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O Pai dos Cristãos e as populações escravas em Goa: zelo e controle dos cativos convertidos (séculos XVI e XVII)

The “Father of Christians” and the Enslaved People in Goa: Zeal and Oversight of Christianized Captives (XVIth and XVIIth centuries)

RESUMO

O cargo de Pai dos Cristãos foi criado para auxiliar na conversão das populações do império asiático português, impedir as práticas religiosas consideradas idólatras, ensinar a doutrina católica aos catecúmenos e ampará-los. Entre as populações nativas, os escravos receberam especial atenção do Pai dos Cristãos que, além de zelar pela conversão dos escravizados, deveria verificar se o cativeiro a que estavam submetidos era legítimo, de acordo com a legislação portuguesa. Neste estudo examinaremos as instruções régias e eclesiásticas relacionadas à atividade do Pai dos Cristãos, bem como a documentação que tratou de sua ação sobre a população escrava de Goa, especialmente as “Cartas de Alforria”.

Palavras-chave
Império Asiático Português; populações escravizadas; Catolicismo; jesuítas

ABSTRACT

The position of Pai dos Cristãos (Father of Christians) was created to help in the conversion of people who lived in the Portuguese Empire in Asia, to prevent religious practices considered idolatrous, to teach the Catholic doctrine, and to support the catechumens. Among the native populations, the enslaved received special attention from the ‘Father of Christians’ who, besides ensuring the slaves conversion to Catholicism, would examine whether the captivity to which they were being subjected was legitimate, according to Portuguese Law. In this article we will examine the royal and ecclesiastical instructions related to the activity of the ‘Father of Christians’, as well as the historical sources that recorded his action upon the enslaved population of Goa, especially the “Letters of Manumission”.

Keywords
Portuguese Empire in Asia; enslaved people; Catholicism; Jesuits

(...) sempre se tratou de dar remédio aos injustos captiveiros, todavia sempre forão crescendo cada vez mais, e estão em termo, que parece, que não há esperança de remédio (...) (Atas do 5.º Concílio Provincial de Goa, 1606).

Em 22 de setembro de 1682, Francisco do Rosário apresentou-se ao Pai dos Cristãos de Goa, o jesuíta Manuel Themudo, para declarar que tinha em sua posse o menino Domingos, nascido na Índia, na aldeia de Sanquelim e da casta curumbim. Francisco do Rosário declarou que Domingos havia lhe “custado quarenta e nove xes.”

Uma das ações atribuídas ao Pai dos Cristãos foi a de registrar os anos de serviço a que os moços e moças eram obrigados a cumprir, além de fiscalizar se as alforrias estavam sendo concedidas de acordo com o que era previsto na lei portuguesa. Sobre o menino Domingos, o Pai dos Cristãos anotou que “o não obriga nenhum justo título de captiveiro”, todavia, determinou que o menino ainda prestaria “oito annos de serviço” a Francisco do Rosário, “os quais acabados ficará livre para poder fazer de sy o que lhe bem parecer”. A justificativa do Pai dos Cristãos era a de que Domingos havia sido comprado “para se fazer christão”, ou seja, entendia o trabalho involuntário do menino como uma recompensa ao seu senhor, que havia dispendido dinheiro com o alegado intuito de educá-lo nos preceitos da fé católica e nos bons costumes (HAG, Cód. 860, fl.15).

O episódio do menino Domingos corresponde a apenas um entre centenas de outros casos apreciados pelo Pai dos Cristãos, entre os anos de 1682 e 1700, e que envolviam escravizados e demais pessoas que desfrutavam de ambíguos estatutos de dependência em Goa. Naquele período, no último quartel do século XVII, o ofício de Pai dos Cristãos já contava com cerca de um século e meio de existência. Com efeito, o cargo fora instituído na década de 1530, com o objetivo de favorecer a conversão das populações nativas, bem como zelar pelos catecúmenos e neófitos no Oriente Português. Originalmente era um cargo laico, remunerado pelo Estado, não obstante ter sido ocupado por clérigos regulares nas mais significativas conquistas, cidades e fortalezas lusas situadas no Índico e no Pacífico (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.; TAVARES, 2004, p. 224TAVARES, Célia C. S. Jesuítas e Inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004.).

Inicialmente, situaremos o contexto em que este cargo foi criado, no âmbito da expansão portuguesa na Ásia e, em seguida, sintetizaremos os principais estudos sobre o Pai dos Cristãos. Posteriormente trataremos das atribuições deste ofício, com ênfase nas relacionadas com as populações escravizadas, o que realizaremos a partir da análise de decretos dos Concílios Provinciais de Goa, da Instrução ao Padre Pai dos Cristãos de 1595 e de demais legislações.

Este estudo analisa o papel atribuído ao Pai dos Cristãos na assistência das populações escravizadas - catecúmenas ou batizadas na fé católica - que viviam em Goa. Neste artigo privilegiaremos a análise da supracitada legislação e da forma pela qual o Pai dos Cristãos inscreveu as relações entre senhores e escravos nas “Cartas de alforria dos escravos de Goa” (HAG, Cod. 860). Investigamos o “vocabulário” empregado nas cartas de alforria, isto é, as maneiras de falar sobre o poder e a sociedade, que recorrem a um vocabulário peculiar e que se deparam com regras e precondições que ajudam a moldar a escrita (POCOCK, 2013POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Edusp, 2013.). Neste sentido, atentamos para como tal “vocabulário” denota uma visão paternalista sobre as relações entre senhores e escravos, com atenção às categorias e vocábulos utilizados pelo Pai dos Cristãos para descrever as populações escravizadas em Goa - região em que existiam diferentes estatutos de subalternidade e de dependência, entre eles o de escravizados, que viviam em uma sociedade em que a escravidão não era a forma de trabalho predominante.

A expansão portuguesa na Ásia e a instituição do Pai dos Cristãos

Em 1510, no âmbito da expansão portuguesa na Índia, foram travadas guerras em Goa, um território insular situado entre a cordilheira dos Gates Ocidentais e o Oceano Índico, uma região que, naquele contexto, estava submetida ao poder do sultão de Bijapur. Após combates, os portugueses conseguiram ocupar militarmente a região de Goa, com a execução ou o cativeiro dos derrotados, que tiveram as respectivas mulheres tomadas e levadas à conversão ao catolicismo. Cativas, escravas, concubinas ou esposas, estas mulheres nativas de diferentes origens sociais viabilizaram o estabelecimento de um conjunto de portugueses em Goa e deram origem à primeira geração de mestiços luso-asiáticos (LOBATO, 2013, p. 92LOBATO, Manuel. Mulheres alvas de bom parecer: políticas de mestiçagem nas comunidades luso-afro-asiáticas do Oceano Índico e Arquipélago Malaio (1510-1750). Perspectivas. Portuguese Journal of Political Science and International Relations, Braga, 10, p. 91-115, 2013.; XAVIER, 2018a, p. 6XAVIER, Ângela Barreto. Dissolver a Diferença - Conversão e Mestiçagem no Império Português. In VILLAVERDE, M; SILVA, F. (Eds.). Itinerários: A Investigação nos 25 Anos do ICS. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008a, p. 709-727.).

Progressivamente, Goa foi adquirindo importância crucial na manutenção da rede de feitorias, fortalezas e demais conquistas geridas pela Coroa lusa no “Estado da Índia”. Em torno de 1530, a atmosfera de convivência entre os adventícios católicos lusitanos e as populações não cristãs cedia espaço à adoção de medidas cada vez mais restritivas aos sistemas religiosos locais (THOMAZ, 1994THOMAZ, Luiz Filipe. De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994.; MENDONÇA, 2002MENDONÇA, Délio de. Conversions and citizenry: Goa under Portugal. 1510-1610. New Delhi: Concept Pub., 2002.; TAVARES, 2004TAVARES, Célia C. S. Jesuítas e Inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004.; XAVIER, 2008bXAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2008b. ). Foram elucidativas as iniciativas em busca da destruição de templos destinados a cultos não cristãos, as quais se desenvolveram pari passu a estratégias para estimular as conversões ao catolicismo (ROBINSON, 1998ROBINSON, Rowena. Conversion, Continuity and Change: Lived Christianity in Southern Goa. New Delhi/ London: Sage Publications, 1998.; NOGUEIRA, 2012NOGUEIRA, Eduardo B. C. Pagodes do diabo. Sociedade e religião hindu na Goa portuguesa. (c.1510 - c. 1560). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de História, Universidade Federal Fluminense ,Niterói, 2012.). Adiciona-se que, paulatinamente, as ordens religiosas estabeleceram-se em Goa (TAVARES, 2004TAVARES, Célia C. S. Jesuítas e Inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004.; GONÇALVES, 2014GONÇALVES, Margareth de Almeida. A edificação da cristandade no Oriente português: questões em torno da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho no limiar do século XVII. História, São Paulo, n. 170, p. 107-141, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-83092014000100107&lng=en&nrm=iso
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; GOMES, 2003GOMES, Olivinho. The religious orders in Goa (XVIth - XVIIth centuries). Goa: Konkani Sorospot Prakashan, 2003.; FARIA, 2013FARIA, Patricia S. A conquista das almas do Oriente: franciscanos, catolicismo e poder colonial português em Goa (1540-1740). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. ).

Naquela conjuntura, o cargo de Pai dos Cristãos foi criado em 1532, mas sua ação em Goa parece ter principiado apenas cinco anos depois. O ofício correspondeu ao anseio de que se instituísse um responsável por acompanhar o processo de cristianização e se fornecesse assistência aos convertidos. A ocupação desse cargo deve ter coincidido com a distribuição das ordens religiosas por diferentes áreas de missionação ou de administração paroquial, de modo que os franciscanos se tornaram os responsáveis por atuar como Pai dos Cristãos em Bardez e Baçaim, ao passo que jesuítas atuaram em regiões centrais de Goa e de Salsete, por exemplo (ARANHA, 2006, p. 163ARANHA, Paolo. Il cristianesimo latino in India nel XVI secolo. Milano: Franco Angeli, 2006.).

Em linhas gerais, essa função foi ocupada por clérigos regulares nas principais fortalezas e conquistas portuguesas situadas no “Estado da Índia” (MANSO, 2003MANSO, Maria de Deus Beites. O Cristianismo na Índia: da difusão ao confronto (séculos XVI - XVII). In: População: encontro e desencontros no espaço português, Atas do Curso de Verão da Ericeira, 1, 2003 , Ericeira: Editora Mar de Letras, 2003, p. 75-84. http://triplov.com/cictsul/maria_de_deus.html
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), isto é, na Índia, no Ceilão, em Ormuz, Moçambique, Malaca e Macau. A função de Pai dos Cristãos ajustava-se, portanto, à dimensão talassocrática do império luso-asiático, que era conectado por redes de comunicação, de comércio, de circulação de bens e de pessoas - entre as quais as populações escravizadas e revendidas. Uma das atividades do Pai do Cristãos consistiu em atentar para situações em que cristãos ou catecúmenos pudessem estar submetidos a “injustos cativeiros”.

