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A CENP e a criação do currículo de História: a descontinuidade de um projeto educacional

Resumos

Este trabalho trata da construção da proposta curricular de História para o Estado de São Paulo, entre os anos de 1986 e 1992, e da relação que a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) estabeleceu com o processo de confecção dessa proposta, que esteve envolvida em muitos conflitos e polêmicas, algumas delas, frutos de discussões acadêmicas e políticas tornadas públicas pela imprensa.

Currículo; Política e Educação; Memória


This dissertation is about the making of the curriculum proposal of the History for the state of São Paulo, between the years of 1986 and 1992, and the relation that the Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) established with the process of developing this proposal, that had been involved in many conflicts and controversies, some of them, results of the academic and political discussions shown to the public by the press.

Curriculum; Policy and Education; Memory


A CENP e a criação do currículo de História: a descontinuidade de um projeto educacional

Maria do Carmo Martins

Faculdade de Educação - Unicamp1 1 Esse artigo é referente a uma parte da dissertação de Mestrado, intitulada A construção da proposta curricular de História da CENP no período de 1986 a 1992: confrontos e conflitos. Defendida em 1996, na FE/Unicamp sob orientação da Profª Drª Ernesta Zamboni.

Resumo

Este trabalho trata da construção da proposta curricular de História para o Estado de São Paulo, entre os anos de 1986 e 1992, e da relação que a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) estabeleceu com o processo de confecção dessa proposta, que esteve envolvida em muitos conflitos e polêmicas, algumas delas, frutos de discussões acadêmicas e políticas tornadas públicas pela imprensa.

Palavras-chave: Currículo; Política e Educação; Memória.

Abstract

This dissertation is about the making of the curriculum proposal of the History for the state of São Paulo, between the years of 1986 and 1992, and the relation that the Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) established with the process of developing this proposal, that had been involved in many conflicts and controversies, some of them, results of the academic and political discussions shown to the public by the press.

Key words: Curriculum; Policy and Education; Memory.

No início dos anos 80, ocorreram em São Paulo uma série de manifestações reivindicando ao poder público estadual a reformulação dos guias curriculares em vigor desde os anos 70, já pejorativamente denominados de "Verdão". O apelido dado ao guia devia-se muito mais à identificação dele com o governo militar - uma vez que fôra feito após a reforma educacional de 1971 - do que pela capa verde que revestia o material impresso. Na prática, o guia curricular para o Estado de São Paulo servia de norteador para a elaboração dos planejamentos escolares. E como uma das características mais fortes do guia era a definição dos conteúdos que deveriam ser trabalhados em cada matéria, a maioria dos livros didáticos usados na rede pública espelhavam esse conteúdo. Tínhamos então, na prática docente, pouco espaço de criação e de novas propostas de ensino.

Discutir, em âmbito estadual, a inadequação dos guias curriculares a uma sociedade em vias de se redemocratizar, significava ampliar as discussões sobre a importância dos conteúdos programáticos, métodos de ensino e teorias educacionais que subsidiavam o trabalho docente, para a rede pública de ensino paulista.

Significava também uma ação política, uma forma de expressar a crítica ao período autoritário e a centralização de poderes no Estado e suas instituições. É importante lembrar que muitas formas de resistência e ações políticas já descartavam o Estado para resolver seus problemas e se organizavam no sentido de superá-lo. Todavia, na educação, falava-se muito de democratização do ensino, mas se defendia essencialmente a educação pública, estatal e com qualidade.

A defesa do ensino público vinha na esteira de uma discussão mais abrangente sobre o papel social da escola, sobre a relações sociais que se estabeleciam no interior das instituições escolares e sobre a atuação do poder público, na elaboração de políticas sociais de caráter preventivo, para que a sociedade pudesse diminuir suas desigualdades sociais.

Como o Estado brasileiro busca, entre suas atribuições, oferecer educação e organizar sistemas de ensino, a educação passa a ser uma das áreas em que o governo atua por intermédio das políticas sociais. Estas são, de acordo com Höfling:

O termo 'políticas socias' refere-se às ações do governo voltadas para redistribuição de benefícios sociais que visam promover os indivíduos à condição de cidadãos, frente às desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento sócio-econômico. Estas ações, em geral, são de caráter redistributivo e compensatório e, em muitos casos, assistencial propriamente dito2 1 Esse artigo é referente a uma parte da dissertação de Mestrado, intitulada A construção da proposta curricular de História da CENP no período de 1986 a 1992: confrontos e conflitos. Defendida em 1996, na FE/Unicamp sob orientação da Profª Drª Ernesta Zamboni. .

O caráter preventivo das políticas sociais refere-se, grosso modo, ao conjunto de medidas que devem reduzir ao mínimo essas desigualdades sociais. Daí a oferta de um sistema de ensino que garanta o acesso e a permanência dos estudantes na escola pública.

Podemos perceber então, que apesar de muitos outros setores sociais já estarem descartando o Estado e aceitando que as soluções para os problemas fossem criados fora dele, na área educacional o Estado, e as políticas públicas eram (e são ainda hoje), essenciais.

Para profissionais ligados à educação, o Estado, como instituição política, deveria ser a um só tempo, sujeito e objeto de mudanças. Não bastaria somente garantir as eleições diretas para os cargos políticos-administrativos. As mudanças previam que o Estado, as instituições públicas e os órgãos ligados a eles incorporassem ideais de democracia. Vivia-se um momento de revalorização da ação social e da participação política

A reforma curricular dos anos 80 em São Paulo insere-se nesse contexto. Mais do que reorganizar a lista dos conteúdos a serem desenvolvidos por professores no seu dia-a-dia de trabalho, pretendia-se então, com a reorganização dos currículos, a construção de uma nova escola, assentada em um novo projeto político educacional.

