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O incesto e o monstro: Uma construção da memória do Imperador Calígula

The Incest and the Monster: The Construction of the Memory of Emperor Caligula

Resumo:

O imperador Calígula, descrito por Suetônio como um monstro, ainda desperta muita curiosidade nos dias de hoje. Entre as acusações que pairavam sobre ele, que ajudaram a construir sua memória de monstruosidade, está a de cometer incesto com suas irmãs. Assim, pretendemos aqui traçar um breve panorama da moral romana no que concerne essa relação sexual ilícita e sua judicialização, relacionando ambos os âmbitos aos principais discursos encontrados nas fontes latinas sobre a alegação de incesto cometido por Calígula. Destaque especial será dado à passagem de Suetônio que trata da posição das irmãs de Calígula nos banquetes, de um modo geral negligenciada pelos autores modernos, já que sua análise revela aspectos simbólicos importantes no contexto das acusações de incesto. Por fim, faremos um levantamento da forma como os principais biógrafos de Calígula da atualidade discorrem sobre a acusação.

Palavras chave:
Calígula; incesto; sexualidade; banquetes; memória

Abstract:

Emperor Caligula, described by Suetonius as a monster, still arouses much curiosity nowadays. Among the accusations that hovered over him, that helped to build his memory of monstrosity, was that of committing incest with his sisters. Thus, we intend here to draw a brief overview of Roman morality concerning this illicit sexual relation and its judicialization, relating both instances to the main discourses found in Latin sources on the allegations of Caligula's incest. Special emphasis will be given to the passage by Suetonius, which deals with the position of Caligula's sisters at banquets, generally neglected by modern authors, since his analysis reveals important symbolic aspects in the context of accusations of incest. Finally, we will make a survey of the way in which the main biographers of Caligula today consider the accusation of incest.

Keywords:
Caligula; incest; sexuality; banquets; memory

Introdução: O monstro

A vida dos imperadores romanos atrai o interesse das pessoas, desde a Antiguidade, e não deixou de fazê-lo no mundo contemporâneo. Uma das principais maneiras de narrar a vida dessas figuras emblemáticas e de construir suas memórias, junto com as estátuas e os cultos, são as biografias, bastante usuais no Império Romano. Afinal:

Ancient Rome was a memory culture par excellence. Memory pervaded all the areas […] texts and oral tradition, art and architecture, religion, ceremonies, performances, and social and political history. Memory, therefore, is a concrete entity in Roman civilization […] (GALINSKY, 2016, p. 17).

Contudo, devemos ressaltar que o biógrafo investe suas narrativas de valores políticos e morais próprios e do grupo no qual está inserido. Deste modo, a memória destes imperadores “[…] faz parte do jogo de poder e autoriza manipulações conscientes ou inconscientes e obedece a interesses individuais e coletivos” (LE GOFF, 1990LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp , 1990., p. 17).

Dentre os imperadores romanos, Calígula recebeu, e ainda recebe, um destaque ímpar. As narrativas que construíram sua memória, como veremos mais adiante, tornaram seu nome sinônimo de depravação e fizeram dele o exemplo padrão do arquétipo do tirano, imagem que passou para a posteridade (WILKINSON, 2005WILKINSON, San. Caligula. Londres; Nova Youk: Routledge, 2005., p. 1). Calígula ainda ficou conhecido por muitos como o imperador louco, embora sua loucura seja objeto de discussão entre seus biógrafos (FRATANTUONO, 2018FRATANTUONO, Lee. Caligula - An Unexpected General. Barnsley: Pen & Sword Military, 2018., p. 338). Para Barrett, é muito provável que essa má reputação tenha sido construída nos quatro anos em que governou (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 1). Em sua biografia de Calígula, Suetônio conta que no início de seu governo o imperador foi apreciado por seu povo (Suet. Calig. 22), porém, em seguida o descreve como monstro, alcunha que se perpetuará ao longo dos séculos:

Hactenus quasi de principe, reliqua ut de monstro narranda sunt (Suet. Calig. 22)

Até este ponto falei sobre o Imperador, da mesma maneira farei sobre o monstro” (Suet. Calig. 22).1 1 Tradução da autora.

Ao considerar a “monstruosidade” de Calígula, Wilkinson indaga se haveria evidências históricas que sustentassem essa tradição (WILKINSON, 2005WILKINSON, San. Caligula. Londres; Nova Youk: Routledge, 2005., p. 1). Lugand pondera com a seguinte afirmação:

Suétone n'a pas rapporté de choses fausses; mais son récit, volontairement décousu et anecdotique, tient plus du pamphlet que de l'histoire. Ce n'est pas la première fois que l'examen d'un détail aboutit à cette conclusion et depuis longtemps, Suétone n'est utilisé qu'après une sévère critique (LUGAND, 1930LUGAND, René. Suétone et Caligula. Revue des Études Anciennes. Amsterdam, n. 1, p. 9-13, 1930., p. 14).

Assim, algumas das excentricidades atribuídas a Calígula - a exemplo da narrativa feita por Suetônio de que ele se vestia como os deuses - foram encontradas também em outras fontes, tais como suas estátuas (AMPÈRE, 1856AMPÈRE, J.-J. L'Histoire Romaine a Rome: Caligula, Claude et Néron. Revue Des Deux Mondes (1829-1971), v. 6, n. 4, p. 838-873, 1856., p. 839-840). Outras acusações, contudo, como a de que o imperador mantinha relações incestuosas com suas irmãs, jamais foram atestadas. Puccini-Delbey argumenta que embora tenham existido muitas acusações dessa natureza em Roma e “[…] os romanos mostraram ser particularmente sensíveis à proibição do incesto, […] poucos casos de incesto se encontram historicamente comprovados” (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 129).

Entretanto, sabemos que tal acusação foi proeminente na configuração da identidade que se atribui a Calígula até os dias de hoje - particularmente, a alcunha de monstro. Pois, como aponta Halbwacs:

Um determinado acontecimento, ocupa um espaço na memória coletiva de uma nação, ainda que muitos de seus indivíduos não o tenham vivenciado e o conhecem através de outras fontes que não suas vivências. Deste modo, quando estes acontecimentos são evocados, o indivíduo que os evoca confia inteiramente numa memória criada por outros (HALBWACS, 1990HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Biblioteca Vértice: Sociologia e política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990., p. 54).

Visões sobre o incesto em Roma

O incesto, incestus (-i), em latim, abrangia dois delitos sexuais distintos: as relações sexuais ou casamento entre parentes próximos e a violação cometida por uma vestal, sacerdotisa de Vesta, contra voto de castidade ao qual estava obrigada durante seu sacerdócio (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 17; SCHEID, 1981SCHEID, John. Le délit religieux dans la Rome tardo-républicaine. In: Le délit religieux dans la cité antique. Actes de la table ronde de Rome (6-7 avril 1978) . Roma: École Française de Rome , 1981. p. 117-171. (Publications de l'École française de Rome, 48)., p. 133 e 146; GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 127; BIERKAN et. al., 1907BIERKAN, Andrew T., Charles P. Sherman, e Emile Stocquart Jur . “Marriage in Roman Law”. The Yale Law Journal 16, no. 5, 1907, p. 303-27., p. 320). As vestais eram sacerdotisas da deusa Vesta e tinham como função principal cuidar do fogo sagrado de Roma dedicado à deusa (GIANELLI, 1913GIANELLI, Giulio. Il sacerdozio delle Vestali romane. Firenze: Tipografia galletti e Cocci, 1913., p. 26-28)2 2 Entre esses cuidados estava o de manter o fogo aceso durante todo o ano, apagá-lo no dia primiero de março de cada ano e reacendê-lo logo em seguida através de ramos de algumas árvores, especiais cuidar do seu transporte (GIANELLI, 1913, p 26-28). , mantendo assim, a vida na cidade. Para Cornell, os cultos realizados pelas vestais representavam de forma idealizada as tarefas diárias de uma família romana arcaica. Assim, a Vestal simbolizava o modo de vida ideal de uma mulher romana, e sua maior virtude era sua castidade (CORNELL, 1981CORNELL, Tim. Some observations on the crimen incesti. In: Le délit religieux dans la cité antique. Actes de la table ronde de Rome (6-7 avril 1978). Roma: École Française de Rome, 1981, p. 27-37. (Publications de l'École française de Rome, 48)., p. 3).

Para o estudioso das leis romanas, Antonio Guarino, a palavra incestus deriva de non castum (não casto) e ainda poderia ter significado original mais amplo:

Incestus (o incesum), da ‘non castum, riveste un doppio significato. In senso ampio, esso integra ogni azione contro i buoni costumi: in senso ristretto, esso indica tanto l'unione con una vergine Vestale, quanto l'unione tra persone legate da stretti vincoli di parentela o di affinità (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 180).

Em corcondância com a argumentação anterior, Grubbs analisa a semântica do termo latino e destaca que o incesto, além do significado que lhe é atribuído atualmente, significava “falta de castidade” (particularmente com implicações religiosas) e era aplicado à atividade sexual ilícita (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 127). Deste modo, podemos propor este significado amplo de incestum e suas implicações religiosas como uma leitura possível para entender o uso da mesma palavra tanto para as relações sexuais entre pessoas com próximo grau de partentesco, como para as relações sexuais de uma Vestal com qualquer pessoa, com ou sem ligações de consaguinidade.

