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Engenheiros e fazendeiros em uma ferrovia de capitais caipiras: a Estrada de Ferro Araraquara e os contornos da grande empresa de serviços públicos na primeira república

Engineers and Farmers in a Railroad of Caipira Capitals: The Araraquara Railroad and The Contours of The Great Public Service Company in The First Republic

RESUMO

Esta pesquisa busca compreender a ação de fazendeiros e engenheiros na trajetória da Estrada de Ferro Araraquara, linha férrea que ligava a cidade de Araraquara à boca do sertão oeste de São Paulo no início do Século XX, São José do Rio Preto. A companhia, fundada em 1896 com capitais essencialmente locais em um período de dificuldades para os segmentos ligados ao complexo cafeeiro, teve uma curta e tumultuada vida como empresa privada, sendo objeto de interesses diversos em um ambiente de grande especulação econômica. Nesse contexto, destaca-se a atuação de um grupo de engenheiros que, tomando o controle acionário, promovem uma administração calamitosa, contraindo empréstimos de grande monta no país e no exterior, que culminou na falência e posterior encampação da companhia pelo Estado em 1919, num processo conturbado que envolveu grandes investidores do país e da Europa. A partir de fontes tais como os Relatórios de Exercícios da E. F. Araraquara e diversos jornais do período, o trabalho pretende compreender as vicissitudes da trajetória da ferrovia, a transformação no perfil dos acionistas, bem como as condições que permitiram a ação do grupo de engenheiros no controle e falência da companhia, processo permeado de estratégias e negociatas que elucidam os contornos da grande empresa de serviços públicos na Primeira República.

Palavras-chave:
Fazendeiros; capital ferroviário; engenheiros; mercado de capitais.

ABSTRACT

This research aims at analyzing the action of farmers and engineers in the history of the Araraquara Railroad (Estrada de Ferro Araraquara), a railway that linked the city of Araraquara to the western backwoods of São Paulo in the early 20th century, São José do Rio Preto. The company, founded in 1896 with essentially local capital during a period of difficulties for the groups linked to the coffee production complex, had a short and tumultuous life as a private company, being object of diverse interests in an environment of great economic speculation. In that context, the actions of a group of engineers stand our; by taking over the control of shares, they promoted a calamitous administration, taking huge loans at home and abroad, which lead to bankruptcy and later expropriation of the company by the State in 1919, in a turbulent process involving large investors from Brazil and Europe. Based on sources such as the Relatórios de Exercícios (E. F. Araraquara Exercises Reports) and several newspapers of that time, this paper intends to understand the difficulties of the railway trajectory, the transformation in the profile of the shareholders, as well as the conditions that enabled the group of engineers to take control and lead the company to bankruptcy, a process permeated by strategies and negotiations that elucidate the contours of the large utility company in the First Republic.

Keywords:
Farmers; Railway Capital; Engineers; Capital Market.

O presente artigo busca analisar a ação de fazendeiros e engenheiros na trajetória da Estrada de Ferro Araraquara (E. F. Araraquara), companhia criada em fins do século XIX em uma das capitais do café do interior de São Paulo. Aproveitando a sequência natural dos trilhos da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, a E. F. Araraquara tinha por objetivo alcançar o extremo oeste da porção ocupada do sertão paulista no início do século XX, a boca do sertão São José do Rio Preto. Além disso, a companhia visava o estratégico prolongamento até os Estados de Mato Grosso e Goiás, concessão alcançada com garantias estatais em 1908, e que alterou o status da companhia, ampliando sua capacidade de negócios, momento a partir do qual passa a atrair os mais variados interesses do país e do grande capital internacional.

Fundada em 1896 com capitais essencialmente locais, e contando com a participação majoritária de fazendeiros ligados ao cultivo de café entre os acionistas, a empresa teve um curto período de vida como companhia privada, apresentando ao longo do tempo inconstâncias em sua lucratividade, situação que teve como consequência a constante necessidade de empréstimos, especialmente a partir de fins da primeira década do século passado.

Naquele contexto, destaca-se a atuação de um grupo de engenheiros que, tomando o controle acionário da ferrovia, articulam empréstimos de grande monta no país e no exterior, gerando um déficit que culminou na quebra da companhia em 1914. Liderados pelo conhecido engenheiro, professor da Escola Politécnica de São Paulo, Álvaro de Menezes, o grupo foi responsável, conforme apontavam os síndicos judiciais do processo de falência, pela “administração criminosa” que levou a companhia ao estado de calamidade financeira em que se encontrava.

Bastante comentado na imprensa, o processo colocou de lados opostos grandes interesses do país e da Europa, e teve como resultado o controle da companhia por investidores internacionais; sob a administração de seu representante, Paul Deleuze, a companhia apresenta diversos problemas para a manutenção regular dos serviços, situação que provocou a reação do Governo estadual, que encampou a empresa em 1919.

As condições que marcaram a trajetória da E. F. Araraquara foram dadas pelo contexto da economia paulista na passagem do século XIX ao XX; o desenvolvimento do complexo cafeeiro promoveu dentre outros fatores o rápido crescimento da população do Estado, engendrando um intenso processo de urbanização e ampliação dos serviços públicos (SAES, 1986SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986.).

Além disso, o crescimento do mercado de capitais promoveu um boom na bolsa de valores paulista; o aumento do número de investidores foi acompanhado por um movimento de diversificação de oportunidades, representadas em sua maioria pelos títulos públicos, ações e debêntures de empresas (HANLEY, 2001HANLEY, Anne. A Bolsa de Valores e o financiamento de empresas em São Paulo (1886-1917). Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v. 4, n. 1, 115-142., 2001.). Naquele contexto, tinham destaque as companhias ferroviárias, ao lado dos bancos, como os investimentos mais seguros e de maior retorno financeiro, situação que se dava pelas garantias estatais aos empreendimentos ferroviários (CECHIN, 1978CECHIN, José. A construção e operação das ferrovias no Brasil do século XIX. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1978.)1 1 Sobre a relação entre o Estado e as companhias ferroviárias ver também TOPIK (1987) e GRANDI (2013). , vantagens que faziam do setor um dos alvos principais no contexto de grande especulação que marcou a economia paulista no início do século XX.

O ambiente especulativo era inflado pela presença marcante do capital internacional na economia brasileira daquele período, atuando preferencialmente, de acordo com Saes, no setor bancário e em grandes empresas de serviços públicos (SAES, 1986SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986., p. 167); para Lanna (2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 19), aquele ambiente especulativo norteou a criação de diversos empreendimentos ferroviários no país.

A trajetória da E. F. Araraquara reflete aquele processo; surgida como uma empresa cujos investidores eram ligados ao grande capital cafeeiro, assim como várias de suas congêneres mais antigas, refletiu em suas atividades as inconstâncias da economia no período, e as perspectivas de lucro advinham menos dos resultados apurados no tráfego do que com as concessões e garantias estatais, que além da valorização da empresa possibilitavam empréstimos de grande monta no país e no exterior.

A transformação no perfil dos acionistas - de fazendeiros cafeicultores do interior a engenheiros industriais ligados ao mercado financeiro -, e as estratégias e negociatas que culminaram na falência e no controle da companhia pelo grande capital internacional, refletem os processos que marcaram o desenvolvimento da rede ferroviária paulista, e seu estudo pode contribuir para um entendimento mais preciso das sinuosidades que marcaram o estabelecimento da grande empresa de serviços públicos no Brasil na Primeira República.

Um “negócio moderno” no sertão: a fundação da E. F. Araraquara

Surgida em 1895, a E. F. Araraquara se origina a partir da concessão do Estado de São Paulo à Casa Bancária Lara Magalhães & Foz e a Guilherme Lebeis para construção e exploração de uma estrada de ferro ligando Araraquara à pequena vila de Ribeirãozinho, hoje Taquaritinga, com a extensão de 82 km (E. F. Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. ). Sua organização deu-se num contexto de expansão da malha ferroviária paulista; apesar das medidas restritivas do período pós-encilhamento, que dificultavam o surgimento de novas empresas, as mudanças implementadas pelo Governo a partir da promulgação da Lei nº. 30 de 1892, que regulamentava a concessão de linhas férreas no Estado, deram novo impulso ao segmento ferroviário.

Considerada por Adolpho Pinto (PINTO, 1903PINTO, Adolpho Augusto. História da viação publica de São Paulo (Brasil). São Paulo: Typographia e Papelaria de Vanorden & Cia., 1903., p. 77-80) como a responsável pela “quarta fase” de desenvolvimento da malha ferroviária paulista, a lei constituiu um importante fator para a expansão das linhas em fins do século XIX, uma vez que resultava, na prática, no fim da garantia de zona das estradas de ferro, sendo permitido, a partir daquele momento, “qualquer outra (ferrovia) atravessar a mesma zona, cruzando a linha, sujeita, porém, ao ônus proveniente do cruzamento” (NUNES, 2005NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005., p. 58).

