturali ad ogni loro voglia, stando di tutto poco provedenti e con male guardie; e quello ch'è peggio, dandone loro spesso molte cagioni. In fra terra drento non tengono un palmo, sí perché la conquista è difficilissima e sí perché venendo tutto il profitto dalla navigazione non hanno se non dato opera questa parte". Carta a Francesco I de' Medici, Granduca da Toscana. Cochin, 22.1.1584. Lettere dall'India (1583-1588), p. 47. .

"Desta terra posso eu dar pouca notícia a Vossa Senhoria, porque em poucos dias se vê pouco do pouco que têm os portugueses"52 52 "Di questa terra posso io dar poco conto a Vostra Signoria, perché in pochi giorni si vede poco del poco che ci tengono i portoghesi." Carta a Pietro Spina. Cochin, janeiro de 1584. Op. cit., p. 68. , assim escreveu Sassetti, de Cochim, ao amigo Pietro Spina, em 1584. As informações desse arguto observador e, de forma geral, as contidas nos textos italianos, reafirmam em larga medida as conclusões de uma linha historiográfica que vê a presença portuguesa na Ásia como limitada, frágil, em suma, muito menos importante e impactante do que a historiografia tradicional sobre o tema, sobretudo portuguesa, tendeu a demonstrar. Seria preciso discutir de que forma, a partir de quais critérios pretende-se avaliar a importância de uma presença estrangeira em determinado país, região ou continente. Se são privilegiados aspectos econômicos, culturais (incluindo os lingüísticos e culinários, por exemplo) ou religiosos; se sua extensão territorial, se sua rigidez como poder político ou sua permanência no tempo. Nos limites desse artigo pudemos, porém, verificar que os textos produzidos por italianos, ricos e significativos o suficiente para se constituírem numa fonte importante para o estudo da presença portuguesa na Ásia ao longo do século XVI, confirmam que essa presença esteve restrita a pontos fortificados às margens do Oceano Índico, sofrendo sempre o risco de ataques por parte dos reinos locais. Depreende-se o apego dos portugueses pelo mar, pelo litoral, seu desinteresse ou incapacidade de penetração no território. Em síntese, os textos contribuem para a compreensão do império asiático português como um império sitiado, constituído por enclaves no litoral, cercado de um lado pelo mar, de onde vinham suas riquezas mas também os principais inimigos — como ocorreria com a chegada dos holandeses no final do Quinhentos — e, por outro lado, pelos reinos asiáticos.

NOTAS

Artigo recebido em 06/2002. Aprovado em 09/2002.

  • 2A literatura de viagens e o diálogo italo-português. Postilas a um colóquio. Mare liberum, n. 2, 1991, p. 89.
  • 3OLSCHKI, Leonardo. Storia letteraria delle scoperte geografiche Firenze: Leo Olschki editore, 1937, p. 5.
  • 4GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Edusp, 1996, pp. 159, 162.
  • 6BRAUDEL, Fernand. Le Modèle italien Paris: Champs Flammarion, 1994, p. 21.
  • 8" (...) né avendo animo (cognoscendomi di tenuissimo ingegno) per studio over conghietture (...), deliberai con la propia persona e con gli ochi medesimi cercar di cognoscer li siti delli luochi, le qualità delle persone, le diversità degli animali, la varietà degli arbori fruttiferi e odoriferi dell'Egito, della Soria e dell'Arabia Deserta e Felice, della Persia, dell'India, dell'Etiopia, massime ricordandomi esser piú da stimare un testimonio di vista che dieci d'udita". Itinerario di Lodovico di Barthema in Arabia, in India e nell'Asia Sudorientale. RAMUSIO, G. B. Navigazioni e viaggi Torino: Giulio Einaudi editore, 1978, p. 763.
  • 10RADULET, Carmem. Tipologia e significado da documentação italiana sobre os descobrimentos portugueses. Os descobrimentos portugueses e a Itália Lisboa: Veja, 1991, p. 40.
  • 12GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas, p. 128.
  • 13LOUREIRO, Rui. O encontro de Portugal com a Ásia no século XVI.
