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A recepção da obra e do legado de Gandhi no Portugal colonial: entre a paz e a guerra*

The reception of the work and legacy of Gandhi in colonial Portugal: between peace and war

Resumo

Neste texto, analisa-se a recepção da obra e legado de Mohandas Karamchand Gandhi no Portugal colonial do século XX. Verifica-se que é na imprensa progressista que se dá mais atenção a Gandhi - em particular pela sua faceta de destacado líder da independência indiana face ao jugo colonial inglês, mas também pelos seus princípios pacifistas, humanistas, de tolerância religiosa, fraternidade e igualdade. Recorre-se ao seu exemplo para falar da justeza da sua causa, mas também doutros temas (conexos ou não): emancipação da Índia portuguesa e questão colonial; relação entre civilizações e culturas; ingredientes duma política à escala planetária mais tolerante e dialogante. A recepção de Gandhi em Portugal foi amiúde um estratagema para fintar a censura política, num contexto de afirmação das correntes da autodeterminação dos povos, primeiro, e do anticolonialismo, depois. Grupos de activistas goeses e doutros pensadores progressistas interligaram distintas imprensas: a goesa emancipalista, a libertária, a demo-republicana (v.g., Seara Nova) e parte da católica. Alguns entraram em debate com autores nacionalistas, envolvendo outra imprensa na liça. Foi frequente que séries de artigos (e/ou conferências) originassem opúsculos ou livros, atestando a relevância desses escritos e abrindo o debate a novos auditórios. Além disso, foram publicadas traduções das memórias de Gandhi e de biografias de referência entre o pós-II Guerra Mundial e os anos 1960, o período de contenda acesa em torno da Índia portuguesa entre a nova União Indiana e o vetusto Portugal colonial. A cobertura de Gandhi e seu uso na questão goesa é mais um indicador a atestar a relevância pioneira da Índia portuguesa no que tange a discutir o fim do colonialismo português.

Palavras-chave
Gandhi; recepção; colonialismo; Goa; Índia; nacionalismo

Abstract

This text analyzes the reception of the work and legacy of Mohandas Karamchand Gandhi in the colonial Portugal of the twentieth century. It turns out that it is in the progressive press that Gandhi is given more attention - particularly by his facet of leading Indian independence over the British colonial yoke, but also by his pacifist, humanistic principles of religious tolerance, fraternity and equality. His example is used to speak of the correctness of his cause, but also of other themes (connected or not): emancipation of the Portuguese India and the colonial issue; relationship between civilizations and cultures; the ingredients of a planetary policy that is more tolerant and dialogical. Gandhi’s reception in Portugal was often a ploy to escape political censorship, in a context of affirmation of the chains of self-determination of peoples, first, and of anti-colonialism, later. Groups of Goan activists and other progressive thinkers crosslinked different presses: the Goan emancipalist, the libertarian, the demo-republican (eg, Seara Nova) and part of the Catholic. Some came to debate with nationalist authors, involving another press in the public arena. It was not uncommon for series of articles (and/or conferences) to originate booklets or books, attesting the relevance of these writings and opening the debate to new audiences. In addition, translations of Gandhi’s memoirs and reference biographies between post-World War II and the 1960s were published, the period of fierce strife surrounding Portuguese India between the new Indian Union and ancient colonial Portugal. Gandhi’s coverage and its use in the Goa issue is yet another indicator to attest to the pioneering relevance of Portuguese India in discussing the end of Portuguese colonialism.

Keywords
Gandhi; reception; colonialism; Goa; India; nationalism

Neste artigo, procuro analisar a recepção da obra e do legado de Gandhi no Portugal colonial do século XX. Gandhi foi um dos mais destacados líderes da independência indiana face ao jugo colonial inglês; e, nesse sentido, tem pertinência averiguar como foi feita a recepção da sua obra e do seu legado na imprensa e edição portuguesas, atendendo aos efeitos que aquela mudança (e o prévio movimento político que a animou) podia implicar face ao jugo colonial português sobre os territórios da Índia portuguesa. Nesta imprensa, incluirei também a imprensa “metropolitana”, que dava destaque aos temas coloniais, como a influente revista Seara Nova. Com efeito, a independência da Índia marcou, a breve trecho, o fim da Índia portuguesa, daí também interessar ver se as obras de (ou sobre) Gandhi puderam passar o crivo da censura entre os anos 1950 e 1974.

Perspectivo o estudo da recepção ligado à ideia de “múltiplas utilizações” e “apropriações” dos “objetos impressos de grande circulação”, tal como preconizado por Chartier (1998CHARTIER, Roger. (Dir.). As utilizações do objecto impresso (séculos XV-XIX). Lisboa: Difel, 1998., p. 10). Trata-se de mapear e analisar as intenções explícitas dos escribas mas também de salientar que falar de certos detalhes, questões ou percursos biográficos pôde ter uma intenção sub-reptícia de falar doutras questões. Tentarei comprovar esta dupla via relativamente ao caso escolhido, sinalizando temas como democracia, anticolonialismo e descolonização, alteridade identitária e espiritual, entre outros. Por conseguinte, pressupõe a partilha de “estratégias de leitura” por parte de indivíduos que assim formam uma comunidade de leitores1 1 Como realça um texto epistemológico de referência: “A leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção: é por em jogo o corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro. Por isso devem ser reconstruídas as maneiras de ler próprias a cada comunidade de leitores, a cada uma dessas «interpretative communities» [comunidades interpretativas] de que fala Stanley Fish” (CHARTIER, 1991, p. 181). . Tal propósito implica também uma atenção especial ao contexto em que foram produzidos e circularam alguns dos textos2 2 Refere o mesmo Chartier (1998, p. 15): “Restabelecer este papel exercido pelo objecto impresso nos conflitos […] que põem em jogo o destino do Estado ou apenas circunscritos localmente, exige a restituição do contexto imediato da produção e da primeira circulação das peças destinadas a fazer crer ou a agir”. , o que remete para a interação com esse forte condicionalismo à livre expressão das ideias, que foi a censura política exercida pela ditadura do Estado Novo português, a qual se reforçou devido à extrema longevidade e cariz colonialista e antidemocrático do regime que a usou (1926-1974).

No início da ditadura de Salazar, a independência das colônias europeias não estava na ordem do dia a nível internacional. A Primeira Guerra Mundial fez implodir os grandes impérios do interior da Europa e abalou a “missão civilizacional” do “homem branco”, mas os impérios coloniais sobreviveram, incluindo o português. Porém, em Portugal, houve correntes políticas pioneiras a criticar esse status quo, sobretudo oriundas da esquerda e/ou do ativismo goês (STOCKER, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011., p. 37-55), como se exporá na parte inicial deste texto.

Só o pós-II Guerra Mundial pôs em xeque a ordem colonial à escala planetária. O reconhecimento da independência das possessões asiáticas começa em 1946 com as Filipinas, prossegue com a Índia e o Paquistão (em 1947) e em poucos anos alastra por esse continente, um fenômeno imparável. Torna-se, assim, compreensível por que as primeiras pressões pró-descolonização no império português ocorreram nas colônias orientais de Macau e Goa (ALEXANDRE, 2017ALEXANDRE, Valentim. Contra o vento: Portugal, o Império e a maré anticolonial (1945-1960). Lisboa: Temas & Debates, 2017., p. 123-197). Nesse quadro, a figura de Gandhi é abordada no texto como um símbolo, um indicador das contaminações por ideais políticos entre distintos contextos nacionais e imperiais. Uma figura a que grupos de intelectuais e ativistas recorreram para o debate público com duplo sentido, ou seja, para falar da independência da Índia lusa, evitando ser silenciado pela censura política.

Indivíduos e grupos envolvidos na reflexão e difusão de Gandhi

Nos anos 1920, emergiu na metrópole um grupo acadêmico católico goês defensor do nacionalismo indiano e da autonomia goesa, liderado por Adeodato Barreto (MARGÃO, 1905 - Coimbra, 1937). Adepto de um universalismo articulador dos mundos ocidental e oriental, formaria o Partido Nacionalista Indiano em 1925, o Instituto Indiano, junto da Universidade de Coimbra, e o jornal Índia Nova (1928-29). Este foi porta-voz oficioso daquele partido, e o seu título (e missão) era uma projeção do semanário fundado por Gandhi, o Young India (1919-31)3 3 Druston Rodrigues refere que antes disso fora criado em Lisboa o Centro Nacionalista Indiano, por si mesmo, Fernando da Costa, António Furtado e Telo de Mascarenhas. Decorreu das intenções plasmadas em manifesto dos Goeses de Lisboa, editado pela Tipografia Goesa (RODRIGUES, 1957). . Foi o mesmo Adeodato Barreto que em 1925 adquiriu (sem custos) os direitos de tradução da biografia de Gandhi escrita pelo francês Romain Rolland no ano anterior (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 458). A tradução por si então realizada não chegou a sair em livro, talvez por desinteresse dos editores (MIRANDA, 1940MIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a., p. 14), mas é possível que tenha circulado naqueles círculos sob a forma de manuscrito ou policopiado.

Foi ainda este grupo que, pela mão do gandhista Druston Rodrigues, conseguiu concitar em 1926RODRIGUES, Santana. A Índia contemporânea. Lisboa: J. Rodrigues & C.A., 1926. o beneplácito (“simpatia e apoio moral à causa da independência”) de um conjunto de intelectuais metropolitanos para a dupla causa indiana e goesa, a qual foi plasmado num inquérito que saiu no jornal Bharat em 192644 4 Combinou anarquistas e republicanos como Eduardo Frias, Reinaldo Ferreira, Rocha Martins, Ferreira de Castro, Campos Silva, Santos Aranha, Campos Lima, Mário Domingues (LOBO, 2013, p. 464-465; cit. de RODRIGUES, 1957). . Por entrevista de Fernando da Costa, foram também recolhidos os testemunhos abonatórios de Sebastião Magalhães Lima (redator da Constituição republicana de 1911 e fundador da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem) e de Coelho de Carvalho (ex-presidente da Academia das Ciências de Lisboa e ex-reitor da Universidade de Coimbra). Essa série testemunhal serviu também de apoio a Telo de Mascarenhas, que fora processado judicialmente por ter escrito o artigo “Os ídolos de barro” (no mesmo Bharat), no qual apoiava o nacionalismo goês (RODRIGUES, 1957RODRIGUES, Druston. Quando os estudantes goeses residentes em Lisboa solicitaram a anexação de Goa à India.The Sunday Standard, Nova Deli, 17/2/1957.).