Naquele contexto, observa-se um novo surto de ampliação da malha ferroviária paulista, e ao lado de diversos trechos concedidos às companhias mais antigas, como a Paulista e Sorocabana, novas linhas são criadas, como as companhias E. F. Araraquara, E. F. Noroeste e E. F. Dourado (MATOS, 1974MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974., p. 95-99). Ressalte-se que tanto a Araraquarense quanto a douradense aproveitaram-se de desistências da Cia. Paulista para o prolongamento daquelas linhas, situação que demonstra como as novas ferrovias ocuparam espaços de exploração não abarcados pelos planos das grandes companhias ferroviárias surgidas anteriormente (Figura 1). Nunes descreve aquele processo:

Entre 1890 e 1915, pelo menos quatro ferrovias foram inauguradas para atender às novas regiões agrícolas, assim como se observa neste período a expansão das linhas das ferrovias já anteriormente estabelecidas. Além da Douradense, foram criadas a E. F. Araraquarense, em 1898, que se estendia em direção ao Mato Grosso, tendo suas linhas alcançado São José do Rio Preto em 1912, numa extensão de 204 km. Outra companhia importante foi a E. F. São Paulo-Goiás. Com início em Bebedouro, chegou a medir 149 km em direção a Goiás. A maior das quatro, a Noroeste do Brasil, foi fundada em 1904 e teve sua ligação entre Bauru (SP) e Porto Esperança (Mato Grosso) concluída em 1914, numa extensão de 1.218 km. (NUNES, 2005NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005., p. 56)

Figura 1 -
Mapa das Ferrovias de São Paulo em 1940.

Deste modo, a companhia surge em meio a um processo de prolongamento das linhas férreas paulistas rumo ao interior, num contexto marcado pelo estabelecimento de um vigoroso mercado de capitais, em que as companhias ferroviárias tinham lugar de destaque. Os movimentos de constituição da companhia, a primeira a se organizar nas bases da Lei de 1892, revelam os contornos do negócio ferroviário no período.

Ainda em fins de 1895, poucos meses depois de aprovada a concessão da nova estrada de ferro, uma série de artigos publicados no O Estado de São Paulo propagavam as potencialidades da região que seria servida pela futura ferrovia; tendo por título “De Araraquara a Ribeirãozinho”, os artigos traziam diversas informações sobre a economia e o desenvolvimento daquela porção do interior paulista, como a ocupação populacional, os maiores fazendeiros, a produção agrícola - com destaque para a atividade cafeeira -, chamando atenção para a grande valorização das terras que seriam servidas pelos trilhos (O Estado de São Paulo, nº. 6.203, p. 2, 29/10/1895; O Estado de São Paulo, nº. 6.204, p. 3, 30/10/1895; O Estado de São Paulo, nº. 6.209, p. 2, 04/11/1895; O Estado de São Paulo, nº. 6.210, p. 2, 05/11/1895O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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):

Os phenomenos de rápida valorização de terras a que me referi em artigo anterior, têm aqui specimens admiraveis. Entre elles é digno de nota o que se deu com as ‘terras do Tangerina’ ha poucos anos vendida por 14:000$000, e pelas quaes alguém ofereceu 300:000$000, oferta que foi delicadamente rejeitada por seu actual proprietário o sr. Carlos Baptista de Magalhães, um dos concessionários da estrada de ferro de Araraquara a Ribeirãozinho. (O Estado de São Paulo, nº. 6.209, p. 2, 04/11/1895O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

Após a concessão do Governo, Guilherme Lebeis e a Casa Bancária Lara Magalhães & Foz iniciam os procedimentos para a organização da companhia; amplamente divulgadas nos jornais, as subscrições para a compra das ações foram bastante concorridas, sendo dirigidas aos investidores da capital e interior do Estado2 2 As entradas de capital aos subscritores das ações eram feitas no Brasilianische Bank fur Deutschland, na capital, no Banco União de São Carlos de São Carlos do Pinhal e na Casa Bancária Lara Magalhães & Foz, em Araraquara (O Commercio de São Paulo, Anno IV, nº. 873, p. 3, 01/02/1896). .

Ressalta-se que as ferrovias de pequeno porte surgiram como um segmento novo no rol de títulos de companhias oferecidos aos investidores do período; mais baratos que os de suas congêneres de maior tamanho, que juntamente com as instituições bancárias eram os investimentos mais seguros do mercado (HANLEY, 2001HANLEY, Anne. A Bolsa de Valores e o financiamento de empresas em São Paulo (1886-1917). Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v. 4, n. 1, 115-142., 2001., p. 127-128), aquelas ferrovias apresentavam condições de investimento melhores que os demais títulos oferecidos, relativos a indústrias e companhias de serviços urbanos.

Tal condição se dava pelo grande montante de capital investido, além das garantias de mercado e de juros concedidas pelo governo3 3 Como explica Cechin, no Brasil as garantias e privilégios concedidos pelo governo eram o privilégio de zona (que vetava a outras companhias operar dentro de uma área de 30 Km ao longo do eixo da linha); a garantia de juros (todo o produto de uma chamada de capitais desde que autorizado teria assegurado um retorno mínimo de 5 a 7 por cento a partir do momento em que fosse efetivamente gasto na construção); subvenção quilométrica (ao invés da garantia de juros, o governo doava um montante de capital para cada quilometro de linha); isenção de direitos de importação dos materiais necessários à construção e operação; exploração do subsolo e comercialização de terras devolutas situadas na zona privilegiada. (CECHIN, 1978, p. 33). , vantagens que protegiam a empresa das vicissitudes da economia e das inconstâncias dos lucros do transporte. Além disso, tais companhias tinham acesso a um padrão de financiamento muito maior do que aquele suportado pelo mercado local: o capital estrangeiro (Figura 2).

Figura 2 -
Convocação para a assembleia de fundação da E. F. Araraquara, 1896.

Os trabalhos eram constantemente anunciados pela imprensa, que relatava com entusiasmo todos os passos das obras, desde a chegada dos materiais ao porto de Santos; naquele contexto, a ferrovia era também símbolo do progresso, alcançado enfim pelas populações daquela porção do sertão paulista.

A Companhia da Estrada de Ferro de Araraquara tem recebido nestes últimos dias grande quantidade de materiais para o prolongamento da linha desde a estação de Itaquerê até Matão. Monta a mais de trinta contos a importância do frete paga pelo transporte desse material. (O Estado de São Paulo, nº. 7296, p. 1, 10/11/1898O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

O primeiro relatório aos acionistas da E. F. Araraquara indica a presença de 10.000 ações distribuídas entre 182 subscritores (E. F. Araraquara, 1897ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1897. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp., 1897. , p. 9-15), número que se demonstra significativo, na medida em que revela a organização de uma grande empresa societária, bem diferente dos empreendimentos individuais e familiares existentes naquela porção do interior. Ninguém possuía individualmente mais do que 500 ações (5% do total), e o grupo dos onze maiores acionistas, que possuíam 200 ou mais ações, não controlava mais de 35% da empresa. Eram eles Carlos Baptista de Magalhães e João Borba (com 500 ações cada), João Almeida Leite de Moraes (400 ações), Conselheiro Bernardo A. Gavião Peixoto e João Mendes de Oliveira (300 ações cada), Joaquim Martins Lara (265 ações), Manoel Gonçalves Foz, Rogério Pinto Ferraz e Mafalda Pinto Ferraz (250 ações cada), Francisco Paula Correia da Silva e Paulino Costa Eduardo (200 ações cada).

Se incluíssemos nessa relação irmãos e filhos destes acionistas, com menor número de ações, o total não ultrapassaria 42% do capital subscrito, número bem inferior aos – do capital social exigido para a realização de assembleias; nesse sentido, os maiores acionistas não controlavam totalmente os destinos da companhia, que contava também com uma diversidade de pequenos investidores em seu quadro de acionistas.

Uma análise mais detalhada daqueles elementos revela o perfil dos investidores do grandioso empreendimento sertanejo; Carlos Baptista de Magalhães, Joaquim Martins de Lara e Manoel Gonçalves Foz eram sócios da Casa Bancária Lara, Magalhães & Foz, por meio da qual, ao lado de Guilherme Lebeis, foram os incorporadores da companhia. Todos eram grandes proprietários rurais e produtores de café na região de Araraquara.

Em 1895, Carlos Baptista de Magalhães e Joaquim Martins de Lara são listados pelo jornal O Estado de São Paulo entre os grandes proprietários rurais e produtores de café da região que futuramente seria servida pela E. F. Araraquara; ao seu lado, diversos outros futuros acionistas da companhia, como o Conselheiro Bernardo A. Gavião Peixoto, Antonio Joaquim de Carvalho, Sebastião Lebeis, Antonio J. de Carvalho Filho, Carlos Leoncio de Magalhães, Cel. Delphino A. de Carvalho, Dr. João Bernardino Cezar Gonzaga, Dr. Rodolpho Margarido da Silva, Dr. José Pinto Ferraz, José Pio Correia da Silva, Jorge Corrêa & Irmão, Leão Pio de Freitas, Leopoldino Meira de Andrade, Marcílio Pinto Ferraz, Paulino Soares de Souza e Rogerio Pinto Ferraz (O Estado de São Paulo, nº. 6.203, p. 2, 29/10/1895O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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; O Estado de São Paulo, nº. 6.204, p. 3, 30/10/1895; O Estado de São Paulo, nº. 6.209, p. 2, 04/11/1895; O Estado de São Paulo, nº. 6.210, p. 2, 05/11/1895).