  • ALBUQUERQUE, Luís de. Antonio; FERRONHA, Luís; HORTA, José da Silva e LOUREIRO, Rui. O confronto do olhar O encontro dos povos na época das navegações portuguesas. Lisboa: Caminho, 1991, p. 168.
  • 14SUBRAHMANYAM, Sanjay. The trading world of the western Indian Ocean, 1546-1565: a political interpretation. A carreira da Índia e as rotas dos estreitos. Actas do VIII Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa. Angra do Heroísmo, 1998, p. 211.
  • 15AUBIN, Jean. 'L'Itinerário' de Ludovico di Varthema. Le latin et l'astrolabe. vol II. Lisbonne-Paris: CNCDP-Fondation Calouste Gulbenkian, 2000, p. 485.
  • O relato praticamente ignora as restrições à navegação impostas pelo regime dos ventos no Índico, as monções. Sobre essa questão e as datas possíveis da viagem, ver Banha de Andrade. Mundos Novos do Mundo Panorama da difusão pela Europa de notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1972, pp. 689-691.
  • 18"(...) huomo letterato et dotto, (...); è stato assai tempo per questa India et tengo per cosa certa che altro uomo meglio di lui, non possa scrivere rispetto alla astrologia et alla cosmografia, nelle quali lui è professo". BRENNA, Guglielmo (a cura di). Relazioni di viaggi di Piero di Giovanni di Dino nelle costi dell'Africa et delle India. Firenze: Cellini, 1885, p. 4.
  • 19Utiliza-se a edição de Ramusio. A primeira edição dessas cartas data de 1518, pelo editor Io. Stepheno di Carlo da Pavia, de Florença. Sobre os manuscritos ainda existentes, as alterações feitas por Ramusio, assim como os objetivos de Corsali, ver BISCETTI, Rita. Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali a Giuliano e a Lorenzo de' Medici incluse nelle 'Navigazioni' di G. B. Ramuzio. Revista da Universidade de Coimbra Vol. XXXII, 1985, pp. 79-83.
  • 23"(...) uno chastello in su la punta del rio di Repellim, molto forte di legniame, e fossi grandi circhundato, e con molta gente e artigliaria". SPALLANZANI, Marco. Giovanni da Empoli Mercante navigatore fiorentino. Firenze: SPES, 1984, p. 120.
  • 27"(...) ch'l Re Filippo, il quale haveva espugnato Portogallo, era il più potente Rè, che fosse fra Christiani". BALBI, Gasparo. Viaggio dell'Indie Orientale Vinezia: Camillo Borgominieri, 1590, fl. 104.
  • 31RODRIGUES, Francisco. Memórias de um soldado da Índia Compiladas por A. de S. S. Costa Lobo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1877, p. 122.
  • 32PICCHIO, Luciana Stagagno. Portugal e portugueses no livro das "Navigationi" de G. B. Ramusio. Revista da Universidade de Coimbra. Vol. XXX, 1984, p. 14.
  • 34"(...) tutti uniti insieme e parziali del lor re, animosi e audaci a mettersi in ogni impresa senz'alcun rispetto di robba o di vita, e hanno ingenerato tanto tremore in queste parti, che mi par difficile che per alcun tempo abbino ad essere damnificati". "Due lettere dall'India di Andrea Corsali", pp. 29 e ss. Ao comentar esse trecho, Biscetti salienta sua dupla significação. Corsali reconhece a audácia dos portugueses, mas se preocupa mais em salientar os métodos negativos e violentos empregados. Ver BISCETTI, Rita. "Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali (...)", p. 86.
  • 37O Império colonial português (1415-1825) Lisboa: Edições 70, 1969, p. 283.
  • 39A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia. Mare liberum, n. 9, 1995, p. 488.
  • 41O soldado prático 3ª ed. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, 1980. Parte III, cena III, p. 199.
  • 43"qualche luogo a cappeggiare o fare qualch'arte simile a questa". Op. cit Charles Boxer explica que incialmente os soldados eram pagos no momento do embarque em Lisboa, mas depois de 1540 eram enviados sem soldo, que lhes deveria ser pago num prazo de seis meses ou um ano depois de sua chegada. Sobre o complexo sistema de pagamentos ver BOXER, Charles. O Império colonial português (1415-1825), pp. 283-290.
