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Entre escravos e taipas: o modo de fazer africano na arquitetura paulista

Between Slaves and Rammed Earth: The African Way of Building in The Architecture of São Paulo

Resumo

O presente artigo busca avaliar a relevante colaboração da mão de obra e da cultura africana na construção de terra na arquitetura paulista, entre os séculos XVIII e XIX. A proposta ganha uma maior relevância pelo fato de não ter recebido, ainda, a devida atenção dos pesquisadores da área, que, na maior parte das vezes, destacaram o papel singular das edificações paulistas, resultante do sincretismo étnico e cultural do português com o indígena. É verdade que buscar a fundamentação para tal proposta foi um desafio, já que, até pouco tempo, a imagem do escravo africano era representada, unicamente, pela sua força muscular, postura que o alijava de seu modo de fazer. Além disso, tal premissa permite conclusões precipitadas, como aquelas baseadas no fato de que o africano não trouxe nenhuma colaboração às técnicas construtivas paulistas, pois só cumpria ordens e não tinha autonomia de criação. Sendo assim, era capaz, apenas, de reproduzir as técnicas de outras culturas. Para se contrapor a tais hipóteses foi necessário lançar mão de uma grande gama de fontes históricas, como a iconografia, as fontes manuscritas, os relatos de memorialistas e viajantes.

Palavras chaves:
Patrimônio Cultural Paulista; Escravidão e construção em terra

Abstract

This article aims to evaluate the important collaboration of African labor and culture in the construction of land in the architecture of São Paulo between the 18th and 19th centuries. The proposal is more relevant because it has not yet received the due attention of the researchers of the area, who, in most cases, have highlighted the unique role of the Paulista buildings, resulting from the ethnic and cultural syncretism of Portuguese and indigenous peoples. It is true that seeking the rationale for such a proposal was a challenge, since until recently the image of the African slave was represented solely by his muscular strength, a posture that relieved him of his way of doing. Moreover, such a premise allows for hasty conclusions, such as those based on the fact that the African did not bring any collaboration to the constructive techniques of the state of São Paulo, since he only obeyed orders and had no autonomy of creation, and was therefore only able to reproduce the techniques of Other cultures. In this case, it is believed that there is a need to draw upon a wide range of historical sources, such as iconography, handwritten sources, and accounts of memorialists and travelers.

Keywords:
Cultural Patrimony Paulista; Slavery and construction on land

O intuito do presente artigo é apresentar o relevante papel da mão de obra africana na arquitetura de tradição colonial paulista, entre os séculos XVIII e XIX.1 1 O artigo é o resultado da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a supervisão do professor Dr. Marcos Tognon. Deve-se destacar que tal discussão historiográfica não recebeu até então, a devida atenção dos pesquisadores da área que, na maior parte das vezes, salientaram a singularidade de tais edificações paulistas, a partir do sincretismo cultural do português com o indígena, deixando, assim, a participação africana em segundo plano.2 2 Gunter Weimer em Inter-Relações Afro-Brasileiras na Arquitetura (WEIMER, 2014, p. 17) afirma que ainda se está à espera de um estudo substancioso sobre a influência da cultura africana na história da construção em terra no Brasil. Por isso, pretende-se buscar subsídios que auxiliem a demonstrar que houve a efetiva contribuição da cultura africana em tais edificações, por meio de um conhecimento técnico especializado, que se fez presente, principalmente, a partir das técnicas em construções em terra, situação amplamente dominada nos sistemas construtivos de algumas regiões africanas e presentes em boa parte das ditas “casas de brancos” e Igrejas paulistas do período pesquisado.3 3 Utiliza-se o termo “casas de brancos”, pois não se pretende aqui examinar as moradas dos escravos como as Senzalas e os Enxovais, tal estudo foi feito por Gunter Weimer, salientando o saber especializado do uso da taipa entre os sudaneses e bantos, que, não por acaso, são os principais grupos étnicos a emigrarem forçosamente para o Brasil, entre os séculos XVI e XIX (cf. WEIMER, 2014, p. 22-154) Utiliza-se o termo “casas de brancos”, pois não se pretende aqui examinar as moradas dos escravos, como as Senzalas e os Enxovais; tal estudo foi feito por Gunter Weimer, salientando o saber especializado do uso da taipa entre os sudaneses e bantos, que, não por acaso, são os principais grupos étnicos a emigrarem forçosamente para o Brasil, entre os séculos XVI e XIX (cf. WEIMER, 2014, p.22-154) e para São Paulo entre os séculos XVIII e XIX (cf. SCHLEUMER, 2011SCHLEUMER, Fabiana. Recriando Áfricas: presença negra na São Paulo colonial In. Histórica - Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 46, fev. 2011, p.1-10., p.2). Por isso, ao se referir aos “escravos africanos” ou “mão de obra africana”, no presente artigo, estaremos nos referindo a esse grupo majoritário, que também consistia nos principais especialistas em arquitetura de terra dentro continente africano (cf. WEIMAR, 2014, p.22-154). Tal artifício, em momento algum, representou uma tentativa de generalizar ou homogeneizar a diversidade étnica e cultural africana, pelo contrário, o intuito da pesquisa foi direcionar uma lente de aumento para os escravos africanos imigrados para São Paulo, a fim de constatar a sua contribuição para alguns modelos arquitetônicos presentes nesta região do país.

Tal proposta se mostrou um tanto desafiante, já que, até pouco tempo, a imagem do escravo africano era representada, unicamente, pela sua força muscular, postura que o alijava de seu modo de fazer. Além disso, tal premissa permitiu conclusões precipitadas por parte de estudiosos da área, como aquelas baseadas no fato de que o africano não trouxe nenhuma colaboração às técnicas construtivas paulistas, pois só cumpria ordens e não tinha autonomia de criação, sendo capaz, apenas, de reproduzir as técnicas de outras culturas. Tal quadro explicativo redutivo, baseado no argumento de que a originalidade da cultura negra só se exprimiu a partir da hibridação com a genialidade da cultura europeia, deixa evidente a falta de confiança numa contribuição essencialmente africana, principalmente nas artes.4 4 Nesse caso, deve-se concordar com Silvia Hunold Lara (1998, p. 33), que aponta para a exclusão dos negros na história social do trabalho, ou seja, mesmo numa sociedade em que o mundo do trabalho era dominado quase exclusivamente pela mão de obra escrava, os negros não eram vistos como sujeitos históricos.

Deve-se deixar claro que não se quis fazer uma defesa apologética de uma cultura específica, nem se obter respostas acabadas, mas sim estabelecer um espaço para o modo de fazer africano na história da arquitetura de tradição colonial paulista, que deve tanto à colaboração dessa cultura, como à europeia e à indígena.

A Historiografia e a contribuição africana na arquitetura paulista

Com base nos maiores especialistas na área da história da arquitetura, pode-se dizer que a presença da prática cultural africana, no canteiro de obras paulista do século XVIII ao XIX, é reduzida a uma mera reprodução do conhecimento português ou mameluco, situação que particularizava algumas dessas construções.5 5 Nesse caso, pode-se citar os trabalhos de Carlos Lemos, Casas Paulistas (1999) e de Luis Saia, Morada Paulista (1978), que serão discutidas nas páginas a seguir. Essa omissão a respeito da contribuição africana na arquitetura brasileira é evidenciada por Gunter Weimer (2014, p. 9). O argumento encaixa-se muito bem no discurso recorrente e pautado em juízo de valor de que o modo de fazer europeu (cultura dominante, fonte de inovação e inteligibilidade) é que direcionou a prática cultural escrava nas edificações paulistas. A fragilidade de tais afirmações é evidente, pois fica difícil conceber a ideia de que, mesmo sendo utilizada em grande escala no continente africano, a construção em terra, feita por mão de obra escrava, foi, somente, o reflexo das técnicas produzidas nas construções lusitanas ou mamelucas.6 6 Gunter Weimer afirma que os sudaneses e os bantos, os principais grupos étnicos que emigraram para o Brasil, utilizavam muito pouco a pedra, não somente pela escassez de material, mas também por uma questão de tradição cultural de manipulação especializada da terra, nas técnicas construtivas de taipa empregadas na construção civil. (Cf. WEIMER, 2014, p. 54-57 e 116). Ainda mais se pensarmos na complexidade artesanal da técnica da construção em taipa, que requer um conhecimento altamente especializado, dificilmente adquirido por meras ordenanças senhoriais:

As argilas são escolhidas pelo próprio taipeiro, que conhecia de forma empírica as propriedades físicas do material e do componente construtivo, selecionando-as com o tato e visualmente (...) A terra é removida de uma certa profundidade, para evitar as impurezas acima citadas e por apresentar normalmente um grau de umidade satisfatório, não necessitando da adição de água para compor a dosagem correta. A massa é preparada por meio de esfarelamento do solo; pulverização de água com cuidado para não formar "caroços" e seguido de um amassamento, que pode ser realizado com as mãos ou com os pés. A operação só termina após a obtenção de uma massa homogênea. Após o preparo da argamassa de barro, esta é disposta dentro do taipal, em camadas de 10 a 15 centímetros, que depois de perfeitamente apiloadas ficam com espessuras menores. Como as espessuras das paredes variam de 30 a 120 centímetros, o taipeiro ou auxiliar trabalha dentro do taipal, O que facilita o adensamento. O apiloamento é interrompido quando a taipa emite um som metálico característico, o que significa a mínima quantidade de vazios ou que o adensamento manual máximo das argilas foi atingido (...) Como no período colonial as tábuas eram cortadas manualmente, por meio de enxós, os taipais tinham um grande valor e chegaram a ser inventariados como bens (...) O tempo de secagem das paredes de taipa de pilão varia de 3 a 6 meses, dependendo da altura e espessura da parede, tipo de solo utilizado e condições climáticas. Os revestimentos só iniciam após a secagem das mesmas para que haja aderência (...) a taipa de pilão entrou em decadência a partir de 1940, porque o tijolo maciço comum apresenta maior rapidez de construção e é executado a custos menores. A mão-de-obra, formada por taipeiros, começa a desaparecer, dando lugar aos pedreiros, cuja formação profissional é mais rápida. (PISANI, 2004PISANI, Maria Augusta Justi. Taipa: Arquiteturas de Terra. Revista Sinergia, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 09-15, jan.jjun. 2004., p.9-13, grifos originais).

Tal concepção nos ajuda a questionar a divisão rígida existente entre os conceitos de arquitetura erudita e popular brasileira, principalmente a partir de teses que atribuem à primeira um conceito de valor baseado no fato de que o conhecimento europeu era especializado e superior no Brasil colonial.7 7 Segundo Gunter Weimer (2014, p. 16), “não parece haver qualquer vício de origem que diferenciaria a arquitetura popular da erudita”, tal diferenciação foi socialmente construída como um jogo de poder de estruturação de classes. Elvan Silva (1994, p. 135-136) salienta, ainda, que, “a condição de ser ou não erudita não implica automaticamente uma evidência de qualidade arquitetônica ou de precariedade construtiva”. Nesse caso, acredita-se que é mais prudente afirmar que houve apropriações e trocas culturais entre os conhecimentos, europeus, africanos e indígenas, o que possibilita dialogar com as várias teorias acerca das práticas e experiências culturais nas ciências humanas, entre estas a de circularidade cultural difundida por Bakhtin e defendida por nomes da historiografia como Ginzburg. O historiador italiano até concorda com as evidências de desníveis culturais, no entanto, se posiciona contra quem vê na cultura popular “um acúmulo desorgânico de fragmento de ideias, crenças, visões de mundo, elaborados pela classe dominante, provavelmente por vários séculos”. Na verdade, Ginzburg acredita numa influência recíproca entre cultura de classes subalternas e cultura dominante. (GINZBURG, 1997GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997., p.17 e 24). Por outro lado, não esconde que a teoria apresente algumas fragilidades, por isso afirma que é essencial se atentar às “fontes indiretas”, ou seja, a documentação referente à “cultura popular”, que é repleta de filtros e intermediários. Fontes deformadas, de modo inconsciente, a ponto de se poder crer, se forem analisadas literalmente, que o modo de fazer da classe subalterna é, na verdade, uma aculturação advinda da imposição das classes dominantes (GINZBURG, 1997GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997., p.24).

A ausência de indícios documentais da contribuição africana na arquitetura de tradição colonial paulista exemplifica bem tal preocupação do historiador italiano referente às fontes, pois é evidente a dificuldade em se encontrar escravos africanos representados como sujeitos históricos na documentação ligada aos canteiros de obras na província de São Paulo, principalmente nos processos construtivos das ditas “casas de brancos” e Igrejas Paulistas.