John Scheid também defende a ideia de que o o incesto sempre teve um caráter religioso em Roma (SCHEID, 1981SCHEID, John. Le délit religieux dans la Rome tardo-républicaine. In: Le délit religieux dans la cité antique. Actes de la table ronde de Rome (6-7 avril 1978) . Roma: École Française de Rome , 1981. p. 117-171. (Publications de l'École française de Rome, 48)., p. 147). No plano mitológico, temos, por exemplo, o emblemático mito de Bona Dea, que, de acordo com Macróbio, seria filha de Fauno, e teria resistido ao pai quando ele se apaixonou por ela. Como consequência, ele a espancou com um ramo de murta por ela não ceder ao desejo do pai. No entanto, Fauno tomou a forma de uma cobra e teve relações incestuosas com ela (Macr. Sat. I. 12-24). Staples, ao discutir este mito, define o incesto como uma forma de relação sexual manifestamente e inequivocamente ilegal e ajuíza que o incesto era mal visto, mesmo no plano mitológico (STAPLES, 2013STAPLES, Ariadne. From Good Goddess to Vestal Virgins: Sex and Category in Roman Religion. Londres/Nova York: Routledge , 2013., p. 11).

Moreau considera que o incesto sempre foi mal visto em Roma, mas que nos períodos iniciais esteve muito ligado à questões religiosas e aos poucos se tornou uma questão um pouco mais laica (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 594). Neste sentido, temos que nos períodos arcaicos o incesto era punido por um tribunal doméstico, para as pessoas alieni iuris,3 3 Submetidas ao poder de alguém. e pelos pontífices, para as pessoas sui iuris,4 4 Pessoas independentes, que não estavam submetidas ao poder de ninguém. Aqui provavelmente se encaixavam as vestais (CORNELL, 1978, p. 30). com pena capital. O que provavelmente perdurou em época republicana (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 181). Moreau atenta para o fato de que esse tratamento penal em época arcaica e republicana é conhecido apenas por fontes literárias, que tocam marginalmente a questão do incesto, não existindo nenhuma fonte jurídica (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 594).

Existem, contudo, muitos relatos sobre a importância do controle e da fidelidade sexual por parte da mulher, cidadã romana, uma vez que:

[…] woman's honor depends to an important degree of her sexual conduct or, more exactly, on the community's estimation of this. Since feminine honor defines not only a woman's social personality but also the honor of the group she represents, the integrity and solidarity of the family are threatened or even destroyed when a female member compromises her honor. For this reason, the family ideally retains exclusive control over the sexual behavior of its female members. The responsibility for defending the women's honor, or for avenging any breaches or affronts, devolves upon the male members of the group (MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 10).

Uma grande desonra que macularia a mulher e sua família era o adultério. O adultério feminino consistia também em uma ofensa à honra familiar do marido (CANTARELLA, 1999CANTARELLA, Eva. Pompei: I volti dell´amore. Milão: Mondadori, 1999., p. 43). Este poderia ser punido inclusive com a morte, pois de acordo com uma antiga lei, atribuída a Rômulo, o marido traído poderia assassinar sua esposa (Dion. Hal. Ant. Rom. 2).

É importante frisar que a ideia de adultério e o controle restrito dava-se apenas sobre a matrona romana. Para os homens a relação sexual fora do casamento seria um mero fornicatio, que, no entanto, poderia ser considerada stuprum a depender do status social da mulher com quem esta relação ocorria (BIERKAN et. al., 1907BIERKAN, Andrew T., Charles P. Sherman, e Emile Stocquart Jur . “Marriage in Roman Law”. The Yale Law Journal 16, no. 5, 1907, p. 303-27., p. 321; MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 144).

Aproximadamente em 18 a.C., Augusto promulgou um conjunto de leis, hoje fragmentárias, conhecidas como Lex Iulia de adulteriis coercendis5 5 Estas leis são hoje fragmentárias e só as conhecemos por meio de comentadores e escritores, suas informações constam em compilações e /ou comentários de juristas posteriores como o livro 48 do Digesto e no Código de Justiniano em geral, nas Sententiae de Paulo e na Collatio legum Mosaicarum et Romanarum. Na atualidade elas são muitas referidas apenas como Lex Iulia. e Lex Iulia de maritandis ordinibus, que foram complementadas em 9 d.C., com a Lex Papia Poppaea. Estas leis pretendiam regular o direito civil privado: tornando os matrimônios mais estáveis e reduzindo o número de uniões extra-conjugais (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 186; GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 118), com o principal objetivo repreender as relações sexuais não maritais, consideradas inaceitáveis para a sociedade romana - particularmente o adultério (MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 140). Encorajando, assim, as camadas superiores da sociedade ao casamento e à procriação (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 70).

Com a Lex Iulia de adulteriis coercendis, o Estado, pela primeira vez, intervém de modo direto na repressão dos crimes sexuais considerados, a partir deste momento, crimes públicos: “crimina publica” (FAYER, 2005FAYER, Carla. La Familia Romana. Aspetti Giuridici ed Antiquari. Concubinato, Divorzio, Adulterio. Parete Terza. Roma: L’Erma di Bretschneider, 2005., p. 212-213, GRUBSS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 117). O adultério não seria mais julgado e punido em casa, mas por um tribunal, uma corte permanente (quaestio perpetua), carecendo de provas públicas. Assistimos aqui à passagem da punição do âmbito privado para o público. A pena não seria mais a morte, mas a deportação da adúltera a uma ilha geralmente distante e pouco habitada, em que ficaria para o resto da vida. O homem com quem esta havia cometido adultério também teria a mesma pena, e seria deportado para outra ilha distante, e teria seus bens parcialmente confiscados (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 117, MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 140-247).

É importante destacar que também neste período os crimes de adulterium, assim como os de stuprum, não se aplicavam a qualquer pessoa, mas apenas às de condição livre. Papiniano, jurista romano de meados do século II d.C. e início do século III d.C e uma das fontes sobre a Lex Iulia, diz que esta lei se aplicava apenas entre as pessoas livres que tinham sofrido adulterium ou stuprum (Pap.D.48.5.6).6 6 Inter liberas tantum personas adulterium stuprumve passas lex iulia locum habet (Pap. D.48.5.6). Esta ideia também é confirmada por Modestino, jurista romano de meados do século III d.C, que, no entando, apresenta a ressalva de que a relação com uma concubina não era considerada crime (Mod. D.48.5. 35).7 7 Stuprum committit, qui liberam mulierem consuetudinis causa, non matrimonii continet, excepta videlicet concubina (Mod. D.48.5.35pr). Temos ainda que as relações de concubinato eram mesmo autorizadas na época de Augusto de acordo com as leis Iulia et Papia (BIERKAN et. al., 1907BIERKAN, Andrew T., Charles P. Sherman, e Emile Stocquart Jur . “Marriage in Roman Law”. The Yale Law Journal 16, no. 5, 1907, p. 303-27., p. 305; GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 186). Já o jurista Ulpiano, de meados do século II d.C. e início do século III d.C., esclarece ainda que uma vez que uma concubina não é uma esposa, seu companheiro não tem o direito de marido de acusá-la de adultério (Ulp.D.48.5.14.pr).8 8 Si uxor non fuerit in adulterio, concubina tamen fuit, iure quidem mariti accusare eam non poterit, quae uxor non fuit [...] (Ulp.D.48.5.13.pr).

Percebemos, portanto, que há uma diferença de status mesmo entre as mulheres livres. Bierkan et al. destacam que na liguagem juridica havia uma clara distinção entre o status das mulheres e o conceito da matrona, ou mater familias, tinha um significado muito preciso:

In juridical language, the words matrona or materfamilias had a clear and precise meaning, exacting a two-fold condition for the wife; first, to have had a Roman citizen for a father; second, to have maintained an honorable and pure life, the dignity which her origin gave to her (BIERKAN et. al., 1907BIERKAN, Andrew T., Charles P. Sherman, e Emile Stocquart Jur . “Marriage in Roman Law”. The Yale Law Journal 16, no. 5, 1907, p. 303-27., p. 317).

Na lex Iulia, de um modo geral, o termo adulterium vincula-se ao crime de infidelidade da mulher casada, e o stuprum a toda e qualquer união sexual entre pessoas que não podem se casar, nem instaurar relações de concubinato (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 186-187).9 9 O termo para uma relação sexual não consentida, próxima ao conceito moderno de estupro, era stuprum per vim. Papiniano nos narra que o adulterium é cometido com uma mulher casada, enquanto o stuprum é cometido contra uma virgem ou uma viúva (Pap. D. 5.6.1).10 10 […] sed proprie adulterium in nupta committitur,[…] stuprum vero in virginem viduamve committitur […] (Pap.. D.48.5.6.1). Para Modestino, o adulterium também é cometido com uma mulher casada; enquanto o stuprum com uma viúva, uma virgem ou um menino (Mod.D.5.48.35.1).11 11 Adulterium in nupta admittitur: stuprum in vidua vel virgine vel puero committitur (Mod. D.48.5.35pr). Puccini-Delby, embora não cite as fontes para sua leitura, faz a seguinte interpretação:

[…] stuprum, termo latino que descreve toda relação sexual ilícita com uma pessoa de condição livre, qualquer que seja seu sexo, e que, por isso não é traduzível num termo unívoco. O stuprum leva à violação da integridade sexual do indivíduo livre, que goza de inviolabilidade corporal, por oposição ao escravo, que é destituído da mesma (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 66).