Em São Paulo, a construção de novas propostas curriculares para a rede pública de ensino ficou a cargo da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão da Secretaria do Estado da Educação (SEE) responsável por definir parte das políticas públicas educacionais para esse Estado.

E se o guia curricular do período da ditadura acabou se tornando conhecido pelo apelido, a reforma curricular dos anos 80 tornou-se conhecida e identificada como elaborada pela CENP. Cotidianamente, os professores chamavam-na de "proposta curricular da CENP". Conhecer esse órgão foi fundamentalmente importante para entender porque o processo de construção do currículo de História tornou-se tão demorado e polêmico. Parte dos dados sobre o órgão público e sobre a construção do currículo foram conseguidos por meio de entrevistas com profissionais que trabalharam na CENP entre os anos de 1982 e 1992.

A CENP: Estrutura e Funções

Em 1976, o governador do Estado de São Paulo, Sr. Paulo Egydio Martins reorganizou a Secretaria do Estado da Educação por meio do decreto 7510/76. Tal reforma administrativa instituía o organograma e as funções da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão da SEE responsável pelas questões referentes aos currículos. Dentre as atribuições da CENP estavam a elaboração, execução e normatização dos modelos curriculares para o Estado, bem como o permanente trabalho de qualificação e requalificação docentes, técnico-pedagógicos e administrativos da área pedagógica. Cabia a ela ainda o desenvolvimento de estudos para aperfeiçoar material e metodologias de ensino e supervisão.

Até meados dos anos 80, a CENP era o órgão da SEE que mantinha o maior contato com os professores da rede pública estadual de ensino. Esses contatos existiam em função do projeto dos "cursos de capacitação" desenvolvido por ela, em convênio com as universidades USP, UNICAMP e UNESP, visando a capacitação permanente dos professores no ensino de 1° e 2° graus. A partir de 1987 parte de suas atribuições, principalmente as referentes à qualificação e requalificação profissional na área educacional, ficou sob responsabilidade da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), criada pelo governador Orestes Quércia. As questões referentes aos currículos, entretanto, continuaram sob responsabilidade da CENP.

O permanente contato com o professores da rede pública de ensino e os cursos de qualificação organizados pela CENP valeu-lhe, nas memórias de uma das entrevistadas, professora Kátia Abud3 2 HÖFLING, Eloísa de Mattos. A FAE e a execução da política educacional: 1983 - 1988. Tese de Doutoramento, Campinas, Faculdade de Educação da Unicamp, 1993, p. 140. , a lembrança do órgão como:

(...) a pós-graduação da Secretaria de Educação. (...) A CENP tinha mesmo um caráter até de discussão, tínhamos longas discussões sobre os textos, líamos, éramos obrigados a ler.

A CENP organiza seu Plano de Trabalho Anual (PTA) a partir dos projetos e das premissas definidas pela SEE. Financeiramente, o órgão depende da verba definida também pela SEE, o que lhe garante apenas autonomia relativa para desenvolver seu PTA.

O Coordenador possui o cargo mais elevado dentro da hierarquia administrativa do órgão. Este cargo, segundo ainda o decreto-lei 7510/76, é definido pelo Secretário de Educação por meio de nomeação, dando-lhe um caráter de "cargo de confiança". Na sua estrutura interna, além do gabinente do coordenador, há as Divisões (Currículos, Supervisão) e os Serviços (Orientação Educacional, Recursos Didáticos, por exemplo). Os trabalhos em cada Divisão ou Serviço são garantidos por equipes. No caso específico da Divisão de Currículo que interessa para essa pesquisa, os trabalhos são desenvolvidos por Equipes Técnicas.

As Equipes Técnicas são formadas por professores da rede pública estadual de ensino que se afastam temporariamente das suas funções docentes nas escolas. Elas estão organizadas por componentes curriculares (matemática, ciências etc) ou por projetos (habilitação específica do magistério).

Foram construídas entre os anos de 1986 a 1988 propostas curriculares para o 1° grau nas disciplinas do chamado núcleo comum: Matemática, Língua Portuguesa, Ciências e Estudos Socias - esta última, após longas discussões e queixas de historiadores e geógrafos, dividida novamente nas disciplinas de História e Geografia.

Para elaborá-las, a CENP utilizou-se de equipes técnicas, assessoradas por especialistas das diversas áreas de conhecimento ligados às Universidades e, após organizar o trabalho inicial em versões preliminares, estas foram tornadas públicas e discutidas com representantes dos docentes de rede de ensino de 1° e 2° graus.

Especialmente a proposta curricular de História esteve envolvida numa série de confrontos e de conflitos, que inviabilizaram a sua construção num mesmo prazo que as outras disciplinas. Esta proposta, que começou a ser construída em 1986, só foi tornada definitiva em 1992.

Muitos autores escreveram sobre as versões da proposta curricular de história tornadas públicas. Alguns analisaram-nas, apontando a novidades e as contradições, como Fonseca4 4 FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História ensinada. Campinas, Papirus, 1993. e Cordeiro5 4 FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História ensinada. Campinas, Papirus, 1993. ; outros destacaram a importância do processo de construção e a reação, às vezes negativa, dos professores e da impressa quanto às versões produzidas até 1988 conforme Palma Filho6 6 PALMA FILHO, João Cardoso. A reforma curricular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para o ensino de 1º grau (1983-1987): uma avaliação crítica. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989. e Ricci7 6 PALMA FILHO, João Cardoso. A reforma curricular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para o ensino de 1º grau (1983-1987): uma avaliação crítica. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989. . Nesse artigo procuro desvendar outra parte desses conflitos, discutindo de que forma e em que medida a CENP contribuiu para a elaboração de tal proposta ou produziu empecilhos para que essa proposta fosse finalizada e tornada oficial.