  • 45THOMAZ, Luís Filipe. A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia, p. 489.
  • 46 Cópia de cartaz reproduzida em AHMAD, Afzal. Indo-portuguese Trade in Seventeenth Century (1600-1663) New Delhi: Gian Publishing House, 1991, p. 192.
  • 48Ver BOXER, Charles. "Casados and cabotagem in the Estado da Índia, 16th/17th centuries". In II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1985, pp. 121-123.
  • 1
    O conteúdo deste artigo é resultado das pesquisas desenvolvidas durante a elaboração de minha tese de doutorado em História, defendida na Universidade Federal Fluminense:
    Império sitiado: as fortalezas portuguesas na Índia (1498-1622). Niterói, 2002. Agradeço muito a Jacqueline Hermann, Anita Correia Lima de Almeida, Maria Fernanda Bicalho, Ronald Raminelli e a Ronaldo Vainfas pelas críticas e sugestões.
  • 2
    A literatura de viagens e o diálogo italo-português. Postilas a um colóquio.
    Mare liberum, n. 2, 1991, p. 89.
  • 3
    OLSCHKI, Leonardo.
    Storia letteraria delle scoperte geografiche. Firenze: Leo Olschki editore, 1937, p. 5.
  • 4
    GREENBLATT, Stephen.
    Possessões maravilhosas. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Edusp, 1996, pp. 159, 162.
  • 5
    Montaigne's 'Of Cannibals": The Savage 'I'.
    Heterologies: discourse on the other.
    Theory and History of Literature, vol. 17, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985, p. 68. Apud GREENBLATT,
    op. cit., p. 167.
  • 6
    BRAUDEL, Fernand.
    Le Modèle italien. Paris: Champs Flammarion, 1994, p. 21.
  • 7
    FEBVRE, Lucien.
    Le Problème de l'incroyance au XVIe siècle, pp. 461 e ss. e CHASTEL, André.
    La crise de la Renaissance, pp. 34 e ss.
    Apud BRAUDEL,
    op. cit, pp. 112e ss. Segundo Massimo Montanari, nos séculos XV-XVI,
    exibir é a nova palavra de ordem para as camadas dominantes, referindo-se à ostentação que se praticava à mesa e aos grandes desfiles de comida que se fazia antes dos banquetes para o deleite dos olhos do povo.
    La fame e l'abbondanza. Storia dell'alimentazione in Europa. Roma-Bari: Laterza & Figli, 1997, pp. 115-118.
  • 8
    " (...) né avendo animo (cognoscendomi di tenuissimo ingegno) per studio over conghietture (...), deliberai con la propia persona e con gli ochi medesimi cercar di cognoscer li siti delli luochi, le qualità delle persone, le diversità degli animali, la varietà degli arbori fruttiferi e odoriferi dell'Egito, della Soria e dell'Arabia Deserta e Felice, della Persia, dell'India, dell'Etiopia, massime ricordandomi esser piú da stimare un testimonio di vista che dieci d'udita". Itinerario di Lodovico di Barthema in Arabia, in India e nell'Asia Sudorientale. RAMUSIO, G. B.
    Navigazioni e viaggi. Torino: Giulio Einaudi editore, 1978, p. 763.
  • 9
    "Io ero desideroso di veder como la canella si cavava dall'arbore che la produce". Il viaggio di Cesare de' Federici nelle Indie Orientali. RAMUSIO, G.B.
    Op. cit., p. 1.043.
  • 10
    RADULET, Carmem. Tipologia e significado da documentação italiana sobre os descobrimentos portugueses.
    Os descobrimentos portugueses e a Itália. Lisboa: Veja, 1991, p. 40.
  • 11
    "(...) scorrer dentro alla terra ferma e riscontrar con l'altura de' gradi e' nomi antichi che pose Tolomeo, con moderni che oggi sono". Due lettere dall'India di Andrea Corsali. RAMUSIO, G.B.
    Op. cit., p. 37.
  • 12
    GREENBLATT, Stephen.
    Possessões maravilhosas, p. 128.