Em 1898, Joaquim Martins de Lara e Manoel Gonçalves Foz assinavam, junto com outros lavradores de Araraquara, um convite público para a constituição, na cidade, da “União da Lavoura”. O manifesto era assinado por 15 importantes fazendeiros locais, onze deles subscritores da E. F. Araraquara; eram acionistas da companhia os lavradores João Almeida Leite de Moraes, Antonio de Toledo Piza, Antonio Lourenço Correa, Augusto Candido de A. Leite, Germano Xavier de Mendonça, João Affonso dos Santos, Joaquim Antonio Machado, Joaquim Martinho de Lara, Manoel de Paula Machado e Manoel Joaquim P. de Arruda (Lavoura e Commercio, SP, nº. 143, p. 2, 11/12/1899LAVOURA E COMMERCIO, SP, nº. 143, p. 2, 11/12/1899. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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).

Ao lado dos grandes proprietários de terras, o corpo de acionistas da E. F. Araraquara contava também com um grande número de pequenos investidores, que apostaram suas parcas economias, entusiasmados com a moderna forma de investimento. Do total de 182 subscritores listados no primeiro relatório aos acionistas, 53 detinham, no máximo, 10 ações, e somados não alcançavam 5% do total (E. F. Araraquara, 1897ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1897. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp., 1897. , p. 9-15). Muitos daqueles petits rentiers, sem experiência sobre o funcionamento das grandes companhias, não foram capazes de realizar os pagamentos das prestações de integralização do valor de suas ações, perdendo os direitos de seus investimentos; tal situação era assunto constante nos relatórios apresentados aos acionistas pela diretoria da companhia, que resolve judicialmente a situação em 1902, reavendo um montante de 2.573 ações de inadimplentes, que foram vendidas ou reemitidas (E. F. Araraquara, 1902ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1902. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1902. , p. 41-46; 1903, p. 53-57ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1902. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1903.).

Impressiona o fato de que mais de 25 % das ações estivessem em mãos de investidores que não cumpriram suas obrigações financeiras com a companhia, que vê seu corpo de acionistas reduzido de 187 indivíduos em 1902 para 149 em 1903. Este movimento indica a pouca experiência dos investidores interioranos com o novo tipo de empresa, bem como o alto índice de especulação presente no grande empreendimento.

Tal situação refletia-se na saúde financeira da companhia, prejudicando os trabalhos de instalação dos trilhos e atrasando o início das operações de tráfego; deste modo, a diretoria movimenta-se para conseguir capitais, e em março de 1898, em assembleia extraordinária de acionistas, é autorizada a contrair um empréstimo com a Companhia Edificadora do Rio de Janeiro, no valor de 600:000$000, para prosseguimento das obras (O Estado de São Paulo, nº. 7376, p. 3, 30/01/1899O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

Pelo contrato, assinado no mês seguinte, a empresa carioca comprometia-se a abater da dívida as ações declaradas em comisso, resgatadas judicialmente dos subscritores inadimplentes com a integralização do capital de seus títulos (E. F. Araraquara, 1901ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1901. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1901. , p. 3-4); além disso, o acordo previa a transformação do empréstimo em títulos ao portador (debentures), negociação concluída em 1899, quando a E. F. Araraquara realiza sua primeira emissão pública de debentures, no valor de mil contos de réis. O empréstimo, amplamente divulgado pelos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, RJ, Anno IX, nº. 76, p. 1, 17/03/1899JORNAL DO BRASIL, RJ, Anno IX, nº. 76, p. 1, 17/03/1899. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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; Jornal do Commercio, RJ, nº. 181, p. 8, 01/07/1899JORNAL DO COMMERCIO, RJ, nº. 181, p. 8, 01/07/1899. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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), deu origem a títulos que foram em parte adquiridos pela Cia. Edificadora, sendo o restante negociado nos mercados paulista e da capital federal (O Estado de São Paulo, nº. 7614, p. 3, 26/09/1899O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

Com o aporte de capitais e o alívio da questão financeira, a companhia dá seguimento aos planos de expansão dos trilhos, inaugurando o primeiro trecho, de 26 km, em 1898, e alcançando Ribeirãozinho em fins de 1901, com a extensão de 82 km (E. F. Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. , p. 4). Aquele foi o ponto final dos trilhos até 1908, quando as obras foram retomadas a partir da concessão do governo do Estado para a construção do trecho até Rio Preto, inaugurado em 1912, e da concessão federal até Jatahy-GO (E. F. Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. , p. 5-6).

Naquele período, as condições da economia brasileira traziam várias dificuldades ao segmento ferroviário; a desvalorização da moeda nacional durante o encilhamento teve como consequência o aumento dos custos de materiais e equipamentos importados. Além disso, as crises relacionadas ao café, especialmente as medidas de regulação do setor no início do XX, tiveram impacto nos fretes da companhia, bem como nas finanças de seus acionistas (SILVA; TOSI, 2014SILVA, André Luiz da; TOSI, Pedro Geraldo Saadi. Considerações sobre entrelaçamento de circuitos e produções na órbita do complexo cafeeiro: o caso da Companhia Estrada de Ferro Araraquara (1896 a 1909). Heera - Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada, v. 10, n. 16, p. 55-71, 2014.).

Nunes descreve aquele contexto, afirmando que ao aproximar-se a primeira guerra, os custos de manutenção do transporte ferroviário cresceram vertiginosamente, situação que dificultava ainda mais a saúde financeira das ferrovias; ao analisar os movimentos financeiros da E, F. do Dourado, o autor aponta que as despesas significavam 35% das receitas em 1909, aumentando para 42% em 1913 e 54,9% em 1914 (NUNES, 2005NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005., p. 67).

A E. F. Araraquara apresentava uma realidade ainda mais problemática; como se demonstra na Tabela 1, a companhia apresentou um alto custo de operação desde sua fundação, e as despesas do tráfego alcançaram proporções de até 75% das receitas ao longo da primeira década do século passado, representando nunca menos de 50%, excetuando-se o ano de 1906, que contou com uma grande safra de café, responsável pelo considerável aumento das rendas da companhia (E. F. Araraquara, 1907ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1907. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1907., p. 4).

Tabela 1 -
Receitas e despesas da E. F. Araraquara (1904ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1904. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1904.-1909).

Portanto, naquele momento a E. F. Araraquara vivenciava uma difícil situação financeira, que envolvia o constante crescimento dos custos de manutenção e as oscilações das receitas de transporte, dependentes das inconstâncias da economia cafeeira. A estratégia adotada para ultrapassar as dificuldades econômicas foi agilizar o prolongamento de suas linhas, visando dois objetivos principais: alcançar as prósperas regiões interioranas, responsáveis no futuro por um tráfego regular de cargas e passageiros, e especialmente conseguir do Estado as concessões e garantias de juros que promovessem a valorização da companhia e favorecessem o acesso ao almejado mercado de capitais europeu. A tática fica clara na mensagem do presidente companhia no relatório apresentado aos acionistas em 1909:

Tinha assim realisado a Companhia o seu primitivo projecto, vencendo todos os tropeços opostos pela baixa do cambio, que muito influiu sobre os preços do dispendioso material importado; e pela queda progressiva do preço do café, do que resultou a crise com que ainda luctamos e o consequente retrahimento dos capitaes.

Não obstante os obstaculos encontrados para a realisação do seu primitivo projecto, comprehendeu a Companhia que só caminhando pra frente, poderia ella adquirir maiores forças, segundo o lemma conhecido e com propriedade aplicável á hypothese. (E. F. Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. , p. 4)

O apoio do Governo, especialmente na forma de garantia de juros, constituía segundo Lanna um dos mecanismos centrais de atração de investidores, sendo também um dos principais meios de obtenção de lucros no empreendimento ferroviário, “no geral mais decisivos do que eventuais dividendos advindos da exploração das linhas férreas” (LANNA, 2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 8-9).

A relação entre as garantias do poder público e a emissão de títulos é ressaltada pelo presidente da E. F. Araraquara no relatório apresentado na assembleia geral de 1909. Para o diretor, a garantia de juros conseguida junto ao governo para o prolongamento da linha até São José do Rio Preto facilitou a atração de capitais por parte da companhia:

Mas então tornava-se necessario recorrer ao auxilio do Estado; (...) e pelo Decreto n. 1607 de 8 de Maio de 1908 foi concedido pelo Estado garantia de juros de 6% sobre o capital.

Concedida essa garantia, foi fácil a Companhia conseguir capitaes necessarios para o desenvolvimenro de sua linha.

Autorizada pela assembléa geral extraordinária de 17 de Maio de 1908 a levantar um emprestimo até a quantia de oito mil contos de réis, a Diretoria achou mais conveniente por emquanto emitir debentures tão somente até a quantia de quatro mil contos; essa operação foi realisada com felicidade, sendo as obrigações emittidas ao typo de 87 e com os juros de 8%. (E. F. Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. , p. 5)

O lançamento do empréstimo em debentures, no valor de 4.000 contos de réis, foi efetivado em julho de 1908, pela casa bancária do conhecido corretor Leonidas Moreira; no entanto, foi suficiente apenas para o resgate do passivo e uma pequena sequência dos trabalhos, uma vez que restavam ainda consideráveis dívidas a serem quitadas com o Estado (E. F. Araraquara, 1910ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1910. São Paulo: Typographia Brasil de Rothschild & Cia., 1910., p. 6-7). Nesse sentido, era necessário conseguir ainda mais recursos, fato que explica a entrada do grupo de engenheiros na trajetória da ferrovia.