O Início das Mudanças: A Questão da Redemocratização do Ensino

A atuação da CENP em processos de reformulação da educação, especialmente após as eleições livres para governador de Estado (em 1982 foi eleito o governador Franco Montoro), vincula-se ao processo de redemocratização dos início dos anos 80, mas com uma visão muito particular do que deveria ser essa democratização.

De acordo com Palma Filho, que foi coordenador da CENP e participante direto do projeto de reforma curricular após 1985, o governo eleito privilegiava a descentralização administrativa e a participação popular nas decisões governamentais. Na área educacional, entendia por democratização do ensino a escola tornada acessível a toda a população e com mecanismos de participação popular no gerenciamento da escola pública.

À CENP coube nesse processo organizar as discussões e promover a construção das novas propostas curriculares, em princípio para as disciplinas básicas do 1° grau. A ela caberia viabilizar as mudanças, mas os novos currículos só poderiam vigorar a partir da aprovação dos professores das disciplinas.

De acordo com as professoras de História, Maria Aparecida de Aquino8 8 A professora Maria Aparecida de Aquino participou da equipe técnica de Estudos Sociais e depois de História da CENP em dois momentos: de 1985 a 1988 e de 1990 a 1991. Quando foi entrevistada, a professora ministrava aulas no curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH - USP). Sua entrevista ocorreu na USP, dia 26/10/1993. e Kátia Abud, a proposta de História sofreu impasses desde o início das discussões, feitas em 1985. A equipe preocupava-se em não transformar a proposta curricular num processo autoritário.

Discutia-se desde se deveria ou não construir uma nova proposta até as novas tendências historiográficas a serem incorporadas no projeto. Quando a maioria dos membros da equipe aceitou a tarefa de construí-la, os embates continuaram, passando então a serem feitos em relação ao formato dessa proposta: deveria conter listagens de conteúdos ou somente elaborar subsídios metodológicos? Anelise de Carvalho9 9 A professora Anelise Maria Müller de Carvalho foi membro da equipe técnica de História da CENP de 1985 a 1988. Quando foi entrevistada, atuava como Assistente Pedagógica, na Oficina Pedagógica da 3ª Delegacia de Ensino na Capital. Ela foi entrevistada dia 08/10/1993. , também entrevistada, lembra da continuidade dessas discussões destacando a questão dos conteúdos: estes deveriam estar estruturados de forma detalhista e rígida, ou deixados em aberto para que o professor pudesse torná-los adequados à realidade do aluno?

Esta última postura prevaleceu na equipe de História que elaborou as três versões inicialmente discutidas com professores de História, até 1988. Segundo Anelise de Carvalho:

na parte da História, por exemplo, há uma sugestão de tema, mas se o professor quiser trabalhar um outro, que ele ache mais significativo, acho válido, acho que não tem que ter um programa oficial, um programa a ser seguido tipo uma camisa-de-força.

Com todas essas discussões sobre o conteúdo e a forma da proposta, percebe-se uma preocupação da equipe técnica em resguardar no próprio processo de construção da proposta uma postura democrática. Essa postura tornou-se uma referência forte para as entrevistadas. Toda vez que falaram sobre o processo, lembraram os passos que foram dados, os problemas e as práticas adotadas na tentativa de solucioná-los. Nas memórias dessas entrevistadas, a maneira como a proposta deveria ser construída tinha uma importância igual, senão maior, que o conteúdo final do documento.

Nem Tudo são Flores na CENP

As questões até aqui relatadas, apesar de pontuais, eram importantes para o período. Entretanto, alguns entraves começaram a aparecer no interior da CENP, dificultando bastante a continuidade dos trabalhos. Parte dessas dificuldades são resultados da própria estrutura organizacional da Coordenadoria.

O cargo de chefia, como já foi dito, corresponde a cargo de confiança e, embora ao coordenador caibam as decisões e os encaminhamentos para desenvolvimento dos trabalhos e projetos sobre currículos, tal cargo não precisa ser exercido por profissionais ligados às questões curriculares. Por ser cargo de confiança, ao mudar o secretário de educação, é possível mudar também o coordenador e seus assessores mais imediatos, caso o novo titular da Secretaria queira. O cargo de coordenador da CENP é, portanto, para a Secretaria de Estado da Educação, mais um cargo político-administrativo.

Disso decorre que os projetos ficam sujeitos demais à figura do coordenador. A cada alteração na chefia da coordenação, os projetos em andamento sofriam alteração quanto aos rumos ou até mesmo quanto ao grau de importância no momento, porque, como assegurou a ex-coordenadora entrevistada, professora Regina Ivamoto10 10 Regina Maria F. H. Ivamoto iniciou seus trabalhos na CENP na equipe técnica de Língua Portuguesa. Mais tarde tornou-se Diretora de Serviço de Ensino do 1º grau, na divisão de currículo da própria CENP. Sua entrevista ocorreu em 21/02/1994. Nessa ocasião era coordenadora da CENP. , as diretrizes são sempre definidas pela SEE e a CENP sujeita-se a desenvolver suas funções dentro dessas diretrizes.

Maria Aparecida de Aquino considera essa estrutura uma das dificuldades de desenvolver projetos que exijam um longo período para execução. De acordo com ela, a proposta de História sofreu impasses na construção, entre outros motivos, porque foram feitas num governo, que assumia o compromisso político de construí-las, mas foram discutidas em outro governo, que não assumira o mesmo compromisso com esse tipo de trabalho. Segundo ela:

Acho fundamental o seguinte: as propostas foram feitas num governo e foram discutidas num outro. O governo no qual elas foram discutidas não tem compromisso com o trabalho anterior, não somente do ponto de vista do governador como do ponto de vista da coordenadoria da CENP. O professor João Cardoso Palma Filho estava absolutamente empenhado na construção das propostas curriculares, que também era um projeto seu; o João Palma era elemento da CENP antes de ser coordenador da CENP. Então, ele tinha uma história dentro da CENP e tinha uma história nas propostas curriculares. O mesmo não acontece com a coordenadora que lhe sucedeu. Então elas foram discutidas num momento muito negativo para elas.