O Pai dos Cristãos foi objeto de estudo de Fernandes Lagrange (1965 apudMANSO, 2003MANSO, Maria de Deus Beites. O Cristianismo na Índia: da difusão ao confronto (séculos XVI - XVII). In: População: encontro e desencontros no espaço português, Atas do Curso de Verão da Ericeira, 1, 2003 , Ericeira: Editora Mar de Letras, 2003, p. 75-84. http://triplov.com/cictsul/maria_de_deus.html
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), bem como contemplado na edição crítica do “Livro do Pai dos Cristãos”, elaborada pelo jesuíta Joseph Wicki (1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.). De modo geral, não há muitas pesquisas cujo foco seja essencialmente o Pai dos Cristãos, na medida em que é mais comum inseri-lo em estudos mais amplos, ligados à história das missões católicas ou das conversões na Ásia, o que identificamos em estudos tradicionais (REGO, 1949REGO, A. da Silva (org.). História das Missões do Padroado Português no Oriente. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1949.) ou em produções recentes (MENDONÇA, 2002MENDONÇA, Délio de. Conversions and citizenry: Goa under Portugal. 1510-1610. New Delhi: Concept Pub., 2002.; MANSO, 2003MANSO, Maria de Deus Beites. O Cristianismo na Índia: da difusão ao confronto (séculos XVI - XVII). In: População: encontro e desencontros no espaço português, Atas do Curso de Verão da Ericeira, 1, 2003 , Ericeira: Editora Mar de Letras, 2003, p. 75-84. http://triplov.com/cictsul/maria_de_deus.html
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; TAVARES, 2004TAVARES, Célia C. S. Jesuítas e Inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004., FARIA, 2013FARIA, Patricia S. A conquista das almas do Oriente: franciscanos, catolicismo e poder colonial português em Goa (1540-1740). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. ; XAVIER, 2008XAVIER, Ângela Barreto. Dissolver a Diferença - Conversão e Mestiçagem no Império Português. In VILLAVERDE, M; SILVA, F. (Eds.). Itinerários: A Investigação nos 25 Anos do ICS. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008a, p. 709-727.; VENTURA, 2011VENTURA, Ricardo. Conversão e conversabilidade: discursos da missão e do gentio na documentação do Padroado Português do Oriente (séc. XVI-XVII). 2011. Tese (Doutorado em estudos de literatura e de cultura) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011.; ANJOS, 2016ANJOS, Camila Domingos. A Cruz e o Império: a expansão portuguesa e a cristianização das bailadeiras e viúvas em Goa (1567-1606). 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2016.). Alguns estudos perscrutaram o descontentamento das comunidades locais com os demandos de religiosos que ocuparam o mencionado cargo (XAVIER, 2006XAVIER, Ângela Barreto. De converso a novamente convertido: identidade política e alteridade no reino e no império. Cultura: revista de teoria e história das ideias, Lisboa, 2ª s., v. XXII, p. 245-274, 2006. Disponível em: http://journals.openedition.org/cultura/2254
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), outros elucidaram as tensões associadas à ação do Pai dos Cristãos na política de conversão compulsória dos órfãos (ANJOS, 2016ANJOS, Camila Domingos. A Cruz e o Império: a expansão portuguesa e a cristianização das bailadeiras e viúvas em Goa (1567-1606). 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2016.; FARIA, 2013FARIA, Patricia S. A conquista das almas do Oriente: franciscanos, catolicismo e poder colonial português em Goa (1540-1740). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. ).

No tocante às pesquisas centradas no Pai do Cristãos, Maria Benedita Araújo (1993ARAÚJO, Maria Benedita. O ‘Pay dos Christãos’. Contribuição para o estudo da evangelização da Índia. In: Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, 1, 1993. Atas do Congresso Internacional de História. Braga: U.C.P., 1993 , v.2, p. 305-324.) propicia uma reconstituição sobre o surgimento e as atribuições do cargo. Teotônio de Souza (2008SOUZA Teotónio de. Manumission of slaves in Goa during 1682 to 1760 as found in Codex 860. In: PRASAD, K.; ANGENOT, J. (ed.). TADIA - The African Diaspora in Asia. Bangalore: Jana Jagrati Prakashana, 2008, p. 167-181.) trata o Pai dos Cristãos em um estudo, cujo objetivo é fornecer uma análise geral sobre as “Cartas de Alforria” redigidas pelo mencionado oficial, em Goa. Glenn Ames (2008AMES, Glenn. Religious Lifein the Colonial Trenches: The Role of the Pai dos Christãos in Seventeenth Century Portuguese India, c. 1640-1683. Portuguese Studies Review, Ontario, v. 16, n. 2, pp.1-23, 2008.) também abordou o papel do Pai dos Cristãos no registro das manumissões de escravos em Goa, comparando-as às cifras de alforriados na Bahia. Concordamos com Ames (2008, p. 23)AMES, Glenn. Religious Lifein the Colonial Trenches: The Role of the Pai dos Christãos in Seventeenth Century Portuguese India, c. 1640-1683. Portuguese Studies Review, Ontario, v. 16, n. 2, pp.1-23, 2008. em considerar que “tanto o ofício quanto os homens que o ocuparam” ainda aguardam mais investigações.

Neste artigo, pretendemos explorar mais densamente a relação do Pai dos Cristãos com as populações escravizadas, com a atenção pormenorizada à própria confecção das “Cartas de alforria”, ao considerar as orientações, as leis que inspiraram a redação de tais manuscritos pelo Pai dos Cristãos, bem como o vocabulário, marcado por concepções paternalistas, que foi adotado pelo mencionado agente para tratar das relações entre senhores e escravizados.

O erudito padre Wicki (1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.) afirmou que a instituição do “Pai dos Cristãos” teria existido exclusivamente nas missões portuguesas do Oriente. Conquanto o Pai dos Cristãos possa ser considerado um ofício singular, associado à presença portuguesa na Ásia, consideramos pertinente apontar brevemente que existiram expectativas de criar um cargo similar em outras partes dos impérios ibéricos, cujo anseio era a atuação de um agente “protetor” das populações nativas, convertidas, consideradas mais frágeis, de pouco engenho, que precisavam ser dirigidas, governadas.

No Brasil, houve a expectativa de criar um cargo similar ao de Pai dos Cristãos (MARCOCCI, 2012, p. 433-434MARCOCCI, Giuseppe. A consciência de um império: Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.). A vivência de D. Pedro Fernandes Sardinha como vigário geral da Índia possivelmente o estimulou a propor, quando assumiu a administração do bispado da Bahia, que fosse “ordenado um pai dos que se converterem”, isto é, que fosse nomeado alguém que zelasse pelos nativos convertidos. Havia grande semelhança entre a expectativa de criação de um cargo que assistisse aos índios do Brasil e a instituição do ofício em Goa, local em que, nos anos 1530, o vigário geral da Índia (Miguel Vaz) idealizara que os cristãos da terra fossem encomendados a “um bom homem que seja como pai destes cristãos e que tenha deles especial cuidado” (apudREGO, 1949, p. 201REGO, A. da Silva (org.). História das Missões do Padroado Português no Oriente. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1949.; XAVIER, 2008b, p. 100XAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2008b. ).

A respeito dos nativos da América Espanhola convertidos, eram percebidos como “rudes” (de entendimento tardio), “miserables” (desprotegido, aquele do qual nos compadecemos naturalmente) e neófitos (dotados de conhecimento superficial da fé católica). Concebidos como “miseráveis”, “rústicos”, “menores” e “pobres”, os nativos partilhavam a “miserável condição” com outros segmentos da sociedade, entre eles, os escravos. Havia homologias entre a imagem construída sobre a natureza do índio e a ideia de “escravo natural”, que era considerado débil de engenho e que necessitava ser guiado por pessoas mais capazes (CISNEROS, 2014, p. 70-81CISNEROS, G. L. ¿Ignorancia invencible? Superstición e idolatría ante el Provisorato de Indios y Chinos del Arzobispado de México en el siglo XVIII. México: Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Históricas, 2014. ; PAGDEN, 1988PAGDEN, Anthony. La caida del hombre natural. El indio americano y los orígenes de la etnología comparativa. Madri: Alianza Editorial, 1988. ; MARTÍNEZ, 2008MARTÍNEZ, M. E. Genealogical fictions. Limpieza de Sangre, Religon, and Gender in Colonial Mexico. Stanford: Stanford University Press, 2008. ).

Visão similar desenvolveu-se a respeito dos naturais das “Índias Orientais”, pois, como postulou Xavier (2006XAVIER, Ângela Barreto. De converso a novamente convertido: identidade política e alteridade no reino e no império. Cultura: revista de teoria e história das ideias, Lisboa, 2ª s., v. XXII, p. 245-274, 2006. Disponível em: http://journals.openedition.org/cultura/2254
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), os nativos convertidos da Índia eram percebidos como cristãos incompletos, o que amparava a noção de que precisavam ser guiados, tutelados, constantemente orientados. Ademais, o estatuto das pessoas consideradas “débeis” era semelhante ao dos filhos, das esposas ou dos rústicos, submetidos à autoridade do pater (HESPANHA, 2010, p. 205HESPANHA, A. M. Imbecilitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. Belo Horizonte: AnanaBlume, 2010. ). Assim, analisaremos como era concebido o papel do Pai dos Cristãos no acompanhamento de catecúmenos e convertidos, especialmente daqueles que eram escravos, isto é, de populações que eram consideradas “plantas tenras na fé” e que necessitavam ser guiadas.

Instruções ao Pai dos Cristãos: zelo e vigilância

Criado na década de 1530, o cargo de Pai dos Cristãos recebeu posteriormente mais orientações no bojo da promulgação de leis e alvarás destinados a promover a cristianização de populações do Estado da Índia, que se tornaram conhecidos como Provisões ou Leis a favor da cristandade (WICKI, 1969, p. xii-xiiiWICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.). Destacamos, em particular, as orientações instituídas na regência de D. Catarina e no reinado de D. Sebastião. Atributos do Pai dos Cristãos também foram formulados nas atas do Primeiro Concílio Provincial de Goa, celebrado em 1567. Em 1568, no Regimento de D. Luís de Ataíde, consta que, em cada fortaleza, fosse ordenada uma pessoa “que tivesse o cuidado de procurar por todos os novamente convertidos à fé”, para que fossem favorecidos e bem tratados (APO, v. 3, doc. 1, p. 10; ARAÚJO, 1993ARAÚJO, Maria Benedita. O ‘Pay dos Christãos’. Contribuição para o estudo da evangelização da Índia. In: Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, 1, 1993. Atas do Congresso Internacional de História. Braga: U.C.P., 1993 , v.2, p. 305-324., p. 12).

O Pai dos Cristãos deveria ser “pessoa de muita caridade e zelo da salvação das almas e do ensino e amparo delas”, desocupado das demais obrigações, para poder se dedicar exclusivamente aos assuntos da conversão. Era seu papel conhecer e executar as leis a favor dos cristãos e, por esse motivo, esse oficial tinha seus manuais, em que eram transcritas leis, alvarás e provisões relacionadas a suas obrigações (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.).

Outro contexto relevante na definição dos atributos do Pai dos Cristão foi o da elaboração da “Instrução ao Padre Pai dos Cristãos” no ano de 1595 pelo padre Alessandro Valignano, em que foram descritas as tarefas essenciais que lhe competiam: cuidar da conversão dos infiéis, impedir a prática de “idolatrias”, conceder favores e privilégios aos que se convertessem; ensinar a doutrina cristã e garantir o batismo dos catecúmenos; amparar os convertidos. A Instrução, formulada durante o período filipino, sistematizou os meios “já aprovados nos concílios provinciais de Goa e nas provisões que os reis de Portugal e seus vice-reis da Índia têm passadas em favor da cristandade”; além disso, provavelmente era uma versão revista de instrução redigida anteriormente (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc. 1, p. 14-17).

A Instrução de 1595 detalhou as medidas para impedir e punir a idolatria; por essa razão, o Pai dos Cristãos deveria ficar atento às datas de festas, aos rituais locais, à celebração de casamentos com cerimônias gentílicas (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc. 1, p. 15-18). Também deveria tomar conhecimento a respeito da morte dos pais de meninos e meninas de famílias não cristãs, pois, nessa situação, os órfãos deveriam ser compulsoriamente retirados do seu agregado familiar para serem recolhidos em colégio (em que seriam doutrinados na fé católica) ou entregues a um tutor cristão (FARIA, 2013FARIA, Patricia S. A conquista das almas do Oriente: franciscanos, catolicismo e poder colonial português em Goa (1540-1740). Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. ; ANJOS, 2016ANJOS, Camila Domingos. A Cruz e o Império: a expansão portuguesa e a cristianização das bailadeiras e viúvas em Goa (1567-1606). 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2016.).