Apoiado em tal discussão teórica, pode-se dizer que a construção em taipa, presente na arquitetura de São Paulo, não se reduz a um subproduto de ordenanças de mestres portugueses como se faz crer boa parte da historiografia da arquitetura brasileira, mas sim é parte da herança do “fazer-se” e da “experiência” dos africanos emigrados à força para o Brasil. Dessa forma, suas aspirações “eram válidas nos termos de sua própria experiência”, que é “determinada em grande medida pelas relações de produção em que nasceram”. (THOMPSON, 1987THOMPSON, Edward. P. A formação da classe operária inglesa. 3 vols. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. , p.13). Tal constatação desmonta totalmente a ideia de que os escravos agiram apenas com sua força física muscular nas edificações paulistas, pois a partir do momento que construíram algo, impregnaram esse objeto com parte do seu conhecimento ou do seu modo de fazer.8 8 O exemplo dado por Thompson (1981, p. 26) é emblemático: “(...) minha mesa (...) Não se conhece nenhum pedaço de madeira que se tivesse jamais transformado a si mesmo numa mesa, nem se conhece qualquer marceneiro que tenha feito uma mesa de ar ou de serragem. O marceneiro se apropria de madeira e, ao transformá-la numa mesa, é governado tanto pela sua habilidade (prática teórica, nascida de uma história, ou experiência, de fazer mesas, bem como uma história, ou experiência, de fazer mesas, bem como uma história das ferramentas adequadas) bem como pelas qualidades (tamanho, grão, amadurecimento) da própria prancha”. Isso nos possibilita salientar que:

(...) os negros eram portadores de uma complexa e diversificada cultura que os europeus menosprezavam e, em não a valorizando, não podiam entender que por de trás de seus costumes e modos de vida se escondia uma evolução multissecular. Isso se refletia na surpreendente grande diversidade de profissões exercidas pelos escravos”. (WEIMER, 2014, p. 227).

Silvia Hunold Lara (1995LARA, Silvia Hunold. Blowin ´in the Wind: E.P. Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto História. São Paulo. n.12. p. 43-56. Out. 1995. , p.46) salienta que é a partir de tais preceitos que se pode evidenciar o fato de que os escravos tinham “projetos e ideias próprias, pelos quais lutavam e conquistavam pequenas e grandes vitórias”, situação não reconhecida pelos senhores que tratavam tais iniciativas como “concessões, generosas e paternais”.9 9 Ibidem, p. 46

No que se refere à historiografia da arquitetura paulista, a não contribuição dos africanos no perfil do partido arquitetônico de tradição colonial se dá, primeiramente, pelo fato de se apoiar no fato de que a cultura africana só passou a influenciar nas práticas paulistas no século XIX, com a cultura cafeeira, pois até então o número de africanos em São Paulo era tão diminuto que não se pode afirmar que houve uma efetiva contribuição africana naquele momento.10 10 Nesse caso, novamente pode-se citar Carlos Lemos (1999) e Luis Saia (1978), como se verá mais à frente. Tal situação já fora, há muito tempo, descredenciada por nomes como Alfredo Ellis Júnior (1948ELLIS Jr., Alfredo. O Ouro e a Paulistânia. São Paulo: FFLCH, 1948., p.215), Mafalda P. Zamella (1990ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: HUCITEC/Edusp, 1990., p.59 e 61) e Sérgio Buarque de Holanda (1966HOLANDA, Sérgio Buarque. Movimentos da população em São Paulo no século XVIII. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n.01, 1966., p.60 e 106), que salientaram o papel de São Paulo como entreposto de comércio escravo africano para a região das Minas, já no final do XVII.

John Monteiro também salientou que “a escravidão negra foi uma solução para a crise indígena encontrada pelos paulistas mais abastados”, mas lembra que a mão de obra africana esteve presente na capitania desde seus primórdios, e o seu crescimento se deu desde o século XVII, não como substituição da mão de obra indígena, como afirma-se na historiografia tradicional, “mas devido ao início da extração aurifica nas Gerais, fazendo com que São Paulo se tornasse entreposto comercial da mão de obra africana para aquela região (...)” e “foi a partir do último quartel do século XVII e sobretudo após 1700 que escravos africanos começaram a transformar os tijupares em senzalas”. (MONTEIRO, 1994MONTEIRO, John M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994., p.220-221).

Francisco Vicente Luna (2005LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Hebert. Evolução da Sociedade e Economia de São Paulo de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp , 2005., p.167) reforça tal informação ao lembrar que, entre 1750 a 1850, “o componente básico da força de trabalho que gerou boa parte da riqueza em São Paulo foi, inquestionavelmente, o escravo africano ou afro-americano”. Além disso, confirma que, a partir do século XVIII, houve um grande crescimento da população negra em São Paulo, para “no final do período estudado os africanos predominarem na força de trabalho cativa”.11 11 Em números, Luna (2005, p. 167) salienta que nesse intervalo temporal a população negra em São Paulo cresceu de 23 para 75 mil habitantes. Ao mesmo tempo, afirma que a razão de homens para mulheres “elevou-se de 117 para 153”, o que “devia-se à entrada de escravos vindos da África”, ou seja, para servir de mão de obra em terras paulistas.

Na mesma linha, Ilana Blaj (2002BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo colonial (1681-1721). São Paulo: Humanistas/FAPESP, 2002. , p.148) salienta que, mesmo que a predominância dos braços de trabalho no XVII fosse o braço indígena, a presença africana já era bem denotada em São Paulo: “Antonio de Azevedo de Sá deixou, em seu inventário, em 1681, 13 tapanhunos, valendo cada um, em média, de 45 a 50$000”, e “o padre Guilherme Pompeu, que, além de comercializar escravos negros, deixou em seu inventário, em 1710, 101 escravos negros e 204 indígenas”. E, ainda, segundo Blaj, houve uma pressão dos paulistas para o uso cada vez maior da mão de obra africana, a ponto da Coroa permitir, a partir de 1701, que se comprassem africanos a preços de índios (BLAJ, 2002BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo colonial (1681-1721). São Paulo: Humanistas/FAPESP, 2002. , p.148). Para se contrapor ao estigma de uma São Paulo estagnada economicamente no XVIII, Maria Aparecida Borrego (2010BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A Teia Mercantil: negócios e poderes em São Paulo colonial (1711-1765). São Paulo: Alameda, 2010., p.45) defendeu o ingresso maciço de escravos africanos nesta época, que passaram por São Paulo “em direção aos descobertos auríferos, mas que aqui também permaneceram”. Já Maria Helena Machado (2004MACHADO, Maria Helena. Sendo Cativo nas Ruas: a Escravidão Urbana na Cidade de São Paulo. PORTA, Paula (org.) História da Cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp. 59-99., p.59) salienta que:

A presença africana em São Paulo remonta aos primórdios da colonização, porém permaneceu relativamente discreta no conjunto da população paulista até o início do século XVIII. A Capitania de São Vicente, pioneira na produção açucareira, chegou a importar escravos da Guiné para complementar a mão-de-obra indígena já na década de 1540 (...)

Dessa forma, fica claro, por meio da historiografia especializada, que a presença africana é sentida em São Paulo desde os primórdios da colonização e que, a partir do século XVIII, os negros africanos se tornaram os responsáveis pela maioria das atividades do mundo do trabalho na Província. Assim, não há como negar que, se a mão de obra escrava negra era responsável por boa parte das atividades ligadas ao mundo do trabalho em São Paulo, também predominava nos canteiros de obras, local que empregava seus conhecimentos especializados de taipeiros, pedreiros, carpinteiros, na construção das casas e Igrejas de seus senhores. Tal situação se opõe à ideia de que a escravidão tornava os negros incapazes de desempenhar uma “ação autônoma”, caracterizando-se “como passivos receptores de valores senhoriais”. (CHALHOUB, 1990CHALLHOUB, Sidney. Visões de Liberdade. Uma História das Últimas décadas da Escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990., p.38 e 42).

No que se refere à historiografia da arquitetura brasileira, a participação ativa dos negros é muito pouco mencionada, pois segundo Gunter Weimar (2014, p.9) existe:

(...) um grande preconceito que perpassa a cultura brasileira (...) até admitimos que os indígenas nos ensinaram a tomar banho todos os dias e que os negros são bons no embalo do samba e batem uma bola de deixar gringos boquiabertos (...) Uma coisa, no entanto, está fora de dúvida: cultura, só a europeia! O resto é adereço.

Pode-se dizer que a situação se torna mais grave quando se trata de mencionar a contribuição africana nas construções paulistas, entre os séculos XVIII e XIX. Nesse caso, acredita-se que tal tendência tem estreita relação com o perfil técnico do nosso Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), consolidado em 30 de novembro de 1937, por força do Decreto-Lei n.º 25, que definiu o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como “conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.12 12 Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Artigo 1°. Disponível em: http://www.planalto.g ov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em 26 jul.2014. Se tal lei pôde significar um avanço institucional, por outro lado, também deu brechas para que o contexto histórico e político da época (política centralizadora do Estado Novo e o intuito de se forjar uma identidade nacional, baseada nos ideais modernistas e nacionalistas) contribuísse para se definir o que deveria ser lembrado e passível de preservação. (Cf. CHUVA, 2003CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e Civilizado. Revista TOPOI: Revista de História do Programa de História Social da UFRJ. v. 4, n. 7, pp. 313-333 jul.-dez. 2003. , p.313; FONSECA, 2005FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005., p.81-130).

Assim, a problemática maior não era a negligência a respeito do valor histórico dos monumentos, mas sim a tentativa de objetivação de qual seria o patrimônio histórico passível de preservação. Tal definição carregou, e ainda carrega, grande dose de subjetividade, o que possibilitou, dentro do próprio SPHAN, atitudes dotadas de juízo de valor, abarcadas por posturas ideológicas, políticas e estéticas. (Cf. RUBINO, 2002RUBINO, Silvana. Lucio Costa e o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Revista USP. São Paulo. n.53, p. 6 -17, março/maio 2002., p.17). De acordo com tal concepção, vale destacar dois nomes ativos nessa empreitada: Mário de Andrade e Lucio Costa.

Além de intelectuais de destaque na política do patrimônio histórico no Brasil, ambos tinham o gosto pelas “manifestações culturais populares, coletivas, rurais e anônimas, como base para a criação de uma cultura moderna erudita no país, porém com significativas diferenças de percurso”. (WISNIK, 2007WISNIK, Guilherme. Plástica e Anonimato: Modernidade e Tradição em Mario de Andrade e Lúcio Costa. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, p.169-193, 2007., p.169). Essa busca da identidade nacional e a predileção pelas manifestações populares fizeram com que Mário de Andrade buscasse na mestiçagem o protótipo do brasileiro. Nesse caso, a arte barroca e o Aleijadinho tornaram-se símbolos da brasilidade.13 13 Para Mario de Andrade (1984, p. 41), Aleijadinho era, “(...) de todos, o único que se poderá dizer nacional, pela originalidade das suas soluções. Era já um produto da terra, e do homem vivendo nela, e era um inconsciente de outras existências melhores de além-mar: um aclimado, na extensão psicológica do termo”. Tal ideia repercutiu com força dentro do SPHAN, a ponto de ser uma das principais bandeiras do órgão. (Cf. PIFANO, 2014PIFANO, Raquel Quinet. Historiografia da Arte Modernista em Debate: o conceito de artista. Disponível em: Disponível em: http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/110.pdf . Acesso em 29 jul. 2014.
http://www.docomomo.org.br/seminario%208...
, p.3). Lucio Costa, por seu turno, teve, também, papel atuante no órgão, sendo desde o início Diretor da Divisão de Estudos de Tombamentos, posto abaixo apenas ao de Rodrigo Melo Franco. Essa situação fez com que suas propostas delineassem as políticas referentes à preservação, conservação e restauro do Patrimônio Histórico Brasileiro, das quais se destaca o fato de que buscou até mesmo pequenas ações corretivas, como a retirada de elementos que alguns imóveis ganharam depois do século XVIII. (Cf. RUBINO, 2002RUBINO, Silvana. Lucio Costa e o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Revista USP. São Paulo. n.53, p. 6 -17, março/maio 2002., p.13). Tal prestígio institucional auxiliou Lucio Costa a sedimentar um modelo historiográfico que definiu boa parte dos estudos sobre a história da arquitetura brasileira.14 14 Marcelo Puppi (1994, p. 124) afirma que “a adesão dos pesquisadores ao modelo histórico de Lucio Costa deve-se ao fato de dar uma visão global da arquitetura (...) desobrigando os arquitetos de analisar e compreender o passado”.

O propósito principal desse olhar histórico construído por Lucio Costa se baseava no fato de levantar os equívocos e aprofundar estudos da casa colonial brasileira. Quando abandonou o neocolonialismo, o arquiteto passou a deixar nítida sua postura em salientar que as bases da arquitetura brasileira estavam nas linhas arquitetônicas tradicionais portuguesas. Tal situação o levou a defender a tese de que qualquer estudo da arquitetura brasileira devia recuar até o século XVII para definir um parâmetro, pois esse era o momento em que a matriz portuguesa tinha sido menos contaminada. (PUPPI, 1994PUPPI, Marcelo. Modernidade e Academia em Lucio Costa: Ensaio de Historiografia. Revista de História da Arte e Arqueologia. Campinas. n.1, p. 124-144, 1994., p.125-129). Mas, a questão a ser notada aqui é o fato, bem lembrado pelo pesquisador Marcelo Puppi (Idem), de que Lucio Costa programou tal modelo, unicamente, para dar subsídios à sua causa modernista, não se preocupando em contribuir com o estudo da história da arquitetura brasileira. Devido a isso, desabilitou, e depois tentou resgatar, a importância de Aleijadinho na arquitetura nacional, consagração que estava intimamente ligada ao legado português encontrado nas obras do artista. (Cf. COSTA, 1998COSTA, Lúcio. Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho". In: O UNIVERSO mágico do barroco brasileiro. São Paulo: Sesi, 1998., p.169).