  • 13
    LOUREIRO, Rui. O encontro de Portugal com a Ásia no século XVI. ALBUQUERQUE, Luís de. Antonio; FERRONHA, Luís; HORTA, José da Silva e LOUREIRO, Rui.
    O confronto do olhar. O encontro dos povos na época das navegações portuguesas. Lisboa: Caminho, 1991, p. 168.
  • 14
    SUBRAHMANYAM, Sanjay. The trading world of the western Indian Ocean, 1546-1565: a political interpretation.
    A carreira da Índia e as rotas dos estreitos. Actas do VIII Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa. Angra do Heroísmo, 1998, p. 211.
  • 15
    AUBIN, Jean. 'L'Itinerário' de Ludovico di Varthema.
    Le latin et l'astrolabe. vol II. Lisbonne-Paris: CNCDP-Fondation Calouste Gulbenkian, 2000, p. 485. O relato praticamente ignora as restrições à navegação impostas pelo regime dos ventos no Índico, as monções. Sobre essa questão e as datas possíveis da viagem, ver Banha de Andrade.
    Mundos Novos do Mundo. Panorama da difusão pela Europa de notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1972, pp. 689-691.
  • 16
    "(...) è una città la piú forte che mai abbia visto in terra piana, ha le mura da due bande, e dall'altre bande sono le montagne grandissime, sopra le quali sono cinque castelli; e la terra è nel piano di questi monti, e fa circa cinque o seimila fuochi. (...) Appresso la quale ad un tirar di pietra è una montagne, sopra la quale è uno castello; e a piè di questa montagna, che vi batte il mare, surgono li navilii". Itinerario di Lodovico di Barthema..., pp. 789-90.
  • 17
    "Qui fanno capo tutti li navilii che vengono dall'India maggiore e dalla minore, e dalla Etiopia e dalla Persia, per li gran traffichi che vi sono".
    Op. cit., p. 790.
  • 18
    "(...) huomo letterato et dotto, (...); è stato assai tempo per questa India et tengo per cosa certa che altro uomo meglio di lui, non possa scrivere rispetto alla astrologia et alla cosmografia, nelle quali lui è professo". BRENNA, Guglielmo (a cura di).
    Relazioni di viaggi di Piero di Giovanni di Dino nelle costi dell'Africa et delle India. Firenze: Cellini, 1885, p. 4.
  • 19
    Utiliza-se a edição de Ramusio. A primeira edição dessas cartas data de 1518, pelo editor Io. Stepheno di Carlo da Pavia, de Florença. Sobre os manuscritos ainda existentes, as alterações feitas por Ramusio, assim como os objetivos de Corsali, ver BISCETTI, Rita. Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali a Giuliano e a Lorenzo de' Medici incluse nelle 'Navigazioni' di G. B. Ramuzio.
    Revista da Universidade de Coimbra. Vol. XXXII, 1985, pp. 79-83.
  • 20
    "Ha una fortezza belissima, vicina al mare, nella qual risiede un capitano del re di Portogallo con una buona banda di Portoghesi, e inanzi alla fortezza è una bella spianata". Il viaggio di Cesare de' Federici..., p. 1.021.
  • 21
    "(...) belissime chiese, le quali dicono aver fatte far santa Elena madre di Constantino". Itinerario di Lodovico di Barthema...
    ., p. 766.
  • 22
    "(...) per imparar la lingua moresca"; "uno belissimo e forte castello, il qual dicono aver fondato un Mammalucco fiorentino".
    Op. cit., p. 767.
  • 23
    "(...) uno chastello in su la punta del rio di Repellim, molto forte di legniame, e fossi grandi circhundato, e con molta gente e artigliaria". SPALLANZANI, Marco.
    Giovanni da Empoli.
    Mercante navigatore fiorentino. Firenze: SPES, 1984, p. 120.
  • 24
    "(...) strade ordinate a nostro costume [e uma fortaleza] che parmi oggidì delle miglior cose che i Portoghesi tengono nell'India". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 25.
  • 25
    "(...) ma fora delle mura è de' nemici, ha solo verso il mar il porto libero". Il viaggio di Cesare de' Federici..., p. 1.042.