Para acompanhar o que se passava com órfãos e catecúmenos, o Pai dos Cristãos deveria visitar as aldeias algumas vezes durante o ano. Nas monções, ele próprio - ou alguém por ele designado - deveria vistoriar as embarcações. Pelo menos uma vez a cada mês, precisava visitar troncos e galés para saber se havia “infiéis” que desejavam se converter e se os neófitos passavam por necessidades. Além dessa vigilância circunstancial, o Pai dos Cristãos assumiu a condução de tarefas regulares, como a de ser chefe e presidir a “Casa dos Catecúmenos”. Esse estabelecimento deveria contar com um intérprete casado, para que a respectiva esposa cuidasse das catecúmenas. Paralelamente à catequese, o Pai dos Cristãos precisava encontrar padrinhos que amparassem espiritual e materialmente os catecúmenos que recebessem as águas batismais.

De acordo com a Instrução de 1595, o Pai dos Cristãos deveria registrar no rol de todos os convertidos “como se chamaram em gentios e de como se chamam em cristãos, e de que casta são, pera que conheça a todos e tomem entrega deles como de ovelhas suas que já são” (WICKI, 1969, doc. 1, p. 20-21WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.). Em seguida, era preciso transmitir o rol para os vigários das freguesias, para que acompanhassem os convertidos que haviam sido instruídos na Casa dos Catecúmenos.

A elaboração do rol de todos os convertidos pelo Pai dos Cristãos poderia auxiliar outros agentes da cristianização no acompanhmento e no controle dos neófitos. Nesse sentido, Tavares (2004TAVARES, Célia C. S. Jesuítas e Inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004.) localizou uma demanda dos inquisidores de Goa ao Pai dos Cristãos (o jesuíta Luís de Abreu), em que era solicitado o envio dos róis de batizados entre dezembro de 1685 e o ano seguinte. O Pai dos Cristãos declarou que, “revendo o livro de bauptismo desta Casa de São Paullo Velho”, localizou as pessoas “conteudas na lista abaixo todas remetidas pellos Senhores Inquisidores [...] para se bautizarem nesta Igreja e Casa dos Cathecumenos”. Em seguida, o Pai dos Cristãos transcreveu, e enviou para os inquisidores, as listas das pessoas batizadas, com seus nomes de gentio e de cristão, a data do batismo e quem lhes havia ministrado o sacramento (ANTT, CGSO, mç. 31, doc. 28).

Cabe mencionar que a tarefa do Pai dos Cristãos não se extinguia com a passagem pelas águas batismais, pois ele precisava encaminhar a vida dos recém-convertidos para que não retrocedessem às suas antigas crenças, além de favorecer o casamento deles com pessoas da comunidade local, para que não voltassem a suas terras de origem e lá retornassem aos antigos costumes. Deveria encaminhá-los para o aprendizado de um ofício ou colocá-los em contato com pessoas que os ajudassem.

Assim, mesmo após a catequese finalizada e transmitido o rol de batizados ao vigário, o Pai dos Cristãos era considerado essencial no acompanhamento da vida dos convertidos, pois estes jamais se tornavam cristãos em seu sentido completo, por serem vistos como marcados pela “natural inclinação” a retroceder. A tibieza da fé, a incompletude da razão, a necessidade de constante tutela justificavam a constante interferência do Pai dos Cristãos, de quem se esperava que regulasse os litígios entre os cristãos, já “que esta gente da terra é naturalmente inclinada a se vingar uns dos outros por demandas, ainda que às vezes sejam injustas e de coisas falsas”. Além disso, os nativos eram vistos como incapazes de gerir os próprios bens, necessitando da “licença e do conselho do Pai dos Cristãos” (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc.1, p. 21-22).

Instruções para o zelo com os escravizados

As Instruções de 1595 determinaram que o Pai dos Cristãos deveria verificar se pessoas não cristãs (“infiéis”) transportavam escravos cristãos (etíopes, armênios) nas embarcações, para que, nesse caso, os escravizados fossem retirados da posse de proprietário infiel, doutrinados na fé católica e retornassem à liberdade (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc.1, p. 18), em consonância com os decretos do 1.º Concílio Provincial de Goa relacionados aos “cativeiros ilícitos”.

Com efeito, os decretos do 1º. Concílio Provincial de Goa (ação 2, dec. 16 e 17) estabeleceram que nenhum infiel tivesse escravo cristão, “e comprando-o ou havendo-o de qualquer maneira, fique forro”. Proibiu a entrada, em terras controladas por portugueses, de escravos trazidos por mercadores “infiéis”, salvo se “sendo cativos de justo título” fossem vendidos a cristãos ou a “infiéis” vassalos da Coroa. Caso fosse constatado que um infiel entrava com escravos cristãos em território administrado pela Coroa, os prelados (bispos e vigários) deveriam retirá-los da posse de seus senhores, mandar que fossem instruídos na fé católica e procurar que a justiça secular lhes restituíssse “a antiga liberdade” (DHMPPO, v.10, doc. 44, 1º. Concílio, p. 364).

Sobre a prática de “cativeiros ilícitos”, sabia-se que pessoas vendiam “os moços da terra forros que lhes dão pera se servirem deles”. Para evitar a venda de moços livres, foi estabelecido no 1º. Concílio (ação 4.ª, decreto 4) que “o Pae dos Cristãos tenha um livro em que se escreva os nomes de tais moços, das pessoas a quem se dão e o tempo em que lhe foram dados, para sempre saber deles” (DHMPPO, v.10, p. 384, grifo nosso). O mencionado decreto trata da entrega de catecúmenos ou neófitos a senhores cristãos para serem doutrinados, mas alerta que esta prática teria permitido a senhores disporem de moços forros para lhes servirem, tal como se fossem seus escravos domésticos. Além disso, como reforçou Ehalt (2018, p. 134-135EHALT, Rômulo da Silva. Jesuits and the Problem of Slavery in Early Modern Japan. Tese (Doutorado em História). Tokyo University of Foreign Studies, Tóquio, 2018.), era comum que moços e moças livres fossem vendidos como escravos. Conforme o decreto, todas as pessoas que cometessem esse delito deveriam ser denunciadas ao Prelado, que por sua vez deveria remeter o caso à justiça secular (DHMPPO, v. 10, p. 384).

Sobre o ato de registrar os anos de serviço, localizamos alguns manuscritos enviados da China para Goa, no final do século XVII, em que consta o tempo a que moços e moças seriam obrigados a servir. Supomos que esses registros produzidos na China tivessem propósito similar ao das “cédulas de tempo perpétuo” ou as “cédulas de tempo limitado” exigidas no Japão (SOUSA, 2014, p.223SOUSA, Lúcio de. Escravatura e diáspora Japonesa nos séculos XVI e XVII. Braga: NICPRI, 2014. ). Na década de 1570, D. Sebastião estabeleceu restrições ao cativeiro dos “japões” (EHALT, 2018EHALT, Rômulo da Silva. Jesuits and the Problem of Slavery in Early Modern Japan. Tese (Doutorado em História). Tokyo University of Foreign Studies, Tóquio, 2018.). Em 1595, um alvará do vice-rei também tentou limitar a prática na China, após denúncias contra portugueses de Macau por “comprarem, furtarem os tays Chins, e os cativarem e trazerem para suas casas, e se servirem deles, e venderemnos para outras partes” (APO, fasc.3, doc.184). No Japão, os jesuítas ocuparam, na prática, um significativo papel no controle do trabalho forçado, por terem obtido dos bispos a prerrogativa de redigir certificados (títulos), sem os quais um senhor não poderia revender escravos ou adicioná-los como sua propriedade em testamentos, por exemplo (EHALT, 2018EHALT, Rômulo da Silva. Jesuits and the Problem of Slavery in Early Modern Japan. Tese (Doutorado em História). Tokyo University of Foreign Studies, Tóquio, 2018.). Nesse sentido, os jesuítas deveriam registrar (em cédulas) os anos totais de serviço dos moços e moças (SOUSA, 2014SOUSA, Lúcio de. Escravatura e diáspora Japonesa nos séculos XVI e XVII. Braga: NICPRI, 2014. ).

A respeito da China, a localização de algumas cédulas ou “cartas de anos de serviço” sugere que existia a prática de registrar as formas de aquisição e o envio de escravos chineses para Goa, porém, possivelmente não se tratava de procedimento regular. Nos registros que localizamos produzidos em Macau na década de 1670, o Pai dos Cristãos local não figurou como protagonista na fiscalização das ações de compra, venda e registro dos anos de cativeiro.

Em uma das “cartas de anos de serviço”, Lourenço de Mello e Silva (casado e morador de Macau) disse que comprou Ângela - “meia moça casta china”, de 18 anos de idade - “do mandarim da porta do cerco”. Assim, “logo na mão do qual compra se entende ser cativa perpétua”, porém, como a “escravidão perpétua seja um costume gentílico”, declarou-se o desejo de “reger-se pelo nosso cristão”, isto é, “limitar os anos de seu serviço”. Logo, limitou-se em 22 anos o tempo de serviço de Ângela, o que significa que a chinesa seria alforriada aos 40 anos de idade.

Em outro registro produzido em Macau, no início da década de 1670, o cavaleiro D. Manuel Coelho da Silva - morador, casado, capitão-geral entre 1664 e 1666 e ouvidor de Macau - declarou que Diogo Varela de Rosas havia comprado “um menino da nação china a seus pais que puseram por nome Nicolau de idade de nove anos por preço de quinze pardaus”, a quem foi atribuído o limite de 27 anos de serviço, após os quais “ficará forro e livre e se lhe passara carta de liberdade” (BAL, CÓD. 51-V-49, n. 25). Em 17 de novembro de 1671, o mencionado Diogo de Rosas obteve autorização do comissário do Santo Ofício de Macau, frei Miguel dos Anjos, “para levar para Índia o bicho Nicolau, com o qual e com esta” cédula “se apresentará aos Ilustríssimos senhores Inquisidores em Goa” (BAL, CÓD. 51-V-49, n. 26).

Nas supracitadas “cartas de anos de serviço” elaboradas na década de 1670, identificamos que os agentes envolvidos em sua elaboração foram o ouvidor de Macau ou comissários, ou seja, não localizamos referência à atuação do Pai dos Cristãos de Macau na redação de tais documentos, o que pode sugerir que sua participação neste tipo de atividade tenha ocorrido posteriormente, como podemos inferir com base no documento setecentista analisado a seguir.

No princípio do século XVIII, o Pai dos Cristãos de Goa - o jesuíta Afonso da Costa - declarou que, todos os anos, muitas meninas e mulheres “chinas” eram enviadas de Macau a Goa, mas sem o registro do respectivo tempo de serviço. Por conseguinte, as chinesas se tornavam cativas perpetuamente, contrariando a lei régia, que limitava os anos de serviço dos chineses. O Pai dos Cristãos de Goa pediu ao vice-rei que intercedesse para que o governador, o ouvidor e comissários de Macau não permitissem que chinesas fossem levadas para Goa sem que tivessem o seu tempo de serviço registrado. Caso a pressa relativa à partida das naus dificultasse esse procedimento, que fosse remetida uma lista ao Pai dos Cristãos de Goa, com o registro das pessoas que transportariam as chinesas até a entrega ou a venda delas, bem como a menção das pessoas que as receberiam. Em 3 de maio de 1715, o vice-rei passou uma provisão em que atendeu o pedido do Pai dos Cristãos (APO, fasc. 6, supl. 1, doc. 9; TEIXEIRA, 1976, p. 13-16TEIXEIRA, M. O comércio de escravos em Macau. Macau: Imprensa Nacional, 1976. ).

Conforme a provisão de 3 de maio de 1715, o Pai dos Cristãos de Macau recebeu a incumbência de assegurar “que a dita lista” referente às escravas chinesas “se remeta sem falta alguma” ou que ele mesmo mandasse “por sua via para mayor segurança”. Ao chegarem à cidade de Goa, as chinesas deveriam ser apresentadas ao Pai dos Cristãos local, para que ele registrasse os seus anos de serviço e que atentasse para que a alforria lhes fosse concedida no período estipulado: “acabados os anos de serviço das ditas chinas trataria logo de as por em sua liberdade” (APO, fasc. 6, supl. 1, doc. 9).