Antes disso, já entrara na liça a imprensa libertária (A Batalha e Renovação), com intervenções de Ferreira de Castro, António Furtado, Eduardo Frias, acompanhados pelos goeses Fernando da Costa e Adeodato Barreto, com alusões a Gandhi e outros líderes indianos em temas como a autodeterminação nacional e as relações civilizacionais (entre 1924 e 1926). Seguiu-se a influente Seara Nova, revista ligada ao republicanismo demoliberal, que dedicou espaço relevante às questões coloniais e na qual escreveram sobre Gandhi autores como Constâncio Mascarenhas (1926MASCARENHAS, Constancio. Mahatma Gandhi.Seara Nova, Lisboa, n. 67, p. 136-137, 2/1/1926.), Adeodato Barreto (1927BARRETO, Adeodato. O Instituto Indiano, da F[aculdade] de Letras de Coimbra. Seara Nova, Lisboa, n. 99, p. 54-56, 12/5/1927. e passim), António Sérgio (1927SÉRGIO, António. O Oriente, o Ocidente e a nova civilização ecuménica. Seara Nova, Lisboa, n. 99, p. 46, 12/5/1927.), Augusto Casimiro (1930C[ASIMIRO], A[ugusto]. De Tolstoi a Gandhi/ Algumas fontes e desenvolvimento da «não resistência». Seara Nova, Lisboa, n. 204, p. 184-186, 13/3/1930.), Sarmento de Beires (1930BEIRES, Sarmento de. O problema da India inglêsa. Seara Nova, Lisboa, n. 210, p. 283, 1930.), Constantino dos Santos (1928SANTOS, Constantino dos. Uma questão asiática em Lourenço Marques. Seara Nova, Lisboa, n. 128, p. 156-158, 24/8/1928. e 1932SANTOS, Constantino dos. Gandhi. Seara Nova, Lisboa, n. 302, p. 211-212, 9/6/1932.), A. S. (1946S. A. Gandhi, o inimigo da violência. Seara Nova, Lisboa, n. 992, p. 252-254, 17/8/1946.), Lobo Vilela e Humberto Lopes (ambos em 1948VILELA, A. Lobo. O «idealismo prático» de Gandhi. Seara Nova, Lisboa, n. 1073, p. 81-85, 21/2/1948.). Em 1926, dedicou um número especial ao “Oriente”, com artigos sobre a Índia e Gandhi. Também reproduziu textos de autores estrangeiros, como André Philip (1933PHILIP, André. A Índia industrial e o gandhismo. Seara Nova, Lisboa, n. 331, p. 302-303, 9/2/1933.) e Victor Heiser (1945HEISER, Victor. Ghandi [sic], Tagore e a medicina ocidental.Seara Nova, Lisboa, n. 916, p. 157-158, 3/3/1945.). A ação de Gandhi é também abordada por periódicos católicos renovadores, de Lisboa e Goa (em 1932).

Outros autores goeses que abordaram Gandhi foram o já referido Constâncio Mascarenhas (em 1926MASCARENHAS, Constancio. Mahatma Gandhi.Seara Nova, Lisboa, n. 67, p. 136-137, 2/1/1926. e 1942MASCARENHAS, Constancio. O conflito. Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 52, p. 49-74, 1942.), Santana Rodrigues (em 1921-27), Cordato Noronha (1926NORONHA, Cordato de. Por Índia e por Portugal. Seara Nova, Lisboa, n. 84, p. 238, 22/4/1926a.), Lourenço de Salvador (em 1964SALVADOR, Lourenço de. Who killed Gandhi?. Lisboa: s.n., 1964 [data do depósito legal].) e vários articulistas ligados a periódicos de Goa, destacando-se Luís de Menezes Bragança. Santana Rodrigues teve a particularidade de intervir tanto na imprensa goesa como em alguma da mais influente imprensa republicana de debate político da metrópole, debate esse que prosseguiria no formato livro anos depois.

Além desses contributos, há ainda a destacar as traduções da autobiografia (em 1943) e das biografias de Gandhi por Louis Fisher (em 1960FISCHER, Louis. Gandhi. Lisboa: Editorial Aster, col. «Grandes biografias» (n.º 28), trad. de Ricardo Tavares, 1960.) e Camille Drevet (em 1969DREVET, Camille. Gandhi: vida, obra e pensamento. Lisboa: União Gráf. [Editorial Império], col. «Perfis» (n.º 3), trad. de Joaquim Osório de Castro, 1969.).

Recepção de Gandhi: os textos difundidos

O movimento de não cooperação apud Gandhi: Bharat, vs. O Debate, 1920

Na imprensa autonomista goesa dos anos 1920, Gandhi foi visto contrastadamente. Enquanto o Bharat apoiava o movimento de não cooperação liderado por Gandhi e salientava a necessidade de o autonomismo goês ter líderes que aprendessem com Gandhi e seus companheiros a capacidade de abnegação ao serviço da causa (DESSAI, 1920a [DESSAI], [Hegdó]. Avante. Bharat, Nova Goa, 12/8/1920a. e 1920b [DESSAI], [Hegdó] Gandhismo. Bharat, Nova Goa, 30/12/1920b.; REGÓ, 1920REGÓ, Esvonta Butò S.. Não-cooperação. Bharat, Nova Goa, 11/11/1920.), o jornal O Debate criticava, pela pena insistente do seu diretor, a mistura contraproducente (e antimodernidade) entre espiritualidade e patriotismo implícita na inspiração do movimento de não cooperação no princípio do satyagraha (ou busca incessante da verdade), se atendermos ao que escrevia o seu diretor, também contra o apelo de Gandhi para o abandono das escolas inglesas5 5 P.e. Bragança, 1920a e 1920b; vd. análise e transcrições em Lobo, 2013, p. 430 e 432. . Contudo, Luís de Menezes Bragança (1878-1938) foi um simpatizante da ala moderada e laicista do partido unitário indiano, o Congresso, do qual Gandhi foi um dos dirigentes6 6 Lobo, 2013: 430. Mais tarde, poria Rolland e Tolstoi entre os melhores “espíritos europeus”, ambos admiradores de Gandhi…(ibidem, p. 475). .

Interdições oficiais em Goa: do antialcoolismo ao Gandhi cap (1921)

Em 1921, o jornal Bharat denunciou a censura das autoridades goesas a Gandhi, primeiro interditando a sua menção numa conferência antialcoolismo, depois anuindo na proibição, pelo professorado conservador, do uso do Gandhi cap (barrete branco de têxtil indiano) pelos alunos, o qual era um dos símbolos do nacionalismo econômico preconizado por Gandhi (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 436-437). Esses temas serão respigados noutros períodos, estando a sua relevância ligada à campanha de autonomia econômica e de emancipação dos indianos face às várias dependências para com os ingleses.

Da revolta do campesinato muçulmano do Malabar à via não violenta (1921-26)

O aproveitamento político, pelos ingleses, da revolta camponesa de Moplah (8/1921) com vista a desacreditar o nacionalismo indiano foi repudiado pelo polígrafo goês António Aleixo Santana Rodrigues (Goa, 1887 - Lisboa, 1966) através da imprensa metropolitana. Recorreu a um diário republicano de grande expansão e repercussão política na época, Imprensa da Manhã, porta-voz da facção militar situacionista liderada por Liberato Pinto. À resposta de um coronel inglês no influente Diário de Notícias seguiu-se a sua réplica no mesmo jornal, logo transcrita em Goa pelo jornal Bharat, como prova dos “relevantes serviços à India” por si prestados (cit. em LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 414). Nessas peças, Gandhi emerge como líder apaziguador desse conflito (e a pedido dos ingleses, junto com Mohamed Ali) e herdeiro destacado do movimento nacional indiano, agora melhorado pela conquista do “coração do povo” (cit. LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 415). Tal mudança, viabilizada pela força aglutinadora do movimento a nível territorial e social, só fora possível pelo “inigualável apostolado e alto senso político” de Gandhi, que conseguira suscitar a adesão generalizada dos indianos à prática da não cooperação pacífica (boicote às instituições, a produtos e empregos concedidos pelos ingleses, das fábricas aos tribunais; cit. em ibidem). O pacifismo de Gandhi era já então proposto como contributo civilizacional da Índia. A polêmica será recuperada em livro bilíngue de sua autoria, provavelmente impulsionado pelo movimento nacional indiano (vd. RODRIGUES, 1923RODRIGUES, Santana. The Indian national movement: English translation and Portuguese original edited by N. G. R. I..Lisboa: N. G. R. I., 1923.). Nessa década, continuará a intervir na imprensa para criticar o colonialismo inglês, desmontar o discurso orientalista sobre a Índia e preconizar uma federação indiana de base democrática (MARMELADA, 2015MARMELADA, Patrícia (2015), As dinâmicas culturais em Adeodato Barreto, Dissertação (Mestrado em Ensino de Português como Língua Segunda e Estrangeira) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2015., p. 39; LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 217), tendo as suas entrevistas aos jornais Diário de Lisboa e O Dia (aqui por convite do seu amigo Azevedo Neves, médico e político sidonista) sido reunidas em livro (RODRIGUES, 1926RODRIGUES, Santana. A Índia contemporânea. Lisboa: J. Rodrigues & C.A., 1926.). Este teve um acolhimento expressivo, chegando a indianistas como Romain Rolland, e esgotando os seus 2 mil exemplares logo no ano seguinte (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 417). As entrevistas ao diário conservador O Dia, de 1924, visavam informar sobre a sociedade indiana hodierna e o seu movimento emancipatório, tendo sido republicadas no diário Heraldo7 7 O Bharat também reproduziu parcialmente um dos artigos (A. V. [Arlequim Verde], “O Leão dos mares”, 25/6/1924), apudLobo, 2013, p.416. . Nessa data, um grupo de goeses autonomistas procuraram combater na imprensa a ofensiva antiautonomismo colonial, evidente no 2.º Congresso Colonial (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 416-417).