Tal predominância do pensamento histórico de Lucio Costa, tanto nas políticas públicas de preservação do patrimônio histórico edificado brasileiro, quanto na historiografia da arquitetura brasileira, é essencial para se entender o fato de que, em tais estudos, não se mencione a contribuição africana nas técnicas construtivas empregadas nas edificações paulistas, pois a base de toda e qualquer construção epistemológica sobre o tema não poderia fugir de uma ideia pré-concebida, baseada na relevância decisiva da contribuição portuguesa.

Devido a isso, Lia Mayume (2005MAYUME, Lia. Taipa, Canela Preta e Concreto: um estudo sobre a restauração de casas bandeiristas em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., p.30) afirma, com propriedade, que a base da historiografia da arquitetura brasileira se apoiou no viés de que o parâmetro para definir o que era nacional foi a aproximação e o distanciamento do estilo colonial luso-brasileiro da edificação. Essa condição, em caráter regional paulista, pode ser exemplificada pelos escritos de Luis Saia (1978, p.119-145), assessor de Mário de Andrade no SPHAN e um dos primeiros a estigmatizar traços da arquitetura paulista a partir da definição da “casa bandeirista”, nome dado à morada rural paulista, particularizada por planta específica:

(...) instala-se num retângulo, com paredes de taipa de pilão, telhado de quatro águas e coberturas com telhas de canal. Prefere sempre uma plataforma natural ou artificial, a meia encosta, nas proximidades de um riacho. A planta se desenvolve segundo um esquema preciso: uma faixa social, fronteira, contém a capela e o quarto de hóspedes e, no meio, o alpendre; atrás dessa faixa e em correspondência com as divisões dela, em torno de uma sala central os quartos se dispõem lateralmente. (SAIA, 1978, p.130-131).

Tal planta, segundo o arquiteto, representava um programa de necessidades do modo de vida paulista do XVII e XVIII, advindo da miscigenação ibérica e indígena:

Este tipo de habitação da classe dominante bandeirista, embora provavelmente proceda de uma planta já elaborada, é legítima expressão artística mestiça: mameluca. Quando o colono paulista perde a colaboração do mameluco, base sobre a qual pôde realizar talvez, o único ciclo econômico social inteiramente nacional, no sentido de que não representava a repercussão direta de contingências europeias e de que a sua integral realização não dependeu de acontecimentos estranhos ao âmbito nacional, este tipo de residência também perde a sua funcionalidade específica, a qual é responsável pelo que há de mais verdadeiro e característico na sua expressão arquitetônica. De fato, sem a mestiçagem, que originou o mameluco, não teria havido nem o bandeirismo, nem a mestiçagem arquitetônica representada por este tipo de habitação. (SAIA, 1978, p.139)

Para Saia, a contribuição negra não é sentida na arquitetura de tradição colonial devido à fraca presença africana em São Paulo, e quando essa aparece é fruto de uma importação do “africano de Portugal”:

A capela, que se costuma colocar num dos extremos da faixa social da morada seiscentista de Piratininga é, pois, outro traço que caracteriza a sua simetrização com a classe dominante paulista do XVII. Juntamente com o quarto de hóspede e o alpendre (...), completa este verdadeiro cordão umbilical que liga a vida doméstica do bandeirista ao resto do feudo e do mundo. Daí a religião é posta ao alcance da família, dos agregados, dos mamelucos e da escravaria; raramente para um ou outro escravo da Guiné, que destes bem pouco existiam em São Paulo, nesta época. Os dois tocheiros antropomorfos que decoram o interior da capela do Sítio Santo Antônio devem representar, mais do que a presença de negros de Angola e Guiné, um formalismo tradicional do catolicismo de origem portuguesa. Um negrismo mais referido às coisas europeias do que ao escravo negro do Brasil. (SAIA, 1978, p.134)

É importante lembrar que essas teses foram direcionadas pela tentativa de forjar a identidade do povo paulista a partir da imagem do bandeirante e do mestiço, situação denotada em outros tempos, mas retomada, a partir dos anos 1940 e 1950, principalmente a partir do quarto centenário de São Paulo (cf. MAYUME, 2005MAYUME, Lia. Taipa, Canela Preta e Concreto: um estudo sobre a restauração de casas bandeiristas em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.).

Outros nomes da historiografia da arquitetura brasileira, como Carlos Lemos, compartilharam de tal leitura, mas com algumas considerações diferenciadas. No que se refere à principal técnica construtiva utilizada em São Paulo na época, a taipa, Carlos Lemos (1979LEMOS, Carlos, Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos / Universidade de São Paulo, 1979. , p.7-9) também não deu créditos à mão de obra africana:

O português trouxe a técnica construtiva, trouxe os estilos, ou melhor, as variações formais de um estilo ou modismo (...) o componente cultural predominante do branco construtor trouxe à sociedade mameluca, o modelo a forma física, a solução estrutural. Mas coube a essa mesma sociedade mameluca usá-lo ao seu modo

Afirma, ainda, deliberadamente que as taipas paulistas são de origem “ibéricas com maior certeza portuguesas” e credita a um padre português, Afonso Brás, a introdução da técnica em São Paulo (idem). Assim, na verdade, para ele (LEMOS, 1979LEMOS, Carlos, Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos / Universidade de São Paulo, 1979. , p.11), os responsáveis pelas técnicas empregadas nas construções paulistas eram os brancos portugueses, prática que foi apropriada em terras paulistas pelos mamelucos, pois “o colonizador trouxe tudo isso de ouvido, de memória, e mesmo os projetos desenhados em Portugal, aqui foram deturpados pela improvisação dos mestres independentes”.15 15 Segundo Lemos os mamelucos eram os responsáveis por erguer as moradas bandeiristas: “Entende-se por bandeirista a designação das atividades do mameluco em suas próprias plagas” (LEMOS, 1999, p. 12). Para ele (...), “os negros africanos conheciam a técnica, mas eram raríssimos na São Paulo dos primeiros tempos e, portanto, está descartada a influência dos ‘negros tapunhos’, como os chamavam os mamelucos”. (LEMOS, 1999LEMOS, Carlos. Casa paulista. São Paulo: Edusp , 1999. , p.42). Além disso, defendia que:

O negro chegou tarde à civilização paulista, veio quando toda a cultura material já estava definida e era obsessivamente resguardada pelo conservadorismo bandeirante. A influência branca, ou mameluca, era tão grande que o negro foi assimilado, não contribuindo com nada na vida cotidiana (LEMOS, 1999LEMOS, Carlos. Casa paulista. São Paulo: Edusp , 1999. , p.76-77).

Assim, ao negro não foi dado nem mesmo o direito da participação na construção paulista, pois para ele foi com o crescimento da cultura do açúcar na região de Itu que o negro escravo,

(...) agora muito frequente, começou a entrar dentro de casa. Penetrou na casa já cristalizada, na casa do roceiro paulista, caipira no sentido lato da palavra, do homem simples de um passado guerreiro, cuja última batalha foi dos Emboabas (...). O negro entrou pela porta da cozinha ou das varandas e começou a fazer a casa funcionar. O partido arquitetônico continuou o mesmo. (LEMOS, 1979LEMOS, Carlos, Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos / Universidade de São Paulo, 1979. , p.11).

Fica claro para o autor que mesmo depois de sua presença maciça no mundo do trabalho paulista o negro não modificou em nada o que ele define como “partido arquitetônico paulista”, pois este continuou o mesmo, mantendo-se pelas mesmas mãos do século XVII, portuguesas e mamelucas. (LEMOS, 1999LEMOS, Carlos. Casa paulista. São Paulo: Edusp , 1999. , p.12).

Tais propostas epistemológicas da história da arquitetura foram e ainda são as bases teóricas dominantes dentro deste campo da historiografia, pois dialogam com a postura de que “havia negro para tudo: (...) o negro era esgoto; era água corrente no quarto, quente e fria; era interruptor de luz e botão de campainha; o negro tapava goteira e subia vidraça pesada; era lavador automático, abanava que nem ventilador” (COSTA, 1962COSTA, Lúcio. Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho". Lúcio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre: UFRGS, 1962., p.174-175). De acordo com tal postura, não havia negro apenas para contribuir, de forma decisiva, com seu conhecimento especializado, no diverso mundo do trabalho escravo brasileiro.

Tal situação é totalmente improvável, primeiro por uma questão de ordem social, ou seja, de um ambiente em que o próprio Carlos Lemos descreveu como dependente da mão de obra africana. Segundo, por questão de ordem técnica, já que as técnicas construtivas de terra empregadas no Brasil, de acordo com Gunter Weimer (2014, p.231), não eram utilizadas pelos indígenas: “(...) na arquitetura indígena não há paredes (ou no máximo, elas são prolongamento das águas da cobertura) e não empregavam taipa. Se os indígenas a utilizavam, era porque já haviam processado uma miscigenação com a cultura negra”. Além disso, suas características estavam muito mais próximas das técnicas empregadas na África do que em Portugal, como por exemplo o extenso uso do pau a pique, ou seja, “paredes verticais estruturadas com tramado de varas prontas para receber uma vedação de taipa, à maneira africana”. (WEIMER, 2014, p.231).16 16 Tal situação que foi estudada de forma minuciosa por Gunter Weimer. Segundo ele, por meio do escrito de viajantes como Louis Léger Vauthier, pode-se notar a influência das técnicas africanas nas casas dos brancos: “(...) casa de pau a pique com paredes revestidas de taipa (...) só isso já aproxima esse conjunto muito mais de aspectos africanos que ibéricos. Mas não é só isso. Casa construída ao nível do solo (ou, provavelmente, pouco acima do mesmo), a individualização das diversas funções, o alpendre como prolongamento da casa, a choupana dos fundos, tudo remete mais às costas do Atlântico Sul que às do extremo norte”. Por outro lado, confere às imagens de viajantes como Debret alguns equívocos ao representar casas de taipa construídas por indígenas, já que, segundo ele, os índios não construíam em taipa. (WEIMER, 2014, p. 228-232)

Até mesmo a varanda que caracterizava a casa bandeirista de Saia e que para tais arquitetos seria herança do alpendre português é um recurso arquitetônico muito mais próximo das “varandas” dos africanos, os quais segundo Weimer cunharam tal termo. (WEIMER, 2014, p.233). Deve-se destacar que, para Lemos (1996), especificamente, a varanda alpendrada não ocorre na arquitetura residencial de Portugal. As casas portuguesas que apresentam o alpendre são posteriores, ou pelo menos contemporâneas, às casas alpendradas do Brasil. O que para o autor poderia ser o alpendre uma influência brasileira na habitação de Portugal e não o contrário. No entanto, não são poucas as pesquisas que demonstram que a varanda foi uma exportação lusitana, mas de origem moura, cultura já “assimilada por Portugal devido ao tempo em que este foi ocupado pelos povos do norte da África, e na cultura asiática que chega ao Brasil através das navegações portuguesas”. (BRANDÃO; MARTINS, 2010, p.6BRANDAO, Helena Câmara Lacé; MARTINS, Angela Maria Moreira. Varandas nas moradias brasileiras: do período de colonização a meados do século XX. Revista Tempo de Conquista, v. 1, p. 1, 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.revista.tempodeconquista.nom.br/attachments/File/HELENA_LAC__.pdf >. Acesso em 25 jun.2019
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)17 17 “No período colonial, as varandas resultantes do prolongamento do telhado das moradias rurais eram chamadas de alpendre pela função de sombrear a construção comum à peça da cobertura de mesmo nome, mas também podiam ser denominadas de corredor quando embutidas no corpo da fachada, como nas habitações paulistas dos bandeirantes. Já as varandas que ligavam a cozinha com os demais ambientes da casa eram chamadas de sala de jantar ou de viver. As varandas que eram cobertas com folhas e não com telhas eram chamadas de latadas e quando surgem os primeiros núcleos urbanos, as varandas situadas nas fachadas externas dos sobrados eram muitas vezes identificadas como galeria: galeria mouresca por serem fechadas com muxarabiês. Estes eram elementos de origem moura que protegiam as mulheres reclusas dentro do espaço doméstico dos olhares alheios de quem passasse na rua. Após a vinda da família real para o Brasil, no início do século XIX, tais fechamentos foram retirados e as varandas com guarda-corpo de ferro dos sobrados oitocentistas passaram a ser denominadas de sacadas ou de balcões. Quando corridas, ligando mais de um vão da fachada, essas varandas voltadas para o espaço público também eram reconhecidas como galeria, mas, por apresentar pouca profundidade e não sombrear a construção, nunca recebiam o nome de alpendre”. (BRANDÃO, 2012).