Podemos considerar que o Pai dos Cristãos adquiriu paulatinamente mais atribuições, algumas das quais estiveram anteriormente associadas a outros agentes da evangelização, sob a justificativa de que privilégios e provisões passadas em favor da expansão da cristandade eram-lhe essenciais “em razão de seu ofício”. Esse foi o caso da prerrogativa conquistada em 1658: os escravos trazidos de terras de muçulmanos deveriam ser entregues ao Pai dos Cristãos “para por seu meio se venderem em leilão a pessoas que os tratem bem”. Esse alvará propiciava ao Pai dos Cristãos um papel que fora bastante disputado com os carmelitas no que se refere ao resgate de tais escravos, geralmente fugitivos, sob o pretexto de salvar as almas dos cativos, que viviam sob a tutela de proprietários muçulmanos.

Assim, o Pai dos Cristãos deveria atuar como intermediário na venda de escravizados a novos senhores, ou seja, não se tratava de permitir uma mudança do estatuto social, já que eles permaneceriam escravos, mas seriam vendidos a proprietários “que os tratem bem” (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc. 86, p. 257-269). Nesse sentido, o Pai do Cristãos deveria atuar em favor do cumprimento de leis estabelecidas desde o século XVI contra os maus tratos de escravos e a respeito do resgate de cativos, mas o que parece mudar no século XVII é a ampliação de seu papel como negociador na questão dos escravos fugitivos.

Em Goa, a atuação do Pai dos Cristãos nas controvérsias em torno dos “cativeiros ilícitos” e da concessão de alforria pode ser vislumbrada graças à sobrevivência das Cartas de alforria.

Cartas de Alforria aos escravos de Goa: fiscalização, registro e controle

O livro de registro conhecido como Cartas de alforria aos escravos de Goa (HAG, Cód. 860), redigido por jesuítas que assumiram o cargo de Pai dos Cristãos, permite múltiplas análises. Uma delas incide sobre o modo de ação do Pai dos Cristãos diante de uma de suas incumbências: fiscalizar se os proprietários concediam a alforria a seus escravos que tinham direito a ela e registrar as informações obtidas. A elaboração desse livro de registro guardava semelhanças com orientações contidas nos decretos dos Concílios Provinciais de Goa e na Instrução de 1595.

Na Instrução de 1595 há a orientação para que o Pai dos Cristãos registrasse as informações sobre cada uma das pessoas convertidas: seus nomes de gentio e de cristão, casta, local de origem e data de batismo (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc. 1). Antes mesmo da Instrução de 1595, os prelados reunidos no 1º Concílio Provincial de Goa orientaram o Pai dos Cristão na confecção de um livro para registro da movimentação das populações forras (ação 4ª, dec. 10). Como mencionamos, nesse livro deveria constar o nome das pessoas que eram forras, o nome da pessoa a quem elas eram entregues e o tempo de serviço que fora acordado. O intuito era impedir que, após terminado o tempo de serviço estipulado, essas pessoas “livres” (conforme o direito) tornassem-se compelidas (na prática) a servir a senhores como se fossem escravizadas (DHMPPO, v. 10, p. 384; TEIXEIRA, 1976TEIXEIRA, M. O comércio de escravos em Macau. Macau: Imprensa Nacional, 1976. , p. 12).

Nas Cartas de alforria, cada registro foi iniciado com a menção à data em que o escravo (ou escravos) foi apresentado por seu proprietário (ou por outra pessoa por ele designada) ao Pai dos Cristãos. Em seguida, foram registrados: o nome do proprietário e às vezes o seu local de morada; o nome de cristão do escravo e por vezes também o nome não cristão; a idade aproximada, a casta e a terra de origem do escravo; o tempo de serviço. Além disso, encontram-se algumas referências à forma pela qual o nativo (ou nativa) se tornou escravo, acrescidas de considerações sobre se a natureza daquele cativeiro era legítima. Havia igualmente a menção a moços e moças classificados como “forros e livres” e o nome da pessoa a quem eles eram entregues.

No início do livro, o Pai dos Cristãos seguiu basicamente o padrão mencionado acima. À guisa de exemplo, transcrevemos dois registros de 1682, que demonstram como o Pai dos Cristãos compilou as informações solicitadas nos decretos do 1º Concílio Provincial de Goa e na Instrução de 1595.

Ana Aos 23 de setempro de 1682, Pedro de Faria casado e morador no bairro de São Tomé me apresentou uma bicha por nome Ana de idade de onze anos casta vanniyo, e disse o sobredito a tinha em sua casa por forra e livre e prometeo de fazer o bem e emparar, para bem do que se fez este termo e assinou. Pedro de Faria Cristina Apolônia Francisco No mesmo dia e hora. João Gomes Aranha me apresentou uma moça por nome Cristina de idade de dezoito anos casta gatual, a qual limitei seis anos de serviço, e assim mais uma mulher por nome Apolônia de idade de trinta anos pouco mais ou menos com um filhinho de idade de seis anos por nome Francisco ao qual limitei quatorze anos de serviço, e a mãe é forra e livre, para bem do que se fez este termo e assinou. João Gomes Aranha (HAG, Cód. 860, fl. 5).

Os registros referem-se a senhores cristãos e seus escravos (ou pessoas que desfrutavam de graus variados de dependência), igualmente cristãos ou catecúmenos. Porém, nem sempre os registros elucidam se os senhores de escravos de Goa eram portugueses nascidos no reino, naturais da Índia (filhos da Índia, castiços), mestiços ou nativos convertidos.

Goa tornou-se um notório mercado de escravos, trazidos da África Oriental e de diferentes partes da Ásia (SUBRAHMANYAM, 1995SUBRAHMANYAM, Sanjay. O império asiático português- 1500-1700: uma história política e econômica. Lisboa: Difel, 1995.; CARREIRA, 2014CARREIRA, Ernestine. Globalising Goa (1660-1820). Change and Exchange in a Former Capital of Empire. Goa: Editora Goa 1556, 2014.; PINTO, 1992PINTO, Jeanette. Slavery in Portuguese India. Bombay: Himalaya Publishing House, 1992. ). Nas Cartas de alforria são poucas as informações sobre o local de nascimento dos escravos registrados, mas podemos presumir a origem deles em função das referências às “castas”, que sugerem o predomínio de escravos provenientes da própria Índia.

De acordo com a tradição védica, havia quatro varnas, que os portugueses denominavam de “castas”: os brâmanes, kshatriyas, os vaishyas e os sudras. A sociedade indiana divide-se em grupos ainda menores, em subcastas, “jatis”. Na hierarquia social de Goa, os brâmanes e os chardós (ou charados, uma das castas cristãs locais) ocupavam posições de destaque. Nas Cartas de alforria de Goa, as “castas” mais recorrentes foram as gatual, curumbim e balagate, o que sugere que os moços e moças registrados pelo Pai dos Cristãos eram provenientes da própria Índia.

Com efeito, os balagates são os que “habitam além da serra do Gates”, ao passo que os gatuais “residem daquém, na fralda ao pé dela” (da cordilheira dos Gates, situada na Índia). Além disso, balagates e gatuais foram associados a pessoas de origem pobre, normalmente vendidas por ladrões ou pelos próprios pais em situação de fome (Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, Cód. 846). Os curumbins são descritos como aqueles que atuam em trabalhos agrícolas e são relacionados à “casta” sudra, que possui várias subdivisões (DALGADO, 1919DALGADO, Sebastião. Glossário Luso-Asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919, 2v.).

A partir da análise das Cartas de alforria, identifica-se um tipo de escravidão predominantemente doméstica, associada aos serviços da casa do proprietário. Essa percepção é reforçada diante do predomínio do trabalho exercido por mulheres - cerca de 66% dos casos analisados. Além disso, a faixa etária (Quadro 1) predominantemente é a da puerícia (entre 5 e 14 anos de idade), seguida pela adolescência (de 15 a 21 anos). Cabe mencionar o desempenho, pelos “moços” e “moças”, de ofícios mecânicos (de alparqueiro, oleiro, carpinteiro, sangrador) e de outras atividades (pescador, lavrador) demandadas no espaço urbano de Goa e em seus arredores.

Quadro 1:
Distribuição etária das pessoas registradas nas Cartas de Alforria de Goa (1682-1700)

Ao analisar as Cartas de alforria, um segundo conjunto de questões remete às formas pelas quais essas populações foram percepcionais e classificadas. Quais eram os fatores que determinavam a classificação de tais populações como escravas em Goa, isto é, em uma sociedade em que o trabalho escravo não era predominante (distante do sistema de plantation do Atlântico) e que coexistia com uma multiplicidade de formas locais de hierarquização e de dependência?

Nas Cartas de alforria, a categoria “escravo” não foi recorrente nos registros produzidos pelo Pai dos Cristãos no século XVII, mas outros vocábulos. Em alguns registros, há expressões que indicam que as pessoas descritas não deveriam, segundo as leis portuguesas, ser submetidas à escravidão: “não pode ser cativo”; não estar obrigado a “nenhum legal cativeiro”; “não deve servidão a pessoa alguma” (HAG, Cód. 860).

Acerca da descrição das pessoas, localizamos poucos registros em que constam as expressões “negrinha” ou “mulato”. Recorreu-se principalmente a expressões como “moço” e “moça” (quase 500 registros), que são cercadas de ambiguidades, pois podem sugerir (ou não) o estatuto de escravo. Além disso, o vocábulo “moço” (ou moça) sugere a aproximação entre a escravidão e a ideia de menoridade ou de um estado “infantil”. Alberts (2013, p.195ALBERTS, Tara. Conflict and conversion: Catholicism in Southeast Asia, 1500 - 1700. New York. Oxford University Press, 2013.) identificou a mesma aproximação ao analisar as expressões utilizadas para designar os escravizados em Malaca e reforçou que uma ideia implícita é que, tal como as crianças, os escravos não poderiam tomar suas decisões, pois sua vontade estava sujeita à vontade de outra pessoa.

Além de “moço” ou “moça”, aproximadamente 150 pessoas foram classificadas como “bicho” (ou “bicha”), que “na lingoagem da India he escravo moço”, segundo Bluteau (1728, v. 2BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728. 8 v.) ou “criado de pouca idade” (DALGADO, 1919DALGADO, Sebastião. Glossário Luso-Asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919, 2v.). Até que ponto o emprego de outros vocábulos - que não fosse o de “escravo”, mas expressões como “moço”, “moça”, “bicho” - representava um esforço em atenuar a percepção sobre as relações de exploração e dependência vividas pelas populações de Goa? Seria uma espécie de dissimulação branda do estatuto experimentado pelas populações escravizadas, ao serem aludidas como pessoas que viviam como afilhados ou que estavam sendo criados como filhos? Trataremos dessas questões adiante.

Os títulos da escravidão e as Cartas de alforria de Goa

Uma das informações presentes nas Cartas de alforria de Goa é a indicação de que alguns dos moços e moças não eram obrigados a “nenhum legal cativeiro”. O debate sobre os “títulos da escravidão” foi promovido, no século XVI, por teólogos da Escola de Salamanca e das universidades de Coimbra e de Évora, ao discutirem temas como liberdade e “servidão por natureza”, dominium, infidelidade religiosa e direito de conquista, com base no pressuposto da unidade fundamental do gênero humano (PIMENTEL,1995, p.135-6PIMENTEL, Maria do Rosário. Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na Época Moderna. Lisboa: Colibri, 1995.; DIAS, 1982DIAS, J. S. S. Os Descobrimentos e a Problemática Cultural do Século XVI. Lisboa: Editorial Presença, 1982.; PAGDEN, 1988PAGDEN, Anthony. La caida del hombre natural. El indio americano y los orígenes de la etnología comparativa. Madri: Alianza Editorial, 1988. ). Tais teólogos, a despeito de diferenças geracionais e do posicionamento distinto em questões pontuais, formularam um “consenso” quanto aos “justos títulos” da escravidão: guerra justa, comutação de uma pena de condenação à morte, venda de si mesmo em casos de extrema necessidade e nascimento do ventre de mulher escrava (ZERON, 2011ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.).