Além de ser composto por reconhecidos nomes de industriais ligados ao ramo de serviços públicos, o grupo contava ainda com a figura de Álvaro de Menezes, famoso engenheiro professor da Escola Politécnica de São Paulo, que era uma figura notória também no mercado financeiro, particularmente por seus contatos com banqueiros europeus. O lançamento de empréstimos no exterior, tratado como melhor alternativa para recuperar a saúde financeira da empresa, foi assunto presente nas assembleias de acionistas ao longo do tempo, estratégia que poderia transformar as perspectivas de lucro do empreendimento, e dependia da intermediação de indivíduos como o famoso engenheiro.

Nas mãos do grande capital: o ‘syndicato de engenheiros’ e a falência da E. F. Araraquara

A vantagens conseguidas pela companhia com as garantias do prolongamento do trecho até São José do Rio Preto e a concessão federal até Jataí alçaram os negócios da E. F. Araraquara a um patamar superior, tendo em vista que além da garantia de juros a companhia atravessaria as ricas regiões cafeicultoras do oeste paulista, alcançando posteriormente os Estados de Minas Gerais e Goiás. Desta maneira, a companhia teve ampliada sua capacidade de negócios, passando a movimentar uma diversidade de interesses, num contexto marcado por uma agressiva penetração do capital estrangeiro no país.

Como explica Saes, o Convenio de Taubaté, assim como o Funding loan de 1899, traziam como importante elemento a ligação mais profunda com o capital estrangeiro, “na medida em que os empréstimos em moeda estrangeira apareciam como pressupostos para o próprio esquema de valorização”; além disso, o autor destaca outra importante forma de penetração daquele capital, acelerada a partir de 1906 em São Paulo e outras regiões do país, que se fazia notar em setores e empresas antes dominadas pelo grande capital paulista, como os de energia, o bancário e o de estradas de ferro, este último marcado especialmente pela presença da Brasil Railway Company, ligado ao grupo de Percival Farquar (SAES, 1986SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986., p. 167-168).

Aquela situação criara um contexto de grande especulação financeira, especialmente em atividades ligadas ao segmento ferroviário, que toma novo impulso; nesse sentido, a perspectiva de lucros movimentou a diretoria da E. F. Araraquara na direção da venda da agora valorizada companhia. Os passos do negócio são perceptíveis já em 1908, momento em que a diretoria promove o aumento do capital social da companhia, incrementado em 50%, em virtude das novas conquistas de privilégios de concessão e garantia de juros.

O aumento do capital, que passava de dois para três mil contos de réis, era refletido no número de ações, que subiram para 15.000, incrementadas com cinco mil novas ações beneficiárias, que foram distribuídas proporcionalmente entre os acionistas de acordo com sua participação na empresa. Conforme afirmavam os diretores, aquele aumento visava garantir vantagens aos acionistas, uma vez que a companhia nunca distribuíra dividendos ao longo de sua trajetória de delicada situação financeira (E. F.Araraquara, 1909ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. , p. 8).

Naquele processo, chamam a atenção as ações do presidente e maior acionista da E. F. Araraquara, Carlos Baptista de Magalhães; sendo um dos fundadores da companhia em 1896, possuindo 500 das 10.000 ações, aumenta paulatinamente sua participação na empresa, especialmente a partir de meados da primeira década do século passado, alcançando, em 1908, 1.203 ações, que foram transformadas em 1.9401/2, com o acréscimo de capital promovido pela diretoria (E. F. Araraquara, 1908, p. 79-82ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1908. São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1908.; 1909, p. 73-76ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. ; 1910, p. 55-58ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1910. São Paulo: Typographia Brasil de Rothschild & Cia., 1910.).

O próximo movimento passava pela venda da estrada de ferro em alguma lucrativa transação com o capital estrangeiro, estratégia percebível ainda em 1908, quando da articulação, pelos diretores, do empréstimo em debentures de julho; optando por lançar no país apenas a metade dos oito mil contos aprovados pelos acionistas em assembleia extraordinária, devido à urgência em atrair capitais para as obras do prolongamento a São José do Rio Preto, a diretoria inicia tratativas para contrair, no exterior, um empréstimo em condições mais vantajosas (E. F. Araraquara, 1909, p. 5ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909. São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909. ).

O escolhido para intermediar o contato da companhia com o mercado de capitais do velho continente foi o engenheiro Álvaro de Menezes, que foi à Europa tratar de assunto de interesse da E. F. Araraquara (Correio Paulistano, Nº. 16098, p. 1, 05/06/1908CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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). Menezes era um notório engenheiro de São Paulo ligado ao ramo de saneamento urbano, que atuava também no mercado de capitais e em empresas de serviços públicos; com experiência anterior em negócios envolvendo grandes banqueiros europeus em vultosos empréstimos públicos4 4 Em 1905, Menezes esteve envolvido nas negociações de um empréstimo do Estado do Paraná para o financiamento das obras de abastecimento de água e construção da rede de esgotos da capital, que estavam sob sua responsabilidade desde o ano anterior (O Estado de São Paulo, nº. 9684, p. 2, 09/06/1905). , Menezes atuava no período buscando a atração de capitais no estrangeiro para seus negócios.

Consta que um grande syndicato de capitalistas franceses e ingleses está interessado em empregar avultados capitaes em vias-ferreas brasileiras, notadamente do sul do paiz, occupando-se ainda do saneamento e embellezamento de cidades.

Sabemos que o representante desse syndicato, dr. Alvaro de Menezes, partirá brevemente para a Europa, levando detalhadas informações sobre municipalidades e empresas que se ocupam de taes trabalhos, afim de encaminhar desde logo para o Brasil os capitaes do syndicato. (Correio Paulistano, Nº. 16.099, p. 1, 06/06/1908CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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)

Em abril de 1909, surgem especulações de que investidores estrangeiros estariam interessados na aquisição da E. F. Araraquara; segundo informações da Secção Commercial do Correio Paulistano do dia 25, o negócio envolveria a venda da companhia a um grupo de capitalistas que repassaria a um sindicato francês, e, se confirmado, um empréstimo seria levantado para o resgate total das dívidas (Correio Paulistano, Nº. 16419, p. 5, 25/04/1909CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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).

No mês seguinte, novas notícias especulavam negociações para venda da companhia para investidores franceses, dando conta de uma viagem ao interior capitaneada pelo engenheiro Álvaro de Menezes, em que estavam presentes o também engenheiro Eduardo Cotching, além de Gabriel Chaffour, representante do “sindicato francês” (Correio Paulistano, nº. 16430, p. 1, 06/05/1909CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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)5 5 Chaffour chega ao Brasil no início de 1909, como representante dos banqueiros franceses J. Loste & Comp., para a assinatura do contrato com o Governo paulista para a criação do Banco de Crédito Hypotecário Agrícola de São Paulo; os banqueiros, que já atuavam no país com empréstimos ao Estado de Minas Gerais desde 1907, (MAIA, 2012, p. 116), conseguiram garantia de juros do governo, e fundaram o banco capitaneando capitais majoritariamente franceses (Correio Paulistano, nº. 16480, p. 4, 25/06/1909). Sobre o Banco de Crédito Hypotecário Agrícola de São Paulo e os investimentos franceses no setor bancário paulista ver SAES (1986, p. 182-184). .

Saes explica que os grandes investimentos oriundos daquele país no período eram condicionados por um amplo processo, de que fazia parte o contexto do mercado internacional de capitais, à procura de novas aplicações em espaços cada vez mais distantes da Europa, e a conjuntura econômica do Brasil, que a partir do Convênio de Taubaté cria amplas facilidades para a penetração do capital estrangeiro no país (SAES, 1988SAES, Flávio Azevedo de Marques. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company (1900-1930). Revista de História (USP), n. 119, p. 23-42, 1988., p. 24-25).

Para Lanna, o momento de grande disponibilidade de capitais estrangeiros coincide com um período de dificuldades financeiras para a maioria das estradas de ferro brasileiras, e os empréstimos externos surgem como a principal alternativa para a salvação das deficitárias companhias. Em suas palavras:

Rapidamente a maioria das estradas construídas no Brasil ficou deficitária e seus acionistas saíram em busca de empréstimos ou de grupos interessados em encampá-las. Neste momento, que coincide com os anos iniciais da República e com uma crescente disponibilidade de capitais na Europa, decorrente da saída da crise econômica que marcou as décadas finais do século XIX, ocorreu uma decisiva entrada de capitais de origem francesa. (LANNA, 2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 17)

A autora explica que o investidor francês tinha preferência por negócios de menor risco, e canalizava a maior parte de seu capital em investimentos de renda fixa, tais como obrigações e títulos de governo; nesse sentido, o segmento ferroviário, assegurado pelos monopólios de linha e garantia de juros, tornou-se um dos setores preferenciais dos investidores franceses no Brasil, e foi capaz de atrair e mobilizar milhões de francos a partir das últimas décadas do século XIX até a eclosão da I Guerra (LANNA, 2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 18).

No setor ferroviário, a maior concentração de capitais franceses deu-se pela constituição da Brasil Railway Company, ligada ao grupo Farquar; como explica Saes, embora tivesse sede nos EUA, seus recursos foram levantados nos mercados de capitais da Europa, compreendendo 25% dos investimentos franceses em 1916 (SAES, 1988SAES, Flávio Azevedo de Marques. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company (1900-1930). Revista de História (USP), n. 119, p. 23-42, 1988., p. 26). Investindo em uma ampla gama de empresas que incluíam diversas ferrovias em São Paulo e no sul do país, a Brasil Railway Company tinha planos grandiosos, que envolviam a criação de uma linha férrea ligando o Brasil à Argentina, presença que garantiu ao período um clima constante de especulações acerca dos destinos das ferrovias paulistas.