Todavia, embora McGinn considere que em sentido genérico stuprum significava qualquer forma de atividade sexual ilícita, até mesmo o adultério (MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 144), é importante destacar que a própria terminologia de adulterium e stuprum se confundem na Lex Iulia (FAYER, 2005FAYER, Carla. La Familia Romana. Aspetti Giuridici ed Antiquari. Concubinato, Divorzio, Adulterio. Parete Terza. Roma: L’Erma di Bretschneider, 2005., p. 216-217; GUARNO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 185; MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 144). Esta situação é comentada em Papiniano, que, antes de definir os termos stuprum e adulterium, aponta para o fato de que a lei refere-se a stuprum e adulterium indiscriminadamente e que por vezes adota usos indevidos dos termos (Pap. D.48.5.6.1).12 12 Lex stuprum et adulterium promiscui et kataxrystikwteron appellat (Pap. D.48.5.6.1).

Deste modo, é difícl delimitar exatamente os usos dos termos adulterium e stuprum. Neste mesmo sentido, uma outra questão relevante, também de difícil delimitação, que nos interessa particularmente, é se o incesto era ou não contemplado na Lex Iulia,13 13 Nosso interesse especial nesta lei se dá pelo fato dela estar em vigor no século primeiro, período em que viveu Calígula. Ele nasceu em 31 de agosto de 12 d.C. e morreu em 24 de janeiro de 41 d.C. Governou apenas poucos anos, de 37 d.C. até seu assassinato em 41 d.C. tema de grande polêmica (MCGINN, 2003MCGINN, Thomas. Prostitution, Sexuality and the Law in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press , 2003., p. 140; MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 595; GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 183).

Moreau, por exemplo, considera que a Lex Iulia não tratava absolutamente do incesto (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 595). Contudo, ele considera compreensível que existissem diferentes interpretações, pois estas derivam das diferentes exigeses do texto jurídico (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 596). Um exemplo disto está em uma passage de Ulpiano no Digesto, que é a compilação de jurisconsultos clássicos feita na época de Justiniano, promulgado em dezembro de 553 d.C. Neste trecho Ulpiano, ao tratar da possibilidade ou impossibilidade do uso da tortura em escravos para a denúncia do incesto de seus senhores, cita a Lex Iulia14 14 In incesto, ut papinianus respondit et est rescriptum, servorum tormenta cessant, quia et lex iulia cessat de adulteriis (Ulp. D.48.18.4). . Guarino acredita que esta passagem é uma importante fonte para afirmar a presença do incestus na Lex Iulia (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 189-192). Moreau, todavia, discorda e considera que ela apresenta a opinião de Ulpiano, ou de sua época, ou ainda a opinião dos juristas do século VI d.C. que a compilaram (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 595). Cabe-nos ressaltar que os codificadores responsáveis pela compilação dos fragmentos dos jurisconsultos clássicos tiveram autorização para modificar os textos, tornando-os mais adequados aos princípios vigentes de sua época. Estas modificações são atualmente conhecidas como interpolações (JOHNSTON, 1989JOHNSTON, David. Justinian’s Digest: The Interpretation of Interpolation. In: Oxford Legal Studies, v. 149. Oxford: Oxford University Press , 1989., p. 1). Assim, o texto atribuído a Ulpiano poderia apresentar interporlações de seus compiladores.

O excerto de Ulpiano tratado acima menciona ainda Papiniano. Este autor discute o incesto em diversas passagens do livro 48 do Digesto, sob o título Ad legem iuliam de adulteriis coercendis, (Pap. D. 48.5.39pr; Pap.D. 48.5.39.1-7; Pap.D.48.5.40.5; Pap.D.48.5.40.7; Pap.D.48.5.45), sem, contudo, citar a lei, o que deixa dúvidas se ele estava comentando exatamente esta lei, falando das leis em vigor no momento em que escrevia, ou falando de seu próprio ponto de vista. Embora as passagens reunidas em Ad legem iuliam de adulteriis coercendis devessem tratar do adultério e interdições presentes na Lex Iulia, não podemos afirmar que os autores apresentados neste capítulo, de fato, trataram da Lex Iulia pois, na maior parte das vezes, ela não é mecionada.

Em vista disto, não temos como garantir sobre a qual período as passagens do Digesto de fato manifestam: o período em que foram escritas, o período aos quais deveriam estar se referindo, ou o período em que foram compilados (JOHNSTON, 1989JOHNSTON, David. Justinian’s Digest: The Interpretation of Interpolation. In: Oxford Legal Studies, v. 149. Oxford: Oxford University Press , 1989., p. 1).

Deste modo, é muito difícil afirmar que o incesto estivesse presente como figura autônoma na Lex Iulia. Todavia, esta não é a única polêmica. Existe ainda a polêmica se este crime seria punido apenas quando vinculado a outros ou se ele era uma forma contida em outros crimes.

Puccini-Delbey acredita que o incesto era punido apenas quando vinculado a outros delitos:

A lei de Augusto sobre adultério não reprime especificamente o incesto. Apenas reprime este delito quando praticado juntamente com adultério- relação entre um pai e sua filha casada, ou então de um irmão com sua irmã casada - ou quando este se junta ao stuprum: relação de um pai com sua filha solteira ou viúva, ou então de um irmão com uma irmã que se encontra numa destas situações (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 133).

Fayer considera que o incestum talvez fosse uma forma de stuprum (FAYER, 2005FAYER, Carla. La Familia Romana. Aspetti Giuridici ed Antiquari. Concubinato, Divorzio, Adulterio. Parete Terza. Roma: L’Erma di Bretschneider, 2005., p. 216- 217), enquanto Guarino considera “claro, lógico e evidente” que o incesto era uma forma de stuprum. Para este autor, o incesto é um stuprum qualificado, pois seus agentes não podem, mesmo querendo, contrair matrimônio ou entrar numa relação de concubinato, do mesmo modo como ocorria com o adultério, a bigamia e a pederastia, também considerados formas qualificadas de stuprum (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 188). Assim, Guarino considera, uma vez que o incesto é uma forma de stuprum, que ele está contido na Lex Iulia (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 188).

Para Guarino, é estranho pensar que a “consciência jurídica” no período de Augusto não tenha incluído o incestum, já que desde os tempos mais antigos as uniões incestuosas já eram consideradas delito, ainda que julgado pelos pontífices ou nos tribunais domésticos (iudicia domestica) (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 188).

Puccini-Delby, discorda que o incestum estivesse previsto na Lex Iulia, mas aponta que no século I d.C. o delito do incesto era abrangido pela jurisdição senatorial:

No século I d.C., o delito do incesto é abrangido pela jurisdição senatorial. Normalmente, as mulheres são condenadas ao exílio fora de Roma ou de Itália por um período definido ou não. Nos processos senatoriais, verifica-se uma diferença de tratamento relativamente à atribuição das penas, a favor das mulheres: os acusados do sexo masculino podem ser condenados à morte” (PUCCINI-DELBY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 133).

O grande problema é que a autora não apresenta as fontes para tal afirmação. Guarino considera que não parecem existir outras fontes jurídicas contemporâneas a Lex Iulia que tratem do incesto (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 189). Além disso, as punições apresentadas pela autora para o incesto, no caso feminino, se parecem muito com as penas do adultterium ou stuprum, previstas na Lex Iulia: relegatio in insulam. Para Guarino, são a mesma punição, pois o incestum era uma forma qualificada de stuprum que estava incluída na lei (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 186). O autor considera que:

[…] ai sensi della lex Iulia e dei commentari relativi, l'incestum era una forma qualificata di stuprum, distinta anzi dal semplice stuprum in qualche punto del suo regolamento; che la poena incesti era la stessa stabilita per lo stuprum e per l'adulterium, e cioè la relegatio in insulam; che il caso di concorso tra le due forme qualificate di stuprum (I'unico pensabile) era particolarmente previsto dalla lex lulia, la quale stabiliva in inasprimento della pena (deportaio in insulam) (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 198).

Deste modo, embora o tratamento do incesto na Lex Iulia ainda seja uma polêmica, sabemos que o stuprum era considerado crime. Este fato é bastante importante, pois os autores latinos da Antiguidade, em sua grande maioria,15 15 Não incluimos aqui Juvenal (Juv. Sat. 4.81) uma vez que ele usa a forma satírica e metafórica para se referir ao incesto. ao acusarem Calígula de ter relações sexuais com sua irmã Drusila ou com todas as suas três irmãs, apesar do sentido de incesto implícito nesta relação sexual, utilizam o termo stuprum. Como veremos a seguir.

Suetônio, um dos mais importantes biógrafos de Calígula, escreveu:

Cum omnibus sororibus suis consuetudinem stupri fecit (Suet. Calig. 24.1)

Praticou stuprum com todas as suas irmãs (Suet. Calig. 24.1).16 16 Tradução da autora.

Aurélio Vitor, historiador e político romano que viveu aproximadamente entre 320 a 360 d.C. diz:

Denique tres sorores suas stupro maculavit (Aur. Vict. De Vir. 3.10).