Em 1567, o 1.º Concílio Provincial de Goa declarou quais seriam os títulos legítimos da escravidão:

declara que por cinco casos somente, pode haver captivos. O primeiro quando alguma pessoa he filho de escrava: o segundo, sendo tomada em justa guerra por seus inimigos: o terceiro, quando algum, sendo livre, se vendeo, concorrendo com as condições declaradas em dereito, as que são conforme a ley natural: o quarto, quando o pae, estando em extrema necessidade, vendeo o filho: o quinto, se em terra do tal captivo, houvesse alguma ley justa, que mandasse captivar, por razão de algum delicto, a seus transgressores (DHMPPO, v. 10, doc. 44, p. 387).

Assim, a escravidão só era considerada lícita se amparada em algum dos supracitados “justos títulos”. O dominicano Fernão de Oliveira, em a Arte da guerra do mar, publicada em Coimbra em 1555, condenou os “injustos cativeiros”, duvidando inclusive dos sentimentos de piedade cristã usados como justificativa, por acreditar que o motor de tal prática seria o interesse material (PIMENTEL, 1995, p. 142PIMENTEL, Maria do Rosário. Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na Época Moderna. Lisboa: Colibri, 1995.). Similarmente, o dominicano Martín de Ledesma considerava que nem o pretexto de ensinar a doutrina cristã justificava o cativeiro ilícito: “E não vale dizer que é lícito capturar Etíopes e reduzi-los à servidão, para que sejam ensinados na fé”, uma vez que “a fé deve ser ensinada e persuadida na máxima liberdade e, por isso, Deus não aceita um tal modo de transmitir a fé”. Ledesma defendeu que “um homem nascido livre, que tenha sido capturado por injustiça deve ser restituído à sua liberdade”, afirmação contida no item “É condenável e ilegítima a escravidão, a pretexto de querer tornar cristãos os escravos”, de sua obra Secunda Quartae, de 1560 (CALAFATE, 2015, v. 2, p. 201CALAFATE, Pedro (org.). A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora - Séculos XVI e XVII. Coimbra: Almedina, 2015, v. 2.).

Em 1567, o 1.º Concílio Provincial de Goa determinou que “constando ser alguns dos escravos captivos por qualquer destes títulos, com boa consciência [o] poderá seu senhor possuir”, porém, “constando não ser captivo por algum deles, he o senhor obrigado po-lo em sua liberdade”. Nos casos em que houvesse dúvida sobre a origem do cativeiro, determinou-se:

e não sabendo de que maneira foi captivo, ora [o] ouvesse da mão de pessoa que o trouxe de sua terra, ora de qualquer outra, ainda que fosse português, pela muita probabilidade que ha de quasi todos serem mal captivos [...] encomenda aos senhores muito, que os possuem, examinem com diligência o princípio do captiveiro de seus escravos, e o mesmo exame encomenda aos confessores [...] e não alcançando de que título foram captivos, assy pelo favor que (in dubiis) à liberdade se deve, como pela probabilidade que há pela maior parte serem furtados, e mal captivos, e que os senhores estão em perigo provável de suas consciências (quoniam qui amat periculum peribit in illo), lhes encomenda se inclinem em favor da liberdade, conforme a informação do caso que acharem: e manda que nenhuma pessoa, daqui por diante, traga os taes escravos de suas terras, não sabendo que são captivos por algum dos títulos (DHMPPO, v. 10, p. 386- 388).

Nos casos duvidosos era premente examinar com diligência, mas se ainda assim não fosse possível ter conhecimento sobre a origem do cativeiro, o 1.º Concílio era favorável à liberdade, pela probabilidade “que há de pela maior parte serem furtados” (DHMPPO, v. 10, p.388).

Acerca do estatuto da dúvida, Navarro e Luís de Molina concederam destaque às “circunstâncias históricas precisas que envolvem cada caso de consciência”, de modo que o “fundamento histórico de sua casuística parece ser já a regra entre os teólogos” das universidades portuguesas, especialmente entre os jesuítas (ZERON, 2011, p. 263ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.). No final do século XVI, Molina e os seus homólogos de Évora e de Coimbra retomaram os princípios defendidos pelos teólogos precedentes do contexto salmantino, no entanto, inovaram ao investigar a realidade, a experiência que afeta a própria forma de pensar a norma. Ao considerarem os aspectos históricos, propiciava-se o reconhecimento da legitimidade dos direitos consuetudinários, das práticas locais na definição da origem do cativeiro (ZERON, 2011, p. 309-312ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.).

O jesuíta Molina, no tratado De iustitia et iure, publicado entre 1593 e 1609, argumentou que os portugueses “trazem da Índia vários gêneros de escravos” com os quais têm guerra ou comércio, de modo que, “se são escravos daqueles reinos com os quais os portugueses têm uma guerra justa”, logo, a escravidão é legítima - caso dos provenientes de Calicute. Porém, existiam muitos escravos oriundos da China, do Japão, de Cambaia, de Pegu, reinos que não travavam guerras com os lusitanos, mas onde a fome era uma constante, sendo comum que, em períodos calamitosos, pessoas raptassem os filhos de outros e os vendessem aos lusitanos, prática condenada pelo 1.º Concílio Provincial de Goa e por demais leis portuguesas. Sobre os chineses escravizados, afirmou que: “se esses homens foram desde o princípio trazidos por furto, tanto eles próprios, como os filhos das mulheres que, desde o princípio, tenham desse modo sido reduzidas à escravidão, são livres e não podem reter-se justamente como cativos”. Além disso, duvidou se tais escravos eram alvo de “um exame diligente no sentido de apurar se foram ou não legitimamente reduzidos à escravidão” (MOLINA, 2012, p. 339-342MOLINA, Luís de , S.J. Tratado da Justiça e do Direito. Debates sobre a Justiça, o Poder, a Escravatura e a Guerra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.).

Todavia, proprietários apresentaram alegações em contextos de dúvidas sobre os títulos de cativeiro, com o intuito de justificar a posse de seus escravos, entre elas: a ignorância invencível; a boa-fé; e a superação da dúvida mediante opiniões prováveis. A ignorância invencível era a privação do conhecimento que não é possível ser superada, não sendo culpa do agente, por não ter como conhecer a verdadeira origem do cativeiro. A boa-fé (bonas fides) envolve a convicção de que não se fez nada errado, não sendo um problema a falta de certeza sobre qual o título de cativeiro. O recurso a opiniões prováveis foi comum entre alguns jesuítas, que consideravam que “o caminho do provável seria suficiente para desfazer as dúvidas dos envolvidos no tráfico”. Destarte, a “essência do probabilismo são as opiniões”, explicou D’Oca (2017D’OCA, Fernando R. M. Tráfico de Escravos e Consciência Moral: O Pensamento Antiescravista de Epifânio de Moirans. Dissertatio. Pelotas, v.46, p. 130-172, 2017.).

O jesuíta Fernão Rebelo postulou, entretanto, que ainda “que compres e possuas de boa fé um escravo, logo que te constar que foi injustamente reduzido à escravidão, és obrigado, sob pena de pecado mortal, a libertá-lo”, afirmação que fez ao invocar Ledesma e Molina, em seu livro Opus de Obligationibus, Justitiae, Religionis et Caritatis, impresso em 1608 (CALAFATE, 2015, v.2, p. 213-223CALAFATE, Pedro (org.). A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora - Séculos XVI e XVII. Coimbra: Almedina, 2015, v. 2.). Rebelo recorreu ao exame de casos de consciência à luz de princípios gerais, para tratar das situações históricas diversas, referentes às relações dos portugueses com as populações da Ásia e da América, de modo a integrar o quadro teórico (dos teólogos precedentes) com o quadro histórico, por meio de sua casuística (ZERON, 2011ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.).

Na pena desses teólogos das universidades portuguesas, os fatos históricos não se tratam de dados exteriores ao discurso teórico, pois permitem estabelecer relações entre experiências singulares e valores universais, provando a existência de uma ordem ou harmonia do mundo, ratificando um modelo (ZERON, 2011, p. 309-312ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.). Seguindo o raciocínio de Zeron (2011ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.), cabe indagar como os jesuítas que assumiram a função de Pai dos Cristãos em Goa conciliaram a tradição exegética que definia quais eram títulos legítimos com a experiência concreta da escravidão na Ásia.

Em primeiro lugar, o exame dos “títulos de cativeiro” não aparece como uma clara incumbência do Pai dos Cristãos na Instrução de 1595, que até estabelece que o oficial “trate com os senhores” de escravos portugueses e “veja se pode por via de consciência, constando que são forros acabar com eles que os ponham em sua liberdade”. Contudo, a intervenção solicitada parece incidir sobre a consciência dos senhores de escravos, isto é, remete à preocupação com a má-fé dos envolvidos na posse de escravizados adquiridos de forma ilícita e ao fato de os portugueses serem descritos como “dificultosos” em conceder alforria aos seus cativos. Todavia, a Instrução orientava que o Pai dos Cristãos “lance-se fora disto” se o caso relativo à alforria tiver que “correr por justiça” (WICKI, 1969WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969., doc. 1, p. 23; FARIA: 2016, p. 133FARIA, Patricia S. Cruzando fronteiras: conversão e mobilidades culturais de escravos no império asiático português (séculos XVI e XVII). Anais de História de Além-Mar, Lisboa, XVII, pp.147-177, 2016.).

De acordo com Ehalt (2018, p. 196-197EHALT, Rômulo da Silva. Jesuits and the Problem of Slavery in Early Modern Japan. Tese (Doutorado em História). Tokyo University of Foreign Studies, Tóquio, 2018.), em princípio, o exame dos títulos se tratava de uma atribuição da justiça secular, caso dos desembargadores do Tribunal da Alçada, estabelecido em Goa no ano de 1571. Todavia, o autor localizou referências a eclesiásticos que realizaram tais exames, o que provocou protestos de autoridades seculares em 1602, que reivindicaram a jurisdição sobre o assunto (EHALT, 2018, p.560-561EHALT, Rômulo da Silva. Jesuits and the Problem of Slavery in Early Modern Japan. Tese (Doutorado em História). Tokyo University of Foreign Studies, Tóquio, 2018.). Localizamos outros conflitos em que eclesiásticos realizaram os exames mesmo após as sentenças contrárias emitidas pelo Tribunal da Relação, reiteradas pelo governador do Estado da Índia, em 1620. Destarte, o vigário de Meliapor e o vigário da vara de Negapatão recusaram-se a acatar a determinação de que os exames cabiam à justiça secular, sendo que o vigário da vara (Pero Tavares Mexia) “não somente não quis obedecer a dita ordem”, mas chegou a prender o ouvidor local que fora lhe notificar sobre o seu descumprimento da lei. O governador passou uma terceira provisão e determinou que o bispo de Meliapor “queira acabar de conhecer que não pertence a seu juízo”, o eclesiástico, “os ditos exames”.

Enquanto a justiça secular reivindicava a realização do exame dos títulos de cativeiro, os bispos foram orientados, no 1.º Concílio Provincial de Goa, a reunir informações sobre o “modo como se captivão os escravos em todas as partes de suas dioceses” (DHMPPO, v. 1, p. 388). Naquele contexto, a tarefa tinha o objetivo de coligir informações. Anos depois, no 5.º Concílio Provincial de Goa celebrado em 1606, reforçou-se a atenção ao tema, ao considerar que em “nenhuma couza estão tão embaraçadas as consciências dos homens, e expostas a sua perdição”, quanto na que se refere aos “captiveiros dos escravos”. Para atacar esse mal, eclesiásticos foram incumbidos de fiscalizar a natureza dos cativeiros:

e encarrega estreiramente os Ordinários, cada huma em sua diocese, que nos portos, donde vão commumente os escravos para outras partes, deputem pessoas eclesiásticas, ou seculares de confiança bem entendidas e virtuosas, que examinem inteiramente os captiveiros dos taes escravos, antes que nos ditos portos se partão, e pede ao V. Rey que depute outrossim pessoas de consciência e tementes a Deos, que juntamente com os deputados pelos ordinários examinem os captiveiros (APO, fasc. 4, p. 267-268).