Os rumores sobre a venda da E. F. Araraquara ganharam vulto, e no dia 7 de maio o Correio Paulistano noticiava a compra da E. F. Araraquara por um grupo composto por Álvaro de Menezes, Ignácio Uchôa, Flávio Uchôa, João Duarte Junior, Luiz Teixeira Leite, e outros. O jornal trazia a informação de que o syndicato de engenheiros já havia adquirido 8.000 das 15.000 ações emitidas pela companhia, gerando grande lucro para os antigos acionistas, uma vez que estavam sendo negociadas por valores muito superiores aos de mercado6 6 O jornal dava conta que as ações da E. F. Araraquara, que tinham o valor nominal de 200$000, foram negociadas a 350$000. (Correio Paulistano, Nº. 16431, p. 1, 07/05/1909). Além de Menezes, que adquiriu 484 ações, atuaram naquele negócio investindo grandes quantidades de capitais os também engenheiros João Duarte Junior (2.768 ações), Luiz Antônio Teixeira Leite (3.272 ações), e o senador Ignácio de Mendonça Uchôa (3.000 ações). Além destes, o negócio contou com a participação de outros conhecidos parceiros de investimentos de Menezes, como Luiz dos Santos Dumont e Florisbello Leivas (E. F. Araraquara, 1910, p. 55-58). .

O syndicato de engenheiros era composto por indivíduos que tinham uma ativa participação na economia paulista, atuando comumente como industriais, figura conhecida no período por ser um importante elemento que impulsionava o desenvolvimento econômico, ao investir nas mais diversas atividades ligadas à indústria. Ao longo da primeira década do século passado, os elementos do grupo passaram a investir de forma crescente e articulada em uma diversificada gama de negócios, participando da criação de várias empresas, especialmente ligadas ao setor de serviços públicos, como são exemplos a Companhia Thermal de Poços de Caldas, de que eram acionistas Álvaro de Menezes e João Duarte Junior, a Empreza Autoviária Paulista, organizada por Menezes, Luiz Antônio Teixeira Leite, Luiz dos Santos Dumont e Ignácio de Mendonça Uchôa, e ainda a Companhia de Seguros Aliança do Sul, que novamente reunia Menezes, Teixeira Leite e Ignácio de Mendonça Uchôa. Além disso, aqueles elementos investiram coletivamente em outras companhias ferroviárias naquele período, como a E. F. Pitangueiras, E. F. São Paulo-Goyáz e E. F. Dourado (SILVA, 2018SILVA, Henry Marcelo Martins da. Nos trilhos do capital: “engenheiros industriais” e ferrovias em São Paulo no início do século XX. História Unisinos, v. 22, n. 4, p. 547-565, 2018., p. 552).

Após assumir o controle acionário da E. F. Araraquara, o grupo de engenheiros promove a troca imediata da diretoria; em substituição aos antigos sócios fundadores Carlos Baptista de Magalhães, Rogério Pinto Ferraz e Antônio Lourenço Corrêa, foram eleitos João Duarte Junior, Luiz Teixeira Leite e Florisbello Leivas. Transferindo a sede da empresa para a capital do Estado, a nova diretoria anunciava já em sua posse que planejava alcançar em breve as cidades de São José do Rio Preto e Jataí, articulando o lançamento, na Europa, de um empréstimo em debentures em condições mais vantajosas que aquelas encontradas em território nacional (O Estado de São Paulo, nº. 11298, p. 7, 16/11/1909O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

O condutor das negociações foi o novo diretor Álvaro de Menezes, que viajara à Europa munido de “especial e ilimitado mandato” da companhia, que lhe dava amplos poderes para combinar as bases do empréstimo (O Estado de São Paulo, nº. 11298, p. 7, 16/11/1909O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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); o lançamento, no valor de 600.000 libras esterlinas, foi efetivado ainda em novembro, feito pela conhecida casa bancária londrina Fredk. J. Benson & Co. (E. F. Araraquara, 1910ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1910. São Paulo: Typographia Brasil de Rothschild & Cia., 1910., p. 7), banqueiros que já atuavam no país em empréstimos a Porto Alegre (O Estado de São Paulo, nº. 11329, p. 1, 09/12/1909O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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). Ressalta-se a significativa diferença nas condições do negócio em relação ao mercado brasileiro; além do alto valor da emissão, difícil de se realizar no território nacional, o empréstimo se concretizou “com juros de 6% ao ano, a tipo de 98%” (Correio Paulistano, Nº. 16626, p. 3, 18/11/1909CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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), bases muito mais vantajosas que as conseguidas com os lançamentos feitos no território nacional, como o de 1908, que pagava 8% de juros anuais, negociados a tipos de 87% (Correio Paulistano, Nº. 16147, p. 6, 24/07/1908CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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).

A necessidade de capitais ao que tudo indica era bem maior que os recursos produzidos a partir da emissão na bolsa londrina, e no ano seguinte a companhia recorre novamente ao mercado europeu; já contando com Menezes na presidência da empresa em substituição a João Duarte Junior que resignara de seu cargo (Diário Oficial do Estado de São Paulo, 30/04/1910, p. 1324DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 30/04/1910, p. 1324.), outra grande emissão de debentures no exterior foi aprovada pelos acionistas, desta vez no valor de quinze mil contos de réis, ou 1.100.000 libras esterlinas, valor consideravelmente superior ao lançamento anterior.

A assembleia extraordinária, ocorrida em 29 de setembro, contou com a presença de apenas quatro acionistas, que representavam sozinhos 11.374 das 15 mil ações da companhia (Diário Oficial do Estado de São Paulo, 06/10/1910, p. 3186DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 06/10/1910, p. 3186.), característica constante das várias assembleias realizadas pelo grupo de engenheiros para decidir os destinos da empresa no período. A emissão foi efetivada no início de 1911, por intermédio da casa bancária alemã L. Behrens e Söhne, no valor de um milhão e duzentas mil libras esterlinas, equivalentes no período a dezoito mil contos de réis (O Estado de São Paulo, nº. 11851, p. 4, 27/05/1911DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 30/10/1910, p. 3526.).

Os empréstimos grandiosos, que superavam em muito a limitada capacidade de pagamento da companhia, deviam-se não apenas às necessidades financeiras da E, F, Araraquara; articulados em negócios conjuntos, que como visto abarcavam diversos empreendimentos do mercado paulista, os movimentos do grupo de industriais indicavam um plano audacioso, que envolvia o controle de outras empresas ferroviárias do interior paulista.

No início de 1911, o grupo investe grandes somas de capital e alcança o controle acionário das companhias E. F. São Paulo-Goyaz e E. F. Pitangueiras, dando início às articulações para a junção das suas linhas sob a mesma administração (Diário Oficial do Estado de São Paulo, 23/09/1911, p. 3677DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 23/09/1911, p. 3677.). A proposta de união das companhias foi discutida em assembleia extraordinária da E. F. Araraquara de 10 de maio de 1913; novamente com a participação de um pequeno número de acionistas, e contando com a defesa do projeto por parte de Menezes, os acionistas aprovam a fusão da E. F. Araraquara com a E. F. São Paulo Goyaz:

A assemblea geral dos accionistas da Companhia Estrada de Ferro Araraquara resolve auctorizar a diretoria com plenos e especiaes poderes, para o fim de promover e realizar a fusão dos interesses sociaes com os da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Goyaz, ficando á inteira deliberação da directoria a fixação do capital da nova sociedade, distribuição de quótas do mesmo para os accionistas de uma e outra empresa; e bem assim quaesquer condições que a directoria reconheça necessárias afim de levar a termo a presente autorização, ficando desde já ratificado qualquer acto que para esse fim pratique a directoria. (Diário Oficial do Estado de São Paulo, 13/05/1913, p. 2120DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 13/05/1913, p. 2120.)

Em fins daquele ano, Menezes torna-se acionista e também diretor da E. F. Dourado, completando o rol de ferrovias sob seu comando direto; sua controversa administração, marcada por nem sempre legais negociatas, foi responsável pelo aumento exorbitante do passivo das empresas, levando-as conjuntamente à falência em março de 1914.