A não cooperação também está no cerne de artigo hodierno publicado na Seara Nova pelo médico e investigador goês Constâncio Mascarenhas (vd. MASCARENHAS, 1926MASCARENHAS, Constancio. Mahatma Gandhi.Seara Nova, Lisboa, n. 67, p. 136-137, 2/1/1926.). Nele historia as razões da indignação de Gandhi face à injustiça britânica e apresenta brevemente o seu movimento, concluindo que Gandhi era um digno sucessor do abolicionista Abraham Lincoln nas “grandes lutas da humanidade” (ibidem, p. 137).

O “orientalismo” de Rabindranath Tagore e Gandhi: prós e contras, da medicina à literatura

Uma das questões mais delicadas trazidas pelo moderno nacionalismo indiano remete para o seu posicionamento face aos legados e às relações complexas entre as civilizações oriental e ocidental, para usar termos então em voga. O busílis residia em como fazer a apologia do legado cultural (ou civilizacional) indiano (ou oriental, em geral) sem cair num maniqueísmo similar ao da recusada perspectiva colonial ocidental (que originaria um “orientalismo” pró-colonialista, modo estereotipado e maniqueísta do ocidental ver o “Outro” do Oriente e de dar a ver o oriental a si mesmo, Said, 2007SAID, Edward W. Orientalismo - o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.), i.e., num novo “orientalismo”. Essa tensão atravessou parte dos escritos de ativistas goeses, e parece-nos ter sido superiormente sublimada em Santana Rodrigues (já estudado em LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., máxime p. 418-420, que o mostra particularmente empenhado na desmontagem da imagem ocidental da Índia e dos indianos e do seu nexo ao “Orientalismo académico” e ao império inglês) e em Adeodato Barreto, como se procurará comprovar adiante.

Esse debate também ecoou ao abordar-se certas facetas de expoentes nacionalistas indianos como Gandhi e o poeta Rabindranath Tagore, o primeiro Prêmio Nobel não ocidental, entre outros.

Assim, para o então jovem intelectual libertário Ferreira de Castro (1924aCASTRO, Ferreira de. Sobre um livro de Romain Rolland. Gandhi, o revolucionário indiano.A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 14, p. 4-5, 3/3/1924a.), Gandhi irmanava-se a Tagore enquanto fontes de ternura e fraternidade humanas. Em recensão alongada à biografia de Gandhi por Romain Rolland, aquele era visto como ícone libertário, que podia ser considerado um revolucionário avançado na Índia, mas não na Europa, onde as conquistas sociais tinham progredido mais, pois livres da opressão religiosa e colonial. A lição de Gandhi era universalista, segundo Rolland, por semear a vontade de liberdade e perfeição na alma dos indianos. Noutro texto próximo, Castro (1924bCASTRO, Ferreira de. Rabindranath Tagore. O poeta e a selva perante a revolução social. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 34, p. 3 e 6, 21/7/1924b.) exaltou a ânsia de libertação colonial de Tagore, idêntica à de Gandhi, retomando a ideia de que a vontade revolucionária do Oriente é autêntica mas ainda menor do que a do Ocidente. Na revista anarquista Renovação, depreciou Jiddu Krishnamurti em favor de Gandhi, vendo o primeiro como um apóstolo não libertador do jugo colonial (devido à resignação implícita no seu múnus teosófico), e o segundo como um libertador político. Os apóstolos eram necessários na Índia para despertar os escravizados, enquanto “na Europa, hoje, as ideias inspiram mais confiança do que os homens” (CASTRO, 1926CASTRO, Ferreira de. A morte dos apóstolos. Renovação, Lisboa, n. 22, p. 337-338, 15/5/1926.; sobre este autor vd. CABRITA, 2009CABRITA, Maria João. No rasto da passagem de Ferreira de Castro pelos suplemento e revista de A Batalha (1919-1927). Cultura, Lisboa, v. 26, p. 119-137, 2009.). Na mesma revista, saiu então outro texto, nele surgindo Gandhi como o grande apóstolo da Índia insurgente, e Tagore como o seu profesta inspirador, que buscava libertar a Índia dos seus próprios males, das castas à falta de emancipação.8 8 “ele [Tagore] investe conta a propria India, contra a escravatura do passado, os grilhões da tradição com os preconceitos de casta e exclusivismo das leis, e contra as algemas de uma civilização opressora que despersonaliza, que entrava toda e qualquer expansão. […] O particularismo tradicional da sua cultura deve ceder o logar ao desejo veemente de alicerçar a educação nacional sobre o tesouro lavrado pela Humanidade” (F[rias], 1926).

O texto porventura mais importante surgido nesta altura é “Índia antiga e moderna”, de Fernando da Costa (1904-?), reprodução de conferência que o autor pronunciara na Universidade Livre lisboeta a 11 e/ou 18/4/1925, primeiramente publicada em partes no jornal A Batalha (COSTA, 1925COSTA, Fernando da. India antiga e moderna. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 109, p. 3, 28/12/1925., COSTA, 1926aCOSTA, Fernando da. O berço da liberdade. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 116, p. 2, 15/2/1926a., COSTA, 1926bCOSTA, Fernando da. O actual movimento político da India. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 128, p. 6, e n. 129, p. 6, respectivamente 10/5/1926b e 17/5/1926b. e COSTA, 1926dCOSTA, Fernando da. A crença da India Nova. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 135, p. 7, 28/6/1926d.), e logo depois no Bharat (a 20/6 e 21/10/1926) e em opúsculo (COSTA, 1926eCOSTA, Fernando da. Conferencia - India antiga e moderna. Lisboa: Tip. da Ass. dos Comp. Tipograficos, 1926e.). Exultava os avanços trazidos pela Índia nas ciências, letras, artes e religiões, e mencionava autores indianos hodiernos reconhecidos no Ocidente pelo seu labor científico, filosófico e político-ideológico. Mais do que contrapor o Oriente ao Ocidente (embora elogiando o nacionalismo daquele em contraponto ao deste, que confundia a nação com família), pretendia demonstrar que o Oriente tinha lições universalistas a dar, e que para fazê-lo em pleno necessitava romper amarras feitas pelo Ocidente, como o colonialismo. Tagore era o herói nacionalista indiano que alertara para o eclipse da dádiva civilizacional da “Ásia”, e Gandhi o guia da nova “Revolução Pacífica” (COSTA, 1925COSTA, Fernando da. India antiga e moderna. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 109, p. 3, 28/12/1925.). O movimento nacional indiano de que aqueles eram líderes superava a Revolução Francesa e outras pois tinha o “apoio do povo”, não se circunscrevendo “a intelectuais” (COSTA, 1926aCOSTA, Fernando da. O berço da liberdade. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 116, p. 2, 15/2/1926a.).

Embora de teor pró-independentista (“Não temos ilusões! Confiamos em nós próprios, para conseguir a Independência!”), na versão em opúsculo continha um prefácio do seu amigo Coelho de Carvalho, que o apresentava como não sendo contra a tutela portuguesa, e só por isso o apoiava, porquanto a nação hindu podia viver em estados políticos distintos9 9 “A Nação pode ter vários Estados políticos autónomos, e só perderá a sua autonomia social, se homens de outra raça dominarem na governação desses Estados, oprimindo a nação e contrariando a afirmação e desenvolvimento das suas qualidades ingenitas da raça. É por isso que se diz erradamente a India inglesa, quando se deveria dizer «India dos Inglezes». Também a India Portuguesa foi a India dos portugueses, quando a Inquisição e alguns maus viso-reis, em tempos idos, a dominavam e oprimiam. Hoje, porem, a nossa India é dos indús, e a bandeira portuguesa, cuja sombra radiante a cobre ondulando em lampejos de gloria, não abafa a afirmação de autonomia espiritual da raça indú, e, por isso aplaudo, de todo o coração e com entusiasmo, o esforço de propaganda de Fernando Costa a favor do Nacionalismo Indú, porquanto Nacionalismo não exclue nem degrada a mais natural das diferenciações sociais e políticas - o regionalismo. Avante, pois, meu jovem amigo, na cruzada pró-Índia” (COSTA, 1926e, p.4). Ademais, o próprio Coelho de Carvalho elogiou a “generosa concepção social de Gandhi” e a superioridade “espiritual” da “raça indú” (COSTA, 1926e,p.[3]). . O texto não era explicitamente pró-secessão da Índia portuguesa, mas Costa assumiu implicitamente essa posição no início de 1926, embora priorizasse a convergência táctica na autonomia para Goa10 10 “cheguei a Lisboa onde o regionalismo transformou-se em Nacionalismo” (in “Uma festa de União e de paz”, BHARAT 4/2/1926, apudLOBO, 2013, p. 452). Costa foi um dos cofundadores do Partido Nacionalista Indiano ou Partido Nacionalista Hindu, surgido em finais de 1925; vd. idem, p. 459-461). . Este texto-conferência de Costa gerou críticas (v.g.Maia, 1926MAIA, Álvaro. Livros e escritores. Ilustração, Lisboa, n. 19, p. 34/5, 1/10/1926.) e também contracríticas (v.g. de FURTADO, 1926FURTADO, António. A propósito de uma crítica/A India antiga e moderna.A Batalha: suplemento literário ilustrado, Lisboa, n. 152, p. 2, 25/10/1926. e BARRETO, 1926BARRETO, Adeodato. A propósito duma crítica. A Batalha. Suplemento Literário Ilustrado, Lisboa, n. 155, p. 1 e 6, 15/11/1926., vd. seção seguinte).