Assim, os bispos delegariam a função de fiscalizar a “pessoas eclesiásticas, ou seculares de confiança”, entre elas, podemos inferir que um Pai dos Cristãos poderia ser designado. Ademais, pessoas nomeadas pelo vice-rei atuariam junto aos indicados pelo bispo, o que pode sugerir que a expectativa fosse de colaboração entre os agentes eclesiásticos e seculares na fiscalização dos cativeiros. No mesmo decreto, determinou-se que “nos escritos e títulos, que derem, se declarem as causas do captiveiro, dando a cada hum dos escravos seu escripto, e dos examinados e havidos por bem captivos, passe certidão ou certidões a seus donos” (APO, fasc. 4, 267-268).

Nas Cartas de alforria elaboradas pelo Pai dos Cristãos em Goa, entre 1682 e 1700, encontramos indícios da ação desse oficial na fiscalização de cada caso que lhe foi apresentado. Em alguns registros, há menção à origem do cativeiro, como também há menção à elaboração de certidões que atestassem que a pessoa apresentada não estava submetida a nenhum “justo título” da escravidão. Cita-se o exemplo do caso referente ao catecúmeno André, que apresentara uma portaria do Arcebispo Primaz, em que “declarava que tomada informação o Reverendo Padre Pay dos Christãos lhe passe a carta de liberdade”. Após ouvir duas testemunhas que declararam que André servia há anos na casa de Francisco Cordeiro e “nunca foi cativo nem o podia ser”, o Pai dos Cristãos passou-lhe uma carta “de sua liberdade para que ninguém pudeçe mais entender com elle nesta matéria”, de modo que este documento ficaria em posse de André.

Nas Cartas de alforria há igualmente alusões às causas do cativeiro de moços e moças. Uma das justificativas fornecidas pelos senhores para manter a posse de escravos era asseverar que os seus cativos teriam nascido de ventre de mãe escrava, um dos justos títulos. Em 1682, o Pai dos Cristãos registrou os cativos de Antônio da Costa, morador da aldeia de Chimbel, na freguesia de Nossa Senhora da Ajuda de Ribandar, que tinha em sua posse a “negrinha” Macota e o “bicho” Luís, ambos nascidos “em casa de ventre cativo” (HAG, Cód. 860, fl.47).

Outra justificativa era a de que haviam sido comprados pelos senhores, como foi o caso de Luís Carvalho do Rego, que comprou Teresa (20 anos de idade, casta curumbim) quando ela ainda era gentia e também comprara Luís, onze anos, casta gatual (HAG, Cód. 860, 6v). Em função disso, o Pai dos Cristãos limitou Teresa a mais quatro anos e o menino a dez anos de serviço.

No entanto, o Pai dos Cristãos deparou-se com casos em que o cativeiro era ilícito. Por exemplo, Brites de Oliveira justificou a posse de Maria - quatorze anos de idade e da casta gatual - ao declarar que havia comprado a moça em um leilão. Em princípio, Maria não poderia ser escrava: “por a dita menina ser furtada e trazida enganada”, logo, “não pode ser cativa”, conforme o registro do Pai dos Cristãos (HAG, Cód. 860, fl. 2v). Qual seria o procedimento diante de casos como o de Maria, que não estava obrigada a nenhum “justo cativeiro”? Qual a decisão em casos como de Maria, sobre a qual se tinha convicção de que havia sido furtada, trazida enganada, ou seja, sobre quem não havia dúvida sobre ser submetida a um injusto cativeiro?

O Pai dos Cristãos determinou que Maria continuasse a trabalhar para Brites de Oliveira por um prazo de mais seis anos. O Pai dos Cristãos explicou que ele fazia isso pois tinha poderes delegados pelo arcebispo: “pela autoridade e comissão que tenho do Ilustríssimo Senhor Arcebispo Primaz lhe limito seis anos de serviço” (HAG, Cód. 860, fl. 2v).

Uma justificativa recorrente era afirmar que moços e moças haviam sido comprados para serem convertidos ao catolicismo, motivo alegado por Brites de Oliveira a respeito de Maria e igualmente apresentado por vários senhores. Nas Cartas de alforria, o Pai dos Cristãos tendeu a deliberar que os moços continuassem servindo a seus senhores, como uma justa recompensa por tal dispêndio financeiro, mas também pelos supostos bens espirituais que os cativos receberiam, por serem instruídos na fé católica. Assim, Marcelina (18 anos, casta gatual) deveria servir por mais seis anos a Gaspar Soares de Albergaria, como compensação do “benefício de a fazer cristã”. A mesma quantidade de anos de serviço foi atribuída à Susana, 18 anos de idade, e que servia a Domingos Barreto. Salvador, dez anos de idade e casta gatual, deveria servir a Domingos Barreto por mais dez anos pelo “benefício de o fazer cristão” (HAG, Cód. 860, fl. 11v, 16 e 17).

A alegação de que teriam sido comprados (ou criados) para serem doutrinados na fé católica fazia com que a obrigação do serviço não fosse revogada imediatamente. Pelo contrário, era comum que o Pai dos Cristãos permitisse que os senhores continuassem a se servir desses meninos e meninas por mais anos, mesmo em situações reconhecidas de “injusto cativeiro”. Esse foi o caso de Gonçalo, dez anos de idade e casta curumbim, sobre o qual se tinha conhecimento “que o não obriga nenhum legal captiveiro per ser furtado”, porém, “visto a boa obra de o fazer cristão [...] lhe limito” o serviço a dez anos, declarou o Pai dos Cristãos (HAG, Cód.860, fl.4).

Decisão similar foi adotada em relação a Esperança (dez anos de idade e casta balagate) que, “ainda que a não obriga nenhum legal cativeiro per ser furtada contudo visto a boa obra de a fazer cristã”, deveria servir a Salvador Pinto por mais dez anos (HAG, Cód. 860, fl.4). O mesmo foi decidido sobre Antônio, “o qual furtivamente foi vendido contudo visto ser comprado para se fazer cristão”, precisava servir por mais quatro anos a Leonor Cordeiro, apesar de o Pai dos Cristãos reconhecer que Antônio fora vítima de um cativeiro ilícito.

Outro elemento recorrente nas Cartas de alforria é a descrição das pessoas como “forras” ou “livres e forras”. Todavia, o estatuto de “forro” também aparece seguido do número de anos de serviço a que homens, mulheres e crianças ainda deveriam ser submetidos. Por exemplo, Marcelina, 18 anos de idade, foi declarada forra, mas “pelo benefício de a fazer christã, limitey seis annos de serviço” (HAG, Cód. 860, fl. 11). O Pai dos Cristãos estabeleceu o número de anos de serviço em uma escala que variou de 2 a 19 anos de trabalho, além de situações em que os anos sequer foram limitados.

Em suma, a justificativa presente nos registros do Pai dos Cristãos para não conceder a alforria imediata, mesmo nos casos de cativeiros ilícitos, era o ensino da doutrina cristã e o amparo que o senhor prometia aos “moços” e “moças”. Estes são alguns exemplos de como o Pai dos Cristãos procedia diante da fiscalização e do registro das situações de dependência (ou de cativeiro) de catecúmenos e neófitos que viviam em Goa. De modo geral, os registros produzidos no fim do século XVII seguem o padrão descrito acima. Em vários registros identificamos o emprego de um vocabulário dotado de conotações paternalistas, ao tratar das alegadas obrigações materiais e espirituais a que se comprometiam os senhores que recebiam os “moços” e “moças” para lhes servir.

Uma linguagem paternal nas Cartas de Alforria

Os vocábulos empregados e as formas de representar as relações sociais presentes nas Cartas de alforria revelam que os proprietários apresentavam promessas ao Pai dos Cristãos de que tratariam muito bem os escravizados - ou as pessoas que desfrutavam de um ambíguo estatuto de dependência - que viviam em suas casas. São profusas as expressões que aludem à suposta integração do escravo ao seio familiar: alegava-se que eram tidos como filhos ou que só foram levados para casa do senhor com o intuito de serem criados, de serem doutrinados na fé católica. Assim, o poder do senhor transmutava-se na figura do pai bondoso (LARA, 1988, p. 117LARA, Sílvia. Campos de violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.).

Esta foi a alegação de Pascoal Coelho, residente na freguesia de Nossa Senhora da Luz, a respeito da moça de quinze anos, de casta curumbim, chamada Úrsula, “a qual ele disse a tinha feito forra, e que a criava como sua filha” (HAG, Cód. 860, fl.2v). Similarmente, Manuel Correia, da aldeia de Taleigão, justificou por que motivo Augustinho - menino de treze anos da casta sudra - vivia em sua casa: “disse ter em casa para criar e não cativo, e nem foi comprado” (HAG, Cód. 860, fl. 28v ). Manuel Pires, da freguesia de Santa Luzia, também asseverou que tinha o pequeno Bartolomeu - de nove anos e da casta gatual - em sua casa para o criar, fazer-lhe bem, mas que ele não era obrigado a nenhum cativeiro. Analogamente André Fernandes, morador em Cumbarjua, levou a criança chamada Mariana para se tornar a “crioula de Antônio Alemão” e, em seu nome, “se obrigou a lhe fazer todos os bens e a trata como filha” (HAG, Cód. 860, fl.58). Fernão Gomes também afirmou que Domingos, de 14 anos, “é forro e livre e o tem em sua casa para o amparar e fazer bem” (HAG, Cód. 860, fl.3).

Evidentemente, não se trata de assumir que os escravos tivessem sido realmente incorporados ao seio da família do senhor (AHJUM, 2007AHJUM, Sharif. The Law of the (White) Father. Psycoanalysys, “Paternalism”, and the Historiography of Cape Slave Women. In: CAMPBELL, G.; MILLER, J; MIERS, S. (org,). Women and Slavery: Africa, the Indian Ocean World, and the Medieval North Atlantic. Athens: Ohio University Press, 2007, v.1, p. 83-108.), mas de reconhecer que a própria identidade do senhor de escravos constrói-se assentada em valores católicos, por meio da valorização - ainda que alegada - das virtudes da caridade, da benevolência, fazendo com que as relações entre o Pai dos Cristãos, o senhor e os escravos fossem tecidas a partir do “código paternalista” (e de suas ambiguidades). Cabe considerar que, em sua análise clássica, Genovese destacou que o paternalismo tem pouca relação com a benevolência ostensiva e a bondade, as quais se desenvolviam, na verdade, a partir da necessidade de disciplinar e de justificar, moralmente, o sistema de exploração escravista. Logo, o paternalismo encoraja esta dimensão “benevolente”, ao mesmo tempo em que se assenta na disciplina, na violência (GENOVESE, 1976, p. 3-7GENOVESE, Eugene. Roll, Jordan, Roll: The World the Slaves Made. New York, Vintage Books, 1976 [1972].), assim como não faz sentido “separar ‘crueldade’ e ‘bondade’”, visto que estes “termos são manifestações, índices da própria essência ‘violenta’ da relação senhor-escravo” (LARA, 1988, p. 122LARA, Sílvia. Campos de violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.).

O próprio título do cargo adotado na Ásia também nos faz pensar nessa dimensão paternalista, em suas ambiguidades, pois se trata do Pater Christianorum, um protetor, alguém que, em princípio, deveria zelar pelos cristãos, ampará-los, direcioná-los para uma vida de bons costumes, para o aprendizado de um ofício, tal como seria a tarefa esperada de um pai. A abrangência de todas essas ações idealizadas fazia com que o Pai dos Cristãos, na acepção de Xavier (2008, p.102), pudesse ser compreendido como um ofício que instituía uma espécie de parentela espiritual, ao incorporar os cristãos nativos ao “grêmio da Igreja”, em busca da substituição dos laços que eram mantidos com as comunidades e parentelas preexistentes (não cristãs).

No caso dos escravos convertidos, faz-se necessário considerar também outro elemento de substituição: o Pai de Cristãos ocupa a função masculina de proteção e orientação dos escravos, na medida em que a figura paterna natural é elidida, já que é o nascimento do ventre materno que define o estatuto de ser escravo (partus sequitur uentrem), podendo ser negligenciável o genitor masculino do cativo. De acordo com Sharifa Ahjum (2007AHJUM, Sharif. The Law of the (White) Father. Psycoanalysys, “Paternalism”, and the Historiography of Cape Slave Women. In: CAMPBELL, G.; MILLER, J; MIERS, S. (org,). Women and Slavery: Africa, the Indian Ocean World, and the Medieval North Atlantic. Athens: Ohio University Press, 2007, v.1, p. 83-108.), essa lei em torno da “descendência uterina dos escravos” ou a “matronímica escrava” estimula uma série de reflexões em torno do emprego de um vocabulário dotado de conotações paternalistas, em sua invocação do “familiar” como um aspecto ideológico das relações de poder estabelecidas entre senhores e escravos.