  • 26
    "(...) non possedono i Portoghesi altri stabili che le case e i giardini che sono dentro alla città".
    Op. cit., p. 1.045.
  • 27
    "(...) ch'l Re Filippo, il quale haveva espugnato Portogallo, era il più potente Rè, che fosse fra Christiani". BALBI, Gasparo.
    Viaggio dell'Indie Orientale. Vinezia: Camillo Borgominieri, 1590, fl. 104.
  • 28
    "(...) male aventurato Coccino"; "procurando i viceré che stanno in Goa di tirare là tutti i negozi e tutte le grandezze di questo paese". Carta de Filippo Sassetti a Baccio Valori, de Cochin em 20.01.1584.
    Lettere dall'India (1583-1588). A cura di Adele Dei. Roma: Salerno Editrice, 1995, p. 42.
  • 29
    "l costume, che spegne la maraviglia, mi toglie adesso la materia". Carta a Bernardo Davanzati. Cochin, 22.1.1586.
    Op. cit., p. 165.
  • 30
    "(...) le quali sono della maniera che il tempo antico forse permetteva ch'elle si facessero, e forse non sono necessarie altrimenti per essere guardate da tanto gran capitano quanto è il nostro signore. Ché, quanto sia per le guarnigioni umane, elle sono tali che si può anzi dire che i mori e' gentili non le vogliono che i portoghesi le difendino da loro, già che un solo campanello sonato da un negro è quello che le vigila e che le guarda". Carta a Francesco dei Medici, granduca di Toscana. Cochin, 11.2.1585.
    Op. cit., p. 108.
  • 31
    RODRIGUES, Francisco.
    Memórias de um soldado da Índia. Compiladas por A. de S. S. Costa Lobo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1877, p. 122.
  • 32
    PICCHIO, Luciana Stagagno. Portugal e portugueses no livro das "Navigationi" de G. B. Ramusio.
    Revista da Universidade de Coimbra. Vol. XXX, 1984, p. 14.
  • 33
    "Furno fatti in detta guerra molti chavalieri dal capitano generale, de' quali gli piaque darmene la mia parte. Accieptalo più per i previlegi che chon esso si danno, che per altre chose; perché merchanti e chavalieri sono assai diferenti: anchora che al dì d'oggi, visto che lle chose si ghovernano a chi più può, viene meglio a essere chavaliere che merchante". SPALLANZANI, Marco.
    Giovanni da Empoli, p. 145.
  • 34
    "(...) tutti uniti insieme e parziali del lor re, animosi e audaci a mettersi in ogni impresa senz'alcun rispetto di robba o di vita, e hanno ingenerato tanto tremore in queste parti, che mi par difficile che per alcun tempo abbino ad essere damnificati". "Due lettere dall'India di Andrea Corsali", pp. 29 e ss. Ao comentar esse trecho, Biscetti salienta sua dupla significação. Corsali reconhece a audácia dos portugueses, mas se preocupa mais em salientar os métodos negativos e violentos empregados. Ver BISCETTI, Rita. "Portogallo e portoghesi nelle due lettere di Andrea Corsali (...)", p. 86.
  • 35
    "(...) senza far prova alcuna degna dell'orgoglio i passati giorni mostrato, vergognosamente si poser in fuga e si salvarono sui navilii che in porto erano surti". Il viaggio di Cesare de' Federici..
    ., p. 1.057.
  • 36
    "(...) poiché io non avevo parte né interveniva in questi rumori e diffenze".
    Op. cit., p. 1.057.
  • 37
    O Império colonial português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1969, p. 283.
  • 38
    "Non so come si potesse chiamare questa gente cosí con nome latino, essendo come se noi dicessimo una continova colonia; né anco colonia, perché a coloro che andavano a popolare uma terra, era assegnato casa, campo, bosco, prato e qualunque altra cosa donde, mediante l'industria e travaglio loro, e' potessero viversi. Ma a costoro niente di queste cose; né per molto che io abbia considerato, veggo di poterli acconciamente assomigliare ad altro che a' minuzzoli che dipoi desinare avanzano avanzano sopra la tovaglia, che sono scossi in terra da chi la ripiega, viene la servente e sí gli spazza e terragli tra la spazzatura." Carta a Pier Vettori. Cochin, 27.1.1585.