A demora na construção e implementação da proposta curricular de História encaixa-se na situação descrita pois os trabalhos foram iniciados durante o governo Montoro, quando a coordenadoria da CENP esteve sob responsabilidade de João Cardoso Palma Filho, que assumira o compromisso político com elas. A própria CENP foi, durante essa administração, a porta-voz das propostas daquela administração. Entretanto, ao iniciar a gestão Quércia, a nova coordenadora nomeada, professora Teresa Roserley Neubauer da Silva11 11 A professora Teresa Roserley Neubauer da Silva (Rose Neubauer) é atualmente a Secretária de Educação do Estado de São Paulo. , não apresentou os mesmos interesses nos projetos. Além disso, a CENP teve uma redução acentuada nas suas funções e na sua importância para a administração, pois teve que dividir com a FDE suas atribuições, principalmente nas questões que colocavam o órgão em contato com o professores.

De todo modo, ao alterar a chefia da coordenadoria, o novo coordenador e seus assessores imediatos demoravam um certo tempo para conhecer os projetos e definir suas diretrizes, o que tornava lento o processo de trabalho.

O quadro I demonstra as alterações vividas pela CENP durante as duas administrações.


Quadro I

Governador do Estado, Secretários da Educação e Coordenadores da CENP São Paulo (1983-1991)

Como podemos verificar, a alteração no cargo do coordenador da CENP foi muito maior durante o governo Quércia, embora o sistema de indicação para tal cargo tenha continuado o mesmo que no governo anterior. Uma vez que a CENP prevê em seu organograma forte concentração de poderes nas mãos do coordenador, as mudanças podem indicar também certo descontrole por parte do órgão quanto aos projetos.

Nas equipes técnicas, o problema da troca de profissionais também gera, em alguns momentos, uma alta rotatividade de professores que a compõem. Ao fazerem parte da equipe, os professores são designados para o cargo, sem tempo específico de permanência na casa e sem um projeto com prazos para serem terminados, podendo cessar a designação no momento em que o coordenador quiser.

Norma Codani12 11 A professora Teresa Roserley Neubauer da Silva (Rose Neubauer) é atualmente a Secretária de Educação do Estado de São Paulo. conta sobre esse problema:

A designação tem prazo inderteminado. Todas as pessoas que estão nessa equipe, somos em seis, nós estamos designados - o que não significa que vamos ficar eternamente, porque nossa designação pode cessar ou por nossa vontade ou por vontade da chefia a partir de hoje, por exemplo. (...) Uma vez cessada a designação, as pessoas voltam para a escola, porque na realidade aqui nós não temos um cargo.

Isso resulta também em muitos momentos de descontinuidade nos projetos desenvolvidos pela CENP na medida em que as equipes podem ser reformuladas (integralmente se o coordenador quiser) a qualquer momento e em qualquer estágio do trabalho. No caso específico da construção da proposta curricular de História, houve muitos momentos de interrupção devido a alterações nos membros componentes da equipe.

A Construção da Proposta Curricular de História: Especificidades

A proposta curricular de História foi apresentada ao público em cinco versões. As três primeiras versões foram editadas durante os anos de 1986 e 1988, escritas pela equipe técnica de Estudos Sociais, quando o coordenador da CENP era o Prof. João Cardoso Palma Filho. Estas estiveram em discussão com professores da rede pública até 1988 e foram sujeitas a muitas críticas e retaliações. São estas três versões que estiveram envolvidas nos maiores conflitos para construção.

As outras duas versões são de 1991 e 1992. Estas duas últimas correspondem à proposta curricular produzida por professores universitários que prestaram serviço à CENP, demonstrando que o princípio básico de que a proposta deveria ser feita no interior da Coordenadoria fôra abandonado. A versão de 1992 é considerada definitiva pela CENP e pela SEE.

As versões iniciais (1986/1988) foram feitas partindo de princípios expressos num documento síntese das linhas norteadoras da reorganização curricular, produzido pela CENP, no qual as assessoras Barreto e Arelaro13 13 BARRETO, Elba Siqueira de Sá e ARELARO, Lisete Regina Gomes. "As uvas não estão mais verdes: um novo currículo? (Documento síntese das linhas norteadoras da reorganização curricular)". In Fundamentos da educação e realidade brasileira: a relevância social dos conteúdos de ensino.São Paulo, SEE/CENP, ano II, nº 07, 1986. deixavam claro que as propostas visavam adequar os conteúdos escolares ao aluno que freqüentava a escola pública naquele momento. O aluno pobre, de um país que passava por transformações sócio-políticas e econômicas rápidas. Os currículos dessa nova escola não somente deveriam inquietar o professor, mas deveriam também

(...) dar pistas de para onde o novo mundo e a nova escola estão a caminhar. Daí a necessidade desta nova proposta ser simples e objetiva, possível mas instigante, viável mas que caiba a utopia da construção de uma nova sociedade: que passa pela escola, não se resume nela, mas não prescinde dela. E portanto, de cada um de nós14 13 BARRETO, Elba Siqueira de Sá e ARELARO, Lisete Regina Gomes. "As uvas não estão mais verdes: um novo currículo? (Documento síntese das linhas norteadoras da reorganização curricular)". In Fundamentos da educação e realidade brasileira: a relevância social dos conteúdos de ensino.São Paulo, SEE/CENP, ano II, nº 07, 1986. .

Além de tais pressupostos, a equipe técnica de História deveria adequar os conteúdos e a distribuição deles para as séries, bem como discutir as diferentes abordagens historiográficas que durante os anos 80 se propagaram nos meios acadêmicos.