Ainda de acordo com esse pesquisador, outra característica da arquitetura africana, principalmente do Golfo da Guiné, era a janela gradeada, que não por acaso era mais uma das técnicas que caracterizavam as casas bandeiristas (WEIMER, 2014, p.227). O geógrafo Orlando Ribeiro (1961RIBEIRO, Orlando. Geografia e Civilização. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1961., p.50) também salienta essa influência africana da taipa de mão no Brasil, situação criticada por Lemos: “O geógrafo Orlando Ribeiro (...) diz que foram os escravos africanos os introdutores da taipa de mão no Brasil o que nos parece um exagero (...)”. (LEMOS, 1999LEMOS, Carlos. Casa paulista. São Paulo: Edusp , 1999. , p.42).

Não é de hoje que essa leitura tradicional da historiografia da arquitetura paulista é contestada. Um exemplo disso é a obra de Aracy Amaral, Hispanidade em São Paulo (1981AMARAL, Aracy A. A Hispanidade em São Paulo. São Paulo: Nobel / Edusp, 1981.), na qual ela se contrapõe às ideias da procedência portuguesa na tradição da arquitetura colonial rural paulista. Para ela, a exclusividade portuguesa e mameluca da construção rural paulista cederia espaço para a contribuição espanhola, adventícia, principalmente da época da união Ibérica. (AMARAL, 1981AMARAL, Aracy A. A Hispanidade em São Paulo. São Paulo: Nobel / Edusp, 1981., p.24-38). No entanto, a historiadora da arte, também, não mencionou na pesquisa a colaboração do negro na arquitetura paulista. Assim, no que se refere ao Estado paulista, a concepção que ainda prevalece se abastece de discursos que creditam aos negros e pardos os “trabalhos árduos e os mais simples”, e que “os artífices ‘de cor’ - mulatos em sua maioria e livres - começaram a interferir nos trabalhos artísticos, sobretudo a partir de meados da década de 1780, e preferencialmente em igrejas de pardos e de negros”. (TRINDADE, 2002TRINDADE, Jaelson Bitran. A produção de Arquitetura nas Minas Gerais na província do Brasil. São Paulo: Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002., p.36 e 71).

Mesmo pesquisadores da História da África enxergam com certa reserva a contribuição africana na arquitetura. Por exemplo, Mônica Lins Souza, professora de História da África no Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu um depoimento afirmando que “os africanos tiveram uma grande influência, porém indireta, na arquitetura portuguesa e, consequentemente, brasileira”. A professora credita tal influência aos Mouros que estiveram na Península Ibérica entre 711 e 1492.18 18 Cf. Depoimento de (SOUZA, 2013). Já o historiador da arte Roberto Conduru apontou a falta de fontes como a principal dificuldade em estudar a contribuição dos escravos negros na arquitetura brasileira: “Diferentemente dos edifícios portugueses, que tem documentos e plantas, na arquitetura popular não há autoria. É um conhecimento difícil de se retomar”. Ele discorda de Weimer que encontra indícios da arquitetura africana em algumas edificações brasileiras, como o telhado em duas águas e as varandas brasileiras, que também são encontradas em Moçambique e Angola. Para Conduru, “no caso das varandas e, especialmente, do telhado duas águas, são características vistas em diversas outras civilizações, inclusive na Grécia Antiga”, o que demonstra que tais detalhes não são especificidades encontradas apenas na África.19 19 Cf. Depoimento de (CONDURO, 2013).

Um dos poucos estudos que se destaca nesse sentido é do arquiteto do IPHAN, Carlos Gutierrez Cerqueira (Cf. CERQUEIRA, 2011, p.1-23CERQUEIRA, Carlos Gutierrez. Tebas: vida e atuação em São Paulo. Disponível em: Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos-pdf/tebas-vida-atuacao-sao-paulo/tebas-vida-atuacao-sao-paulo.pdf . Acesso em 20 mar. 2017.
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), sobre a vida do escravo Tebas, que segundo ele construiu o frontispício de algumas Igrejas na cidade de São Paulo, além de um cruzeiro franciscano em Itu (Cf. CERQUEIRA, 2017CERQUEIRA, Carlos Gutierrez. Thebas em Itu: sobre a autoria do cruzeiro. Revista Arquitextos. n.120.05. mar. 2017. Acesso em 20 maio. 2017.), destacando-se, assim, na arquitetura, principalmente religiosa, de São Paulo do XVIII. No entanto, seguindo a historiografia tradicional, afirma que o trabalho especializado do escravo era a cantaria, prática que havia aprendido com seu mestre branco:

(...) a Venerável Ordem Terceira do Carmo irá buscar sempre o que de melhor há na cidade. É assim que, para a fatura do novo frontispício da capela irá recorrer ao Oficial então mais indicado para executar o “risco” proposto (infelizmente não nos foi possível descobrir o autor do projeto), cujos trabalhos já executados sob as ordens e orientação de seu falecido Senhor e Mestre Bento de Oliveira Lima dera-lhe a experiência e o renome para contratar obras de sua especialidade. (CERQUEIRA, 2011. p.9, grifo nosso)

Em nenhum momento, o arquiteto levantou a hipótese que Tebas poderia ter desenvolvido tal prática sem o conhecimento do seu mestre branco e/ou pudesse ser especialista em taipa, algo um tanto provável, já que boa parte das intervenções que fez foi em Igrejas da cidade de São Paulo, que na época eram de taipa, como a igreja do Mosteiro de São Bento, em 1766, da Sé, em 1768, na capela da Ordem Terceira do Seráfico São Francisco, em 1783, e na capela da Ordem Terceira do Carmo, em 1772. (Cf. CERQUEIRA, 2011, p.10).

Diante de tantas contradições, é unanimidade entre os pesquisadores a necessidade de estudos sobre o tema. Para Weimer (2014, p.18), “(...) não resta a menor dúvida de que as formas africanas foram determinantes em grande parte do fazer popular de nossa arquitetura (...) por tudo isso, é necessário que estes estudos sejam ampliados e aprofundados para que possamos ter uma concepção mais precisa dos vetores que modelam nossa maneira de ser”. Da mesma forma, Conduru (2013CONDURO, Roberto. Especialistas divergem sobre o legado dos africanos na Arquitetura. Disponível em: Disponível em: http://redeglobo.globo.com/acao/noticia/2013/03/2303-especialistas-divergem-sobre-legado-deixado-pelos-africanos-na-arquitetura.html . 23 mar. 2013. Acesso em: 27 jul.2014.
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) concorda que o tema deve ser aprofundado, pois “tudo que se refere ao negro no Brasil é muito difícil de ser detectado. Tudo que é popular, é pouco estudado”.20 20 Além de Weimer e Conduro, outros pesquisadores chamaram a atenção para a carência de estudos historiográficos a respeito da contribuição africana negra na arquitetura brasileira. Ao escrever sobre o tema, Bruno César Euphrasio de Mello (2014, p. 2) também chega à conclusão de que deve ser mais aprofundado: “Está aí um assunto que merece ser estudado com maior profundidade para que seja mais bem esclarecido. Colocar uma interrogação no assunto é atitude positiva, pois a dúvida é o primeiro passo para uma compreensão mais precisa”. Juliana Prestes de Faria (2011, p. 30) também salientou o pequeno número de estudos sobre a contribuição africana no nosso “saber fazer”: “A presença de estudos relativos à contribuição africana em nossos saberes e fazeres construtivos é relativamente restrito, o que é intrigante, pois o negro entrou para história do Brasil como elemento braçal do nosso processo de colonização”. Essa carência de estudos de tal ordem está ligada ao fato de que a história da arquitetura, ainda, está refém de uma visão determinista, focada na imagem do escravo negro como um ser carente de conhecimento especializado, do qual só se valeu da força muscular.

Os poucos trabalhos que buscam uma visão menos conservadora e mais abrangente esbarram no problema com as fontes ou procuram o caminho mais fácil, ou seja, afirmar que a falta de autonomia do escravo negro o possibilitou contribuir com seus conhecimentos especializados apenas nas suas próprias moradas.21 21 Algumas pesquisas acadêmicas em Minas Gerais, na última década, geraram resultados positivos sobre o assunto. Cabe citar aqui o trabalho de Fabiano Gomes da Silva, Pedra e Cal: os construtores de Vila Rica no Século XVIII (2007), e a Dissertação de Mestrado, Influência Africana na Arquitetura de Terra em Minas Gerais (2011), de Juliana Prestes Ribeiro de Faria, na qual a arquiteta estuda a influência nas técnicas construtivas em terra na região de Minas Gerais do século XVIII, no entanto, foca sua pesquisa nas moradias escravas no âmbito dos quilombos que se formaram em todo o período colonial de Minas.

Não se deve discordar de que há uma grande dificuldade em se levantar evidências da ação ativa dos escravos nas fontes históricas. Como já foi dito aqui, o fato de serem considerados cidadãos coadjuvantes da sociedade brasileira fez que tivessem pouca visibilidade na documentação. Tal fato, para alguns pesquisadores, torna a pesquisa a respeito da contribuição dos negros nas artes em geral, uma investigação quase impossível de ser feita. Mas, deve-se levar em conta que é consenso, desde os relatos dos viajantes, que houve a contribuição direta dos escravos negros em todas as iniciativas referentes ao mundo do trabalho no Brasil, situação que nos incentivou a lançar mão de fontes históricas diversas, como relatos de memorialistas, a iconografia dos viajantes, além de documentos manuscritos para, assim, buscar evidências da participação ativa de tais sujeitos históricos na constituição do panorama arquitetônico paulista dos séculos XVIII e XIX.

Fontes Históricas: indícios da contribuição africana na arquitetura de tradição colonial paulista

O trabalho de levantar evidências da contribuição do modo de fazer africano a partir das fontes históricas, como já foi evidenciado acima, não é uma tarefa fácil. Em virtude disso, buscou-se dialogar com as fontes visuais, pois, concorda-se que “(...) é certamente uma das fontes mais ricas, que traz embutida nas escolhas do produtor todo o contexto na qual foi concebida, idealizada, forjada ou inventada”. (PAIVA, 2002PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 17). Assim, acredita-se que as imagens não são reflexo de uma realidade objetiva, mas “permitem imaginar o passado de forma vivida” (BURKE, 2004BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru: EDUSC. 2004., p.17) e é nesse espaço, entre a ficção e a realidade, que se deve estar atento (Cf. FRANCASTEL,1983FRANCASTEL, Pierre. Imagem, Visão e Imaginação. São Paulo: Martins Fontes, 1983., p.68-69 e PANOFSKY, 2002PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 58), pois é onde se pode encontrar evidências daquilo que interessa ao historiador, ou seja, o que “não se encontra explícito iconograficamente” (CARNEIRO; KOSSOY, 1994CARNEIRO, Maria Luiza T.; KOSSOY, Boris. O olhar europeu: O negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp, 1994. , p.179). Essa situação se torna relevante para a problemática aqui proposta, principalmente quando se trata da iconografia dos viajantes (coleções de fotografias e pinturas de viajantes que retrataram o cotidiano da vida escrava no Brasil)22 22 Nesse aspecto, ela é “uma fonte (...) e assim como as demais, tem de ser explorada com muito cuidado”, ou seja, deve-se historicizar a imagem, ir além do óbvio e estar atento às suas diversas representações e aos seus silêncios, buscando pontuá-la no campo histórico que foi produzida, apropriada, consumida, ou seja, analisá-la a partir de um “contexto, incluindo as convenções artísticas (...) de um determinado lugar e tempo, bem como os interesses do artista, do patrocinador original ou do cliente”. (MENESES, 2003, p. 27-28). , pois o estranhamento e o choque desses homens diante da realidade com que se confrontaram possibilitaram que se documentasse o cotidiano brasileiro que, para eles, era totalmente diferenciado e, por isso, merecedor de ser representado.