A situação demonstrava-se insustentável já no início do ano, quando diversas notícias indicavam que a situação financeira das companhias ferroviárias era delicada; em 12 de fevereiro, comunicados das companhias E. F. Araraquara e E. F. São Paulo-Goyaz avisavam ao público que as empresas passavam por uma reorganização financeira de todos os seus negócios, convocando a todos aqueles que tivessem transações comerciais com as companhias a comprovarem seus créditos na sede das empresas (O Estado de São Paulo, nº. 12838, p. 11, 12/02/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

Em meio à crise, Menezes deixa os cargos nas diretorias das três companhias, e a E. F. Araraquara passa a ter suas publicações assinadas pelo conde Sylvio Alvares Penteado7 7 Nascido em meio a uma abastada e tradicional família paulista, Sylvio Alvares Penteado herdou de seu pai uma fortuna que incluía propriedades rurais e empresas do ramo de juta; deste modo, atuou como representante do capital cafeeiro (SAES, 1986, p. 266), mantendo também uma movimentada vida de negócios urbanos, operando como banqueiro (PERISSINOTO, 1999, p. 196) e empresário, sendo o fundador da Cia. Paulista de Aniagens. Em 1913, aparece ao lado de Menezes como acionista e diretor das ferrovias E. F. Araraquara e E. F. São Paulo-Goyáz. Foi atuante durante os processos de falência e reorganização das duas companhias, onde aparecia como acionista e credor (Estado de São Paulo, nº. 13106, p. 10, 08/11/1914; O Estado de São Paulo, nº. 13620, p. 14, 09/04/1916). ; durante todo o mês de fevereiro, a empresa convocava pelos jornais os acionistas para validação e troca de títulos, bem como para assembleias extraordinárias a fim de esclarecimentos acerca da situação financeira das companhias, além da eleição de novo diretor (O Estado de São Paulo, nº. 12847, p. 12, 21/02/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

As previsões se confirmam, e as companhias ferroviárias administrada por Menezes e seu grupo vão à falência no início de março, promovendo um grande impacto no mercado de capitais paulista. A E. F. Dourado tem a falência decretada no dia 2 de maio pelo juiz da 1ª. vara comercial de São Paulo (Correio Paulistano, Nº. 18182, p. 4, 04/03/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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), e dois dias depois o juiz da 2ª. vara comercial decreta as falências das E. F. Araraquara e São Paulo-Goyaz, ambas requeridas pelo negociante Francisco Sampaio Moreira, por possuir letras protestadas não pagas (Correio Paulistano, Nº. 18183, p. 2, 05/03/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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, Figura 3).

Figura 3 -
Notícia da falência E. F. Araraquara 1914.

A quebra da companhia deu margem a uma série de conflitos e debates públicos acerca das garantias dos legítimos interesses dos acionistas e credores, bem como do processo de reorganização da empresa. No O Estado de São Paulo, no mesmo dia em que foram publicados os editais de falência das companhias ferroviárias, uma nota chamava a atenção do público dando conta de que se murmurava que entre os credores havia “muita gente empunhando documentos contestáveis” (O Estado de São Paulo, nº. 12861, p. 12, 08/03/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

As assembleias de credores, permeadas de debates acalorados, eram acompanhadas de perto pelos jornais do período, que publicavam diariamente notas sobre as reuniões em suas seções comerciais (Correio Paulistano, Nº. 18225, p. 2, 16/04/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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; O Estado de São Paulo, nº. 12900, p. 5, 16/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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; Correio Paulistano, Nº. 18226, p. 2, 17/04/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
; O Estado de São Paulo, nº. 12901, p. 4, 17/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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), dando especial destaque ao Relatório dos Syndicos, amplamente divulgado pela imprensa em reportagens de grande destaque (Correio Paulistano, Nº. 18227, p. 3, 18/04/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
; O Estado de São Paulo, nº. 12902, p. 6, 18/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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).

No relatório, os síndicos apontam a administração de Menezes como principal motivo pela falência da companhia, denunciando graves irregularidades nos livros de transferências de ações da companhia, que, repleto de adulterações e falsificações comprovadas posteriormente por peritos do processo, ilustravam as negociatas de Menezes como diretor da companhia; tais expedientes foram utilizados, especialmente, para se constituir maioria legal de acionistas nas assembleias extraordinárias que decidiram os vultosos empréstimos no exterior negociados pela empresa em 1910 e 1911.

Os livros de transferencia de acções é um repositório de crime! Esta cheio das mais graves irregularidades e adulterações, como alias já ficou constatado por exame feito por peritos nomeados pelo honroso juiz, a pedido de um credor.

Quando era momento de qualquer assembléa geral, para a qual verificava não ter numero legal, assembléa em regra tendente á discussão dos assumptos da maior relevância para os interesses da sociedade, ele, sem se deter ante a pratica de taes crimes, punha-se a fazer no livro de transferências varias ‘cessões’ de acções nas quaes ele proprio figurava como adquirente e como procurador do transmitente, sem embargo de não possuir mandato deste! (O Estado de São Paulo, nº. 12902, p. 6, 18/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

O relatório aponta ainda o estado deficiente da documentação da companhia, repleta de lacunas e informações desencontradas, situação que de acordo com os síndicos tornava impossível identificar o destino dos valores envolvidos nos diversos empréstimos contraídos sob a administração de Menezes.

O serviço, na deficiência completa de lançamentos e de livros auxiliares no escriptorio da fallida, em S. Paulo, tem sido feito pelos documentos notas e lançamentos da controladoria em ‘Araraquara’. É evidente que fica á margem, quase em absoluto, pela deficiência de esclarecimentos, tudo o que se refere á enorme somma de cambiaes descontadas pela fallida, em S. Paulo e em outras praças do paiz e do estrangeiro.

Por maiores esforços que fizessem os syndicos, não poderam colher explicações serias do destino que os diretores da fallida deram ao produto de tão importantes descontos. (O Estado de São Paulo, nº. 12902, p. 6, 18/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

Os síndicos acusavam ainda Álvaro de Menezes de continuar a aceitar letras em nome da E. F. Araraquara mesmo depois de iniciado o processo de falência, e quando já não ocupava mais o cargo de diretor. Uma diversidade de títulos, não relacionados na documentação administrativa da empresa, surgiram para serem incluídos entre os credores da massa falida; tais títulos, ainda que datando de épocas remotas, foram entregues “com as tintas dos acceite ainda frescas”. O relatório não poupou também Luiz dos Santos Dumont, parceiro de Menezes em seus negócios e igualmente diretor da companhia; segundo os síndicos, os contestados títulos aceitos pelo ex-diretor depois da falência foram sacados em 31 de dezembro de 1912, por Dumont, saque que não estaria registrado no balanço financeiro daquele ano, assinado pelo ele mesmo como membro da diretoria.

Mesmo depois de falida, o dr. Alvaro de Menezes continuou a aceitar letras em nome da fallida no Rio de Janeiro, onde se acha, para augmentar o passivo desta!

Os syndicos receberam esses títulos com saques datados de epoca remota e com as tintas do acceite ainda frescas.

Estes títulos em sua maioria são sacados em Dezembro de 1912 pelo dr. Luiz dos Santos Dumont contra a fallida, e acceitos pelo dr. Alvaro de Menezes, em nome desta. Quem é o dr. Luiz dos Santos Dumont? É um dos directores da fallida, em pleno exercicio de suas funcções, até o momento da fallencia, tanto que nesse sentido faz declaração de credito, reclamando seus honorarios como director.

É manifesta também a responsabilidade criminal deste diretor, se não pelos factos acima expostos, praticados todos durante a sua gestão, ao menos pelos que acabamos de referir e que importa em augmento criminoso do passivo em proveito do mesmo. (O Estado de São Paulo, nº. 12902, p. 6, 18/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

O relatório, que apontava ainda mais irregularidades na administração da companhia, terminava enumerando os motivos pelos quais, segundo os síndicos, a ferrovia foi levada à situação de calamidade financeira que culminara na falência: “actos de improbidade de uma administração criminosa” implementada por Menezes e seu grupo.

Servira para que os srs. credores façam uma ideia rápida do que foi a administração que levou a companhia Araraquara á fallencia, podendo-se mesmo sem receio de affirmar que aquella companhia foi exclusivamente levada á fallencia pelos actos de improbidade de uma administração criminosa, actos de improbidade que se resumem:

a) no abuso inqualificavel de acceites de responsabilidade da fallida, não se explicando a applicação dos fundos assim obtidos;

b) no abuso de envolver-se a responsabilidade da fallida em negocios absolutamente extranhos aos seus fins - como sejam serviços de aguas e exgottos e outras obras de municipalidades do Estado.

c) no abuso de utilizar-se em proveito próprio ou para fins extranhos das rendas da sociedade, que por si só bastavam para a normalização dos pagamentos pelos quaes a fallida era ou devia ser legitimamente responsavel.

De facto, era lamentável que nossa praça, victima de uma crise como a que atravessa, ainda devesse soffrer as consequências do avultado prejuízo de que estavam ameaçados os verdadeiros credores chirographarios, pela imerecida confiança que depositaram em uma administração criminosa, prejuízo causado a credores do paiz e de soma superior a 10 mil contos! (O Estado de São Paulo, nº. 12902, p. 6, 18/04/1914O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
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)

Caracterizada por inúmeros questionamentos judiciais acerca dos direitos dos diversos interessados inseridos no processo, a falência da E. F. Araraquara teve como resultado o privilégio, dentre os credores, dos debenturistas europeus do empréstimo de 1.200.000 libras esterlinas, representados pelos banqueiros alemães L. Behrens & Söhne (Correio Paulistano, Nº. 18225, p. 2, 16/04/1914CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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). O engenheiro, que assistira tudo de longe desde que transferira sua residência para o Rio de Janeiro, muda-se temporariamente para os Estados Unidos (Correio Paulistano, Nº. 18723, p. 6, 30/08/1915CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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), longe dos alcances da justiça, e provavelmente com o resultado dos seus controversos negócios.