Para garantir a participação dos professores da rede pública, a CENP optou por discutir as propostas com grupos de professores, definidos a partir das Delegacias de Ensino. Dessa forma foi feita com a primeira versão. As considerações originaram a segunda e terceira versões. Esta última deveria ser rediscutida em outubro de 1986, mas uma longa greve de professores impossibilitou tal realização. Somente em julho de 1987, já durante o governo Quércia e com a CENP sob a coordenadoria da professora Teresa Roserley Neubauer da Silva foram realizadas as discussões. Esta coordenadora manteve o calendário de discussões programado. Questionada, a proposta de História passou por um longo período sem que uma nova versão fosse tornada pública.

As versões apresentadas sofreram críticas por parte dos professores, mas essas críticas eram esperadas (e desejadas) pela equipe técnica. Mas uma crítica mais severa, essa por parte dos jornais de São Paulo, favoreceu o processo de engavetamento da proposta. Essa fôra identificada como uma proposta de esquerda, alguns chegavam a identificá-la com o Partido dos Trabalhadores, acusavam a equipe técnica de valorizar demasiadamente o tema "Trabalho" como eixo norteador da proposta. A tal ponto a proposta de História entrou em evidência, que no início da gestão Quércia, o Secretário de Educação, Sr. Chopin Tavares de Lima, amenizou em sessão na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (dia 07/10/1987) a importância do trabalho de construção dos currículos em seu plano de ações.

Somente no final da gestão Quércia o projeto foi retomado. Professores universitários foram convidados a fazer a versão que está vigorando, diferenciando a proposta de História das outras propostas curriculares, elaboradas por professores da rede pública. Kátia Abud relata que 1991, uma semana antes de iniciar a gestão Fleury, uma nova versão feita pelos professores universitários Ernesta Zamboni (UNICAMP), Kátia Abud e Luís Koshiba (UNESP) e Maria Helena Capelato (USP) - profundamente diferente da proposta anterior - foi lançada pela CENP. Discutida por alguns professores convocados novamente pelas DEs, esta foi reelaborada ao final daquele ano, por duas das autoras (Zamboni e Abud) resultando na versão definitiva até o momento.

Rastreando o calendário de contrução da proposta curricular de História percebe-se que praticamente durante toda a gestão Quércia a proposta sofreu um impasse na sua construção. O calendário de discussões mostra-se também curioso: a proposta foi apresentada como uma obra em construção contínua aos professores nos momentos em que o governo presta conta de suas ações, angaria votos ou nos momentos em que lança as bases para suas políticas educacionais. Através da alteração na escolha dos autores percebe-se que o projeto inicial mudou de feição, na medida em que não se priorizou mais a construção feita pelos professores da rede pública de 1° e 2° graus. A idéia de democratização envolvida na construção foi deixada de lado.

Conflitos Ideológicos no Interior da CENP e a Construção do Currículo de História

Os relatos dos elaboradores das versões discutidas até 1988 indicam que a alteração dos coordenadores na transição do governo Montoro para o governo Quércia significou a instalação de visões diferenciadas sobre os currículos e a importância política deles, resultando dessa forma em diretrizes e ações também bastante diferenciadas pela CENP.

Os dois coordenadores mais lembrados pelas entrevistadas - Palma Filho e Neubauer da Silva - assumem a importância de um currículo básico, subsidiário do trabalho docente e que seja elaborado levando-se em conta o saber sistematizado historicamente pela humanidade, como produto cultural.

As discordâncias começam quando se analisa o papel político desses currículos e das escolas organizadas a partir deles. De acordo com Palma Filho, em cuja gestão iniciou-se o projeto de reforma de curricular da História

1) o currículo não pode ser separado do social, deve ser historicamente situado e culturalmente determinado; 2) o currículo é um ato inevitavelmente político, que objetiva a emancipação das camadas populares 15 15 Idem, p. 58. .

A escola onde se aplicaria tal currículo era vista

(...) como um espaço de luta, de contradição, e nesse sentido, do ponto de vista político acaba por transmitir uma mensagem otimista, de esperança16 15 Idem, p. 58. .

Para Palma Filho, a escola era uma intituição política, capaz de promover mudanças estruturais na sociedade e nesse sentido, um dos espaços em que o indivíduo exerce seu direito à cidadania.

A coordenadora Neubauer da Silva entretanto, afirma que:

Não faz sentido, por outro lado, atribuir à escola o papel de agência conscientizadora do povo a respeito de seus direitos e do seu potencial de ação política, como foi postulado por vários pedagogos nos últimos dez anos. (...) É necessário reconhecer que a escola é uma instituição cujo objetivo fundamental é a socialização dos conhecimentos acumulados. Não há como negar que o papel inerente à escola seja a transmissão do saber sistematizado - formação cultural como instrumento de inserção social dos indivíduos enquanto cidadãos. É esta a sua função possível e indispensável17 17 SILVA, Teresa Roserley Neubauer da. Conteúdo curricular e organização da Educação básica: a experiência paulista. Tese de Doutoramento, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1988, pp. 12-13. .

A escola, para a coordenadora Neubauer da Silva, não é capaz de desenvolver a consciência política necessária para que o cidadão consiga exercer de fato a sua cidadania. Ao contrário da perspectiva libertária proclamada por Palma Filho, a escola de Neubauer da Silva possui poderes bastantes limitados, cabendo a ela instrumentalizar o cidadão para sua adequação à sociedade.

Embora não proclamado diretamente pelos coordenadores citados, tal embate teórico resultou em práticas e ações decisórias diferenciadas por parte da CENP durante suas respectivas gestões. A forma como cada coordenador trabalhou com os currículos materializavam tais diferenças de posturas e de modos de agir.