Outro aspecto a destacar é que o paternalismo considera o trabalho não voluntário do escravo como uma espécie de “retorno legítimo” aos senhores, em função da suposta proteção e da orientação que os mestres ofereciam aos escravos. Em suma, o paternalismo assenta-se na ideia das obrigações mútuas (GENOVESE, 1976, p. 3-7GENOVESE, Eugene. Roll, Jordan, Roll: The World the Slaves Made. New York, Vintage Books, 1976 [1972].). Conforme Libby (2008, p. 33LIBBY, Douglas Cole. Repensando o conceito de paternalismo escravista nas Américas. In: PAIVA, E.; IVO, I. (org.). Escravidão, mestiçagem e histórias comparadas. São Paulo: Annablume, 2008, p. 26-39.), o senhor deveria prover os escravos com o básico para sua sobrevivência, além de fornecer instrução religiosa e profissional, ao passo que a contrapartida esperada do escravo era o seu trabalho, a sua obediência e sua lealdade ao senhor.

Nesse sentido, o Pai dos Cristãos assumiu a função de verificar o cumprimento de tais “obrigações mútuas” entre o senhor e o escravo, como identificamos nas Cartas de alforria de Goa. Localizamos dezenas de referências à obrigação de os senhores doutrinarem nativos, ensinarem-lhes um ofício, concederem-lhes dotes de casamento, ao passo que a contrapartida esperada dessa assistência eram os anos de serviços prestados pelos “moços” e “moças” a seus senhores.

Em alguns casos, os naturais eram considerados “livres”, no entanto, deveriam prestar serviços nas casas de seus amos durante alguns anos. Em 06 de abril de 1688, diante do Pai dos Cristãos, Paulo da Costa formalizou o acordo por meio do qual Luiza - moça “livre e forra”, da casta charado - deveria servi-lo:

por tempo de cinco anos [...]. Para o que também fazendo ela sua assistência em minha casa dar lhe estado de casada, e quando não ache assistência muito a seu gosto poderá escolher como forra o que melhor lhe parecer, e o dito casamento farei segundo as minhas posses (HAG, Cód. 860, fl.56).

No trecho acima, ainda que tivesse sido estabelecido um prazo de cinco anos de serviço, Luiza foi tratada como uma mulher que teria a faculdade de escolher continuar ou não servindo a Paulo Costa, de quem receberia apoio para contrair o matrimônio. Em relação às mulheres, era recorrente a promessa de concessão de dotes de casamento, como no exemplo supracitado. Outro registro similar consiste no referente à menina Jacobina, de dez anos de idade, casta charado, que havia sido trazida de Barcalor para Goa pelo padre Manuel Saraiva, “livre e cristã de oito dias”. Em Goa, Mateus Barreto comprometeu-se com o Pai dos Cristãos a “ensinar doutrina e costumes” a Jacobina e “depois de alguns anos de serviço ajudando-me da minha pobreza por amor de Deus com dote com que se case e fique emparada” (HAG, Cód. 860, fl. 56).

Tal como a concessão de dotes de casamento, uma das promessas era o ensino de um ofício aos “moços” e “moças” que serviam nas casas dos senhores. Além da instrução espiritual, era esperada a orientação profissional dos catecúmenos e neófitos por parte de seus senhores. É o que se verifica no caso de Antônio - 13 anos de idade e da “casta” mainato - que foi entregue pelo Pai dos Cristãos a João de Abreu, para servir na casa de Antônio Fernandes, morador na freguesia de Santa Luzia em Goa. A obrigação de Antônio Fernandes era ensinar o ofício de marceneiro a Antônio e dar informações sobre o rapaz sempre que o Pai dos Cristão lhe exigisse. De forma análoga, o menino Lourenço (de nove anos de idade e de casta sudra), cujo nome gentio era Naraná, filho de Changue Naique, ainda era catecúmeno quando foi entregue a Lucas Vaz, para servir na casa dele, na freguesia de São Matias de Goa. O Pai do Cristão esperava de Lucas Vaz que fizesse de Lourenço um “oficial sangrador”, desse-lhe “todo o bom trato e ensino trazendo-o sempre limpo, segundo suas posses, exercitado nos bons costumes” (HAG, Cód. 860, fl. 59).

Em linhas gerais, na perspectiva do Pai dos Cristãos, a orientação espiritual e o amparo material eram fatores essenciais para garantir não apenas a conversão, mas a preservação dos convertidos no seio da Igreja. Era essa a visão de Ignácio Martins, Pai dos Cristãos, quando escreveu ao rei de Portugal, em 15 de dezembro de 1695, para alertá-lo sobre a falta de progressos na cristandade local. O Pai dos Cristãos considerou que uma das razões para “se converterem tão poucos dos gentios, he a pobreza e desamparo em que ficão depois de christãos”, pois não podiam, depois de batizados, ser remetidos para as suas famílias gentias, por causa do risco de retrocederem às antigas crenças; também não estavam sendo providos em cargos, como recomendavam as provisões régias. Esse desemparo era pior entre as catecúmenas, “por falta de dote”. O jesuíta afirmou que era “raro aver hoje na India quem faça esta obra de tanta piedade, antes succede muitas vezes que acomodando com grande trabalho o Pay dos Christãos os cathecumenos por várias casas a fim de que por este modo [...] os favoreção” (APO, fasc. 6, p. 1301).

Ao analisarmos as Cartas de alforria, constatamos que esse foi o procedimento adotado pelos Pais dos Cristãos em Goa: entregar os catecúmenos para senhores e senhoras, que precisavam assumir o compromisso de lhes amparar, ensinar um ofício, instruir na fé cristã e jamais os devolver para as suas famílias gentias ou muçulmanas. Com efeito, entre 1686 e 1687, o Pai dos Cristãos Luís de Abreu registrou que João da Silva retirou Mariana, de 15 anos, da Casa dos Catecúmenos e a levou “para seu serviço e lhe fazer bem”. Lucrécia, 12 anos de idade, foi “depositada” na casa de Joana Rodrigues, enquanto não fosse justificado o seu “legal captiveiro”, junto a herdeiros. Esse mesmo Pai dos Cristãos “depositou” Nicolau na casa de João Pinho. O Pai dos Cristãos entregou Diogo a Diogo Lopes, que prometeu “lhe fazer todos os bens mandando para escolla e ensinar todos bons custumes”, sem devolver o menino aos parentes, por serem gentios. Em 1696, Ignácia Fernandes recebeu, do Pai dos Cristãos Ignácio Martins, a criança chamada Xavier para o criar (HAG, Cód. 860, fl. 13, 54v-59).

“Depositar” foi um verbo bastante utilizado nas Cartas de alforria para se referir à entrega dos moços a senhores cristãos, o que remete ao sentido de “dar em guarda”, por não se tratar de ação com validade perpétua, em função de os anos de serviço serem limitados e porque a guarda poderia ser revogada, em caso de descumprimento das obrigações materiais e espirituais pelos senhores em relação aos moços e moças que lhes foram confiados.

Porém, tais moços e moças acabavam por viver como escravos de tais senhores cristãos, contrariando tais condições e prazos. O Pai dos Cristãos Ignácio de Martins denunciou essa prática tão recorrente ao rei de Portugal, pois, “em breves annos os tem por cativos, e como taes os tratão, e ainda vendem” (APO, fasc. 6, p. 1301). Assim, Ignácio Martins não ignorava que havia muitos portugueses que se comprometiam a amparar os moços, porém, com “ambição revestida de piedade”, segundo as pungentes palavras do jesuíta (APO, fasc. 6, p. 1301).

Se o legislador de 1606 (da epígrafe deste artigo) era cético ao afirmar que “parece, que não há esperança de remédio” para os cativeiros ilícitos na Índia, o jesuíta Ignácio de Martins defendeu que o remédio estaria em ampliar o poder do Pai dos Cristãos, argumentando que esse oficial possuía poder “tão limitado” e que “não seria, Senhor, pequeno serviço de Deos se V. Magestade houvesse por bem de amplia-lo, para que com mais confiança podessem recorrer ao Pai dos Christãos os miseráveis,” diante dos maus-tratos “que recebem dos senhores, por julgar serem os captiveiros injustos e sem legítima causa” (APO, fasc. 6, p. 1301, grifo nosso).

Como preservar uma ordem social hierarquizada e cristã que, segundo o Pai dos Cristãos, dependia inextricavelmente dos favores, da piedade dos senhores que se comprometiam a zelar pelos neófitos e catecúmenos, mas cuja ação mais parecia “ambição revestida de piedade”? Destarte, as relações paternalistas assentam-se na suposta intimidade familiar, na mutualidade, na inclusão e não na “ambição revestida de piedade” que desvirtua os “mútuos compromissos” entre senhores e escravos, sobretudo pelo fato de alguns jesuítas terem postulado a “imagem de um dever moral implicado no exercício do poder”, associada ao “ofício” doméstico do senhor perante o escravo (PÉCORA, 2007, p. 187PÉCORA, Alcir. Política do céu (anti-Maquiavel). In: NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.). Esses dilemas foram definidos por Guilherme Luz (2009LUZ, Guilherme Amaral. Rosário da Concórdia: Vieira e os fundamentos místicos da paz social. Clio, Recife, n.27-2, p.63-86, 2009.) como parte da teoria jesuítica da concórdia e da paz social. Nela, não há evidentemente contradição entre escravidão e cristianismo, porém, não significa que não existam tensões e conflitos de consciência quando duas gramáticas se cruzavam: a do orbs christianus e da mercancia.

Cabia ao Pai dos Cristãos encaminhar moços e moças para agregados familiares cristãos, e fiscalizar, igualmente, se os senhores cristãos os doutrinavam, criavam, amparavam. Zelo e controle eram dois atributos esperados do Pai dos Cristãos no favorecimento da conversão e no amparo dos convertidos, bem como atributos essenciais na manutenção do frágil equilíbrio das relações paternalistas entre senhores e escravos. Elementos de tais relações emergem na linguagem adotada pelo Pai dos Cristãos nas Cartas de alforria.

Considerações finais

O Pai dos Cristãos foi um cargo concebido para favorecer a evangelização e acompanhar várias etapas da vida de catecúmenos e neófitos. Esse oficial era concebido (e se concebia) como um agente que, tal como um pai e pastor das almas, cuidaria dos catecúmenos desde seus momentos mais frágeis (entendidos como o período em que principiava a se desvencilhar da “infidelidade”, da idolatria) até a nova etapa da vida, quando seu estatuto mudava para o de neófito, “planta tenra na fé”, que ainda necessitava de proteção e vigilância, por serem “miseráveis”, desprotegidos.

Os jesuítas que assumiram a função precisaram coligir todas as leis que afetassem a sua atividade, bem como reivindicaram a ampliação de sua influência, como fez Ignácio Martins na mencionada carta remetida ao rei. No que concerne às populações escravizadas, o cargo de Pai dos Cristãos teve suas prerrogativas gradualmente ampliadas no período que se estende de sua criação (nos anos 1530) até o período da elaboração das Cartas de alforria (no fim do século XVII), visto que adquiriu a autoridade para atuar como negociador na questão dos escravos fugitivos e foi orientado a fiscalizar a prática de registrar os anos de serviço a que moços e moças eram obrigados a servir até serem alforriados.

Em textos edificantes redigidos pelos jesuítas, há o enaltecimento do papel do Pai dos Cristãos “em acudir os miseráveis, e escravos”, por serem habilidosos em atuar sem “descontentar os amos, e juntamente livrar os escravos” do excessivo rigor de seus senhores, ou seja, por mediar as relações entre senhores e escravos.