Costa esteve, então, muito ativo na propaganda da causa independentista (vd. ainda COSTA, 1926cCOSTA, Fernando da. Depois da vitoria do inimigo...: Marrocos voltará a lutar pela sua independência.A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 134, p. 5, 21/6/1926c. e LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 465). Seja como for, também defendeu, e de modo inequívoco, a necessidade do intercâmbio civilizacional: “A India futura será livre, e portanto progressiva! Adoptaremos do ocidente tudo o que fôr útil e com isso só respeitaremos a nossa tradição porque a Índia, sempre, promoveu o inter-câmbio entre o ocidente e o oriente”. Só assim a Índia poderia desempenhar cabalmente uma “missão” universalista, a de espalhar “a concórdia entre a razão e a moral” que só ela soubera estabelecer, a articulação entre “progresso intelectual” e o “progresso moral”, assim se atingindo a “Paz no mundo” (COSTA, 1926bCOSTA, Fernando da. O actual movimento político da India. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 128, p. 6, e n. 129, p. 6, respectivamente 10/5/1926b e 17/5/1926b. ).

Dois seus companheiros de causa reforçariam então aquele imperioso cruzamento civilizacional, embora historicamente ele tivesse sido deficitário para a Índia em termos materiais e políticos: “Na esfera cultural, o coeficiente europeu na civilização hindu tem [(]como bem demonstrou o Dr. Santana Rodrigues no seu livro «Índia contemporânea») o seu equivalente no coeficiente indiano na civilização europeia” (BARRETO, 1926BARRETO, Adeodato. A propósito duma crítica. A Batalha. Suplemento Literário Ilustrado, Lisboa, n. 155, p. 1 e 6, 15/11/1926.).

Mas havia quem estivesse decepcionado com o rumo da Europa desde a I Guerra Mundial, em especial pela atitude inglesa face à Índia, e preconizasse uma ideia que fez caminho, a de que os grandes dirigentes nacionalistas (mormente Tagore e Gandhi) davam um exemplo civilizacional, não só para a Índia mas para todo11 11 Noronha, 1926b e 1926c. Refere este médico luso-indiano na sua conferência na Universidade Livre: “Gand[h]i, filósofo e apóstolo, pretende nada menos que opor à civilização egoista e mentirosa da Europa, um núcleo de homens novos, amantes da verdade em absoluto […] Mahatma Gand[h]i dirigiu uma mensagem ao mundo. Como Cristo e como Buda, a sua palavra ergue-se contra a Mentira e contra o Egoismo. Mas sobre ser uma religião é um sistema político, uma nova Constituição para o universo inteiro. Se a Índia, debaixo da sua acção, caminha com a maior segurança para o progresso da inteligência, se a libertação da mulher, a união indú-mussulmana, a aproximação das castas, a vitória moral dos humildes, são os resultados concretos da sua doutrina ainda mais levantada, é o ideal universalista que o atormenta” (NORONHA, 1926c: 334-335). Mas muito aproximava Gandhi do Ocidente e importava aos portugueses o seu perfil “ultrademocrtáico e cristão” (“É S. Paulo pregando nas catacumbas. Manso, profundo e simples”), (NORONHA, 1926c, p. 335). . Adeodato Barreto também faria um balanço desalentado da presença lusa, apenas excluindo o tempo do governador Albuquerque, um parênteses de “cooperação luso-indiana” (BARRETO, 1927BARRETO, Adeodato. O Instituto Indiano, da F[aculdade] de Letras de Coimbra. Seara Nova, Lisboa, n. 99, p. 54-56, 12/5/1927., p. 54-55). Nesse quadro da necessidade de intercâmbio, o Instituto Indiano (que ajudara a criar em Coimbra) era entendido como “imprescindível para que se possa considerar completa uma universidade «portuguesa»” (idem, p. 56). Barreto e o jornal Índia Nova, ligado àquele instituto, iriam afirmar um nacionalismo indiano, ainda que de tom universalista, no âmbito de um renascimento do Oriente que irradiaria luz civilizacional sobre o Ocidente, e que superaria até as novas irrupções revolucionárias, contrapondo-se Gandhi a Lenine (vd. análise em PASSOS, 2012PASSOS, Joana. Literatura goesa em português nos séculos XIX e XX: perspetivas pós-coloniais e revisão crítica. Famalicão e Braga: Húmus e Universidade do Minho, 2012., p. 185-187).

Como antídoto contra a decepção e o receio do nacionalismo, António Sérgio (1927SÉRGIO, António. O Oriente, o Ocidente e a nova civilização ecuménica. Seara Nova, Lisboa, n. 99, p. 46, 12/5/1927.) propôs o “ecumenismo” como via universalista para todos (“os de lá e os de cá”), uma “nova síntese” superadora da “antítese oriental-ocidental”. Nesse “número especial sobre o Oriente” da Seara Nova, outros colaboradores afinavam pelo mesmo diapasão.

Em texto de um médico norte-americano transcrito pela Seara Nova, Tagore e Gandhi surgem também associados no seu apoio a uma suposta medicina indiana (“Ayurvedic”) em detrimento da “medicina moderna” (tida por “bruxaria” por GANDHI apudHEISER, 1945HEISER, Victor. Ghandi [sic], Tagore e a medicina ocidental.Seara Nova, Lisboa, n. 916, p. 157-158, 3/3/1945., p. 157). Porém, o mesmo autor realça que, após se ter encontrado com Tagore e proposto o apoio da Fundação Rockefeller ao sistema público de saúde na Índia, o seu interlocutor indiano aceitou a ideia e deixou de criticar a “medicina ocidental”, revelando que este tipo de opiniões tinham um lado preconceituoso e, sobretudo, não eram inflexíveis (HEISER, 1945HEISER, Victor. Ghandi [sic], Tagore e a medicina ocidental.Seara Nova, Lisboa, n. 916, p. 157-158, 3/3/1945., p. 158).

Salazar entraria neste debate em finais de 1947, afirmando que, “se geograficamente Goa é Índia, socialmente, religiosamente, culturalmente, Goa é Europa” (NOGUEIRA, 1980NOGUEIRA, Franco. Salazar. Coimbra: Atlântida, 1980, vol. 4., p. 80). Exceptuando o auditório nacionalista luso, ninguém mais parecia acreditar nisso, ainda que Nehru (mas não Gandhi) tivesse, a dado momento, dito que Goa tinha traços culturais distintivos (que não políticos, religiosos ou sociais, todavia)12 12 Sobre a resistência cultural, religiosa e outra em Goa vd. Jorge, 1942; Cunha, 1944; Axelrod e Fuerch, 1996; Lobo, 2013; Stocker, 2011; e Menezes, 2016. . Intelectuais influentes como Orlando Ribeiro, que em 1956 entregou um relatório confidencial ao governo luso, revelavam muito cepticismo quanto ao futuro de Goa (STOCKER, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011.; MESTRINELLI, 2017MESTRINELLI, Lucas. Às vésperas do fim: visões sobre o futuro de Goa. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, 2017., p. 18-19). E mesmo Gilberto Freyre, que defendeu um luso-tropicalismo (que foi instrumentalizado pelo salazarismo no pós-guerra para legitimar a manutenção de uma pretensa “nação multirracial e pluricontinental” e, assim, do seu colonialismo), apenas vislumbrava um horizonte identitário luso-indiano, ou seja, misto (CASTELO, 1999CASTELO, Cláudia. «O modo português de estar no mundo»: luso-tropicalismo e ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1999.; SOUZA, 2011SOUZA, Arlindo José Reis de. O orientalismo no (luso)trópico americano: perspectivas brasileiras sobre a Conferência de Bandung. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.; MESTRINELLI, 2017MESTRINELLI, Lucas. Às vésperas do fim: visões sobre o futuro de Goa. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, 2017., p. 54). Ademais, o debate decisivo (em termos estritamente políticos) far-se-ia entre uma “identidade Goesa de nacionalidade indiana” ou uma identidade indiana tout court, mas plural noutros domínios (MESTRINELLI, 2017MESTRINELLI, Lucas. Às vésperas do fim: visões sobre o futuro de Goa. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, 2017., p. 79).

A revisão crítica desses contributos permite verificar que nem todo o discurso nacionalista indiano (no caso, goês) acreditava que a cultura indiana (e oriental) se baseava num nacionalismo cultural antigo e eterno (a-histórico, portanto) que havia sido destruído pelo colonialismo europeu (independentemente da condenação consensual deste, implícita ou explicitamente)13 13 Embora seja contra esta perspectiva homogênea e estanque de cultura, Menezes (2016, p. 31-32) acaba por reduzir o discurso nacionalista (no caso, o dos adeptos do movimento nacional indiano) a uma só via. Salvaguardando-se a existência de várias vias, uma das mais notórias também nos parece ter sido a da promoção de “processos de essencialização da nacionalidade indiana” para a Índia portuguesa por uma parte dos ativistas goeses (MENEZES, 2016, máxime p. 36-37). . A questão era mais complexa: a cultura e a civilização (os dois termos surgem, e nem sempre com acepções distintas) foram por eles vistas como decorrendo de processos dinâmicos e abertos, implicando um desejável intercâmbio do que de melhor tinha cada cultura ou civilização, ou seja, a cooperação14 14 Como refere Lobo (2013, p. 22): “No século 20, sobretudo, [a sociabilidade intelectual goesa] ganharia peso político associado ao despertar da consciência nacionalista indiana e à promoção da sua causa no Ocidente e na Índia. Ganharia igualmente peso o contributo desta intelectualidade à corrente de feição cosmopolita que encarou a necessidade de um novo diálogo filosóficoe cultural entre o Ocidente e o Oriente na problematização da modernidade”. .