A equipe técnica de História demonstrou estar mais afinada com os pressupostos teóricos do então coordenador Palma Filho. A coordenadora Neubauer da Silva, movida por outros pressupostos e negando a perspectiva libertária que inspirava os trabalhos realizados, gerou, através das relações conflitantes com a equipe, o esfriamento do processo de criação.

Todavia, a forma como os coordenadores encaminham o processo e as características que tentam imprimir aos currículos durante suas gestões, demonstra que ambos partiam de um ponto comum: a convicção de que por meio dos conteúdos e das atitudes que o currículo fomenta na comunidade que ele atinge, pode-se controlar e dirigir parte considerável dessa comunidade. Essa é, por sinal, uma das conclusões mais consensuais sobre os currículos. Hoje admite-se que estão diretamente vinculados conhecimento e currículo com controle de poder, como nos alerta Silva:

O processo de criação, seleção, organização e distribuição de conhecimento escolar está estreitamente relacionado com os processos sociais mais amplos de acumulação e legitimação da sociedade capitalista.

Aquilo que é definido como sendo conhecimento escolar constitui uma seleção particular e arbitrária de um universo mais amplo de possibilidades.

O poder socializador da escola não deve ser buscado tão somente naquilo que é oficialmente proclamado como sendo seu currículo explícito, mas também (e talvez principalmente) no currículo oculto expresso pelas práticas e experiências que ela propicia.

A definição social cristalizada daquilo que constituem formas legítimas de escola, sala de aula etc, e a estrita regulamentação estatal dos modos de Educação limitam, conformam e determinam as possíveis transformações dos arranjos educacionais existentes, particularmente os referentes a currículo18 17 SILVA, Teresa Roserley Neubauer da. Conteúdo curricular e organização da Educação básica: a experiência paulista. Tese de Doutoramento, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1988, pp. 12-13. .

Controlá-lo significa também promover, da escola para a sociedade, determinados comportamentos e valores que estejam de acordo com o que pensam os detentores do poder. O Estado, ao controlar a parte burocrática e os conteúdos expressos nesse sistema escolar, acaba por deter o monopólio da decisão sobre o modo como a Educação se efetiva na nossa sociedade.

A ideologia política, com a qual o Estado mais se afina nos vários momentos, aparece na forma como os órgãos e as divisões das secretarias de Estado efetivam seus trabalhos. Este é o exemplo que a CENP dá durante o processo relatado. Entretanto, é importante ressaltar que não se trata de projetos maquiavélicos de controle. Os relatos e os casos resgatados aqui procuram demonstrar que é no fazer diário que esse controle vai se estabelecendo.

Correndo em Outra Raia: uma Proposta Feita Fora da CENP

Enquanto ocorriam os embates com a proposta curricular de História em construção, a CENP passa a subsidiar um projeto de ensino dessa disciplina denominado "Programa de Qualificação do Ensino de História" criado a partir da iniciativa de professores da UNESP, campus de Araraquara, e desenvolvido inicialmente com o auxílio da Delegacia de Ensino da cidade. Esse programa iniciou-se com a produção de alguns textos de apoio aos professores, com realização de um curso de 36 horas ministrado na DE e a publicação de um material didático para alunos feito em off-set na própria gráfica da UNESP.

Desde 1986, a equipe responsável pela experiência selecionou 12 professores da rede pública de ensino, que passaram a ser comissionados na CENP e deveriam acompanhar a experiência nas escolas. Em 1988, justamente durante a gestão de Neubauer da Silva, a CENP e a UNESP firmaram um convênio para dar continuidade aos trabalhos, ampliando-os para a participação de professores de São Carlos, São João da Boa Vista e Pirassununga. Tal convênio teria duração até 1990. A CENP assegurou que professores trabalhariam como monitores e posteriormente conseguiu que a Imprensa Oficial do Estado (IMESP) imprimisse o material didático, reorganizado e reescrito. De acordo com Mori19 19 MORI, Airton Sérgio. Um projeto de ensino de História. Texto base para apresentação na 6ª Conferência Brasileira de Educação (CBE) realizada na USP, 1991. , um dos responsáveis pelo programa, a partir desse momento o projeto contava com participantes de mais de 20 cidades (ligadas às DEs já citadas), envolviam cerca de 140 professores e mais de 20 mil alunos.

Em 1988 também a equipe de professores da UNESP elaborou e imprimiu a Proposta Pedagógica do Programa de Qualificação em questão. Através do pequeno caderno da proposta pedagógica, era feita a síntese das discussões ocorridas para elaboração da experiência, apresentava-se o referencial teórico-pedagógico, definia-se a concepção de História do programa e organizavam-se os temas por série. Procurava-se também organizar as diretrizes do programa, uma vez que estas alcançaram um tamanho muito extenso e os organizadores não conseguiram mais controlá-lo.

Verificando o alcance do programa e o investimento da CENP, tal projeto transformou-se num programa curricular "extra-oficial", naquele momento endossado pela CENP/SEE. As vantagens desse programa para a CENP decorriam principalmente do fato dele não estar envolvido em polêmicas com a imprensa, de já estar sendo testado pelos professores e em grande medida aceito sem maiores problemas. Este programa não propunha mudanças substanciais na estrutura do trabalho dos professores, na medida em que o conteúdo já selecionado e dividido nas séries eram trabalhados pelo material de orientação aos professores e também no material dirigido aos alunos.

Tal programa também se caracteriza por propor um currículo menos politizado do que a proposta construída no interior da CENP, além de afirmar não querer polemizar com intelectuais da História, uma vez que o projeto não apresenta uma única linha historiográfica. Até 1990, esse programa elaborado pela UNESP contou com os recursos da CENP. Depois dessa data, os organizadores do Programa passaram à coordenadoria dos núcleos de ensino da UNESP o encargo de continuar ou encerrar os trabalhos. Após avaliações, a direção dos núcleos de ensino iniciou um processo de desmontagem do programa, embora o material tenha sobrevivido e seja usado até hoje por professores de História.