O relatório dos síndicos foi contestado por diversos credores, e foram várias as tentativas de impugnação de créditos ao longo do período; naquele contexto, destaca-se a atuação do conde Silvio Penteado, uma vez que figurava, no momento da falência, como diretor e grande credor da companhia. Em 1915, justificando ampliar as investigações elaboradas pelos síndicos com novas informações sobre a administração de Menezes, elabora um documento, intitulado Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara (PENTEADO, 1915PENTEADO, S. A. Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara. São Paulo: Typographia Brazil, 1915.), que foi anexado ao processo.

Como parte interessada ligada aos credores brasileiros, lança questionamentos aos direitos da casa bancária L. Behrens & Söhne, privilegiados no processo de falência. O material, elaborado a partir de documentos da E. F. Araraquara e dos relatórios dos peritos contratados no processo, busca provar a culpa dos banqueiros alemães na falência da companhia, afirmando que o negócio fora feito pela avidez dos banqueiros pela comissão do negócio, e fornece importantes referências para o entendimento das negociatas de Menezes, bem como do funcionamento dos inúmeros lançamentos de debentures de empresas brasileiras no exterior.

Os argumentos de Penteado são de que os custos da emissão Behrens foram exorbitantes, alcançando quase 30% do valor devido pela companhia, uma vez que a negociação fora marcada por acordos que visavam dar lucros aos intermediários do negócio, em detrimento da companhia, que ficou à mercê de seus interesses, indo posteriormente à falência (Tabela 2).

Tabela 2 -
Despesas dos empréstimos da E. F. Araraquara 1899-1910.

Saes explica que a própria emissão de obrigações era outra fonte de lucros para os fundadores das companhias ou para os banqueiros a eles associados; estes lucros derivados do lançamento de obrigações (tipo da obrigação, comissões) constituíam carga adicional sobre os recursos efetivos à disposição da empresa. “Em outros termos, um capital efetivamente realizado em dinheiro devia remunerar um capital nominal muito superior” (SAES, 1988SAES, Flávio Azevedo de Marques. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company (1900-1930). Revista de História (USP), n. 119, p. 23-42, 1988., p. 27).

A entrada dos banqueiros alemães no empréstimo da E. F. Araraquara ocorreu de forma bastante controversa, tomando para si o negócio em substituição aos primitivos representantes da companhia, Paul Maugé e João Rodrigues Camargo, processo que gerou uma grande multa que aumentou os custos da transação e o passivo da empresa; em novembro de 1910, atraindo o procurador da companhia com um grande crédito a descoberto e demais vantagens de intermediação, os banqueiros alemães garantem o negócio, e a grande comissão que envolvia, conforme explica Penteado, a enorme diferença entre o empréstimo lançado na bolsa de Paris ao tipo de 93¼ %,e o acordado entre os banqueiros e a E. F. Araraquara, na base de 80%. Segundo o autor, se computados os dois pontos percentuais destinados ao intermediário, a companhia não apurara nem 72% do montante do empréstimo (PENTEADO, 1915PENTEADO, S. A. Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara. São Paulo: Typographia Brazil, 1915., p. 8).

Penteado argumenta que os banqueiros alemães aprovaram o grandioso empréstimo conscientes de que a companhia não apresentava uma situação financeira que sustentasse os compromissos do contrato. O relatório de exercícios de 1909, utilizado por Behrens & Söhne para a avaliação da companhia, apresentavam um lucro de 231 contos de réis, valor questionado pelos peritos, que calculavam naquele ano um prejuízo de aproximadamente 150 contos. Além disso, mesmo o fictício lucro de 231 contos não era suficiente para basear um tão grandioso lançamento, nem cumprir as exigências de prolongamentos constantes no contrato.

Ora, sabe o leitor qual é o encargo fixo, o serviço dos coupons resultante da monstruosa emissão Behrens? Eil-o: Rs. 900:000$000 ao cambio de 16d., não computada ainda a quota de amortização!!!

A isto chamam estes sagazes financistas ‘estudar a situação financeira da Companhia’: basear um encargo fixo superior a 900:000$000, sobre um saldo apresentado em balanço, de ‘uns 231 contos de lucros’!!!.

Vejam só, toda a seriedade destes ‘uns 231 contos...’ para garantirem os juros e a amortização de um formidavel emprestimo de Rs. 18.000:000$000, a 5%! Perdoem-nos a licção de arithmetica, porem estes ‘uns 231 contos de lucros’ representam exactamente 1,28% de 18.000 contos... (PENTEADO, 1915PENTEADO, S. A. Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara. São Paulo: Typographia Brazil, 1915., p. 13)

O privilégio dos banqueiros alemães foi bastante contestado por interesses divergentes do Brasil e da Europa, uma vez que a eclosão da Primeira Grande Guerra colocou a maioria dos debenturistas, de origem francesa, na difícil situação de realizar negócios com o inimigo. Naquele contexto, surge o francês Paul Deleuze, personagem que assume como representante dos debenturistas, e a partir da fundação de uma empresa nos EUA, a São Paulo Northern Railroad Company, controla a E. F. Araraquara, em liquidação, em fevereiro de 1916 (Correio Paulistano, Nº. 18884, p. 2, 08/02/1916CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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). A administração controversa da linha férrea sob a tutela de Deleuze, que contou com desvios financeiros, atrasos de pagamento e grande precarização dos serviços (SILVA, 2013SILVA, André Luiz da. Um francês no interior paulista: Paul Deleuze e o caso da São Paulo Northern Railroad Company (1909 - 1916). Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, 2013., p. 68), promoveu um ambiente constante de reclamações e críticas nas localidades servidas pela companhia; tal situação levou o Governo a encampar a estrada de ferro em 1919, dando fim à trajetória da E. F. Araraquara como companhia privada, vinte e três anos após sua fundação.

Ao analisar as ferrovias brasileiras no período, Lanna explica que apesar de terem sido capazes de atrair e mobilizar grandes quantidades de capital entre o fim do século XIX e a eclosão da Primeira Guerra, não conseguiram reverter o “quadro de ineficiência administrativa e improbidade acerca da coisa pública, velhas conhecidas na sociedade brasileira” (LANNA, 2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 18).

Seja por “improbidade administrativa”, por assumir dívidas financeiras impagáveis, ou por estarem atreladas ao tráfego de um único produto, o fato é que, nos 50 anos aqui estudados, vemos, via de regra, as empresas iniciarem suas atividades enquanto empreendimentos privados, seja de capital nacional ou estrangeiro, usufruindo garantia de juros, subvenção quilométrica e privilégio de zona, realizando lucros no processo da construção e acumulando prejuízos durante a exploração. (LANNA, 2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 19.)

Aquela característica marcou os investimentos ferroviários no país, e excetuando-se alguns exemplos de estradas lucrativas tais como a São Paulo Railway, Paulista e Mogiana, as ferrovias constituíram um empreendimento privado extremamente dependente dos benefícios públicos, que eram lucrativos quando em construção, mas demonstravam-se deficitários durante sua exploração, como indica a trajetória da E. F. Araraquara.

Considerações finais

O negócio ferroviário no Brasil foi marcado pela forte presença do Estado, garantindo benefícios públicos à iniciativa privada; com o objetivo de atrair capitais, as garantias do governo às companhias ferroviárias abarcavam grandes vantagens, tais como o privilégio de zona, garantias de juros e incentivos fiscais, que além de constituírem mecanismos de atração de investidores, foram um dos principais mecanismos de obtenção de lucros no empreendimento ferroviário.

Em São Paulo, o desenvolvimento da economia cafeeira garantiu ao segmento ferroviário uma quantidade significativa de capital local, oriundo de uma gama variada de investidores, que incluíam elementos ligados ao grande capital cafeeiro e um número crescente de pequenos investidores. Naquele contexto, verifica-se o desenvolvimento do setor ferroviário, a partir da expansão das grandes companhias, e do surgimento de diversas pequenas linhas, como a E. F. Araraquara, que constituíram interessantes oportunidades de investimento num mercado cada vez mais ativo.

A crise financeira da primeira década do século passado, que encarecia os custos de manutenção do tráfego, aliadas às políticas de atração de capitais estrangeiros promovidas a partir do Convênio de Taubaté, impulsionaram as companhias ferroviárias ao endividamento, num contexto de grandes investimentos estrangeiros em empresas de serviços públicos no país, especialmente estradas de ferro.

Naquele contexto, os acionistas fundadores da E. F. Araraquara articulam a venda da companhia com grande expectativa de lucro, estratégia que contou com a participação do grupo de engenheiros liderado por Álvaro de Menezes. Aproveitando-se do ambiente de grande movimento e especulação sobre os negócios ferroviários do período, o grupo empreende um plano audacioso, que passava pelo controle da E. F. Araraquara e de mais duas estradas de ferro do interior paulista, num processo marcado por transações obscuras que resultaram na falência das companhias, e no posterior controle por parte do grande capital.

Nas mãos dos investidores europeus e alvo de uma administração precária responsável pela quase paralização dos serviços de tráfego, a E. F. Araraquara é encampada pelo Estado, processo verificado também com outras companhias no período, e que corrobora a perspectiva de Lanna (2005LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias no brasil 1870-1920. Revista História Econômica & Histórias de Empresas, v., 8, n. 1, p. 7-40, 2005., p. 19), de que a maioria das estradas de ferro no Brasil eram deficitárias, sendo lucrativas apenas nos momentos de expansão das linhas, a partir das negociatas baseadas nas garantias governamentais.