“Erguendo a luva…”: Adeodato Barreto em defesa da Índia e dos indianos (1926BARRETO, Adeodato. A propósito duma crítica. A Batalha. Suplemento Literário Ilustrado, Lisboa, n. 155, p. 1 e 6, 15/11/1926.-32)

Entre 1926 e 1932, Adeodato Barreto prosseguiu a sua intervenção na imprensa “em defesa da Índia e dos indianos”. Nesse período, acumulou uma dezena de réplicas contra articulistas de diversos periódicos (sobretudo da metrópole), quase sempre para refutar o preconceito e a crítica contra o nacionalismo indiano.15 15 Começou por replicar (em BARRETO, 1926) comentários de Álvaro Maia tidos por ofensivos (para os indianos independentistas), como o seguinte: “Os indianos ultimamente deram em pedir a independência com uma perrice e uma teimosia tais que se diria não deverem êles nada à civilização ocidental. A propaganda a tal respeito faz-se por tôda a parte e com qualquer pretexto: um dos seus melhores veículos é a mocidade que as terras descobertas pelo nosso compatriota de Quinhentos exportaram para todos os liceus e universidades”. O texto de Maia prosseguiu com um ataque ao texto Índia antiga e moderna, de Fernando da Costa, por justificar a independência equiparando o jugo colonial luso na India ao dos ingleses e por não constatar a portugalidade dos goeses (MAIA, 1926, p.35; vd. também MIRANDA, 1940a, p. 63). A colaboração “interina” de Maia cessa, e uma “nota da direção”, aposta na mesma rubrica no número seguinte, menciona críticas àquele artigo, de que fora emissário Santana Rodrigues, e procura manter-se ‘polidamente’ neutral (em nome da pluralidade): “o que esta revista nunca faria seria apadrinhar quaisquer juízos que menosacabassem a terra indiana e os seus naturais, pois de sobra é conhecido nesta casa o brilhante lugar que a Índia disfruta na história da civilização” (Frias, 1926, p. 36).

Nesses artigos, destacam-se os relativos à “questão asiática”, publicados a partir de 1928, que remetem para o debate em torno da condição (ou do estatuto político-social) dos asiáticos em África, em especial dos muçulmanos. Pouco após a instauração da Ditadura Militar, os indo-portugueses e os indianos de Moçambique foram alvo de críticas e discriminação na imprensa: os primeiros via apoio à posição oficial de recusa da sua presença no quadro de saúde local (vd. NORONHA, 1926aNORONHA, Cordato de. Por Índia e por Portugal. Seara Nova, Lisboa, n. 84, p. 238, 22/4/1926a.), os segundos pretextando-se o seu monopólio do “comércio médio” local. Barreto defendeu-os publicamente contra vários autores16 16 Como um correspondente do jornal O Século (MIRANDA, 1940a, p. 49), Barreto teve uma réplica do luso-descendente Constantino dos Santos (SANTOS, 1928), senador pela Índia portuguesa em 1918-19 e 1922-26 (LOBO, 2013, p. 233) e então cônsul geral de Portugal em Bombaim, que não queria o ímpeto independentista gandhiano alastrando por Moçambique (retomaria Gandhi nessa mesma revista, mas em tom mais cúmplice, em SANTOS, 1932, vd. supra). , numa clara sintonia com o caso sul-africano e com a intervenção afim de Gandhi (BARRETO, 1928BARRETO, Adeodato. A propósito da questão asiática em Lourenço Marques. Seara Nova, Lisboa, n. 126, p. 116-117, 9/8/1928.; MIRANDA, 1940MIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a., p. 23 e p. 63-65). Denunciou ainda um artigo do monárquico ultranacionalista Alfredo Pimenta, que invectivava Gandhi, saído no jornal católico A Voz em 193017 17 Miranda (1940a, p. 72) refere um artigo de Barreto, “Gandhi e os reacionários”, que não consegui localizar. . E enalteceu o “grande espírito prático” de Gandhi, por “lutar contra uma nação de mercadores” atacando-a “no seu elemento próprio: o mercado” (BARRETO, 1931BARRETO, Adeodato. A vitória da Índia. Mundo Novo, Coimbra, n. 1, p. 3, 4/2/1931.). O movimento nacionalista indiano teve, então, momentos-chave: em 1928, reconheceu o Goa Congress Committee (liderado por Tristão B. da Cunha) como parte da sua estrutura político-institucional, prova definitiva da ansiada simultaneidade das independências indianas; em 1930, o Ato Colonial salazarista impôs a desvalorização do estatuto cívico e jurídico dos nativos das colônias lusas, sentido por muitos goeses com acrimônia e prova da impossibilidade de negociação (GAITONDE, 1987GAITONDE, P. D.. The liberation of Goa: a participant’s view of history. Londres / N. York: C. Hurst & Co./ Dt. Martin’s Press, 1987., p. 20-25; STOCKER, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011., p. 161-162).

Barreto pensou reunir esses seus textos num livro intitulado “Erguendo a luva…”, o que foi inviabilizado pela sua morte precoce.

Os seareiros e a nova imprensa católica: pacifismo e tolerância religiosa, antialcoolismo, ascetismo e resgate dos “intocáveis” por Gandhi (1930-1933)

A Seara Nova voltou a ocupar-se da Índia de Gandhi, desta feita pela pena do seareiro Augusto Casimiro - ele que dedicaria vasta reflexão à questão colonial a partir, em especial, do olhar sobre Angola. Num breve artigo, Casimiro (1930C[ASIMIRO], A[ugusto]. De Tolstoi a Gandhi/ Algumas fontes e desenvolvimento da «não resistência». Seara Nova, Lisboa, n. 204, p. 184-186, 13/3/1930.) fez uma apologia pacifista por intermédio do alinhamento de citações de pensadores como Tolstoi (inspirador de Gandhi), Romain Rolland, Cristo e autores indianos relativamente ao tema da “não resistência” ou da “não participação na violência” (nas palavras de Tolstoi), que para Gandhi é também a não cooperação e a desobediência civil, formalmente abarcados no “satyagraha” (que quer dizer insistência na verdade). No final, aduz bibliografia específica “sobre o movimento que está culminando na India em torno da figura puríssima do Mahatma Gandhi”. O antigo militar e pioneiro aviador Sarmento de Beires secundou-o no elogio ao pacifismo e à “incontestável estatura moral” de Gandhi, da qual resultaria o seu “prestígio” já em 1924 (testemunhado pelo autor na sua estadia indiana de 4 meses). Porém, estimava que a sua “revolta” falharia, pois carecia duma “democratização social”, através da abolição das castas (BEIRES, 1930BEIRES, Sarmento de. O problema da India inglêsa. Seara Nova, Lisboa, n. 210, p. 283, 1930.).

Em 1932, o novo periódico católico Era Nova elogiou Gandhi pela sua defesa dos conterrâneos mais humildes (primeiro na África do Sul e depois na Índia) e da charka e do Gandhi cap como meios de emancipação econômica e cultural dos indianos, pela sua tolerância religiosa (que “permitiu-lhe ver que a religião católica romana conviria à India”) e civilizacional18 18 “Está pois longe do seu pensamento e da sua acção derrubar a Civilização cristã, latina, ocidental ou qualquer outra. Combate somente os vícios e o egoísmo, as mentiras e os ódios que fraquezas humanas engendraram nessas civilizações” (R., 1932a, p.1). S. R. é muito provavelmente Santana Rodrigues. , e secundou-o na luta contra a importação e imposição de bebidas alcoólicas inglesas e o défice de investimento na educação pública na Índia inglesa (R., 1932aR. S. Gandhi . -Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 15, p. 1 e 3, 7/5/1932a. e R., 1932dR. S. Gandhi . Coisas da India. Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 24, p. 3, 9/7/1932d.).

Aquele texto foi comentado na Seara Nova por um advogado goês formado em Londres e amigo de seareiros, Constantino dos Santos, que além de realçar erros factuais e a complexidade do problema do alcoolismo, também secundou “o ideal do Mahatma”, referiu uma amiga comum também presa (Serojini Naidu) e apelou a uma Índia em “pleno regime de autonomia e paz, quanto antes” (SANTOS, 1932SANTOS, Constantino dos. Gandhi. Seara Nova, Lisboa, n. 302, p. 211-212, 9/6/1932.).

S. R. retomaria a questão religiosa, referindo que os recentes confrontos entre hindus e maometanos se deviam ao divisionismo provocado pelos ingleses desde 1903, e que Gandhi conseguira a aliança de muitos indianos muçulmanos devido aos esforços de concórdia, que vinham desde a intervenção de Sirgokal (R., 1932bR. S. Gandhi . Os hindus e os maometanos. Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 18, p. [4], 28/5/1932b. e R., 1932cR. S. Gandhi . Coisas da India/ Eles não têm culpa nenhuma... Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 21, p. 2-3, 18/6/1932c.). Para mostrar que a discórdia entre Oriente e Ocidente também era uma fabricação ocidental, no caso de ingleses (e seus cúmplices), explanou a menorização cultural e política dos indianos pelo livro Mother India, da jornalista norte-americana Mayo, que levara ao assassinato de um crítico seu indiano, o mártir Saypat Ray, pela polícia inglesa (R., 1932cR. S. Gandhi . Coisas da India/ Eles não têm culpa nenhuma... Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 21, p. 2-3, 18/6/1932c.).

De seguida, outro novo periódico católico, desta feita missionário de Goa, o Índia: suplemento português quinzenal, elogiava o pacto de Puna e agradecia a Gandhi, em especial pela remoção de interditos sociais e religiosos relativos aos “intocáveis” e pelo subsequente efeito político e social benéfico, extensivo à presença cristã na Índia (LOPES, 1932[LOPES], [Rev. A. F.]. Gandhi e as missões. Índia: suplemento português quinzenal,Nova Goa, v.I, n. 5, p. 5, 1932.).