Justamente durante esse período de crescimento do Programa (1987 a 1990), a proposta curricular elaborada no interior da CENP não recebeu mais nenhuma versão para ser distribuída aos professores da rede pública de ensino e discutida pelos mesmos.

Analisando as datas e o projetos coincidentes, parece claro que houve, além da mudança na concepção de currículo, como já foi demonstrado, uma alteração também no modo como a CENP passa a desempenhar suas funções. Ela distanciou-se da construção do currículo e aceitou o papel de financiadora de uma proposta experimental. Ao mesmo tempo, ela distanciou-se dos professores na medida em que perdeu a função de trabalhar com a qualificação docente, passando esta para a responsabilidade da FDE.

Todavia, após 1990 a disciplina História era a única das disciplinas do núcleo comum da grade curricular do Estado que continuava sem uma proposta curricular oficial. Imbuída de suas novas características, mas ainda com a função de elaborar propostas curriculares e abandonando por completo o ideal de ter proposta produzida por professores de História no 1° e 2° graus, a CENP convida quatro professores universitários (ligados à USP, UNICAMP e UNESP) para elaborarem a versão definitiva.

Foi muito longo o período de construção do currículo de História até a elaboração do documento final, se compararmos com o tempo de construção das outras propostas. Todos os sujeitos que dele participaram, direta ou indiretamente, aparecem com passagens sempre interrompidas. Alguns desses sujeitos demonstraram que as dificuldades geradas pela CENP ou pelo próprio Estado resultaram em frustrações com o trabalho.

Frutos do Trabalho ou Frustações com o Trabalho?

Dentre as pessoas entrevistadas, Maria Aparecida de Aquino e Anelise M. M. de Carvalho, componentes da equipe técnica responsável pelas versões impressas e discutidas de 1986 a 1988, deixaram claro, às vezes em tom de denúncia, às vezes em tom de desabafo, que as dificuldades na construção da proposta não eram provenientes da ausência de recursos financeiros. Ao contrário, para elas, as maiores dificuldades são provenientes da forma como a CENP encaminhava seus trabalhos, da censura do gabinete da coordenadoria ao projeto em construção, a centralização das decisões nas mãos do coordenador e da tensão presente no relacionamento com esse gabinete de poderes centralizados.

Maria Aparecida de Aquino desabafa:

Se você me perguntar qual o resultado que eu tenho do meu trabalho nesses anos todos na CENP - é um resultado de frustração.

E continua:

Os impedimentos, que aconteceram infelizmente, não foram questões financeiras. Os impedimentos foram questão de direção. Então, quando o material não vai para rede, pelo menos na minha experiência, não é porque não há condições financeiras; não vai porque não não há intenção política que ele vá.

Anelise de Carvalho anuncia:

A nossa relação (com o gabinete do coordenador) era realmente dada a partir do que cada coordenador tinha como projeto, como prioridade.

E sobre o processo de interrupção da proposta:

(...) Olha, eu sofri muito. Eu sempre falo que foi uma fase muito difícil da minha vida, uma fase de muito sofrimento. (...) Eu tentava fazer um bom trabalho, me esforçava, mas eu não tinha essa visão institucional do Estado, essa questão de poder, a manipulação do poder - e de repente, percebi isso. Então foi uma fase sofrida, mas acho que foi uma fase de crescimento.

Torna-se curioso perceber por meio dos relatos a ocorrência - mesmo que não seja de forma explícita - da manipulação dos órgãos públicos por parte dos ocupantes dos cargos de chefia, como ocorreu na CENP. Embora os projetos que esses órgãos tenham de formular digam respeito à parcela da sociedade para qual são voltados, os órgãos passam por um processo de constante privatização - privatização não no sentido econômico, pois esses órgãos não estão sendo leiloados ou passados para a esfera do capital privado. O termo "privatização" aqui está sendo usado no sentido de ser manipulado como propriedade privada por intermédio de cada ocupante do cargo de chefia. O sentido geral dessa privatização a que me refiro é o de imprimir peculiaridades, particularidades de gerenciamento e administração à coisa pública, de tal forma que as instituições ou órgãos públicos sejam reconhecidos pelas marcas desses administradores e políticos.

Questiona-se o fato de projetos serem interrompidos, mesmo quando uma parte da sociedade ainda está se mobilizando na defesa deles. Se os ocupantes temporários dos cargos de chefia dos órgãos públicos possuem projetos e premissas distintos, torna-se cada vez mais importante que a sociedade participe ativamente das instituições, faça valer suas vontades e garanta a continuidade e a finalização de projetos que possam vir a beneficiá-la.

Dentro do programa de reformas educacionais para o Estado de São Paulo, as propostas curriculares tinham importância grande, destacada pela própria administração. O projeto de História, entretanto, tornou-se um exemplo de como relacões de poder - privatizacões como as destacadas acima - tornam inoperante um órgão público e dificultam a elaboração de projetos.

De forma bastante genérica, percebemos que os movimentos pela reforma educacional, tendo como pressuposto as construções de novos currículos, visavam promover nas redes de ensino (públicos ou privados) uma modernização. Essa modernização levava para dentro dos órgãos públicos e do sistema escolar o discurso de representatividade, da participação e da transformação da sociedade.

Nem sempre, entretanto, o órgão responsável por formular projetos segundo um discurso democrático mostrava-se capacitado para desenvolver tal tarefa. As contradições e as relações de poder no interior da CENP, e a forma como os projetos eram desenvolvidos e/ou deixados de lado mostram que, embora os discursos tenham se alterado, a maneira como o órgão desenvolvia seus projetos ainda não havia incorporado o discurso que ela mesma propagava.