Enfim, ele desonrou suas três irmãs com stuprum (Aur. Vict. De Vir. 3.10).

Paulo Orósio, historiador, mas também teólogo, sacerdote e apologista cristão, que viveu de 375 d.C. a 420 d.C., escreveu:

Gaius Caligula libidinibus suis etiam illud sceleris adiecit, ut sorores suas primum stupro pollueret, deinde exilio damnaret. qui post omnes simul exules iussit occidi. ipse autem a suis protectoribus occisus est. (Oros. 7.5.9).

Caio Calígula ainda acrescentou este crime aos seus desejos: Primeiro ele violou suas irmãs com stupro em seguida ele condenou-as ao exílio. Depois ele ordenou que todas as exiladas fossem mortas. O próprio, no entanto, foi morto pela sua guarda pessoal (Oros. 7.5.9).

Já Eutrópio, historiador romano da segunda metade do século IV, acrescenta uma filha:

Stupra sororibus intulit, ex una etiam filiam cognovit. (Etur. 7.12.3).

Ele cometeu struprum com suas irmãs, ainda tomou conhecimento de ter uma filha (Etur. 7.12.3).

Percebemos, assim, que talvez Guarino esteja certo em considerar que a palavra stuprum pudesse conter em si a ideia de incesto, pois se a jurisprudência fazia alguma distinção dos termos, o que não aparece claramente, os biógrafos, como vimos, utilizavam uma pela outra.

Além disto, para além da questão criminal, o stuprum era também socialmente e religiosamente condenado. Moreau relata que os juristas clássicos, ao tratarem das uniões incestuosas, consideravam também os costumes (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 63). Temos ainda que alguns dos textos jurídicos que tratam do incesto apresentam uma linguagem carregada de religiosidade (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 128), na qual o incesto era considerado uma violação do fas17 17 O fas representa o direito em conformidade com a vontade divina. (Mar. Dig. 48.5.8).18 18 Si quis viduam vel alii nuptam cognatam, cum qua nuptias contrahere non potest, corruperit, in insulam deportandus est, quia duplex crimen est et incestum, quia cognatam violavit contra fas, et adulterium vel stuprum adiungit. denique hoc casu servi in personam domini torquentur[grifo nosso] (Mar.D. 48.5.8).

Ao representarem um atentado ao fas, representavam, por consequência, um atentado à pax deorum; é neste sentido que podemos pensar que o incesto entre parentes é, do mesmo modo como o das vestais, algo a ser evitado (CORNELL, 1981CORNELL, Tim. Some observations on the crimen incesti. In: Le délit religieux dans la cité antique. Actes de la table ronde de Rome (6-7 avril 1978). Roma: École Française de Rome, 1981, p. 27-37. (Publications de l'École française de Rome, 48)., p. 31), relevante à ordem do mundo garantida pelos deuses (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 143; PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 131). Desta forma, o incesto perturba a distribuição dos indivíduos num sistema de parentesco que deve permanecer intangível, pois cada indivíduo ocupa uma posição em relação aos outros e a relação sexual incestuosa vem perturbar esta relação: “uma desordem insuportável […] para os romanos o incesto também viola as leis da natureza” (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 132). É neste sentido que a relação incestuosa de Calígula com suas irmãs pode ser considerada monstruosa, pois um dos significados desta palavra inclui a ideia de algo que foge às leis da natureza, junto com a ideia de crime e de desgraça (SARAIVA, s/dSARAIVA, F.R. dos Santos. Novissimo Diccionario Latino-Portuguez. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, s/d., p. 751).

Contudo, Paul Veyne supõe que o horror sagrado ao incesto apareceu apenas nos últimos séculos do Império e que ele não era um crime contra a natureza:

A Rome, l'inceste mère-fils, ou frère-sœur n'était pas très rare; il était, bien entendu, condamné, mais il ne soulevait pas d'horreur sacrée, comme chez nous: chez les satiriques, il est un thème de plaisanterie ou de sarcasme, un sujet de bons mots médisants ; c'était plus grave que l'adultère, mais enfin, c'était une faute du même ordre, non un attentat contre la nature. On peut supposer que l'horreur sacrée de l'inceste s'est établie au cours des derniers siècles de l'Empire […] (VEYNE, 1978VEYNE, Paul. La famille et l'amour sous le Haut-Empire romain. Annales. Economies, sociétés, civilisations, 33e année, n. 1, p. 35-63, 1978., p. 38).

Ao contrário do que considera Veyne, Phillipe Moreau, um dos maiores estudiosos da atualidade sobre o incesto no mundo romano, em seu livro Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome (2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002.), através de diferentes testemunhos literários, evidencia como o incesto tinha um caráter odioso, no topo da hierarquia dos crimes (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 595), ideia compartilhada por Puccini-Delbey (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 131). As uniões incestuosas eram ainda consideradas profanas ou sacrilégios contra a ordem divina das coisas e, portanto, precisavam de expiação religiosa (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 41-59), o que durou todo o periodo pagão de Roma (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 132).

Além disto, Scheid enfatiza que o incesto tinha forte caráter religioso durante o Império, contando inclusive com algumas punições e sacrifícios expiatórios (SCHEID, 1981SCHEID, John. Le délit religieux dans la Rome tardo-républicaine. In: Le délit religieux dans la cité antique. Actes de la table ronde de Rome (6-7 avril 1978) . Roma: École Française de Rome , 1981. p. 117-171. (Publications de l'École française de Rome, 48)., p. 107-108). Podemos tomar como exemplo desta expiação religiosa a passagem em que Tácito narra a acusação de incesto de Junia Calvina e seu irmão Lucius Silanus (Tac. Ann. 12.8). Esta acusação teria servido para Agripina banir Junia Calvina de Roma e teria levado ao suicídio de seu irmão, Lucius Silanus, no dia do casamento de Cláudio e Agripina. Claudio então, como Pontifex Maximus, teria ordenado aos pontífices que realizassem os sacrifícios expiatórios para purgar o suposto incesto:

Die nuptiarum Silanus mortem sibi conscivit, sive eo usque spem vitae produxerat, seu delecto die augendam ad invidiam. Calvina soror eius Italia pulsa est. addidit Claudius sacra ex legibus Tulli regis piaculaque apud lucum Dianae per pontifices danda, inridentibus cunctis quod poenae procurationesque incesti id temporis exquirerentur (Tac. Ann. 12.8.).

Silano cometeu suicídio no dia do seu casamento. Ou ele tinha levado à frente repleto de esperança vital ou escolheu o dia para potencializar o ressentimento. A sua irmã Calvina foi exilada da Itália, Claudio acrescentou cerimônias em conformidade com as leis do rei Túlio, com sacrifícios expiatórios oferecidos pelos pontífices no bosque de Diana, em meio a zombarias esse era o momento escolhido para a punição e expiação do incesto (Tac. Ann. 12.8.).19 19 Tradução da autora.

As zombarias citadas por Tácito podem ter ocorrido pelo fato de que ação expiatória pode ter sido considerada uma hipocrisia, uma vez que Cláudio era tio de Agripina, sua esposa, e esta relação também poderia ter sido considerada incestuosa. Cabe lembrar que o casamento entre um tio e sua sobrinha era interditado até então, mas invocando-se razões de Estado, Claudio fez com que a interdição fosse alterada pelo senado em 49, permitindo assim que o imperador se casasse com a sua sobrinha Agripina (Tac. Ann. 12.5; Suet. Claud. 26), evitando assim que este pudesse ser considerado um casamento incestuoso.

Bierkan et al. argumentam que um casamento incestuoso era qualquer casamento contraído em discordância com as leis (BIERKAN et. al., 1907BIERKAN, Andrew T., Charles P. Sherman, e Emile Stocquart Jur . “Marriage in Roman Law”. The Yale Law Journal 16, no. 5, 1907, p. 303-27., p. 305), Guarino, porém, afirma que o matrimônio incestuoso não é matrimônio, pois é juridicamente inexistente, é reduzido juridicamente a uma união sexual ilícita entre pessoas que não podem contrair casamento nem concubinato (GUARINO, 1942GUARINO, Antonio. Studi sull'incestum. Napoli: G.U.F., 1942., p. 188). De todas as formas, vemos que Claúdio manipula as leis para garantir que não possa ser acusado de incesto.

Uma outra estratégia utilizada por Cláudio para burlar esta interdição refere-se ao casamento de Nero com Otávia. Pela lei romana, embora nascidos de pais diferentes, uma vez que foram criados juntos, eram irmão e irmã. Assim, para evitar problemas, Cláudio organizou para que Otávia fosse adotada por outra família antes do casamento, o que anularia seu status legal de irmã de Nero (BARRET, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p.153).

Neste sentido, é importante ressaltar que num mundo em que as adoções, ainda que amiúde com caráter político e econômico, eram frequentes, as relações sexuais com filhos e parentes adotivos também eram consideradas de incestuosas:

The Roman definition of incest included unions between parent and child (or grandparent and grandchild), between siblings or half-siblings (even if one was illegitimate[…]; step-parents and step-children, and parents and adopted children; marriage between adoptive siblings was possible if one of them had been emancipated from paternal power (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 128).