A trajetória da E. F. Araraquara, que de um empreendimento de capitais caipiras ligado a fazendeiros do interior de São Paulo passa ao controle estrangeiro por meio de um projeto consciente e deliberado que envolviam os sócios fundadores e o grupo de engenheiros, elucida os contornos do negócio ferroviário no período, aproximando-se das conclusões de Saes (1986SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986., p. 285), que ao estudar a grande empresa de serviços públicos no Brasil, percebe que o Imperialismo, como estágio de desenvolvimento do capitalismo, significava não apenas a necessidade de os países avançados de exportar seus capitais, mas também que a própria forma de desenvolvimento dos países periféricos praticamente exigiam a entrada dos capitais estrangeiros, a fim de manter as condições de sua reprodução, resultado claro de sua forma subordinada de integração à economia mundial capitalista

Referências

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  • MAIA, José Nelson Bessa; SARAIVA, José Flávio Sombra. A paradiplomacia financeira no Brasil da República Velha, 1890-1930. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 1, p. 106-134, 2012.
  • MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974.
  • NUNES, Ivanil. Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005.
  • PERISSINOTO, Renato M. Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1899-1930) São Paulo: FAPESP; Campinas: UNICAMP, 1999.
  • PINTO, Adolpho Augusto. História da viação publica de São Paulo (Brasil) São Paulo: Typographia e Papelaria de Vanorden & Cia., 1903.
  • SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira São Paulo: HUCITEC, 1986.
  • SAES, Flávio Azevedo de Marques. Os investimentos franceses no Brasil: o caso da Brazil Railway Company (1900-1930). Revista de História (USP), n. 119, p. 23-42, 1988.
  • SILVA, Henry Marcelo Martins da. Nos trilhos do capital: “engenheiros industriais” e ferrovias em São Paulo no início do século XX. História Unisinos, v. 22, n. 4, p. 547-565, 2018.
  • SILVA, André Luiz da; TOSI, Pedro Geraldo Saadi. Considerações sobre entrelaçamento de circuitos e produções na órbita do complexo cafeeiro: o caso da Companhia Estrada de Ferro Araraquara (1896 a 1909). Heera - Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada, v. 10, n. 16, p. 55-71, 2014.
  • SILVA, André Luiz da. Um francês no interior paulista: Paul Deleuze e o caso da São Paulo Northern Railroad Company (1909 - 1916). Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, 2013.
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Fontes primárias

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    » http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
  • A NOTICIA, RJ, Anno XVI, nº. 60, p. 3, 12/03/1909. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    » http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
  • A FEDERAÇÃO: ORGÃO DO PARTIDO REPUBLICANO, Anno XVIII, nº. 43, p. 3, 19/02/1901. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    » http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 06/10/1910, p. 3186.
  • DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 30/10/1910, p. 3526.
  • DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 23/09/1911, p. 3677.
  • DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 13/05/1913, p. 2120.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1897 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp., 1897.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1901 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1901.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1902 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1902.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1902 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1903.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1904 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1904.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1905 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1905.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1906 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1906.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1907 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1907.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1908 São Paulo: Typ. Espindola, Siqueira e Comp. , 1908.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1909 São Paulo: Typoraphia e Papelaria de Vanorder & Cia., 1909.
  • ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1910 São Paulo: Typographia Brasil de Rothschild & Cia., 1910.
  • GAZETA DE NOTICIAS, RJ, Anno XXXVI, nº. 41, p. 1, 10/02/1911. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • JORNAL DO COMMERCIO, RJ, nº. 181, p. 8, 01/07/1899. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno IV, nº. 873, p. 3, 01/02/1896. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno IX, nº. 2698, p. 4, 17/09/1901. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno XV, nº. 572, p. 1, 28/07/1908. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
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  • O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
    » http://acervo.estadao.com.br
  • PENTEADO, S. A. Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara São Paulo: Typographia Brazil, 1915.

Notas

  • 1
    Sobre a relação entre o Estado e as companhias ferroviárias ver também TOPIK (1987)TOPIK, Steven. A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Record, 1987. e GRANDI (2013)GRANDI, Guilherme. Estado e capital ferroviário em São Paulo: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro entre 1930 e 1961. São Paulo: FFLCH/USP, 2013..
  • 2
    As entradas de capital aos subscritores das ações eram feitas no Brasilianische Bank fur Deutschland, na capital, no Banco União de São Carlos de São Carlos do Pinhal e na Casa Bancária Lara Magalhães & Foz, em Araraquara (O Commercio de São Paulo, Anno IV, nº. 873, p. 3, 01/02/1896O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno IV, nº. 873, p. 3, 01/02/1896. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
    ).
  • 3
    Como explica Cechin, no Brasil as garantias e privilégios concedidos pelo governo eram o privilégio de zona (que vetava a outras companhias operar dentro de uma área de 30 Km ao longo do eixo da linha); a garantia de juros (todo o produto de uma chamada de capitais desde que autorizado teria assegurado um retorno mínimo de 5 a 7 por cento a partir do momento em que fosse efetivamente gasto na construção); subvenção quilométrica (ao invés da garantia de juros, o governo doava um montante de capital para cada quilometro de linha); isenção de direitos de importação dos materiais necessários à construção e operação; exploração do subsolo e comercialização de terras devolutas situadas na zona privilegiada. (CECHIN, 1978, p. 33CECHIN, José. A construção e operação das ferrovias no Brasil do século XIX. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1978.).
  • 4
    Em 1905, Menezes esteve envolvido nas negociações de um empréstimo do Estado do Paraná para o financiamento das obras de abastecimento de água e construção da rede de esgotos da capital, que estavam sob sua responsabilidade desde o ano anterior (O Estado de São Paulo, nº. 9684, p. 2, 09/06/1905O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno IX, nº. 2698, p. 4, 17/09/1901. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
    ).
  • 5
    Chaffour chega ao Brasil no início de 1909, como representante dos banqueiros franceses J. Loste & Comp., para a assinatura do contrato com o Governo paulista para a criação do Banco de Crédito Hypotecário Agrícola de São Paulo; os banqueiros, que já atuavam no país com empréstimos ao Estado de Minas Gerais desde 1907, (MAIA, 2012, p. 116MAIA, José Nelson Bessa; SARAIVA, José Flávio Sombra. A paradiplomacia financeira no Brasil da República Velha, 1890-1930. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 1, p. 106-134, 2012.), conseguiram garantia de juros do governo, e fundaram o banco capitaneando capitais majoritariamente franceses (Correio Paulistano, nº. 16480, p. 4, 25/06/1909CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
    ). Sobre o Banco de Crédito Hypotecário Agrícola de São Paulo e os investimentos franceses no setor bancário paulista ver SAES (1986, p. 182-184SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986.).
  • 6
    O jornal dava conta que as ações da E. F. Araraquara, que tinham o valor nominal de 200$000, foram negociadas a 350$000. (Correio Paulistano, Nº. 16431, p. 1, 07/05/1909CORREIO PAULISTANO. (vários números), 1880-1920. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
    ). Além de Menezes, que adquiriu 484 ações, atuaram naquele negócio investindo grandes quantidades de capitais os também engenheiros João Duarte Junior (2.768 ações), Luiz Antônio Teixeira Leite (3.272 ações), e o senador Ignácio de Mendonça Uchôa (3.000 ações). Além destes, o negócio contou com a participação de outros conhecidos parceiros de investimentos de Menezes, como Luiz dos Santos Dumont e Florisbello Leivas (E. F. Araraquara, 1910, p. 55-58ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA. Relatório de Exercícios de 1910. São Paulo: Typographia Brasil de Rothschild & Cia., 1910.).
  • 7
    Nascido em meio a uma abastada e tradicional família paulista, Sylvio Alvares PenteadoPENTEADO, S. A. Considerações Elucidativas sobre a Causa Primordial da Fallencia da Comp. Estrada de Ferro Araraquara. São Paulo: Typographia Brazil, 1915. herdou de seu pai uma fortuna que incluía propriedades rurais e empresas do ramo de juta; deste modo, atuou como representante do capital cafeeiro (SAES, 1986, p. 266SAES, Flávio Azevedo de Marques. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: HUCITEC, 1986.), mantendo também uma movimentada vida de negócios urbanos, operando como banqueiro (PERISSINOTO, 1999, p. 196PERISSINOTO, Renato M. Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1899-1930). São Paulo: FAPESP; Campinas: UNICAMP, 1999.) e empresário, sendo o fundador da Cia. Paulista de Aniagens. Em 1913, aparece ao lado de Menezes como acionista e diretor das ferrovias E. F. Araraquara e E. F. São Paulo-Goyáz. Foi atuante durante os processos de falência e reorganização das duas companhias, onde aparecia como acionista e credor (Estado de São Paulo, nº. 13106, p. 10, 08/11/1914O COMMERCIO DE SÃO PAULO, Anno XV, nº. 572, p. 1, 28/07/1908. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
    http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx...
    ; O Estado de São Paulo, nº. 13620, p. 14, 09/04/1916O ESTADO DE SÃO PAULO. (diversos números). 1880-1919. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br
    http://acervo.estadao.com.br...
    ).
  • Nota do Editor

    A revista História (São Paulo) agradece à FAPESP pelo apoio financeiro, na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações/Periódicos (Processo n. 2020/04324-9), para a publicação deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2019
  • Aceito
    22 Maio 2020
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