Notas

3 A professora Kátia Maria Abud participu da equipe técnica da CENP durante os anos de 1981 e 1983-1985. Quando foi entrevistada, a professora ministrava aulas na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

5 CORDEIRO, Jaime Francisco Parreira. A história no centro de debate: da crítica do ensino ao ensino crítico - as propostas de renovação do ensino de história nas décadas de setenta e oitenta. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Faculdade de Educação da USP, 1994.

7 RICCI, Claudia Sapag. Da intenção ao gesto — quem é quem no ensino de história em São Paulo. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992.

12 Norma L. Codani foi entrevistada dia 04/10/1993. Na ocasião ela fazia parte da equipe de História, na qual ingressara em 1991.

14Idem, p. 03.

16Idem, p. 58.

18 SILVA, Tomaz Tadeu da. O que produz e o que reproduz em Educação. Porto Alegre, Artes Médias, 1992, pp. 78-80 e 84.

  • 2 HÖFLING, Eloísa de Mattos. A FAE e a execuçăo da política educacional: 1983 - 1988 Tese de Doutoramento, Campinas, Faculdade de Educaçăo da Unicamp, 1993, p. 140.
  • 5 CORDEIRO, Jaime Francisco Parreira. A história no centro de debate: da crítica do ensino ao ensino crítico - as propostas de renovaçăo do ensino de história nas décadas de setenta e oitenta. Dissertaçăo de Mestrado, Săo Paulo, Faculdade de Educaçăo da USP, 1994.
  • 6 PALMA FILHO, Joăo Cardoso. A reforma curricular da Secretaria de Educaçăo do Estado de Săo Paulo para o ensino de 1ş grau (1983-1987): uma avaliaçăo crítica Dissertaçăo de Mestrado, Săo Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Săo Paulo, 1989.
  • 7 RICCI, Claudia Sapag. Da intençăo ao gesto quem é quem no ensino de história em Săo Paulo Dissertaçăo de Mestrado, Săo Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Săo Paulo, 1992.
  • 13 BARRETO, Elba Siqueira de Sá e ARELARO, Lisete Regina Gomes. "As uvas năo estăo mais verdes: um novo currículo? (Documento síntese das linhas norteadoras da reorganizaçăo curricular)". In Fundamentos da educaçăo e realidade brasileira: a relevância social dos conteúdos de ensino.Săo Paulo, SEE/CENP, ano II, nş 07, 1986.
  • 17 SILVA, Teresa Roserley Neubauer da. Conteúdo curricular e organizaçăo da Educaçăo básica: a experięncia paulista. Tese de Doutoramento, Săo Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Săo Paulo, 1988, pp. 12-13.
  • 18 SILVA, Tomaz Tadeu da. O que produz e o que reproduz em Educaçăo Porto Alegre, Artes Médias, 1992, pp. 78-80 e 84.
  • 1
    Esse artigo é referente a uma parte da dissertação de Mestrado, intitulada
    A construção da proposta curricular de História da CENP no período de 1986 a 1992: confrontos e conflitos. Defendida em 1996, na FE/Unicamp sob orientação da Profª Drª Ernesta Zamboni.
  • 2
    HÖFLING, Eloísa de Mattos.
    A FAE e a execução da política educacional: 1983 - 1988. Tese de Doutoramento, Campinas, Faculdade de Educação da Unicamp, 1993, p. 140.
  • 4
    FONSECA, Selva Guimarães.
    Caminhos da História ensinada. Campinas, Papirus, 1993.
  • 6
    PALMA FILHO, João Cardoso.
    A reforma curricular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para o ensino de 1º grau (1983-1987): uma avaliação crítica. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989.
  • 8
    A professora Maria Aparecida de Aquino participou da equipe técnica de Estudos Sociais e depois de História da CENP em dois momentos: de 1985 a 1988 e de 1990 a 1991. Quando foi entrevistada, a professora ministrava aulas no curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH - USP). Sua entrevista ocorreu na USP, dia 26/10/1993.
  • 9
    A professora Anelise Maria Müller de Carvalho foi membro da equipe técnica de História da CENP de 1985 a 1988. Quando foi entrevistada, atuava como Assistente Pedagógica, na Oficina Pedagógica da 3ª Delegacia de Ensino na Capital. Ela foi entrevistada dia 08/10/1993.
  • 10
    Regina Maria F. H. Ivamoto iniciou seus trabalhos na CENP na equipe técnica de Língua Portuguesa. Mais tarde tornou-se Diretora de Serviço de Ensino do 1º grau, na divisão de currículo da própria CENP. Sua entrevista ocorreu em 21/02/1994. Nessa ocasião era coordenadora da CENP.
  • 11
    A professora Teresa Roserley Neubauer da Silva (Rose Neubauer) é atualmente a Secretária de Educação do Estado de São Paulo.
  • 13
    BARRETO, Elba Siqueira de Sá e ARELARO, Lisete Regina Gomes. "As uvas não estão mais verdes: um novo currículo? (Documento síntese das linhas norteadoras da reorganização curricular)". In
    Fundamentos da educação e realidade brasileira: a relevância social dos conteúdos de ensino.São Paulo, SEE/CENP, ano II, nº 07, 1986.
  • 15
    Idem, p. 58.
  • 17
    SILVA, Teresa Roserley Neubauer da.
    Conteúdo curricular e organização da Educação básica: a experiência paulista. Tese de Doutoramento, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1988, pp. 12-13.
  • 19
    MORI, Airton Sérgio.
    Um projeto de ensino de História. Texto base para apresentação na 6ª Conferência Brasileira de Educação (CBE) realizada na USP, 1991.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 1999
    • Data do Fascículo
      1998
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