Os Banquetes e os incestos de Calígula

Vimos que os autores acusam Calígula de cometer incesto com suas irmãs através da prática criminosa do stuprum. Todavia, a grande maioria dos autores apenas cita de passagem que Calígula tinha as relações incestuosas com suas irmãs, provavelmente copiando a informação de alguma fonte anterior, dando continuadade à construção de uma memória iniciada muitos séculos antes, sem, contudo, apontar as razões para tal acusação. Suetônio, porém, descreve algumas situações que ilustrariam o incesto. Dentre elas destacamos a situação dos banquetes, que não é analisada por seus biógrafos recentes.

Todavia, antes de passarmos diretamente para esta análise é necessário compreendermos a importância dos banquetes em Roma. Este era um dos principais rituais da sociedade romana (KASTENMEIER, 2007KASTENMEIER, Pia. I Luoghi del lavoro domestico nella casa pompeiana. Studi della Sprintendenza archeologica di Pompei, 23. Roma: L` Erma di Bretschneider, 2007., p. 89), de importantes dimensões sociais:

Le banquet […] convivium en latin, est le repas partagé. Il constitue un repas singulier qui sort de l'ordinaire par ses dimensions sociale, religieuse et politique[…] Le banquet exprime les valeurs communes des sociétés et formule une idéologie, une norme sociale et résolument humaine. Il est une des formes antiques du bonheur (DECKERT, Le Banquet de Marseille à Rome, 2017DECKERT, Gilles (org.). Le Banquet de Marseille à Rome: Plaisirs et jeux de pouvoir. Paris: Lienart, 2017.).

Se por um lado temos os fortes vínculos entre os banquetes e os sacrifícios (SCHEID, 1985SCHEID, John. Sacrifice et banquet à Rome. In: Mélanges de l'École française de Rome. Antiquité, tome 97, n. 1, 1985, p. 193- 206, p. 194), sabemos que aos poucos os banquetes foram perdendo seu caráter religioso, mas mantiveram um papel social e político importante.

No século I d.C., de acordo com as fontes escritas, os banquetes da casa Imperial eram muito caros e mantiveram uma tradição de muito luxo e exibicionismo: “[…] ed era la stessa casa imperiale ad offrire l’esempio di una assoluta disinibizione nel profondere denaro in simposi […] i conviti private continuano l'ormai consolidata tradizione di lusso e di esibizione” (COMPOSTELLA, 1992COMPOSTELLA, Carla. Banchetti pubblici e banchetti privati nell'iconografia funeraria romana del I secolo d. C. In: Mélanges del 'École française de Rome. Antiquité, tome 104, n. 2. 1992, p. 659-689., p. 678). Assim, a posição ocupada pelas irmãs de Calígula não teria sido algo desapercebido ou sutil e não teria nada de casual.

Sobre este contexto, Susan Wood faz uma importante observação considerando que as acusações de incesto se davam em função do lugar público ocupado pelas irmãs de Calígula:

Accusations of incest between Caligula and his sisters were probably fueled by the fact that they played the sort of public ceremonial role normally reserved for a wife: for example, they took turns sitting at the place of honor at state banquets on the dining couch […] (WOOD, 1995WOOD, Susan. Diva Drusilla Panthea and the Sisters of Caligula . American Journal of Archaeology, v. 99, n. 3, p. 457-482, 1995. , p. 459).

Entretanto, embora a autora mencione a posição de honra ocupada pelas irmãs de Calígula nos banquetes, ela não desenvolve esta ideia. É importante ressaltar que a citada posição não era vista em Roma apenas como uma posição de honra. Assim, consideramos essencial nos aprofundarmos na questão para uma melhor compreensão das leituras das fontes e de quais os motivos teriam levado à interpretação de que a localização das irmãs de Calígula nos banquetes estaria relacionada ao incesto.

Sobre as posições nos banquetes, a cultura material20 20 Para detalhes e inúmeros exemplos tanto das pinturas parietais pompeianas, quando da prataria, cf. Cavicchioli, 2009. nos mostra que romanos livres e com condições financeiras21 21 Existem algumas execessões de pessaos que não se reclinavam por estarem em luto, serem comandantes militares, pessoas em posição de humilhação ou como demonstração de rejeição ao ócio, prazer e luxúria, representados pelo ato de reclinar (cf. ROLLER, 2006, p. 84-92). costumavam jantar reclinados em uma espécie de semi-leito chamado triclinium,22 22 Triclinium também era o nome do ambiente, sala ou espaço aberto que dava para um jardim, onde se realizavam os banquetes. onde os homens comiam reclinados e as mulheres, em geral, ao seu lado (CAVICCHIOLI, 2007CAVICCHIOLI, Marina R. Comer, beber e viver: festa e êxtase alimentar. In: MIRANDA, Danilo S. e CORNELLI, Gabriele. Cultura e alimentação: saberes alimentares e sabores culturais. São Paulo: Sesc, 2007, p. 50-57., p. 55). Há de se ressaltar que, no período arcaico e republicano, as mulheres geralmente jantavam sentadas, como uma forma de demonstrar pudor, mas com uma evolução dos costumes, passaram, na maior parte das vezes, a também jantar reclinadas ao lado de seus maridos (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 15).

Suetônio, associando o incesto à posição das irmãs de Calígula, comenta:

Cum omnibus sororibus suis consuetudinem stupri fecit plenoque convivio singulas infra se vicissim conlocabat uxore supra cubante (Suet. Calig.24.1).

Manteve relacionamento incestuoso com todas as suas irmãs e em um banquete cheio de convivas, colocava cada uma embaixo dele enquanto a sua esposa ficava em cima (Suet. Calig. 24.1).23 23 Tradução da autora.

As posições embaixo e em cima referem-se à localização em que as irmãs de Calígula e sua esposa reclinavam-se nos banquetes ao lado dele. Vemos que o comentário das posições delas nos banquetes aparece logo após a questão do incesto, o que pode nos levar a supor que esta seria uma prova, ou um exemplo, que justificaria seu comentário sobre o incesto.

Matthew Roller, um estudioso das posturas nos banquetes, embora não pretenda focar na questão do incesto de Calígula, pode nos oferecer maiores subsídios para esta importante reflexão. Em seu livro Dining Posture in Ancient Rome (2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006.), Roller pesquisa uma série de fontes escritas e da cultura material analisando as posturas usadas nos banquetes e seus valores simbólicos. Ele demonstra que os casais de elite são especialmente bem representados nas fontes sobre a Roma imperial que trazem casais com conexões sexuais legítimas reclinando juntos (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 118-120), pois, de acordo com a convenção, os casais lícitos, especialmente marido e mulher, reclinavam juntos nos jantares (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 20; ROLLER, 2003ROLLER, Matthew B. Horizontal. Women: Posture and Sex in the Roman Convivium. American Journal of Philology, v. 124, n. 3, p. 377-422, 2003., p. 81).

Devemos considerar, contudo, que os banquetes eram por vezes espaços erotizados. As pinturas parietais com representação de banquetes mostram esses ambientes sob essa luz. Além disso, havia objetos para consumo de alimentos com iconografia erótica, bem como, em Pompeia, na qual muitos dos locais em que se realizavam os banquetes, os triclinea, eram decorados com pinturas de cenas eróticas, até mesmo com a representação de atos sexuais (CAVICCHIOLI, 2009CAVICCHIOLI, Marina R. A sexualidade no olhar: um estudo da iconografia pompeiana. Campinas: Editora da Unicamp, 2009., p. 102). Deste modo, a cultura material presente nos banquetes não deixa dúvidas que os antigos romanos ligavam o prazer sexual com os prazeres da mesa (VARONE, 2000VARONE, Antonio. Eroticism in Pompei. Roma: L` Erma di Bretschneider , 2000., p. 45.). A literatura também nos brinda com vários exemplos dessa associação, como, por exemplo, o poeta Ovídio, que escreveu: “A comida e o vinho servem alegremente para tornar mais afáveis os jogos de sedução” (Ov. Ars am. 1.571). Assim, o momento do convivium poderia ser entendido como um prelúdio para a atividade sexual (VARONE, 2000VARONE, Antonio. Eroticism in Pompei. Roma: L` Erma di Bretschneider , 2000., p. 41).

Roller assinala que o fato de uma mulher aparecer deitada ao lado de um homem com quem não tinha relações lícitas, levava à suposição de “excessos sexuais” (ROLLER, 2003ROLLER, Matthew B. Horizontal. Women: Posture and Sex in the Roman Convivium. American Journal of Philology, v. 124, n. 3, p. 377-422, 2003., p. 84) ou stuprum, relações sexuais ilícitas (ROLLER, 2003ROLLER, Matthew B. Horizontal. Women: Posture and Sex in the Roman Convivium. American Journal of Philology, v. 124, n. 3, p. 377-422, 2003., p. 82). Isto porque o momento do convivium era também uma chance para deixar-se levar, para se abandonar a novas relações sexuais ou ao menos sentir-se tentado a fazê-lo (VARONE, 2000VARONE, Antonio. Eroticism in Pompei. Roma: L` Erma di Bretschneider , 2000., p. 41). Roller argumenta que qualquer romano provavelmente concordaria que em um banquete uma mulher que se reclina abaixo de um homem declara sua conexão sexual com ele (ROLLER, 2003ROLLER, Matthew B. Horizontal. Women: Posture and Sex in the Roman Convivium. American Journal of Philology, v. 124, n. 3, p. 377-422, 2003., p. 85) uma vez que era comum que os casais que estavam reclinados juntos para o jantar depois se retirassem para a cama para fazer sexo (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 120). Em vista disto, a posição das irmãs de Calíguala no banquete descrita por Suetônio seria contrária às convenções, uma vez que pessoas não casadas reclinadas juntas era algo considerado completamente ilícito e transgressivo (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 120). Assim, a respeito da fala de Suetônio, Roller faz a seguinte interpretação:

Suetonius apparently infers the stuprum from the visible ordering of the dinners on the couches. Here the outrage is in the openness of the transgression -anyone can “read it off” from the diner's position- along with the wife's displacement from her rightful position. This is not that kind of transgression envisioned in the elegiac tests, where lovers pursue sexual encounters around and outside the “legitimate” relationship symbolized by reclining together to dine (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 121).