A Seara Nova retomou o tema do ascetismo/purificação (antes implícito no antialcoolismo), agora através da reprodução do texto de um acadêmico francês que saíra no bissemanário pró-hindu Pracasha (PHILIP, 1933PHILIP, André. A Índia industrial e o gandhismo. Seara Nova, Lisboa, n. 331, p. 302-303, 9/2/1933.). O autor apoiava Gandhi no seu ideal ascético (que equiparava ao franciscanismo) mas não na crítica ao industrialismo moderno, pois achava que este podia reverter a favor da “eclosão duma personalidade intelectual e moral” extensiva a todos os cidadãos.

Adeodato Barreto e a Seara Nova: pacifismo e ecumenismo na Civilização hindu (1935/1936)

Em Maio de 1936, o grupo Seara Nova edita em livro artigos de Adeodato Barreto que haviam saído na sua revista até Abril desse ano (BARRETO, 1935BARRETO, Adeodato. Civilização hindu. 1.ª ed., Lisboa: Seara Nova, 1935.)19 19 Donde a data de 1935 que figura na folha de rosto está factualmente errada e contradiz o cólofon. . Nessa coletânea, Civilização hindu, Barreto enaltece o pacifismo e ecumenismo presentes no exemplo de Gandhi, que erige como um dos exemplos maiores da sabedoria indiana20 20 "É esse apelo de paz e de ecumenismo que a Índia lança ao Mundo moderno. A teosofia e o espiritismo, religiões, na sua base, profundamente indianas, transportaram-no para o campo religioso. Deram-no no campo da cultura, Tagore pregando a aproximação do Oriente e do Ocidente, no campo da ciência, Bose, afirmando pela primeira vez, com a sua descoberta da sensibilidade das plantas, a unidade do mundo biológico, e no campo político, Gandhi, com a sua doutrina de auto-sacrifício e não violência, maravilhosa de elevação e de beleza. Todos eles estão profundamente compenetrado de que a sua acção, sobranceira aos estreitos limites duma pátria, tem um conteúdo e uma significação universais” (apudLOBO 2013, p. 473). . Defende que ao ocidentalismo faltava a “unidade na pluralidade” (ou “harmonia na pluralidade”) inscrita no humanismo oriental (BARRETO, 1935BARRETO, Adeodato. Civilização hindu. 1.ª ed., Lisboa: Seara Nova, 1935., p. 292). A missão humanista que estava confiada à “Índia Nova” devia assim ser divulgada (e expandida) urbi et orbi. Esta foi então considerada uma obra de referência por seareiros e colegas (MIRANDA, 1940bMIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto (ensaio biográfico e crítico). Bastorá: Tipografia Rangel, 1940b., p. 22), sendo hoje uma obra recuperada pela academia.

Constâncio Mascarenhas: Gandhi, herdeiro do ideal da “fraternidade universal” (1941)

Alguns anos mais tarde, em plena II Guerra Mundial, Constâncio Mascarenhas retoma as suas meditações sobre Gandhi iniciadas em 1926MASCARENHAS, Constancio. Mahatma Gandhi.Seara Nova, Lisboa, n. 67, p. 136-137, 2/1/1926., desta feita a convite do Instituto Vasco da Gama, uma importante academia goesa fundada em 1871 para fomentar as ciências e as letras lusófonas em Goa. Na sua conferência, proferida no final de 1941, mostra-se defensor acérrimo do ideal da “fraternidade universal”, enquanto “amplexo mais elevado” legado por Cristo à humanidade (MASCARENHAS, 1942MASCARENHAS, Constancio. O conflito. Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 52, p. 49-74, 1942., p. 68). Crê que ele se realizará no mundo através do “movimento de resistência passiva”, historiando alguns marcos até chegar ao seu atual grande herdeiro e difusor, Gandhi, cuja doutrina é a “não violência”, sujeita apenas à “força do espírito” (ibidem: p. 69-70). O texto, um programa integral contra a guerra, tem plena oportunidade na conjuntura de guerra de então, e visava ainda ao pós-guerra, sobretudo na Índia. Na bibliografia, entre obras de Bart de Ligt, Marx, Engels, Sorel, etc., figura La jeune Inde, de Gandhi (ibidem, p. 74).

As memórias (1943)

Antes da ruptura independentista, já Gandhi havia escrito na prisão as suas memórias (em 1922-24, e entre outros trabalhos), as quais foram primeiramente difundidas em 1927, no jornal Navajivan (na versão em língua urdu) e em livro contendo a primeira versão em língua inglesa21 21 Vd. Autobiography: the story of my experiments with truth, Ahmedabad, Navajivan Publishing House. . Depressa se tornaram conhecidas e lidas, enquanto arma de combate político mas também de revelação de uma filosofia e personalidade singulares. Esse célebre testemunho só seria publicado em Portugal em meados de 1943.22 22 Ainda assim sendo muito provavelmente a primeira edição em língua portuguesa, porquanto a edição mais próxima que foi possível localizar data de 1945, e foi feita no Brasil (vd. História das minhas experiências com a verdade, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio).

A edição portuguesa tem um título e subtítulo diferenciado daquelas, História da minha vida (ou das minhas experiências com a verdade), enfatizando mais a dimensão biográfica genérica e menos a dimensão ética. Foi editado por uma pequena editora lisboeta da época, a Edições Atlante, e o que nela ressalta são os cuidados paratextos do goês Telo de Mascarenhas, apesar de ser uma versão não integral. Num contexto tão disruptor como o da II Guerra Mundial, que fins visaria ao publicista com este seu gesto?

Creio que uma breve análise do perfil de Telo de Mascarenhas (1899-1979) ajuda a perceber as suas intenções. Nascido em Goa, mudou-se para a metrópole em 1921, para prosseguir estudos (formar-se-ia em Direito no final dessa década). Aí converteu-se ao nacionalismo hindu (não excludente) e integrou um grupo católico goês defensor do nacionalismo indiano e da autonomia goesa, que formaria o Partido Nacionalista Indiano em 1925. Um ano depois, escreveu um texto contra o colonialismo luso, que provocou um processo ao jornal Bharat, já em plena Ditadura Militar. Foi colaborador do jornal antiditadura militar Gente Nova: jornal republicano académico (1927-28) e codirector do jornal Índia Nova (1928-29), porta-voz dos estudantes universitários independentistas indianos na metrópole. Nos anos 1930, viveu uma fase salazarista, acreditando que seria possível a autonomia de Goa no quadro do império colonial português. Permaneceu na metrópole até 1948, tendo então desenvolvido a sua carreira de magistrado no ministério público. A II Guerra Mundial e as subsequentes transformações político-sociais no mundo levaram-no a uma gradual ruptura política com a perspectiva salazarista, visível na tradução e edição da supracitada obra de Gandhi. Retornado a Goa (em 1948), tornou-se um freedom fighter, e rapidamente se viu forçado ao exílio, em Bombaim, onde editou um jornal influente, o Ressurge, Gôa! (1ª série: 1950-1959). Preso em 1959 assim que regressou à terra natal, esteve encarcerado na capital do Império durante a década de 1960. Foi amnistiado em 1970, após forte pressão internacional (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 60, 455-742, 495 e 507; MESTRINELLI, 2017MESTRINELLI, Lucas. Às vésperas do fim: visões sobre o futuro de Goa. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas, 2017., p. 69-70, 78-103; RODRIGUES, 2000RODRIGUES, Maria de Lourdes Bravo da Costa. The status of Portuguese language and some other cultural aspects in Goa. Lusotopie, Bordéus, n. 7, p. 597-609, 2000., p. 604).

A versão publicada pela Atlante das memórias de Gandhi marca essa passagem pessoal do seu compilador/tradutor/prefaciador para uma nova postura pró-humanista, de questionamento e combate anticolonial (a autobiografia de Gandhi foi, em grande medida, um repto anticolonial).

Entre o prefácio de Telo de Mascarenhas, de VI/1942MASCARENHAS, Constancio. O conflito. Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 52, p. 49-74, 1942., e a edição do livro, a 20/V/1943, dista quase um ano, o que revela que a edição foi demorada. O fato de ter passado incólume pelo crivo censório tem decerto a ver com a conjuntura política da II Guerra Mundial, pois nessa fase a ditadura fez apanágio de tolerar a propaganda dos contendores bélicos, na sequência da alegada postura de neutralidade de Portugal face ao conflito. Nesse contexto, e para o público português, Gandhi era ainda um autor relativamente obscuro da Índia inglesa, que apesar de tudo não sabotara a participação inglesa nessa contenda (donde, um livro relativamente obscuro para um público restrito). Também por essa altura haviam saído traduções de obras do poeta e nacionalista indiano Rabindranath Tagore, por iniciativa de duas prestigiadas editoras da oposição, as lisboetas Seara Nova e Editorial Inquérito (v.g., em 1939 [trad. e pref. de AUGUSTO CASIMIRO], 1941 e 1942). Alguns desses livros foram traduzidos diretamente do original em bengali e prefaciados pelo próprio Telo de Mascarenhas. O nexo feito por Gandhi entre religião e política23 23 Nas palavras de Gandhi: “Para se ver face a face o universo e o todo poderoso Espírito da Verdade, deve poder-se amar o mais pequeno objecto criado como a nós próprios. Um homem que pretende alcançar tal estado não deve conservar-se fora do ínfimo terreno da vida; é por isso que a minha devoção pela Verdade me atrai para a política; e posso afirmar, sem a mínima hesitação e também com toda a humildade, que aquêles que pretendem que a religião não tem nada que ver com a política não conhecem o sentido da religião” (GANDHI, 1943, p. 292). também podia ser benquisto pela ditadura, que decretara o catolicismo como religião tradicional do país, e instara ao apoio da Igreja Católica local. Tem ainda a ver com o modo como a perspectiva de Gandhi podia alegadamente ser lida como convergente com a postura de neutralidade, no sentido de recusa do confronto, pois o ideário de Gandhi assentava na não violência.