O que não quer dizer que tal evidência minore as dificuldades na abordagem de tal documentação, pois, na maior parte das vezes, compartilhavam da visão senso comum da época, principalmente em relação ao trabalho escravo. Por isso, procurou-se estar atento ao fato de que a leitura que os viajantes faziam do nosso país e de seu meio estava longe de ser imparcial, e só ganhava algum sentido se levasse em conta a realidade social e cultural desses visitantes, situação que pesou, substancialmente, nas suas representações acerca dos negros cativos no mundo do trabalho, em terras brasileiras.23 23 Tal leitura pode ser dividida em duas partes, a do século XVI até o XVII e do século XVIII e XIX. A primeira era enveredada por uma visão fantástica de um Novo Mundo, feita por viajantes ibéricos e moldada pela religiosidade do homem medieval. A segunda partia de uma visão de mundo particular, marcada pelo progresso da ciência, denominada por José Carlos Barreiro de “moderna”. Essa postura, segundo ele, possibilitou a invenção de um Brasil em que o mundo do trabalho ficou marcado por uma imagem de ociosidade e preguiça, na qual se julgava de forma valorativa, costumes e demais iniciativas culturais, o que, por sua vez, estigmatizou a imagem dos índios como violentos e/ou preguiçosos e os africanos como selvagens, em estado de barbárie. Por outro lado, pode-se dizer que tal choque cultural, revelado por eles, fez com que os europeus se vissem “obrigados a repensar a própria cultura e as bases sobre as quais erguiam sua visão de mundo” (BARREIRO, 2002, p. 15-46). Além disso, deve-se considerar, também, o mercado consumidor dessas pinturas, que no caso dos artistas da denominada “Missão Francesa no Brasil” estava ligada ao Estado Imperial e, em outros casos, na maioria das vezes, a europeus que não se interessavam em ver em suas encomendas a representação dos negros como protagonistas detentores de conhecimento especializados. Por tudo isso, pode-se dizer que os negros eram apresentados como coadjuvantes ou como verdadeiros “borrões”, que se misturavam à paisagem exótica local em tais representações iconográficas dos viajantes (Cf. SCHWARCZ, 2009, p. 33SCHWARTZ, Lilia Moritz. Paisagem e identidade: a construção de um modelo de nacionalidade herdado do período joanino. Acervo, v. 22, n. 1, p. 19-52, 2011.). Isso, por sua vez, não ausentou tais representações da documentação do trabalho especializado do escravo africano. Na verdade, pode-se dizer que tais práticas ficaram absortas em pequenos indícios ou sinais pictóricos, o que requer uma análise acurada dessas fontes históricas. Tal situação pode ser vista, por exemplo, nas obras do pintor Nicolas Taunay, que mesmo não retratando os escravos negros como atores principais de suas obras - cargo que ficava por conta da paisagem - não deixou de representá-los no mundo do trabalho:

Nicolas, como dissemos, não parece interessado em documentar a terra, e nem ao menos pode ser considerado um pintor preocupado com temas sociais. Se não escancara a escravidão, [...] também não a esconde (...), Na verdade as próprias telas são brasileiras só nos detalhes. No conjunto, o que impera é a similitude das telas pitorescas; todas as paisagens se assemelham, não fossem alguns pormenores da figuração. No exemplo brasileiro, a escravidão africana parecia fazer parte de uma literatura de viagem consagrada do local, e era isso que se esperava de um pintor francês que morava no Brasil. Mas que não se procure nas pinturas de Taunay nenhum conflito ou tensão maior. Nessas imagens cada um parece estar exatamente no seu lugar. A paisagem brasileira era por certo uma Arcádia nos trópicos. (SCHWARCZ, 2008SCHWARTZ, Lilia Moritz. O Sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na Corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras , 2008., p. 254).

Segundo Pedro Correia do Lago (2008LAGO, Pedro Corrêa. Iconografia Paulistana do Século XIX. Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2003., p.25), o pensamento burguês conformista de Taunay não o possibilitou representar, de forma contestatória, o trabalho escravo; para ele, essa era uma ordem estabelecida de “uma realidade incontornável”, o que não quer dizer que deixou de documentar tal prática no canteiro de obras, registrando o uso de diferentes ferramentas por parte dos escravos, nas suas inúmeras tarefas. Essa situação corrobora a hipótese de que o escravo não era apenas um reprodutor das ordens dos feitores, mas sim detentor de um conhecimento que o auxiliava no manuseio de diferentes instrumentos. Tal situação fica clara na representação do Largo do Machado em Laranjeiras, pintada por Taunay, em 1816, na qual nota-se de um lado um escravo utilizando um instrumento para quebrar pedras e, no extremo oposto, outro negro fazendo uso de um instrumento que pode ser uma clava ou um pilador.

Figura 1-
TAUNAY, Nicolas. O Largo do Machado em Laranjeiras. Óleo sobre tela, 50 x 61 cm, 1816

Escravos com ferramentas também podem ser muito bem visualizados na pintura A ponta do calabouço, de 1819 (Figura 2), na qual Taunay retrata a Baia de Guanabara e os negros quebrando pedras.

Figura 2 -
TAUNAY, Nicolas. A Ponta do Calabouço. Óleo sobre tela, 26 x 32 cm, 1819. Museu de Arte de São Paulo

De acordo com tais fontes pictóricas, pode-se afirmar que conscientemente ou inconscientemente os viajantes salientavam, em pequenos detalhes, não só a exploração da mão de obra escrava, mas também indícios de seu trabalho, que dependendo da situação poderia se revelar uma prática especializada. Essa evidência ganha maiores contornos nas obras de Debret e RugendasRUGENDAS, Johann Moritz. Tipos negros trazidos ao Brasil. Viagem Pitoresca através do Brasil I. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1940. , e com os desenhos de Hercules Florence.24 24 No entanto, mesmo diante de algumas mudanças, é difícil falar de uma preocupação social de tais artistas, pois o cotidiano, ameno e tranquilo, da paisagem, da cidade e da fazenda, ainda persistia, o que nos faz notar em tais representações a preocupação de documentar o exótico. (CARNEIRO; KOSSOY, 1994, p. 71).

Na prancha Lavagem do minério de ouro, nas proximidades da montanha de Itacolomi (Figura 3), Rugendas evidencia várias práticas que requerem um conhecimento específico para obtenção do ouro, como a peneiração e lavagem do minério. Além disso, pode-se visualizar negras de ganho com tabuleiros, comercializando quitutes, como se pode ver abaixo:

Figura 3.
RUGENDAS, Johann Moritz. Lavagem do minério de ouro, proximidades da montanha de Itacolomi. Litografia, 30, 5 x 26,2, 1827-1828, Casa litográfica Egelmann, Paris.

Em outras obras do desenhista e pintor, como Vista da montanha do Corcovado e do subúrbio do Catete, tomada da pedreira (Figura 4), a relação do negro com o mundo do trabalho fica evidente. Na primeira, nota-se a exploração de uma pedreira, na qual dois dos escravos manejam um instrumento que, pelo movimento e pela aparência, lembra um pilão, possivelmente, uma técnica utilizada par remover as pedras.

Figura 4.
RUGENDAS, Johann Moritz. Vista da montanha do Corcovado e do subúrbio do Catete, tomada da pedreira. Litografia, 23, 9 x 36, 4 cm, 1827-1828, Casa Litográfica Elgmann, Paris.

No entanto, são duas pinturas de Jean Baptiste Debret que nos dão os maiores subsídios a respeito da representação do trabalho especializado dos escravos negros. A primeira é a dos Negros calceteiros (Figura 5), na qual os escravos são representados assentando as pedras das calçadas no Rio de Janeiro, situação que requeria um certo entendimento e conhecimento especializado.

Figura 5-
DEBRET ,Jean Baptiste. Negros Calceteiros. Litografia, 1834-1839

A outra prancha é a Negros Serradores de Tábuas (Figura 6), na qual o pintor representa o negro na carpintaria e serralheria, ofício estritamente utilizado no canteiro de obras, uma evidência de que o trabalho africano era largamente utilizado em tais iniciativas. No entanto, um ponto importante de se notar é que a carpintaria requer também um conhecimento altamente especializado. Não basta, somente, obedecer às ordens para serrar tábuas, mas é necessário um conhecimento prévio no uso das ferramentas e do próprio corte da madeira.

Figura 6-
DEBRET, Jean Baptiste. Negros Serradores de Tábuas. Litografia, 1834-1839

Nas duas imagens apresentadas, nota-se a representação de trabalhos oriundos de um certo conhecimento especializado dos escravos africanos, situação que foi retratada inconscientemente pelo artista, haja visto que, de acordo com o próprio Debret (1989DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de Sérgio Millet. Apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte Limitada; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989., p.91), tais situações só ocorriam com a interferência dos europeus, que, além de fiscalizar tais obras, também impunham uma técnica que somente eles podiam ter: “São os negros ainda que se encarregam desses trabalhos, e eles o executam sob a fiscalização de feitores brancos”. Argumento facilmente explicado a partir do ponto de vista tendencioso, abarcado por pressupostos eurocêntricos de inferioridade dos negros, tidos como incapazes de ser detentores de conhecimentos técnicos e especializados, modos de fazer que o pintor não conseguiu escapar de retratar em suas telas, mesmo que inconscientemente. Outra questão instigante é também notar que a única presença humana nas imagens é dos negros, o que torna contraditória a própria afirmação de Debret e pode ser uma evidência de que os escravos negros não precisavam de um mestre branco que estivesse constantemente ao seu lado para ensinar seus ofícios, já que muitas dessas práticas já eram conhecidas e adaptadas às situações encontradas.

Especificamente em relação à representação do trabalho escravo no canteiro de obras paulista, nenhuma imagem é mais representativa para pesquisa do que um desenho de Hércules Florence, Construção da Matriz Nova de Campinas (Figura 7), no qual ele apresenta trabalhadores, inevitavelmente negros (inclusive devido à descrição de Taunay a respeito do trabalho de tal mão de obra nessa Igreja, como se verá a seguir), apiloando a terra, numa nítida representação da técnica de taipa de pilão.

Figura 7-
FLORENCE, Antoine Hercules. Construção da Matriz Nova de Campinas. Desenho, 1832.

Tal técnica foi aplicada numa obra, representada pronta num segundo desenho da Matriz Nova de Campinas, de 1860 (Figura 8), de autoria desconhecida, com a construção feita de taipa.

Figura 8-
Matriz Nova de Campinas. Desenho, 1860

Assim, de acordo com as representações pictóricas apresentadas, pode-se afirmar que os viajantes tinham plena consciência de que os negros eram responsáveis diretos pelo sustento do resto da sociedade, o que explica o fato de deixarem fortes indícios - mesmo velados e ou inconscientes - do conhecimento especializado de tais trabalhadores, inclusive no canteiro de obras e no uso da taipa na arquitetura dos brancos, como na Matriz de Campinas, apresentada aqui no desenho de Hercules Florence.

Diante disso, ao conceber os modos de fazer dos escravos africanos, pode-se afirmar que, ao mesmo tempo em que as representações pictóricas dos artistas evidenciam sua posição pejorativa em relação aos africanos no Brasil, também possibilitam dar credibilidade à hipótese de que a mão de obra africana que chegava ao Brasil não era carente de conhecimentos especializados, inclusive aplicando parte destes na arquitetura paulista de tradição colonial.27 27 Essa especialidade da mão de obra africana escrava já tinha sido evidenciada em Casa Grande e Senzala, quando Gilberto Freyre chamava a atenção para a imigração forçada de negros com conhecimentos especializados. “Vieram-lhe da África “donas de casa” para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria pastoril; comerciantes de pano e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos (FREYRE, 1950, p. 680)”. Mais recentemente, Karasch (2000, p. 283) também afirmou que os negros exerciam atividades nos mais diversos ofícios, inclusive, aplicando seus conhecimentos especializados, muitos deles trazidos do continente africano.

Tal situação não está documentada apenas nas fontes visuais, mas também nos relatos de memorialistas que buscaram retratar São Paulo em suas narrativas. Tais escritos ganham uma certa relevância para a pesquisa histórica, pois, na escassez de fontes que possam atender a demanda do conhecimento regional do Estado, as narrativas memorialísticas auxiliam a preencher parte desta lacuna (Cf. SILVA, 2009SILVA, Rodrigo. Sobre taipas e textos: um estudo sobre as narrativas a respeito da cidade de São Paulo (1772 e 1953). Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. , p.11-28).28 28 Rodrigo da Silva (2009, p. 11-28) salienta como, desde o século XVIII, os escritos de memorialistas, como Pedro Taques e Madre Deus, contribuíram para a solidificação de conceitos interpretativos da capital paulista, que perduram até os dias atuais. No entanto, também lembra que definir o que é um trabalho memorialístico não é algo fácil: “Quando comecei a transitar por entre os textos de tantos autores que escreveram sobre a história de São Paulo – gente tão diversa como Pedro Taques, Saint Hilaire, Azevedo Marques, Afonso Taunay, Spencer Vampré, Nuno Sant’Ana e Ernani Bruno – uma das grandes questões essenciais era: como classifica-los? Ao investigar o universo intelectual a respeito da cidade de São Paulo imaginava estabelecer diferenças essenciais entre figuras como entre Afonso Taunay e Paulo Cursino ou entre Azevedo Marques e Alfredo Ellis Jr. (...) Pensei em tratar os autores do final do século XIX e começo do XX como memorialistas, o que se mostrou absolutamente inadequado. Apesar das diversidades nos procedimentos para a escrita da história entre autores como Azevedo Marques, que elaborou compêndio de história a partir de informações de arquivos (...) Afonso de Taunay já influenciado profundamente pela obra de Capistrano de Abreu e de autores franceses (como Signobose Longlois, entre outros), Spencer Vampré (escrevendo para efemérides da Academia de Direito do Largo São Francisco) e Sérgio Milliet, me parecia, inicialmente justo que ao menos parte deles merecesse ser caracterizada como memorialista (...)”. Entretanto, a utilização de tal material requer algumas precauções, como a visualização do comprometimento de tais narrativas com a construção de um passado glorificado, permeado por um discurso retilíneo e pautado por juízos de valor. Nota-se que, em alguns casos, tem-se até a impressão de um estudo acadêmico, pois há o trabalho com as fontes, suas indicações e o uso de uma linguagem formal, mas a leitura mais atenta indica a característica diletante de tais escritos, como, por exemplo, o modo como utilizam a documentação, beirando uma leitura positivista do passado. Nesse caso, experiências pessoais se misturam às práticas investigativas e emoções se misturam à interpretação literal das fontes. Essas iniciativas levam os memorialistas a uma busca quase ingênua de uma suposta objetividade, calcada também em fatos, datas e grandes nomes do passado, fugindo, assim, dos princípios fundamentais da historiografia no que se refere ao tratamento documental.29 29 Tal busca pode ser notada nos escritos do memorialista Nardy Filho (2006, p. 5): “Neste modesto trabalho não pretendo discutir factos nem emitir a minha opinião sobre este ou aquelle (sic) ponto, mas simplesmente expô-los (sic) tais quais elles (sic) se passaram, mesmo porque não tenho a toda e vaidosa pretensão de me arvorar em crítico (...)”. Mas, é necessário levar em conta que tais escritos também são narrativas históricas, pois mesmo com uma parcialidade interpretativa, não são totalmente formadas pela ficção, apresentam conexões com a memória, a partir das lembranças e da experiência vivida. (RUSEN, 2001RUSEN, Jörn. Pragmática. Razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001., p.62). Diante disso, é fundamental dar conta de suas particularidades, situação que não a descredenciam como fontes históricas ricas em informações e indícios que podem contribuir para abordagem de um determinado tema.