Todavia, é importante ressaltar que Suetônio não é uma fonte contemporânea a Calígula. Contudo, a fonte contemporânea a Calígula, Plínio, o velho, narra que havia visto Lollia Paulina,24 24 Lollia Paulina foi a terceira esposa de Calígula, o casamento paraece ter ocorrido em 38 d.C. e ter durado apenas cerca de seis meses. esposa de Calígula, reclinada em um banquete ao seu lado, coberta de joias:

Lolliam Paulinam, quae fuit Gai principis matrona, ne serio quidem aut sollemni caerimoniarum aliquo apparatu sed mediocrium etiam sponsalium cena vidi smaragdis margaritisque opertam alterno textu fulgentibus toto capite, crinibus, [spira] auribus, collo, [monilibus] digitis, quae summa quadringenties sestertium colligebat [...]ex altera parte Lolliam unam imperatori mulierculam accubantem[...] (Plin. HN. 9.117-19).

Eu vi Lollia Paulina, que era esposa do imperador Gaius, nem sequer em alguma cerimônia séria ou solene, mas na realidade em um banquete de noivado mediano, coberta de esmeraldas e pérolas alternadamente entrelaçadas e brilhando por toda a cabeça, cabelos, orelhas, pescoço, dedos, os quais a soma reunia 40.000.000 de sestércios [...] e do outro lado do imperador estava deitada Lollia, uma mulherzinha deitada [...] (Plin. HN. 9.117-19). 25 25 Tradução da autora.

Assim, temos uma fonte de época que narra esta estrutura tradicional entre marido e mulher reclinados juntos, com Calígula e sua esposa. O excesso comentado por Plínio relacionava-se às joias de Lollia Paulina, e não à posição das irmãs de Calígula no banquete. Obviamente, isto não significa que em outros momentos Calígula não possa ter se reclinado com suas irmãs, porém, não é o que a fonte de sua época, que esteve presente, menciona.

Diferentes Percepções e a construção da memória de Calígula

Um dos problemas nos estudos sobre incesto no mundo romano é, de acordo com Moreau, a ênfase na questão jurídica e o tratamento superficial dado às questões sociais e culturais, como, por exemplo, a recepção das normas jurídicas pelas sociedades por elas implicadas (MOREAU, 2003MOREAU, Phillipe Salvatore PULIATTI. Incesti crimina. Regime giuridico da Augusto a Giustiniano. In: L'antiquité classique , 2003, t. 72, p. 593-597., p. 593-594). Neste sentido, ele considera que poderia haver divergência entre uma moral aristocrática helenizada, permeada pelo debate filosófico do incesto, e uma moral comum, que proclama o horror absoluto sobre as relações incestuosas (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 35). Rodrigues, seguindo a mesma linha de pensamento, considera sobre as acusações de incesto de Calígula:

[…] a esta acusação se juntava a de incesto, entre o imperador e a irmã, pelo que não podemos deixar de levantar várias hipóteses interpretativas relativamente a tais rumores, que vão da leitura literal do que se afirma, à possibilidade de se tratar de uma percepção popular e distante de um comportamento com implicações político-filosóficas, designadamente de raiz oriental, bem mais complexas do que a mera carnalidade (RODRIGUES, 2008RODRIGUES, Nuno S. Agripina e as outras. Redes femininas de poder nas cortes de Calígula, Cláudio e Nero. Gérion, n. 26, p. 281-295, 2008., p. 286).

Devemos destacar que fora de Roma, no Oriente e mesmo na Grécia, o incesto não era visto da mesma forma. Os gregos, por exemplo, não viam o relacionamento com parentes adotivos como incesto (BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 153). O casamento com meio irmãos era legal tanto na Grécia como na Pérsia (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 128). Em algumas outras regiões do Mediterrâneo Oriental, sob o domínio de Roma, bem como no Egito, era comum o casamente entre irmãos (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 292; GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 128; RODRIGUES, 2008RODRIGUES, Nuno S. Agripina e as outras. Redes femininas de poder nas cortes de Calígula, Cláudio e Nero. Gérion, n. 26, p. 281-295, 2008., p. 285). Neste sentido, é importante destacar que Roma aplicava suas regras contra o incesto apenas aos cidadãos romanos, seja na Itália ou nas províncias (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 87-105). Vale a pena notar que o governo romano não sentiu necessidade de forçar não cidadãos a aceitar seu tabu religioso e social por incesto - era apenas o casamento de cidadãos romanos com parentes próximos que era um problema -, já que a vida privada de provinciais não cidadãos não era uma preocupação (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 129).

Entretanto, é importante compreender que a tolerância romana em relação aos não cidadãos vinha do fato de que a definição rigorosa do que era qualificado como incesto servia também como um fator de identidade, como algo que distinguia os romanos dos outros povos (MOREAU, 2002MOREAU, Philippe. Incestus et prohibitae nuptiae. L’inceste à Rome. Paris: Les Belles Lettres, 2002., p. 87-105). É a partir dessa premissa que a relação incestuosa entre Calígula e suas irmãs recebe algumas de suas interpretações.

Alguns autores defendem que Calígula cometia incesto com suas irmãs seguindo um modelo de príncipe oriental (RODRIGUES, 2008RODRIGUES, Nuno S. Agripina e as outras. Redes femininas de poder nas cortes de Calígula, Cláudio e Nero. Gérion, n. 26, p. 281-295, 2008., p. 285), divinizado, no qual a linhagem de sangue seria muito importante. A esse respeito Barrett comenta que a história de incesto de Calígula com Drusilla é o exemplo mais frequentemente citado da suposta mania do imperador por coisas egípcias, alegando-se que isso ocorria porque o imperador se inspirava nas práticas faraônicas ou ptolomaicas, que toleravam o casamento entre os irmãos da dinastia real, a fim de preservar a linhagem sagrada. (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 292).

Um dos autores a defender esta ideia é Fratantuono para quem Calígula teria optado por uma monarquia autocrática por ter considerado que esta seria a melhor solução para os problemas do governo de um império tão vasto (FRATANTUONO, 2018FRATANTUONO, Lee. Caligula - An Unexpected General. Barnsley: Pen & Sword Military, 2018., p. 345). Este autor considera que o reflexo disto nas relações familiares, considerando a preocupação com a manutenção da sucessão imperial como um assunto de família, é que poderia ter levado ao incesto (FRATANTUONO, 2018FRATANTUONO, Lee. Caligula - An Unexpected General. Barnsley: Pen & Sword Military, 2018., p. 345-346). Para Frantantuono, as fontes antigas estão corretas e Calígula teve relações incestuosas com Drusila, Livilla e Agrippina, adontando a prática do Egito ptolomaico (FRATANTUONO, 2018FRATANTUONO, Lee. Caligula - An Unexpected General. Barnsley: Pen & Sword Military, 2018., p. 346)

Consideramos, porém, que o argumento de Frantantuono não nos parece sustentável, isto porque Suetônio narra que as relações incestuosas de Calígula com Drusila se iniciaram ainda na infância e tiveram continuidade na adolescência, quando ambos eram educados juntos na casa da avó Antônia, que os pegou em flagrante (Suet. Cal. 24:1).26 26 Ex iis Drusillam vitiasse virginem praetextatus adhuc creditur atque etiam in concubitu eius quondam deprehensus ab Antonia avia, apud quam simul educabantur […] (Suet. Cal. 24:1). Assim, a relação incestuosa já ocorria muito antes de haver uma perspectiva séria dele se tornar um imperador. Um outro argumento interessante, apresentado por Barrett, é o fato de que é difícil conciliar uma obsessão pela pureza da linhagem uma vez que Drusila teve dois maridos e Calígula quatro esposas (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 292).

Uma outra possibilidade de leitura é a ideia, bastante difundida, de que o incesto, associado a uma visão oriental ou não, fazia parte da construção de uma narrativa de um imperador tirano (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 118; CHARLES e ANAGNSTOU-LAOUTIDES, 2010CHARLES Michael B., Anagnostou-Laoutides Eva. The Sexual Hypocrisy of Domitian: Suet., Dom. 8, 3. In: L'antiquité classique, tome 79, 2010. p. 173-187., p. 177).