O prefácio de Telo de Mascarenhas foi muito claro nesse aspecto, pois procurou mostrar os marcos mais relevantes no percurso de Gandhi, fazendo por isso a genealogia da sua campanha do satyagraha, busca incessante da verdade para a libertação dos indivíduos (primeiro na África do Sul, depois na Índia) através da desobediência civil não criminal (v.g., GANDHI, 1943GANDHI, Mahatma. História da minha vida (ou das minhas experiências com a verdade). Lisboa: Edições Atlante, 1943 (compil., trad. e pref. Telo de Mascarenhas)., p. X-XIII). Ademais, o prefácio (e o livro) analisou a perspectiva de Gandhi sobre o swaraj ou governo próprio/autônomo (fim último da sua campanha política), mediante a não cooperação dirigida contra o sistema opressivo e explorador imposto pelos ingleses na Índia e a luta pela emancipação dos “intocáveis”, via camaradagem e pró-regresso à idade védica (sem castas), entre outros temas… (v.g., GANDHI, 1943GANDHI, Mahatma. História da minha vida (ou das minhas experiências com a verdade). Lisboa: Edições Atlante, 1943 (compil., trad. e pref. Telo de Mascarenhas)., p. [IX]-XIII).

Gandhi no debate seareiro do imediato pós-guerra

O grupo seareiro retoma a reflexão sobre o posicionamento político de Gandhi no imediato pós-II Guerra Mundial, com pontos de vistas divergentes.

O primeiro desses textos vem assinado com as iniciais A.S. (António Sérgio?), e é uma crítica mordaz à sua doutrina da não violência, que o levou a defender em público a não demonização dos países do Eixo, a apelar à recusa da beligerância e a “dar a outra face” à maneira de Cristo. O artigo termina impiedosamente244 24 “Eis a posição de Gandhi durante a guerra. E, agora que ela terminou, pode cada um de nós apreciar estas opiniõesno seu justo valor. Agora que se conhecem os espectáculos dos campos de concentração, dos fornos crematórios, do trabalho forçado, que pensar do homem que as emitiu e as nãodesmente?” (S., 1946, p.254). O texto surgiu no mesmo ano da manifestação de desobediência civil em Margão (Goa), a 18/6 (RODRIGUES, 1957; ROSINHA & FREUDENTHAL, 2015, p. 270). , deixando implícitos a incongruência e o irrealismo políticos de Gandhi. Foi seguramente divulgado a pensar nas consequências de uma independência da Índia face a Goa, Damão e Diu, que permaneceriam incólumes a confiar na postura pacifista de Gandhi.

O artigo de A. Lobo Vilela, seareiro de longa data, pode ser lido como uma resposta indireta ao anterior - embora, entretanto, tenham ocorrido as independências da Índia e do Paquistão e o assassinato de Gandhi. Contextualiza criticamente a posição de Gandhi na longa-duração, revelando os grandes volte-faces históricos quanto à (in)conciliação darma/islam na Índia (VILELA, 1948VILELA, A. Lobo. O «idealismo prático» de Gandhi. Seara Nova, Lisboa, n. 1073, p. 81-85, 21/2/1948.). Chama a atenção para a unidade entre doutrina e práxis política não violenta adaptada por Gandhi ao longo da sua vida (e que se inspirara no cristianismo, entre outras fontes), e argumenta que o inimigo dele sempre foi a violência, e não os países Aliados em si, nem mesmo na sua ação violenta durante o confronto bélico (Gandhi anunciou durante a guerra o seu apoio à Inglaterra e à França). À violência opôs a persuasão, através da “força da verdade e do sacrifício” (“satyagraha”), conciliando assim dever cívico com dever moral (ibidem, cit. p. 83). Historiciza o movimento do “satyagraha”, detendo-se na fase iniciada em 1920, com a aplicação da não cooperação com o ocupante inglês, da desobediência civil e boicote, ainda que mantendo confiança na Constituição britânica. Termina esboçando um Gandhi mais líder espiritual que político, reincidente conciliador entre muçulmanos e hindus até à sua última gota de sangue.

O terceiro e último texto dessa ronda é uma análise de pendor marxista à evolução político-social ocorrida na Índia em 1946-48, detendo-se nos fatores que determinaram a cisão nacional entre hindus e muçulmanos (Índia vs. Paquistão) e na ação das forças sociais que comandaram o Estado na transição e no imediato pós-transição (LOPES, 1948LOPES, Humberto. Breves notas sobre Gandhi e o movimento nacional indiano.Seara Nova, Lisboa, n. 1085, p. 33-35, 15/5/1948.). Acusa os “reaccionários hindus” de atraiçoarem a “linha popular”, unitária, de concórdia religiosa mantida por Gandhi e Nehru (apesar de erros e lacunas) e de ter acicatado os ódios e a violência (ibidem, p. 34-35).

O pós-guerra e os anos 1950: o caso da Índia portuguesa, silenciamento repressivo e solidariedade internacional

Com o fim da II Guerra Mundial, os ativistas goeses separatistas começaram a movimentar-se, antevendo a independência da União Indiana e a integração da Índia portuguesa, mas o governo português não cedeu e iniciou uma dura repressão seletiva (GAITONDE, 1987GAITONDE, P. D.. The liberation of Goa: a participant’s view of history. Londres / N. York: C. Hurst & Co./ Dt. Martin’s Press, 1987., p. 26-40; Stocker, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011., p. 75-81; Pereira, 2017PEREIRA, Bernardo Futscher. Crepúsculo do colonialismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2017.). A recepção de Gandhi deixou de ser feita na imprensa e edição da metrópole, e passou a ter outros suportes (manifestos, cartas abertas, papéis clandestinos), porta-vozes (dirigentes políticos da oposição antifascista ou anticolonialista africana, etc.) e/ou outros locais (França, Reino Unido, União Indiana, etc.).

Gandhi tentava que a prioridade fosse a luta pelas liberdade cívicas e só depois a integração, para a União Indiana poder preparar-se (GAITONDE, 1987GAITONDE, P. D.. The liberation of Goa: a participant’s view of history. Londres / N. York: C. Hurst & Co./ Dt. Martin’s Press, 1987., p. 38). Com o endossamento pelos partidos políticos goeses, do apelo independentista do Quit India ao governo português, em 1947 a secessão em Goa tornara-se inevitável, custasse o que custasse25 25 Esta decisão foi tomada em encontro em Bombaim (Goan Political Conference, 21-22/6) e divulgada na imprensa indiana (p.e. no National Standard de 23/6), mas não na lusa, devido à censura salazarista (Stocker, 2011,p. 84/5). A partir de então só a imprensa indiana e a goesa publicada em Bombaim e Poona falavam abertamente da luta pela autodeterminação goesa (GAITONDE, 1987, p. 37). . Até 1957 houve duas mil detenções de goeses pró-nacionalistas indianos, incluindo 13 líderes políticos, alguns deportados para a metrópole, permitindo involuntariamente o estreitar de laços com os estudantes goeses de Lisboa e Coimbra (GAITONDE, 1987GAITONDE, P. D.. The liberation of Goa: a participant’s view of history. Londres / N. York: C. Hurst & Co./ Dt. Martin’s Press, 1987., p. 37-38; FREUDENTHAL, 2017FREUDENTHAL, Aida. Estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império entre Salazar e Nehru. In: CASTELO, Cláudia; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). Casa dos Estudantes do Império: dinâmicas coloniais, conexões transnacionais. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 89-113.). Na sua maioria (entre 150 a 200, aproximadamente), integraram a Casa dos Estudantes do Império (CEI, de 1944), originalmente um idealizado centro das futuras elites coloniais, que se transformou em alforge de independentistas africanos e indianos. Parte destes goeses aderiu também a organizações pacifistas e oposicionistas frentistas - como o Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUDJ) - que, além de antifascistas, eram também anticolonialistas, reforçando a consciencialização e a ação independentistas26 26 Esta geração foi retratada em livro de um ativista goês da altura (COSTA, 1994). . A atuação dos goeses universitários insurgentes dentro e fora da CEI foi de tal modo perturbadora para a ditadura, que há quem avente (FREUDENTHAL, 2017FREUDENTHAL, Aida. Estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império entre Salazar e Nehru. In: CASTELO, Cláudia; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). Casa dos Estudantes do Império: dinâmicas coloniais, conexões transnacionais. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 89-113.) que essa foi a causa determinante para a nomeação de comissão administrativa situacionista em 1952, e para o seu fecho coercivo pela polícia política em 1965.

Na sua candidatura presidencial oposicionista, em 1951, o então dirigente da frente oposicionista Movimento de Unidade Democrática (MUD, ‘casa-mãe’ do MUDJ) e líder do Movimento Nacional Democrático Ruy Luís Gomes advogou o início de negociações pacíficas entre Portugal e a União Indiana para se resolver o problema de Goa (RODRIGUES, 1957RODRIGUES, Druston. Quando os estudantes goeses residentes em Lisboa solicitaram a anexação de Goa à India.The Sunday Standard, Nova Deli, 17/2/1957.). Como retaliação oficial, foi recusada a sua candidatura pelo Conselho de Estado e foi preso por crime de traição à pátria, junto com outros ativistas (STOCKER, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011., p. 138-139).

Desde 1954, pelo menos, os periódicos do Partido Comunista Português, como o Avante! e Juventude, instavam uma negociação pacífica com a União Indiana (FREUDENTHAL, 2017FREUDENTHAL, Aida. Estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império entre Salazar e Nehru. In: CASTELO, Cláudia; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). Casa dos Estudantes do Império: dinâmicas coloniais, conexões transnacionais. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 89-113.).