Sobre os senhores e escravos que viviam em Goa no último quartel do século XVII, e cujas relações foram alvo do escrutínio do Pai dos Cristãos, podemos apresentar a seguinte consideração geral, após analisarmos as Cartas de alforria. Mesmo que existissem preocupações em torno da “ambição revestida de piedade” de alguns senhores, mesmo que fossem conhecidas algumas situações de “ilícitos cativeiros”, prevaleceu a ideia de que os “moços” e “moças” deviam serviços e obrigações ao senhor. Em suma, a proteção oferecida pelo senhor deveria ser correspondida com gratidão, com obrigações por parte daqueles que eram amparados (HESPANHA, 2010, p. 205HESPANHA, A. M. Imbecilitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. Belo Horizonte: AnanaBlume, 2010. ), expectativa que foi criada em torno dos escravos - catecúmenos ou neófitos. Os bens espirituais e materiais supostamente oferecidos pelos senhores justificavam a manutenção de homens e mulheres, infantes ou adultos, que na prática poderiam estar vivendo como escravos, mesmo em situações em não estavam obrigados por nenhum “justo título de cativeiro”.

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  • WICKI, J. O livro do Pai dos Cristãos Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969.

Notas

  • 1
    Historical Archives of Goa, Cód. 860, fl. 15v. Doravante, citaremos HAG, Cód. 860. Mantivemos a grafia original.
  • 2
    HAG, Cód. 860. Os registros desse manuscrito abarcam o período de 1682 a 1760, mas neste artigo trataremos apenas dos elaborados entre 1682 e 1700, por tentarmos nos concentrar no período em que houve uma grande concentração de registros produzidos pelo Pai dos Cristãos sobre as populações escravizadas e forras de Goa. Também evitamos um período tão amplo, quase 80 anos, sob o risco de ignorarmos as transformações no Estado da Índia e na história de Goa.
  • 3
    Os Gates Ocidentais (Western Ghats ou Sahyadri) consistem em uma cordilheira na porção ocidental da Índia que se estende ao longo da borda ocidental do planalto do Decão, separando-o da planície estreita que bordeia o mar.
  • 4
    Manuel da Nóbrega mencionou a intenção do bispo, em carta enviada ao padre Simão Rodrigues, em 1552 (LEITE, 1955LEITE, Serafim (org.). Cartas do Brasil e mais escritos (opera omnia) do padre Manuel da Nóbrega. Coimbra: UC, 1955., carta 17, p. 146). Desde 1550, Nóbrega falava em Caramuru como “Pai e governador dos índios” cristãos.
  • 5
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante, ANTT), CGSO, mç.31, doc. 28, fl.1ss.
  • 6
    O 3º Concílio Provincial (em 1585) reforçou que escravos que se convertessem, cujos donos fossem “infiéis”, fossem alforriados. Em 1592, no 4º Concílio, reiterou-se a proibição de os cristãos venderem escravos não cristãos a “infiéis”. As atas do 1º Concílio foram transcritas na Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente (doravante, DHMPPO), organizada por Rego (1995REGO, A. da Silva (org.). Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1995, v.10./), v. 10. Determinações régias e do vice-rei sobre a alforria de escravos convertidos encontram-se no Archivo Portuguez Oriental (doravante APO), organizado por Rivara (1992RIVARA, J. H. da Cunha. Archivo Portuguez Oriental. 2th ed. New Delhi: Asian Educational Services, 1992.), fasc. 5, parte 3, doc. 983, p. 1300-1301 e em Wicki (1969), doc. 22, p. 81-82; doc. 24, p. 86-889; doc. 79, p. 235-236).
  • 7
    Porém, o sequestro e a escravização de japoneses, chineses e de outros povos perpetuou-se (TEIXEIRA, 1976, p.13TEIXEIRA, M. O comércio de escravos em Macau. Macau: Imprensa Nacional, 1976. ). No 4.º Concílio Provincial de Goa (ação 2.ª decreto 3), celebrado em 1592, os prelados reiteraram não poder “haver escravos bem captivos senão por hum dos cinco títulos”, como constava nas atas do 1.º Concílio. Além disso, declararam que havia informação de que são trazidos da China, Japão, Bengala e outras partes “muitos escravos contra o theor do dito Concilio”. As atas do 5.º Concílio (1606) mantiveram a mesma denúncia. APO, fasc. 4, 186-187; 267-268.
  • 8
    Sobre a escravidão em Macau, ver: MANSO; SEABRA (2014MANSO, Maria de Deus; SEABRA, Leonor Diaz de. Escravatura, concubinagem e casamento em Macau: séculos XVI-XVIII. Afro-Ásia, Salvador, n. 49, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000205912014000100004&lng=en&nrm=iso
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ).
  • 9
    Biblioteca da Ajuda de Lisboa (doravante, BAL), Cód. 51-V-49, n. 27.
  • 10
    Bicho era a expressão comumente usada pelos portugueses para designar os escravos meninos e jovens.
  • 11
    A alvará não retirou a jurisdição das autoridades seculares sobre o tema e nem extinguiu “o direito que as partes têm para continuar” transportar as chinesas de Macau - de acordo com o despacho de 29 de abril do mesmo ano. APO, fasc. 6, v.2, supl., doc.9, p. 15-16.
  • 12
    APO, fasc. 4 (1.º Concílio, ação 4.ª, decreto 5 e 5.º Concílio, ação 4.ª, decretos 16 a 18).
  • 13
    APO, fasc. 4, 3.º Concílio, ação 5.a, decreto 2.
  • 14
    Os registros do códice compreendem os anos de 1682 a 1760, de modo que os do último ano foram feitos por um agostinho (SOUZA, 2008). No período investigado, entre 1682 e 1700, sabemos que os seguintes jesuítas atuaram em Goa: Manuel Themudo, João Lopes, Luís de Abreu, Bento Correia, João Henrique, João Morato, Ignácio Martins, João de Carvalho, João de Abreu e José Magalhães de Abreu (HAG, Cód. 860; AMES, 2008; ANTT, CGSO, mç.31, doc.28).
  • 15
    Vânio é associado à casta de comerciantes: “huma casta de gente, que se aparenta com os Charados, e Gentios, usam do ofício de corretores e mercadores” (DALGADO, 1919).
  • 16
    Os senhores, cujas moradas são citadas nas Cartas de alforria, são praticamente todos das Velhas Conquistas, principalmente das ilhas de Goa (ou Tiswari) e com alguns casos de Salsete e Bardez. Há poucas referências a moradores da Província do Norte (dois de Damão e um de Baçaim).
  • 17
    No Quadro 1, a distribuição em faixas etárias tentou seguir a concepção coetânea em torno das idades da vida. Consultamos as considerações de Hespanha (2010), baseadas em leis portuguesas, da Chronographia repertório dos tempos (publicada em 1603, em Lisboa, cujo autor é Manoel de Figueiredo) e da Escola decurial de várias lições (de Fradique Espínola, publicada em Lisboa, entre 1696 a 1707). As idades citadas nas Cartas de Alforria devem ser assumidas como aproximações, pois nem sempre eram produzidos registros que comprovassem a data de nascimento e havia uma relação distinta com a passagem do tempo, sendo comum o uso do “mais ou menos” para declarar a idade.
  • 18
    Para o contexto da Índia, e das colônias lusas em particular, Pinheiro (2009, p.187-189PINHEIRO, Cláudio C. Blurred boundaries. Slavery, unfree labour and the subsumption of multiple social and labor identities in India. In: Van der Linden, Marcel; Mohapatra, Prabhu. (Org.). Labour Matters: Towards Global Histories. Studies in Honour of Sabyasachi Bhattacharya. New Delhi: Tulika, 2009, p. 172-194.) localizou cerca de 40 termos, em português, associados à escravidão. Assinalamos que as Cartas de alforria podem fornecer dados interessantes para estudos que se dediquem à análise das formas de classificação social em Goa, especialmente das diferentes “castas”, “jatis” e como elas foram associadas ao estatuto de “escravo”. Indicamos as reflexões de Chaterjee (1999CHATERJEE, Indrani. Gender, Slavery and Law in Colonial India. Delhi, Oxford University Press, 1999.) e de Campbell (2004CAMPBELL, Gwyn (org.). The structure of Slavery in Indian Ocean Africa and Asia. London: Frank Cass Publishers, 2004.) sobre a porosidade das fronteiras entre ser “escravo” e ser “livre”, bem como sobre a multiplicidade de formas de dependência existentes na Índia.
  • 19
    Um caso que está em consonância com a orientação do Concílio foi a decisão tomada, em 1567, pelo jesuíta reitor do Colégio de Goa, que havia recebido de uma pessoa 2700 pardaos e alguns escravos para servirem no mencionado Colégio, conforme testamento: “mas por haver algum escrúpulo se eram bem cativos ou não, lhe deu o Padre Reitor sua carta de alforria, e tirou a obrigação que tinham ao colégio” (DHMMPO, v.10, p. 287).
  • 20
    Sobre o contato dos jesuítas que ocuparam o cargo de Pai dos Cristãos com essa tradição exegética, sabe-se que, em bibliotecas de ordens religiosas que atuaram na Índia, havia obras de Navarro, Ledesma, Molina e de outros autores que trataram dos “justos títulos” da escravidão (Biblioteca Nacional de Portugal, Cód. 176). No início do século XVII, em Goa, foi elaborado o manuscrito anônimo Disputationum moralium indicarum, por provavelmente um jesuíta. Em meados do século XVII, o jesuíta Sebastião da Maia, que foi professor da Universidade de Évora, partiu para a Ásia e redigiu a obra India christiana, Instructiones morales pro casibus conscientiae apud Indos utriusque orbis occurrentibus, em que retoma argumentos do manuscrito anônimo na reflexão sobre os “justos títulos” (CAPELA, 2002, p.340-341CAPELA, José. Éthique et répresentation de l’esclavagisme colonial au Mozambique. In: HENRIQUES, Isabel Castro; SALA-MOLINS, Louis (dir.). Déraison, esclavage et droit: Les fondements. idéologiques et juridiques de la traite négrière et de l’esclavage. Paris: UNESCO, 2002, p. 329-348.; Biblioteca Nacional de Portugal, Cód. 176, fl. 76v).
  • 21
    APO, fasc. 6, p. 1202-1206.
  • 22
    HAG, Cód. 860, fl. 57v, registro de 2 de março de 1695.
  • 23
    HAG, Cód. 860, fl. 13v. Em um trecho do códice, a numeração dos fólios foi interrompida, por isso aparece a numeração 23v, mas seria o fólio 13v na sequência. Trata-se de registro de 2 de outubro de 1682.
  • 24
    As reflexões em torno do paternalismo e da escravidão são amplas; assim, não almejamos esgotar a reflexão sobre o tema, mas pontuar algumas noções tratadas pela historiografia, com o intuito de refletir sobre a relações do Pai dos Cristãos com os escravos, sob a ótica do “código paternalista”, com a devida atenção ao perfil da sociedade em questão (Goa) e aos desafios associados ao emprego do próprio conceito de paternalismo.
  • 25
    Sobre paternalismo e escravidão, Roll, Jordan, Roll de E. Genovese tornou-se uma obra clássica para o contexto do Sul dos EUA. Sobre a incorporação da noção de paternalismo nos estudos sobre a escravidão no Brasil, por meio de uma leitura da obra de E. P. Thompson, consultar as apreciações críticas feitas por R. Bivar Marquese (2013MARQUESE, Rafael B. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e historiografia sobre a escravidão brasileira. Revista de História, São Paulo, 169, p.223-253, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003483092013000200223&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ).
  • 26
    Aquele que tem o ofício de lavar roupa.
  • 27
    Biblioteca da Ajuda, Jesuítas na Ásia, 49-V-22, fl. 100v.
  • DECLARAÇÃO DE FINANCIAMENTO

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da CAPES (Bolsa de Estágio Pós-doutoral no Exterior, Processo 99999.000717/2015-00) e da FAPERJ (Programa Jovem Cientista do Estado do Rio de Janeiro, Processo E-26/202.865/2015), bem como integra o “Pensando Goa” (Projeto Temático FAPESP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2018
  • Aceito
    03 Jul 2019
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