Para Wood, a acusação de que Calígula teve relações incestuosas com as três irmãs, especialmente com Drusila, a quem teria molestado quando ainda eram crianças, é um tipo de acusação recorrente na biografia romana de governantes odiados. A autora, assim, considera que esta acusação é automaticamente suspeita, uma vez que faz parte do estereótipo romano de um governante tirânico, que inclui o desprezo pelo mais sagrado dos tabus. Adicionando ainda, que isto ocorria sobretudo aos imperadors que tinham um fim trágico (WOOD, 1995WOOD, Susan. Diva Drusilla Panthea and the Sisters of Caligula . American Journal of Archaeology, v. 99, n. 3, p. 457-482, 1995. , p. 458). Neste sentido, Puccini-Delbey complementa que a tirania, na antiguidade, representa o pior dos regimes políticos, inimiga de todas as liberdades, e o tirano aparce como aquele que faz tudo o que quer, que é escravo dos desejos mais baixos; libidinoso, incestuoso, bestial, sanguinário; é uma figura-limite que se inclina para a desumanidade (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 253-254).

Desta forma, é relevante destacar que a alegação de que o imperador cometeu incesto com suas irmãs aparece pela primeira vez em Suetônio (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 16) e teve um forte impacto para a construção da má reputação de Calígula nas gerações posteriores (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 1), como vemos nos trechos já citados de Aurélio Vitor (Aur. Vict. De Vir. 3.10), Paulo Orósio (Oros.7.5.9) e Eutrópio (Etur.7.12.3).

É difícil afirmar quais teriam sido as fontes utilizadas por Suetônio, de onde ele teria extraído tais afirmações. Contudo, é interessante notar que, em outros momentos de sua narrativa sobre a vida de Calígula, Suetônio cita a documentação por ele utilizada. Um exemplo enfatizando a importância das fontes para este biográfo pode ser encontrado em sua narrativa sobre o local de nascimento do imperador, quando após citar outras versões e legitimando a sua, ele diz:

Ego in actis Anti editum invenio (Suet. Gaius, 8.2).

Quanto a mim, encontro no édito que ele nasceu em Âncio (Suet. Gaius, 8.2).27 27 Tradução da autora.

Porém, esta situação de enfatizar as fontes, ou mesmo citá-las, não ocorre quando o autor trata das relações incestuosas. Balsdon aponta que uma das fontes sobre Calígula utilizadas por Suetônio poderia ter sido seu próprio tio Claudio (BALSDON, 1934BALSDON, J.P.V.D. The Emperor Gaius. Oxford: Oxford University Press, 1934., p. 224), quem o sucedeu como imperador após seu assassinato. Fratantuono faz um estudo apontando outras possíveis fontes primárias que poderiam ter influenciado a escrita de Suetônio (FRATANTUONO, 2018FRATANTUONO, Lee. Caligula - An Unexpected General. Barnsley: Pen & Sword Military, 2018., p. 281, 283-286). Todavia, uma vez mais, trata-se de uma lacuna difícil de ser elucidada e sobre a qual realizar qualquer afirmação.

O que de fato é consensual entre os autores é que as acusações de incesto, verdadeiras ou falsas, podem ter sido usadas como um artifício político para difamar a memória de Calígula, talvez por Claudio e seus seguidores ou por algum dos adversários políticos ou inimigos de Calígula, pois:

A menção pública de atos sexuais violentamente reprovados […] É uma prática típica, principalmente por via da injúria contra o adversário que se pretende atingir, desacreditando-o na sua vida privada (PUCCINI-DELBY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p, 67).

Lembrando que na Antiguidade, as acusaçãoes de incesto eram não raramente feitas contra figuras proeminetes (BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 216). Nesta lógica, Winterling considera que estes relatos sobre Calígula têm o objetivo claramente reconhecível de descrever o imperador como um monstro irracional, fornecendo informações comprovadamente falsas para apoiar essa imagem e omitem informações que possam contradizê-la (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 18). O autor considera ainda que estes relatos apresentam as ações do imperador fora de contexto, para que seu significado original seja completamente obscurecido ou possa ser compreendido apenas com grande dificuldade, e que os autores antigos oferecem avaliações do comportamento de Calígula que muitas vezes contradizem outras informações contidas em suas próprias narrativas (WINTERLING, 2011, p. 18).

De fato, a maior parte dos biógrafos contemporâneos são céticos quanto às relações incestuosas de Calígula com suas irmãs. Balsdon, definido por Ferryl como um dos principais biógrafos de Calígula da modernidade (FERRIL, 1991FERRIL, Arther. Caligula. Emperor of Rome. Londres: Thames and Hudson, 1991., p. 82), afirma categoricamente que a acusação de incesto parece ser infundada (BALSDON, 1934BALSDON, J.P.V.D. The Emperor Gaius. Oxford: Oxford University Press, 1934., p. 201). Barrett considera que as acusações de incesto são particularmente difíceis de provar ou refutar, mas quando feitas sobre figuras impopulares da antiguidade distante, deve-se, como princípio geral, ser altamente cético, e no caso de Calígula devemos ser particularmente desconfiados (BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 61-62; BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 292).

Ferryl em contrapartida, critica ambos e parece, a nosso ver, pelas razões acima mencionadas, confiar em demasia nas fontes antigas ao considerar que os relatos do incesto de Calígula com as três irmãs provêm de registros antigos confiáveis que não deveriam ser, portanto, descartados de forma tão leviana como o fazem Barrett e Balsdon (FERRIL, 1991FERRIL, Arther. Caligula. Emperor of Rome. Londres: Thames and Hudson, 1991., p. 83).

Wilkinson alerta para o cuidado a ser tomado com as fontes, especialmente quando elas tocam no que ele chama de “personal traits and fetishes” (WILKINSON, 2005WILKINSON, San. Caligula. Londres; Nova Youk: Routledge, 2005., p. 82). Na mesma linha de raciocínio, Wood considera que os historiadores atuais devem olhar certas alegações dos historiadores antigos com grande ceticismo, particularmente aquelas vinculadas à má conduta sexual (WOOD, 1995WOOD, Susan. Diva Drusilla Panthea and the Sisters of Caligula . American Journal of Archaeology, v. 99, n. 3, p. 457-482, 1995. , p. 457). Winterling igualmente pondera sobre o uso das fontes e conclui que, ao comparar fontes contemporâneas a Calígula e tradições mais recentes com as posteriores, é possível eliminar informações falsas, como a alegação de incesto (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 20).

A nosso ver, a hipótese de Winterling é bastante coerente, uma vez que autores contemporâneos ao imperador, Sêneca, Filo e Plínio, não mencionam o incesto. Winterling e Barrett chamam a atenção para o fato de que Sêneca e Filo estavam familiarizados com os círculos aristocráticos de Roma e bem informados sobre o imperador, e dificilmente teriam falhado em mencionar essa acusação se ela estivesse em circulação na época (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 16; BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 61-62). Adicionamos o nome de Plínio aos autores citados por Winterling e Barrett uma vez que, como descrito anteriormente, ele também frequentava os mesmos ambientes que Calígula e também não menciona o incesto (Plin. HN. 9.117-19).

O mesmo vale para Tácito, embora seja uma fonte um pouco posterior. Em sua história do início do império, ele discute um pouco a vida dissoluta da jovem Agripina, que era irmã de Calígula e esposa de Cláudio, que viria a ser também imperador. Tácito até a considera capaz de ter tentado incesto com seu próprio filho, o imperador Nero (Tac. Ann. 12), porém não menciona ou insinua qualquer relação imprópria anterior com seu irmão Calígula. Para Barrett, o contexto era certamente apropriado para uma denúncia (BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Calígula. The Abuse of Power. Londres/Nova York: Routledge, 2015., p. 118), o que faz Winterling e Barrett considerarem que o autor teria mencionado qualquer incesto entre Agripina e o irmão dela, caso houvesse algum rumor. Acreditam, assim, que nenhuma alegação era conhecida por ele (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 16; BARRETT, 2015BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 118).

Assim sendo, a ausência de acusações de incesto provindas de Filo, Sêneca ou Tácito constitue prova a favor do imperador e é o argumento usado por Barrett para desconsiderar a realidade do incesto, uma vez que ele entende que estes autores são cruelmente hostis a Calígula e especialmente ofendidos por sua imoralidade (BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. 61-62).

Cabe-nos recoradar, ainda, que acusações como o incesto eram uma forma de invectiva muito tradicional contra personagens políticos (PUCCINI-DELBY, 2007, p. 67), e podem ter circulado secretamente durate a vida de Calígula ou, mais provavelmente, foram inventadas e publicadas em algum momento após a morte de Calígula (WINTERLING, 2011WINTERLING, Aloys, et al. Caligula: A Biography. Los Angeles: University of California Press, 2011., p. 16; WINTERLING, 2012WINTERLING, Aloys. Loucura Imperial na Roma Antiga. Revista História (São Paulo), v.31, n.1, p. 4-26, 2012., p. 6). Possivelmente, estas histórias de incesto, conforme já expusêmos anteriormente, foram criadas para a construção ou consolidação de uma memória negativa do tão criticado imperador. E:

Embora essas estórias tivessem pouca credibilidade para os contemporâneos e historiadores que escreviam com uma pretensão de verdade, elas foram retomadas por autores posteriores, levadas a sério e transmitidas adiante (WINTERLING, 2012WINTERLING, Aloys. Loucura Imperial na Roma Antiga. Revista História (São Paulo), v.31, n.1, p. 4-26, 2012., p. 6).