Nesse caso, deve-se destacar as narrativas memorialísticas dos viajantes, que como em suas representações pictóricas, descreveram o trabalho escravo no cotidiano brasileiro, salientando o papel único de tais trabalhadores nas práticas manuais, o que para o senhor era uma iniciativa degradante. Tal situação não viria a ser diferente para a construção civil. (Cf. WEIMER, 2014WEIMER, Günter. Inter-relações arquitetônicas Brasil-África. 2008. 40p. Pronunciamento de Posse como membro efetivo do IHGRGS. Porto Alegre. Disponível em: Disponível em: http://www.ihgrgs.org.br/artigos/Gunter_Brasil_Africa.htm . Acesso em: 28 de julho de 2014.
http://www.ihgrgs.org.br/artigos/Gunter_...
, p.218-219). No entanto, o que mais chama a atenção em tais relatos é que nas mais variadas descrições da província de São Paulo, os viajantes apresentaram a construção em terra como presença constante nas edificações paulistas. O engenheiro português Luiz D`Alincourt (1975ALINCOURT, Luiz D. Memória sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1975., p.75) descreveu assim a cidade de São Paulo no século XIX: “As ruas de S. Paulo são calçadas, espaçosas e boas; os edifícios são de taipa, e como a terra tem boa tenacidade, e é bem pilada, duram muitos anos, e adquirem uma tal resistência, que é preciso se usar de alavancas para se derribarem a parede”. Von Martius (1981, p.137) também salientou a predominância da taipa na província: “Aqui raramente se constrói com tijolo, ainda menos com cantaria, levantam-se as paredes com duas filas de fortes postes ou varame intrelaçado, entre os quais se calca o barro (casas de taipa) sistema muito parecido com o pise francês”.

O interessante é notar que em tais descrições alguns viajantes chegam a afirmar que os escravos negros eram responsáveis pelo o uso da técnica de taipa no canteiro de obras. Esse é o caso do médico botânico Johann Emanuel Pohl (1976POHL, Johann Baptist Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1976., p.144), que esteve no Brasil com a missão austríaca:

(...) usualmente alguns escravos fazem a construção. Vigas recém-queimadas são enterradas verticalmente, em três fileiras, de modo que a do meio exceda regularmente as outras duas em altura. As vigas são unidas por traves transversais, sem pregos, mas por meio de cipós e o todo é coberto de telhas. Varas igualmente atadas com cipós e revestidas de barro, formam as paredes principais e laterais, nas quais depois, conforme a necessidade ou o arbítrio, são encaixadas portas e janelas. (POHL, 1976POHL, Johann Baptist Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1976., p. 144)

Tal relato se torna ainda mais precioso após a análise do arquiteto Gunter Weimer (2014, p.220) que a esse respeito conclui que, de acordo com a descrição, os escravos estavam fazendo tais casas:

(...) à maneira africana perceptível na queima das extremidades dos pilares a serem enterradas, técnica adotada para retardar o apodrecimento, na forma da construção com três filas de pilares onde a central era a mais alta para permitir a construção de uma cobertura de duas águas, no tramado das paredes revestidas de barro, na amarração da estrutura com cipós.

Outro relato que evidencia o trabalho de escravos africanos na construção de taipas paulistas é o de Taunay (1993TAUNAY, A. D. E. Cartas de Campinas. In: MATOS, O. N. D. Notícia Bibliográfica e Histórica. 1ª ed. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, v. XXV, 1993., p.109-143) em suas cartas escritas para seu pai enquanto passava por Campinas, nas quais descreve o trabalho de escravos negros na taipa da construção da Matriz Nova da Nossa Senhora da Conceição, inclusive relatando um acidente que viria a vitimar dois deles.

Tais descrições são apenas alguns exemplos relevantes de relatos de viajantes que podem nos mostrar que a relação da construção em terra com a prática cultural africana já era um ponto a ser indagado pelos primeiros nomes que tentaram entender a arquitetura desenvolvida no Brasil.

Nesse sentido, é interessante chamar a atenção, também, para a riqueza das narrativas dos memorialistas regionais brasileiros do interior do Estado de São Paulo, pois a relação desses indivíduos com as singularidades locais é profunda. Além disso, muitos deles pesquisaram na documentação local e cruzaram informações com a memória social da região. Dentre vários nomes, pode-se destacar Aluisio de Almeida e Nilson Carvalho, dois nomes que citam em seus escritos o trabalho especializado dos negros nos canteiros de obras.

Aluísio de Almeida (2012ALMEIDA, Aluisio de. Sorocaba: 3 séculos de história. Itu: Editora Ottoni, 2012, p.13), memorialista da cidade de Sorocaba, chamou a atenção para o trabalho com taipa dos negros, na construção da capela de Nossa Senhora dos Homens Pretos, que começou a ser erigida na cidade em 1770. Ele lembra, também, que não só as paredes de taipa eram feitas por eles, mas também os demais serviços, como os de entalhe em madeira: “Sabe-se que muitas obras da capela do Rosário (pelo testamento) são dos carpinteiros escravos Ambrósio e Jerônimo e o entalhador, o escravo Antonio do Rosário”. Para ele, os negros trabalharam em outras Igrejas que não faziam parte de sua irmandade: “Em 1803 funda-se a Irmandade de Santa Casa, como sede em Santo Antônio. Os Pretinhos tentam fazer a sua independência. Em 1812 começam a afundar os alicerces e pilar taipas para a atual Igreja (...) (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, Aluisio de. Sorocaba: 3 séculos de história. Itu: Editora Ottoni, 2012, p.107).

Nilson Carvalho também assevera o fato de a mão de obra empregada nas construções paulistas ser de origem africana. No caso da edificação do Casarão do Pau Preto, em Indaiatuba, construído em taipa de mão e pilão no começo de XIX, afirma que “a mão de obra empregada era o braço escravo-índio ou negro (...)”, situação “que perdurou do final do ciclo da cana de açúcar, em São Paulo, até os meados do dezenove. Com o início do ciclo do café, e a vinda da mão de obra europeia, seus mestres de obras trouxeram o uso do tijolo queimado que, embora já conhecido, só foi utilizado a partir de então”. (CARVALHO, 1984CARVALHO, Nilson Cardoso de. Arquitetura em Taipa - um dos últimos exemplares em Indaiatuba. Indaiatuba: s/d, 1984., p.2). Na obra Cronologia de Indaiatuba, Nilson Carvalho (2002, p.102CARVALHO, Nilson Cardoso de. Cronologia Indaiatubana. Indaiatuba: Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 2009.) volta a relacionar a técnica de taipa com o trabalho africano:

(...) curiosa era da maneira com que os taipeiros, peitos desnudos, na sua faina verdadeiramente árdua, colocavam os enxameis e batiam o barro com grandes macetas de madeira. Esse trabalho, por vezes pitoresco, processava-se em cadência quase militar, entremeado pelo coro dos taipeiros, uma espécie de cantoria mais ou menos entoada, mistura de afro e brasílico.

Fica claro para tais memorialistas que a mão de obra africana era a principal responsável pela construção no interior da província de São Paulo. Também não há como negar que ambos se debruçaram sobre fontes históricas primárias para escrever seus livros e percorreram boa parte da pesquisa historiográfica, como, por exemplo, o levantamento da documentação sobre o tema.30 30 Aluísio de Almeida (2012, p. 5 e 11) afirmou que a obra História de Sorocaba, 1969, surgiu após “descobrir no Arquivo da Prefeitura os documentos sobre a Revolução de 1842. Além disso, lembra que “teve contato com os maços de população do Arquivo do Estado de São Paulo para estudar a demografia da cidade de Sorocaba” e, no apêndice do livro, registra a cópia transcrita do inventário de 1654, de Dona Isabel de Proença, esposa de Baltazar Fernandes, tido como fundador de Sorocaba. No caso de Nilson Carvalho, é interessante atentar que a historiadora Ana Maria Camargo (2004, p. 12-13) escreveu que ele “frequentou regularmente o Arquivo do Estado de São Paulo, transcrevendo todos os documentos relacionados à Indaiatuba”.

É diante disso que se propôs também investigar as fontes manuscritas, como testamentos, inventários, livros de classificação de escravos e documentos de irmandades religiosas.

No livro de termo das obras de reconstrução da capela da Ordem Terceira do Carmo, em 1772, na cidade de São Paulo, há evidências de negros escravos fazendo um trabalho de reconstrução da parede em taipa para receber o novo frontispício em cantaria:

Pello que dispendeo o dito procurador (da Ordem Terceira) de Jornal Com os negros que Socaram as taipas do fronteespicio athe o dia honze de outubro do corrente anno 11$800 Pello que dispendeo o dito procurador Com o Mestre aprumador dos taipaes com catorze dias a ... quarenta por dia ... e mais de Jornais aos negros (...)31 31 Livro de Termos da Venerável Ordem Terceiro do Carmo da Cidade de São Paulo (1772-1819). vol. 4, fls 20-21.

Vale citar aqui também os documentos: Livro de Atas dos trabalhos da Junta de Classificação de escravos do Município de Indaiatuba (1877-1887) e Classificação dos escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação (1880-1886), ambos pertencentes ao Fundo Câmara Municipal do Arquivo Municipal de Indaiatuba.

A Junta de Classificação de Escravos foi criada na Vila de Indaiatuba em 1873 com o intuito de identificar escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação. A primeira ata de trabalho dessa Junta data de 1877 e os primeiros escravos inscritos no Livro de Classificação dos escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação é de 1880. No quadro de classificação dos escravos, constam as seguintes informações: número de inscrição, nome, cor, idade, estado, profissão, aptidão para o trabalho, pessoas na família, valor, nome do senhor e observações. O intuito de pesquisar tal documentação foi o de buscar evidências de trabalho especializado escravo e, por meio da categoria “profissão”, encontrou-se escravos de roça, cozinheiro, pajem e feitor. Diante de tais informações, destaca-se a referente a dois escravos ligados à construção civil, o de nome Luiz, propriedade de Catharina de Almeida Campos, casado, pedreiro, “de moralidade boa”;32 32 Livro de Classificação de Escravos. Fundo Câmara Municipal de Indaiatuba. Indaiatuba, 15 de maio de 1884, p. 10. e Sebastião, também casado, profissão “roça, digo, carpinteiro e de moralidade boa”. No testamento de José Almeida Prado, irmão de João Tibiriçá Piratininga, dono da Fazenda Cachoeira do Jica, na Paróquia de Indaiatuba, também aparece a descrição de escravos com profissão especializada em ramos da construção civil: “Deixo libertos os meus quatro escravos seguintes, e todos os quatro de nações africanas, Vicente, carpinteiro, Ambrozio, Abrahão e Bento, sendo necessária a declaração de [?] africanas por eu ter outros do mesmo nome”, além de “Felipe ferreiro, 70 anos e Manoel ‘carapina’, 40 anos ambos com boa aptidão a esse tipo de trabalho".34 34 Inventário José de Almeida Prado. Arquivo do Museu Republicano Convenção de Itu. caixa 118, Série Processos. Grupo: 1º Ofício da Comarca de Itu, 1880, p. 13-18, p. 18 e 29.