    Lettere dall'Índia (1583-1588), p. 78.
  • 39
    A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia.
    Mare liberum, n. 9, 1995, p. 488.
  • 40
    O Império Asiático Português, p. 152.
  • 41
    O soldado prático. 3ª ed. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, 1980. Parte III, cena III, p. 199.
  • 42
    "Questa gente che cosí ci si conduce viva, sbarcata che la si è, non ha nessuno che li domandi o dica niente. Ciascuno piglia quel camino che piú giudica di suo beneficio: questo si fa mercante, quel si pone per servitore e quell'altro va accattando senza che nessuno ne tenga conto, come se non avessero tocco danari in Portogallo". Carta a Francesco I de' Medici, Granduca da Toscana. Cochin, 22.1.1584.
    Lettere dall'Índia (1583-1588), p. 47.
  • 43
    "qualche luogo a cappeggiare o fare qualch'arte simile a questa".
    Op. cit. Charles Boxer explica que incialmente os soldados eram pagos no momento do embarque em Lisboa, mas depois de 1540 eram enviados sem soldo, que lhes deveria ser pago num prazo de seis meses ou um ano depois de sua chegada. Sobre o complexo sistema de pagamentos ver BOXER, Charles.
    O Império colonial português (1415-1825), pp. 283-290.
  • 44
    "Con li vicini stanno anzi male che bene e spesso spesso vengono a rottura; e como sia guerra, dietro al muro
    salvus est; e per lo contrario i gentili in mare non fanno guerra, se non come corsari". Carta a Michele Saladini [Cochin, dezembro] 1585.
    Lettere dall'Índia (1583-1588), p.130.
  • 45
    THOMAZ, Luís Filipe. A crise de 1565-1575 na história do Estado da Índia, p. 489.
  • 46
    Cópia de cartaz reproduzida em AHMAD, Afzal.
    Indo-portuguese Trade in Seventeenth Century (1600-1663). New Delhi: Gian Publishing House, 1991, p. 192.
  • 47
    "(...) perché, s'altrove sbarcassino, i Portoghesi che sono signori del mare, con licenzia de' quali si naviga, piglierebbono le navi e il tutto saria perduto". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 26.
  • 48
    Ver BOXER, Charles. "Casados and cabotagem in the Estado da Índia, 16th/17th centuries". In
    II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1985, pp. 121-123.
  • 49
    "(...) re di Portoghallo è signore di grandissime chonquisti e tterre e signorie, ma molto più al mare, e di ricchezze d'ogni gienere". SPALANZANNI, Marco.
    Giovanni da Empoli, p. 182.
  • 50
    "E perché in molte parti mancano le vettovaglie, né si possono da un loco all'altro condurre senza navigarle, per questa causa in queste parti orientali non c'è porto alcuno che, stando l'armata in piedi, non lo renda obbedienza e lassi far fortezze e castelli in quelle parti che vorranno, come fino adesso ne hanno fatte nei piú importanti luoghi dell'India". Due lettere dall'India di Andrea Corsali, p. 30.
  • 51
    "I portoghesi tengono molti luoghi in questa costa del mare, dove hanno certe fortezze fatte anticamente e con molte d'esse una popolazione; donde vivono le lor genti non senza molto pericolo di andare in preda de' naturali ad ogni loro voglia, stando di tutto poco provedenti e con male guardie; e quello ch'è peggio, dandone loro spesso molte cagioni. In fra terra drento non tengono un palmo, sí perché la conquista è difficilissima e sí perché venendo tutto il profitto dalla navigazione non hanno se non dato opera questa parte". Carta a Francesco I de' Medici, Granduca da Toscana. Cochin, 22.1.1584.
    Lettere dall'India (1583-1588), p. 47.
  • 52
    "Di questa terra posso io dar poco conto a Vostra Signoria, perché in pochi giorni si vede poco del poco che ci tengono i portoghesi." Carta a Pietro Spina. Cochin, janeiro de 1584.
    Op. cit., p. 68.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      Set 2002
    • Recebido
      Jun 2002
    Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbh@anpuh.org