Considerações finais

Percebemos que as noções a respeito das interdições sexuais nada têm de natural. Se por um lado o incesto não é aceito em Roma, e é até mesmo criminalizado, por outro ele não é tabu em outras sociedades antigas, como por exemplo o Egito, onde é praticado e até mesmo incentivado entre as elites faraônicas para que se mantenham linhagens de sangue puras (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 128-129). Além disso, embora o incesto seja criminalizado em Roma, os romanos o aceitavam se praticado por não romanos, mostrando uma relação de identidade e auteridade que também se constrói através dos valores ligados à sexualidade, e demonstrando, ainda, que o incesto nada tem de universal. Ainda neste sentido, percebemos que as regras sobre stuprum e adulterium não se aplicavam da mesma maneira a todas as pessoas; valiam apenas para aqueles com status honroso. E trazem, marcadamente, distinções normativas sobre os gêneros, já que a fidelidade cabia à mulher; ao homem era interditado ter relações sexuais fora do casamento com uma matrona, uma mulher honrosa (da aristocracia), mas o concubinato, e mesmo o fornicatio com uma mulher de status não respeitável, como uma escrava ou uma prostituta, eram aceitos. O que demostra o caráter elitista da lei e da moral romana.

Ademais, também não eram universais os conceitos de incesto, adultério ou estupro. O consentimento sexual, por exemplo, não era a chave de leitura para o stuprum romano, mas sim as relações consideradas lícitas, que buscavam preservar a integridade da família e a garantia do nascimento de novos cidadãos. Do mesmo modo, o incestum envolve também as relações sexuais das vestais com quem quer que seja, mesmo que não haja relações familiares envolvidas, já que sua sexualidade poderia por em risco a pax deorum e, com isto, o próprio Estado romano.

É, deste modo, que a sexualidade em Roma passa a ser considerada mais do que um problema pessoal, familiar ou simplesmente religioso, para tornar-se um problema de Estado. E é neste contexto que as acusações feitas ao imperador são muito graves. O imperador deveria ser o mais casto, o exemplo a ser seguido, já que suas ações tocam a todo o povo romano. Afinal, ele é o pater patriae, o pai da patria (GRUBBS, 2015GRUBBS, Judith Evans. Making the Private Public: Illegitimacy and Incest in Roman Law. In: ANDO, Clifford e RUPKE, Jorg. Public and Private in Ancient Mediterranean Law and Religion. Berlim/Munich/Boston: De Gruyter, 2015, p. 115-142., p. 116).

Não temos como afirmar seguramente se houve ou não relações incestuosas entre Calígula e suas irmãs. Sabemos, porém, que a memória do imperador Calígula foi se modificando desde as primeiras biografias, talvez com o intuito de construir uma memória ainda mais perturbadora de sua loucura, com práticas sexuais que eram reprováveis e ilícitas. Consideramos, contudo, que “[…] a figura do tirano violador faz parte do discurso político, e os historiadores antigos enunciavam-na nas suas múltiplas variações” (PUCCINI-DELBEY, 2010PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida Sexual na Roma Antiga. Lisboa: Texto & Grafia, 2010., p. 254).

Sabemos que o fato de colocar suas irmãs ao seu lado nos banquetes (o que também não sabemos se é verdade) já se constituiria em uma forma de transgressão para as normatizações sobre a conduta feminina em sua época. Neste sentido, percebemos que os estudos de gênero e sexualidade são importante campo a ser explorado por serem capazes de oferecer um novo olhar interpretativo. Do mesmo modo, a história da alimentação e suas práticas trazem novas contribuições aos estudos tradicionais - afinal, uma simples posição num banquete é um locus de interceção entre prática, gênero e ética (ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 97).

Embora a questão do incesto permaneça polêmica, é relevante ressaltar que mesmo que seja apenas uma narrativa inventada, ela se perpetuou por cerca de dois milênios e se consolidou na memória coletiva sobre Calígula. Uma vez que, como aponta Barrett: “[…] historical reputations are a product of perception, not of reality” (BARRETT, 2005BARRETT, Anthony A. Agrippina: sister of Caligula, wife of Claudius, mother of Nero. Londres: B T Batsford Ltda, 2005., p. XII.). Assim, frisar a potência que uma determinada narrativa pode adquirir é confrontar-se com o poder que acusações têm de desarticular tecidos sociais, abalando ou enfraquecendo determinados grupos e legitimando outros, a exemplo do que hoje denominamos fake news.

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    » http://www.thelatinlibrary.com/orosius/orosius7.shtml
  • 1
    Tradução da autora.
  • 2
    Entre esses cuidados estava o de manter o fogo aceso durante todo o ano, apagá-lo no dia primiero de março de cada ano e reacendê-lo logo em seguida através de ramos de algumas árvores, especiais cuidar do seu transporte (GIANELLI, 1913GIANELLI, Giulio. Il sacerdozio delle Vestali romane. Firenze: Tipografia galletti e Cocci, 1913., p 26-28).
  • 3
    Submetidas ao poder de alguém.
  • 4
    Pessoas independentes, que não estavam submetidas ao poder de ninguém. Aqui provavelmente se encaixavam as vestais (CORNELL, 1978, p. 30).
  • 5
    Estas leis são hoje fragmentárias e só as conhecemos por meio de comentadores e escritores, suas informações constam em compilações e /ou comentários de juristas posteriores como o livro 48 do Digesto e no Código de Justiniano em geral, nas Sententiae de Paulo e na Collatio legum Mosaicarum et Romanarum. Na atualidade elas são muitas referidas apenas como Lex Iulia.
  • 6
    Inter liberas tantum personas adulterium stuprumve passas lex iulia locum habet (Pap. D.48.5.6).
  • 7
    Stuprum committit, qui liberam mulierem consuetudinis causa, non matrimonii continet, excepta videlicet concubina (Mod. D.48.5.35pr).
  • 8
    Si uxor non fuerit in adulterio, concubina tamen fuit, iure quidem mariti accusare eam non poterit, quae uxor non fuit [...] (Ulp.D.48.5.13.pr).
  • 9
    O termo para uma relação sexual não consentida, próxima ao conceito moderno de estupro, era stuprum per vim.
  • 10
    […] sed proprie adulterium in nupta committitur,[…] stuprum vero in virginem viduamve committitur […] (Pap.. D.48.5.6.1).
  • 11
    Adulterium in nupta admittitur: stuprum in vidua vel virgine vel puero committitur (Mod. D.48.5.35pr).
  • 12
    Lex stuprum et adulterium promiscui et kataxrystikwteron appellat (Pap. D.48.5.6.1).
  • 13
    Nosso interesse especial nesta lei se dá pelo fato dela estar em vigor no século primeiro, período em que viveu Calígula. Ele nasceu em 31 de agosto de 12 d.C. e morreu em 24 de janeiro de 41 d.C. Governou apenas poucos anos, de 37 d.C. até seu assassinato em 41 d.C.
  • 14
    In incesto, ut papinianus respondit et est rescriptum, servorum tormenta cessant, quia et lex iulia cessat de adulteriis (Ulp. D.48.18.4).
  • 15
    Não incluimos aqui Juvenal (Juv. Sat. 4.81) uma vez que ele usa a forma satírica e metafórica para se referir ao incesto.
  • 16
    Tradução da autora.
  • 17
    O fas representa o direito em conformidade com a vontade divina.
  • 18
    Si quis viduam vel alii nuptam cognatam, cum qua nuptias contrahere non potest, corruperit, in insulam deportandus est, quia duplex crimen est et incestum, quia cognatam violavit contra fas, et adulterium vel stuprum adiungit. denique hoc casu servi in personam domini torquentur[grifo nosso] (Mar.D. 48.5.8).
  • 19
    Tradução da autora.
  • 20
    Para detalhes e inúmeros exemplos tanto das pinturas parietais pompeianas, quando da prataria, cf. Cavicchioli, 2009CAVICCHIOLI, Marina R. A sexualidade no olhar: um estudo da iconografia pompeiana. Campinas: Editora da Unicamp, 2009..
  • 21
    Existem algumas execessões de pessaos que não se reclinavam por estarem em luto, serem comandantes militares, pessoas em posição de humilhação ou como demonstração de rejeição ao ócio, prazer e luxúria, representados pelo ato de reclinar (cf. ROLLER, 2006ROLLER, Matthew B. Dining posture in ancient Rome: bodies, values, and status. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 84-92).
  • 22
    Triclinium também era o nome do ambiente, sala ou espaço aberto que dava para um jardim, onde se realizavam os banquetes.
  • 23
    Tradução da autora.
  • 24
    Lollia Paulina foi a terceira esposa de Calígula, o casamento paraece ter ocorrido em 38 d.C. e ter durado apenas cerca de seis meses.
  • 25
    Tradução da autora.
  • 26
    Ex iis Drusillam vitiasse virginem praetextatus adhuc creditur atque etiam in concubitu eius quondam deprehensus ab Antonia avia, apud quam simul educabantur […] (Suet. Cal. 24:1).
  • 27
    Tradução da autora.
  • Dossiê Memórias e Mortes de Imperadores romanos (I a.C. – VI d.C.)

    Organizadoras: Margarida Maria de Carvalho, Rita Lizzi Testa & Janira Feliciano Pohlmann

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2020
  • Aceito
    04 Out 2020
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