Tais informações confirmam as evidências levantadas na iconografia e nos relatos dos memorialistas, ou seja, o trabalho especializado dos escravos negros nas construções paulistas, o que, no nosso ponto de vista, já seria uma contribuição sensacional para o tema, haja vista a inexistência de estudos significativos sobre a questão, no que se refere à arquitetura de tradição colonial de São Paulo. No entanto, o desenrolar da pesquisa nos levou a caminhos que possibilitaram encontrar outras evidências, ainda mais concretas, a respeito da participação de tais trabalhadores na construção de terra no interior paulista.

Nesse sentido destaca-se a carta de solicitação de recursos feita à Assembleia Geral da Câmara Municipal de Campinas em 1829, encaminhada pelos produtores rurais de cana da região, responsáveis pela construção da Matriz Nova da Nossa Senhora da Conceição de Campinas, na qual comunicavam a utilização de “escravos (que deveriam estar no campo) no levantamento das paredes de taipa da Nova Matriz” (1808-1846).35 35 Deos Guarde ao Conselho Geral. São Carlos, sessão extraordinária de 29 de Dezembro de 1829. Livro de Atas da Câmara de Campinas de 1829.

Mas, foi no fundo Diretoria de Obras Públicas: comissão para construções de Igrejas (1838-1892), caixa 05218, do Arquivo do Estado de São Paulo, que se obteve informações mais substanciais a esse respeito. Como, por exemplo, a documentação datada de setembro de 1840 da Comissão das Obras de construção da Matriz de Indaiatuba, que não por acaso era de taipa, na qual há um pequeno relatório do vigário Pedro Dias Paes Leme sobre as obras e tabela de gastos, nos quais se encontram recibos referentes a “jornaes de escravos que trabalharam na obra da Matriz”.36 36 Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218 - Matriz de Indaiatuba - 1838-1892. Arquivo do Estado de São Paulo, p. 4.

Informações semelhantes foram encontradas nos documentos da Comissão das Obras de construção da Matriz de Casa Branca, nos quais há um breve relatório da construção de tal Igreja, entre 1838-1839, como, por exemplo, uma listagem dos gastos e despesas durante esse período, além de nomes dos trabalhadores escravos, serviços e materiais usados na obra de taipa: “[?] de 400 serviços de escravos a cortar caibros, ripas, [?], e arrancar pedra, [?], ripar e barriar a $320 . . . 128$000” (grifo nosso)”.37 37 Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218. Matriz de Casa Branca -1838-1892. Arquivo do Estado de São Paulo, p. 2-3.

Na construção da Matriz de Queluz, entre 1838 e 1846, se encontrou, também, informações mais substanciais a respeito do trabalho especializado de escravos africanos nas construções em terra:

nº1º. Recebi do Senhor Jose Antonio Dias Novaes a quantia de quarenta e cinco mil duzentos e secenta proveniente dos jornais d'escravos, que trabalharão na nova Matriz de Queluz, cujos escravos são meus, e por estar pago e satisfeito, passo esta por mim feito e asignado. Queluz, 7 de outubro de 1839. Luiz José Villoso. são 45$260; nº 5º Recebi do Senhor Alferes José Antonio Dias Novaes, como Inspetor da nova Matriz que se fabricando nesta Freguesia de São João de Queluz a quantia de cento e sesenta e oito mil e oito sentos reis provenientes de quatrosentos e vinte e dois de serviço dos meos escravos que trabalharão nas taipas da nova Matriz e por ter recebido mandei passar dois de hum ter so hum terá vigor. Queluz [?] de Outubro de 1840 Somente [?] assignado, José Reboussa da Palma, Reis 168$800; nº1 Recebi do Senhor Alferes José Antonio Dias Novaes como Inspetor da nova Matriz que se esta edificando nesta freguesia de São João de Queluz, a quantia de secenta e seis mil reis proveniente de sento e secenta e cinco serviços de cinco escravos que trabalhão nas taipas e por ser verdade passei este por mim somente asignado. Queluz, 3 de Junho de 1840, Reis 66$000; D. Tereza Joaquina de Oliveira Mello.38 38 Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218 - Matriz de Queluz - 1838-1846. Arquivo do Estado de São Paulo. Os trechos desses documentos são folhas ao maço dobradas ao meio. De um lado há uma lista com o título “Recebido” e de outros “Despezas”. Tratam-se de documentos intitulados “Conta de Receita e Despeza feita com a obra da Nova Matriz ...” Arquivo do Estado de São Paulo, p. 7.

Além de ficar claro que o trabalho de construção das taipas da Igreja ficava à mercê dos escravos, o que mais chama atenção em tal documentação é a presença de escravos de ganho na obra, o que demonstra, evidentemente, a especialização dessa mão de obra na construção em terra, a ponto de serem “cedidos” por um valor em dinheiro, em virtude do domínio de tal técnica. Tendo o conhecimento de que o domínio da construção em terra era uma das principais especialidades empregadas pelos africanos vindos para o Brasil (cf. WEIMER, 2014, p. 54-57 e 116), as informações não chegam a surpreender. No entanto, até o momento, a historiografia da arquitetura não levou em consideração tais dados, justamente por não ter um trabalho de fôlego nesse sentido quando se fala em arquitetura paulista de tradição colonial.

Assim, diante de todas as evidências apresentadas aqui, por meio de fontes históricas diversas, acreditar que o domínio da técnica em taipa em São Paulo, prática tão complexa e artesanal, difundida largamente no continente africano, principalmente entre os grupos étnicos que vieram para o nosso território, foram, unicamente, ensinadas aos escravos pelos portugueses ou mamelucos torna-se, cada vez mais, um exercício de suposição que ignora totalmente o fazer e o ofício do historiador.

Conclusão

Longe de apenas levantar hipóteses a respeito da omissão da historiografia acerca da contribuição africana na arquitetura brasileira e paulista, o que se buscou foi, a partir da redefinição do papel do escravo no mundo do trabalho, utilizar fontes escritas e iconográficas, de viajantes e memorialistas, para salientar evidências da participação ativa do negro africano nas construções paulistas, inclusive com um conhecimento especializado. Para tanto, deve-se estar ciente de que tais sinais estão diluídos na série documental de suportes diversos, que apenas após serem confrontados podem apresentar respostas plausíveis para a investigação. Por isso, é essencial lançar mão do instrumental historiográfico, articulando teoria e prática a ser aplicada nos trabalhos com as fontes.

Tal discussão tem, ainda, um pano de fundo mais instigante, ou seja, uma leitura de um Brasil Atlântico, pensado além das fronteiras do Estado Nação, em virtude da estreita ligação entre o nosso país e a África, consubstanciada pelo um intenso tráfico negreiro até o século XIX. Nesse sentido, deve-se pensar na África dentro do Brasil e vice e versa. Tal situação auxilia a entender, por meio dos seus modos de fazer, que africanos não apenas sobreviveram em terras brasileiras, mas também viveram e ajudaram a inventar o Brasil.

A partir de tal contexto, o objetivo da discussão apresentada foi o de auxiliar a preencher uma lacuna na historiografia e questionar se as técnicas construtivas africanas também não contribuíram para edificar as “casas dos brancos” paulistas, ou até mesmo as casas de tradição bandeiristas, que se assim for, terão de deixar de ter tal denominação, pelo simples fato de não terem suas origens, unicamente, na mestiçagem mameluca-bandeirante, como queria Luis Saia, mas também na cultura negra africana.

Tal hipótese ganha ainda uma maior credibilidade ao se pensar que o sertão paulista foi um dos locais de ocupação mais antigos do país, mas que, por muito tempo, se mostrou distante da influência portuguesa, não sendo assim imediatamente e fortemente influenciado por tal cultura, como ocorreu em outras regiões, principalmente costeiras do Brasil. Essa situação gerou um ambiente favorável à recepção à recepção de influências culturais diversas, dando uma maior oportunidade de outras práticas culturais florescerem, entre elas, espanholas e africanas.

Dessa forma, no que se refere à arquitetura paulista, tal proposta é inédita e vem de encontro com o estigma da imagem do paulista empreendedor, baseado na lenda bandeirante, rica em uma mistura da qual o negro africano ficou de fora. Tal hiato historiográfico justifica a relevância da discussão, não só por questionar teses concretizadas no mundo acadêmico, mas também por contribuir para estabelecer o lugar de uma cultura e uma prática especializada na história brasileira que, até o momento, foi pouco estudada ou mesmo menosprezada, em vista de um olhar, ainda, conservador e tendencioso da história da arquitetura brasileira e paulista.

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Notas

  • 1
    O artigo é o resultado da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a supervisão do professor Dr. Marcos Tognon.
  • 2
    Gunter Weimer em Inter-Relações Afro-Brasileiras na Arquitetura (WEIMER, 2014, p. 17) afirma que ainda se está à espera de um estudo substancioso sobre a influência da cultura africana na história da construção em terra no Brasil.
  • 3
    Utiliza-se o termo “casas de brancos”, pois não se pretende aqui examinar as moradas dos escravos como as Senzalas e os Enxovais, tal estudo foi feito por Gunter Weimer, salientando o saber especializado do uso da taipa entre os sudaneses e bantos, que, não por acaso, são os principais grupos étnicos a emigrarem forçosamente para o Brasil, entre os séculos XVI e XIX (cf. WEIMER, 2014, p. 22-154)
  • 4
    Nesse caso, deve-se concordar com Silvia Hunold Lara (1998, p. 33), que aponta para a exclusão dos negros na história social do trabalho, ou seja, mesmo numa sociedade em que o mundo do trabalho era dominado quase exclusivamente pela mão de obra escrava, os negros não eram vistos como sujeitos históricos.
  • 5
    Nesse caso, pode-se citar os trabalhos de Carlos Lemos, Casas Paulistas (1999) e de Luis Saia, Morada Paulista (1978), que serão discutidas nas páginas a seguir. Essa omissão a respeito da contribuição africana na arquitetura brasileira é evidenciada por Gunter Weimer (2014, p. 9).
  • 6
    Gunter Weimer afirma que os sudaneses e os bantos, os principais grupos étnicos que emigraram para o Brasil, utilizavam muito pouco a pedra, não somente pela escassez de material, mas também por uma questão de tradição cultural de manipulação especializada da terra, nas técnicas construtivas de taipa empregadas na construção civil. (Cf. WEIMER, 2014, p. 54-57 e 116).
  • 7
    Segundo Gunter Weimer (2014, p. 16), “não parece haver qualquer vício de origem que diferenciaria a arquitetura popular da erudita”, tal diferenciação foi socialmente construída como um jogo de poder de estruturação de classes. Elvan Silva (1994, p. 135-136) salienta, ainda, que, “a condição de ser ou não erudita não implica automaticamente uma evidência de qualidade arquitetônica ou de precariedade construtiva”.
  • 8
    O exemplo dado por Thompson (1981, p. 26THOMPSON, Edward. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.) é emblemático: “(...) minha mesa (...) Não se conhece nenhum pedaço de madeira que se tivesse jamais transformado a si mesmo numa mesa, nem se conhece qualquer marceneiro que tenha feito uma mesa de ar ou de serragem. O marceneiro se apropria de madeira e, ao transformá-la numa mesa, é governado tanto pela sua habilidade (prática teórica, nascida de uma história, ou experiência, de fazer mesas, bem como uma história, ou experiência, de fazer mesas, bem como uma história das ferramentas adequadas) bem como pelas qualidades (tamanho, grão, amadurecimento) da própria prancha”.
  • 9
    Ibidem, p. 46
  • 10
    Nesse caso, novamente pode-se citar Carlos Lemos (1999) e Luis Saia (1978), como se verá mais à frente.
  • 11
    Em números, Luna (2005, p. 167) salienta que nesse intervalo temporal a população negra em São Paulo cresceu de 23 para 75 mil habitantes. Ao mesmo tempo, afirma que a razão de homens para mulheres “elevou-se de 117 para 153”, o que “devia-se à entrada de escravos vindos da África”, ou seja, para servir de mão de obra em terras paulistas.
  • 12
    Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Artigo 1°. Disponível em: http://www.planalto.g ov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em 26 jul.2014.
  • 13
    Para Mario de Andrade (1984, p. 41ANDRADE, Mário de. Aspectos das artes plásticas no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. (Obras completas de Mário de Andrade, 12).), Aleijadinho era, “(...) de todos, o único que se poderá dizer nacional, pela originalidade das suas soluções. Era já um produto da terra, e do homem vivendo nela, e era um inconsciente de outras existências melhores de além-mar: um aclimado, na extensão psicológica do termo”.
  • 14
    Marcelo Puppi (1994, p. 124) afirma que “a adesão dos pesquisadores ao modelo histórico de Lucio Costa deve-se ao fato de dar uma visão global da arquitetura (...) desobrigando os arquitetos de analisar e compreender o passado”.
  • 15
    Segundo Lemos os mamelucos eram os responsáveis por erguer as moradas bandeiristas: “Entende-se por bandeirista a designação das atividades do mameluco em suas próprias plagas” (LEMOS, 1999, p. 12).
  • 16
    Tal situação que foi estudada de forma minuciosa por Gunter Weimer. Segundo ele, por meio do escrito de viajantes como Louis Léger Vauthier, pode-se notar a influência das técnicas africanas nas casas dos brancos: “(...) casa de pau a pique com paredes revestidas de taipa (...) só isso já aproxima esse conjunto muito mais de aspectos africanos que ibéricos. Mas não é só isso. Casa construída ao nível do solo (ou, provavelmente, pouco acima do mesmo), a individualização das diversas funções, o alpendre como prolongamento da casa, a choupana dos fundos, tudo remete mais às costas do Atlântico Sul que às do extremo norte”. Por outro lado, confere às imagens de viajantes como Debret alguns equívocos ao representar casas de taipa construídas por indígenas, já que, segundo ele, os índios não construíam em taipa. (WEIMER, 2014, p. 228-232)
  • 17
    “No período colonial, as varandas resultantes do prolongamento do telhado das moradias rurais eram chamadas de alpendre pela função de sombrear a construção comum à peça da cobertura de mesmo nome, mas também podiam ser denominadas de corredor quando embutidas no corpo da fachada, como nas habitações paulistas dos bandeirantes. Já as varandas que ligavam a cozinha com os demais ambientes da casa eram chamadas de sala de jantar ou de viver. As varandas que eram cobertas com folhas e não com telhas eram chamadas de latadas e quando surgem os primeiros núcleos urbanos, as varandas situadas nas fachadas externas dos sobrados eram muitas vezes identificadas como galeria: galeria mouresca por serem fechadas com muxarabiês. Estes eram elementos de origem moura que protegiam as mulheres reclusas dentro do espaço doméstico dos olhares alheios de quem passasse na rua. Após a vinda da família real para o Brasil, no início do século XIX, tais fechamentos foram retirados e as varandas com guarda-corpo de ferro dos sobrados oitocentistas passaram a ser denominadas de sacadas ou de balcões. Quando corridas, ligando mais de um vão da fachada, essas varandas voltadas para o espaço público também eram reconhecidas como galeria, mas, por apresentar pouca profundidade e não sombrear a construção, nunca recebiam o nome de alpendre”. (BRANDÃO, 2012BRANDÃO, Helena Câmara Lacé. A varanda na Cidade Maravilhosa. Uma questão de identidade cultural ou de regulamentação. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 147, 2012http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.147/4457>. Acesso em 25 jun.2019
    http://www.vitruvius.com.br/revistas/rea...
    ).
  • 18
    Cf. Depoimento de (SOUZA, 2013SOUZA, Monica Lins in. Especialistas divergem sobre o legado dos africanos na Arquitetura. Disponível em: Disponível em: http://redeglobo.globo.com/acao/noticia/2013/03/2303-especialistas-divergem-sobre-legado-deixado-pelos-africanos-na-arquitetura.html . 23 mar. 2013. Acesso em: 27 jul.2014.
    http://redeglobo.globo.com/acao/noticia/...
    ).
  • 19
    Cf. Depoimento de (CONDURO, 2013).
  • 20
    Além de Weimer e Conduro, outros pesquisadores chamaram a atenção para a carência de estudos historiográficos a respeito da contribuição africana negra na arquitetura brasileira. Ao escrever sobre o tema, Bruno César Euphrasio de Mello (2014, p. 2MELLO, Bruno César Euphrasio de. E o negro na arquitetura brasileira? Revista Arquitextos. n.145.01. jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.145/4372 . Acesso em 27 julh. 2014.
    http://www.vitruvius.com.br/revistas/rea...
    ) também chega à conclusão de que deve ser mais aprofundado: “Está aí um assunto que merece ser estudado com maior profundidade para que seja mais bem esclarecido. Colocar uma interrogação no assunto é atitude positiva, pois a dúvida é o primeiro passo para uma compreensão mais precisa”. Juliana Prestes de Faria (2011, p. 30FARIA, Juliana Prestes de. Influência Africana na Arquitetura de terra em Minas Gerais. Dissertação (Mestrado). Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2011.) também salientou o pequeno número de estudos sobre a contribuição africana no nosso “saber fazer”: “A presença de estudos relativos à contribuição africana em nossos saberes e fazeres construtivos é relativamente restrito, o que é intrigante, pois o negro entrou para história do Brasil como elemento braçal do nosso processo de colonização”.
  • 21
    Algumas pesquisas acadêmicas em Minas Gerais, na última década, geraram resultados positivos sobre o assunto. Cabe citar aqui o trabalho de Fabiano Gomes da Silva, Pedra e Cal: os construtores de Vila Rica no Século XVIII (2007SILVA, Fabiano Gomes. Pedra e Cal: Os Construtores de Vila Rica no Século XVIII (1730-1800). 2007. 192 f. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. 2007.), e a Dissertação de Mestrado, Influência Africana na Arquitetura de Terra em Minas Gerais (2011), de Juliana Prestes Ribeiro de Faria, na qual a arquiteta estuda a influência nas técnicas construtivas em terra na região de Minas Gerais do século XVIII, no entanto, foca sua pesquisa nas moradias escravas no âmbito dos quilombos que se formaram em todo o período colonial de Minas.
  • 22
    Nesse aspecto, ela é “uma fonte (...) e assim como as demais, tem de ser explorada com muito cuidado”, ou seja, deve-se historicizar a imagem, ir além do óbvio e estar atento às suas diversas representações e aos seus silêncios, buscando pontuá-la no campo histórico que foi produzida, apropriada, consumida, ou seja, analisá-la a partir de um “contexto, incluindo as convenções artísticas (...) de um determinado lugar e tempo, bem como os interesses do artista, do patrocinador original ou do cliente”. (MENESES, 2003, p. 27-28MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História. vol.23, n.45, pp. 11-36, 2003.).
  • 23
    Tal leitura pode ser dividida em duas partes, a do século XVI até o XVII e do século XVIII e XIX. A primeira era enveredada por uma visão fantástica de um Novo Mundo, feita por viajantes ibéricos e moldada pela religiosidade do homem medieval. A segunda partia de uma visão de mundo particular, marcada pelo progresso da ciência, denominada por José Carlos Barreiro de “moderna”. Essa postura, segundo ele, possibilitou a invenção de um Brasil em que o mundo do trabalho ficou marcado por uma imagem de ociosidade e preguiça, na qual se julgava de forma valorativa, costumes e demais iniciativas culturais, o que, por sua vez, estigmatizou a imagem dos índios como violentos e/ou preguiçosos e os africanos como selvagens, em estado de barbárie. Por outro lado, pode-se dizer que tal choque cultural, revelado por eles, fez com que os europeus se vissem “obrigados a repensar a própria cultura e as bases sobre as quais erguiam sua visão de mundo” (BARREIRO, 2002, p. 15-46BARREIRO, José Carlos. Imaginário e viajantes no Brasil do século XIX: cultura e cotidiano, tradição e resistência. São Paulo: Editora Unesp, 2002.).
  • 24
    No entanto, mesmo diante de algumas mudanças, é difícil falar de uma preocupação social de tais artistas, pois o cotidiano, ameno e tranquilo, da paisagem, da cidade e da fazenda, ainda persistia, o que nos faz notar em tais representações a preocupação de documentar o exótico. (CARNEIRO; KOSSOY, 1994, p. 71).
  • 25
    Disponível em: http://painelrondin.blogspot.com.br/2008/06/catedral-eleita-como-uma-das-sete.html. Acesso em 05 set.2014.
  • 26
    Disponível em: http://painelrondin.blogspot.com.br/2008/06/catedral-eleita-como-uma-das-sete.html. Acesso em 05 set.2014.
  • 27
    Essa especialidade da mão de obra africana escrava já tinha sido evidenciada em Casa Grande e Senzala, quando Gilberto Freyre chamava a atenção para a imigração forçada de negros com conhecimentos especializados. “Vieram-lhe da África “donas de casa” para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria pastoril; comerciantes de pano e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos (FREYRE, 1950, p. 680FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950.)”. Mais recentemente, Karasch (2000, p. 283KARASCH, Mary C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ) também afirmou que os negros exerciam atividades nos mais diversos ofícios, inclusive, aplicando seus conhecimentos especializados, muitos deles trazidos do continente africano.
  • 28
    Rodrigo da Silva (2009, p. 11-28) salienta como, desde o século XVIII, os escritos de memorialistas, como Pedro Taques e Madre Deus, contribuíram para a solidificação de conceitos interpretativos da capital paulista, que perduram até os dias atuais. No entanto, também lembra que definir o que é um trabalho memorialístico não é algo fácil: “Quando comecei a transitar por entre os textos de tantos autores que escreveram sobre a história de São Paulo – gente tão diversa como Pedro Taques, Saint Hilaire, Azevedo Marques, Afonso Taunay, Spencer Vampré, Nuno Sant’Ana e Ernani Bruno – uma das grandes questões essenciais era: como classifica-los? Ao investigar o universo intelectual a respeito da cidade de São Paulo imaginava estabelecer diferenças essenciais entre figuras como entre Afonso Taunay e Paulo Cursino ou entre Azevedo Marques e Alfredo Ellis Jr. (...) Pensei em tratar os autores do final do século XIX e começo do XX como memorialistas, o que se mostrou absolutamente inadequado. Apesar das diversidades nos procedimentos para a escrita da história entre autores como Azevedo Marques, que elaborou compêndio de história a partir de informações de arquivos (...) Afonso de Taunay já influenciado profundamente pela obra de Capistrano de Abreu e de autores franceses (como Signobose Longlois, entre outros), Spencer Vampré (escrevendo para efemérides da Academia de Direito do Largo São Francisco) e Sérgio Milliet, me parecia, inicialmente justo que ao menos parte deles merecesse ser caracterizada como memorialista (...)”.
  • 29
    Tal busca pode ser notada nos escritos do memorialista Nardy Filho (2006, p. 5NARDY FILHO, Francisco. A cidade de Ytu. 3a. ed. (Edição faccimilar). Itu: Ottoni Editora, 2006. 6 volumes (Coleção Comemorativa dos 400 anos de Itu).): “Neste modesto trabalho não pretendo discutir factos nem emitir a minha opinião sobre este ou aquelle (sic) ponto, mas simplesmente expô-los (sic) tais quais elles (sic) se passaram, mesmo porque não tenho a toda e vaidosa pretensão de me arvorar em crítico (...)”.
  • 30
    Aluísio de Almeida (2012, p. 5 e 11) afirmou que a obra História de Sorocaba, 1969, surgiu após “descobrir no Arquivo da Prefeitura os documentos sobre a Revolução de 1842. Além disso, lembra que “teve contato com os maços de população do Arquivo do Estado de São Paulo para estudar a demografia da cidade de Sorocaba” e, no apêndice do livro, registra a cópia transcrita do inventário de 1654, de Dona Isabel de Proença, esposa de Baltazar Fernandes, tido como fundador de Sorocaba. No caso de Nilson Carvalho, é interessante atentar que a historiadora Ana Maria Camargo (2004, p. 12-13CARVALHO, Nilson Cardoso de. A Paróquia de Nossa Senhora da Candelária. Indaiatuba: Fundação Pró-Memória, 2004.) escreveu que ele “frequentou regularmente o Arquivo do Estado de São Paulo, transcrevendo todos os documentos relacionados à Indaiatuba”.
  • 31
    Livro de Termos da Venerável Ordem Terceiro do Carmo da Cidade de São Paulo (1772-1819). vol. 4, fls 20-21.
  • 32
    Livro de Classificação de Escravos. Fundo Câmara Municipal de Indaiatuba. Indaiatuba, 15 de maio de 1884, p. 10.
  • 33
    Livro de Classificação de Escravos. Fundo Câmara Municipal de Indaiatuba. Arquivo Público Municipal de Indaiatuba. Indaiatuba, 30 de abril de 1884, p. 7.
  • 34
    Inventário José de Almeida Prado. Arquivo do Museu Republicano Convenção de Itu. caixa 118, Série Processos. Grupo: 1º Ofício da Comarca de Itu, 1880, p. 13-18, p. 18 e 29.
  • 35
    Deos Guarde ao Conselho Geral. São Carlos, sessão extraordinária de 29 de Dezembro de 1829. Livro de Atas da Câmara de Campinas de 1829.
  • 36
    Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218 - Matriz de Indaiatuba - 1838-1892. Arquivo do Estado de São Paulo, p. 4.
  • 37
    Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218. Matriz de Casa Branca -1838-1892. Arquivo do Estado de São Paulo, p. 2-3.
  • 38
    Diretoria Geral de Obras Públicas: Comissão de Construção de Igrejas 1838-1892. Caixa: 05218 - Matriz de Queluz - 1838-1846. Arquivo do Estado de São Paulo. Os trechos desses documentos são folhas ao maço dobradas ao meio. De um lado há uma lista com o título “Recebido” e de outros “Despezas”. Tratam-se de documentos intitulados “Conta de Receita e Despeza feita com a obra da Nova Matriz ...” Arquivo do Estado de São Paulo, p. 7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2018
  • Aceito
    03 Jul 2019
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