No final de 1954, “um grupo [anônimo] de Goeses na Metrópole” distribuiu uma carta aberta separatista (intitulada “A verdade sobre Goa, Damão e Diu”), declarando que “os Goeses querem viver a sua própria vida, reintegrados na sua Índia-Mãe; só assim é que… podem ter uma personalidade que a situação de colónias atrasadas lhes tem negado há tantos anos” (cit. em FREUDENTHAL, 2017FREUDENTHAL, Aida. Estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império entre Salazar e Nehru. In: CASTELO, Cláudia; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). Casa dos Estudantes do Império: dinâmicas coloniais, conexões transnacionais. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 89-113.).

No início de 1955, foram presos 39 jovens antissalazaristas em Lisboa e Porto por instigarem negociações diretas entre Portugal e a União Indiana relativamente a Goa. Este grupo integrava a seção juvenil da frente oposicionista Movimento de Unidade Democrática. A forte repressão a que foram sujeitos originou um movimento de solidariedade internacional, que apelou à sua libertação junto às autoridades e integrou intelectuais famosos como Jean Cocteau, Louis Aragon, Sartre, Simone Beauvoir, Nicolas Guillén, Diego Rivera, François Mauriac, entre outros (NETO & NETO, 2011NETO, Maria Eugénia; NETO, Irene. Agostinho Neto e a libertação de Angola, 1949-1974: arquivos da PIDE-DGS. Luanda: Fundação Dr. António Agostinho Neto, 2011., p. 82-85, 575-576, 594 e 654). Em 19/1/1956, o jornal Deccan Chronicle, de Nova Deli, ecoou um dos apelos (subscrito por 55 escritores e artistas franceses), e em 19/5 o The Indian Express noticiou que continuavam presos num “campo de concentração” seis dos manifestantes (NETO & NETO, 2011NETO, Maria Eugénia; NETO, Irene. Agostinho Neto e a libertação de Angola, 1949-1974: arquivos da PIDE-DGS. Luanda: Fundação Dr. António Agostinho Neto, 2011., p. 589 e 594, respectivamente).

O surgimento do Movimento dos Não Alinhados, criado por 29 países na célebre Conferência de Bandung (18-24/4/1955), foi importante para a questão de Goa, pois considerava sua prioridade apoiar os povos não independentes a alcançarem a soberania nacional. Tratava-se de uma solução à margem dos dois grandes blocos geopolíticos da Guerra Fria (e que se congregariam em alianças militares: a NATO, de 1949, da qual Portugal foi membro-fundador; e o Pacto de Varsóvia, de 1955).

A partir de então, os goeses passam a contar com a solidariedade e o apoio internacionalistas, em especial dos africanos das colônias portuguesas28 28 Os líderes africanos que participaram no Seminário sobre os Problemas das Colónias Portuguesas (Nova Deli, 20-23/10/1961; NETO & NETO, 2011, p. 137) foram unânimes em considerar que a melhor ajuda que a Índia podia dar aos freedom fighters era “libertar” Goa (GAITONDE, 1987, p.XII). Também receberam apoios de exilados portugueses, como no caso do Brasil (PAULO, 2013). . Aproveitam as cumplicidades internacionalistas e a necessidade de internacionalização da questão goesa para criar uma plataforma em Londres, a Goa League. Esta congregou os goeses aí residentes e difundiu três resoluções (relativas à libertação dos presos políticos, aos líderes exilados e à retirada do exército português de Goa), fórmula em voga para sensibilizar a opinião pública internacional e a ONU para a sua causa (FREUDENTHAL, 2017FREUDENTHAL, Aida. Estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império entre Salazar e Nehru. In: CASTELO, Cláudia; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). Casa dos Estudantes do Império: dinâmicas coloniais, conexões transnacionais. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 89-113.).

Após conversações infrutíferas que se arrastaram por 14 anos, a União Indiana resolveu anexar militarmente a Índia portuguesa no início de 1961. Acabou abruptamente e pela via armada uma década de conversas escondidas, conversações diplomáticas de bastidores, papéis clandestinos perseguidos e silenciados e apelos para libertação de presos políticos.

As biografias de Fischer (1960FISCHER, Louis. Gandhi. Lisboa: Editorial Aster, col. «Grandes biografias» (n.º 28), trad. de Ricardo Tavares, 1960.) e Drevet (1969DREVET, Camille. Gandhi: vida, obra e pensamento. Lisboa: União Gráf. [Editorial Império], col. «Perfis» (n.º 3), trad. de Joaquim Osório de Castro, 1969.)

As biografias em livro sobre Gandhi só saíram em edição própria no mercado português por alturas do centenário do seu nascimento.

A primeira foi a tradução da biografia feita pelo escritor judeu norte-americano Louis Fischer, publicada pela Editorial Aster em Lisboa em 1960FISCHER, Louis. Gandhi. Lisboa: Editorial Aster, col. «Grandes biografias» (n.º 28), trad. de Ricardo Tavares, 1960. (FISCHER, 1960FISCHER, Louis. Gandhi. Lisboa: Editorial Aster, col. «Grandes biografias» (n.º 28), trad. de Ricardo Tavares, 1960.). A versão original em língua inglesa (The life of Mahatma Gandhi, 1950) saiu menos de dois anos após o assassinato de Gandhi. O biógrafo foi um repórter correspondente estrangeiro, que conviveu com Gandhi e era profundo conhecedor do seu legado. Foi, porventura, a biografia de referência durante largo tempo, dando a conhecer de um modo aprofundado a vida, o pensamento e a obra de Gandhi, evitando deter-se em detalhes sobre o assassinato29 29 O texto serviu de base para o argumento do filme Gandhi, realizado por Richard Attenborough em 1982. . Essa edição portuguesa não tem paratextos contextualizadores, porventura por o texto original ser já denso, extenso e suficientemente esclarecedor. No entanto, inclui 14 páginas de fotos. Foi o n.º 28 da coleção «Grandes biografias», e terá tido três impressões pelo menos, a julgar pelos distintos exemplares que localizei.

O ambiente político dominante continuava a ser desfavorável a essas iniciativas editoriais, mas havia matizes. No início de 1960, o Tribunal de Justiça Internacional dera razão a Portugal quanto ao “direito de passagem” relativamente ao Estado Português da Índia. A oposição liberal persistia alinhada com a ditadura nessa questão. Contudo, alguns mais clarividentes, como Cunha Leal, distinguiam publicamente entre o pacifismo de Gandhi e a prática indiana30 30 “É claro que até ao extremo limite das suas forças, se tanto necessário - o que Deus afaste de nós, o Exército português haveria de saber lutar e não se mostrar indigno daqueles nossos antepassados, cujo sangue empapou o solo indiano e foi tinta com que se escreveram páginas imorredoiras da história universal […] O pacifismo dos governantes indianos, tão arredados da doutrina de Gandhi, é a máscara com que pretende ocultar-se uma realidade bem diversa: a avidez de expansão e conquistas territoriais [...] Nehru está praticando uma política de imperialismo e colonialismo, mas vai acusando os que se lhe opõem de estarem precisamente atacados por esse mal” (LEAL, 1961, p. 76, também cit. em MOÇO, 2012, p. 66). . Por outro lado, soube-se que vários líderes indianos pró-Gandhi opuseram-se à anexação da Índia portuguesa (e/ou ao militarismo indiano na contenda), outra prova da diversidade de posições dentro do próprio movimento nacionalista indiano (MOÇO, 2012MOÇO, Diogo. Prisioneiros na Índia, 1961-1962. Dissertação (Mestrado em História Contemporânea) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012., p. 34-64).

A segunda biografia traduzida foi a escrita pela francesa Camille Drevet, editada em Portugal pela União Gráfica em 1969DREVET, Camille. Gandhi: vida, obra e pensamento. Lisboa: União Gráf. [Editorial Império], col. «Perfis» (n.º 3), trad. de Joaquim Osório de Castro, 1969.. Nutrindo também um profundo conhecimento do percurso de Gandhi, esta militante feminista e pacifista foi sua seguidora na prática, tendo sido dirigente da Ligue internationale des combattants de la paix e da Association des amis de Gandhi (Anónimo, s.d.ANÓNIMO, -. Camille Drevet. Babelio, s. d.). A versão original deste livro foi publicada em uma conhecida coleção de alta divulgação da editora parisiense PUF, em 196731 31 Com o título Gandhi, sa vie, son oeuvre avec un exposé de sa philosophie. . Trata-se de um livro de introdução à vida e obra de Gandhi, contendo uma biografia concisa e informativa, bibliografia ativa e passiva (nesta apenas a produção em francês e inglês), reprodução de documentos do autor e um glossário. A edição portuguesa é peculiar, pois a editora surge algo disfarçada (é a inesperada Editorial Império, visto o seu pendor mais ufanista e imperial), sendo o n.º 3 da colecção «Perfis».

O livro “incendiário” de Salvador (1964SALVADOR, Lourenço de. Who killed Gandhi?. Lisboa: s.n., 1964 [data do depósito legal].)

Entre essas duas biografias foi publicado um trabalho do goês Lourenço de Salvador, cujo título bombástico Who killed Gandhi? revela que o foco não é biográfico, apesar de se apresentar como uma “obra realizada com base na vida e morte de Gandhi” (SALVADOR, d.l. 1964SALVADOR, Lourenço de. Who killed Gandhi?. Lisboa: s.n., 1964 [data do depósito legal].). Este texto detém-se em uma questão controversa e pouco aflorada em livro, o processo do assassinato, avançando a tese de que o caso não foi devidamente esclarecido. Dá a entender que haveria muitos interessados no desaparecimento de Gandhi, daí a pouca vontade em apurar toda a verdade. O livro, que não teve editor assumido, foi proibido de circular na Índia em 1979 por ser considerado “incendiário” e denotar falta de provas.32 32 Cf. <https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_books_banned_in_India>.

A tese conspirativa tem ganho adeptos: um estudioso e militante jainista considera que esta obra (com recensão recente na revista Times Literary Suplement) foi uma das primeiras a denunciar que o assassinato nunca foi devidamente investigado (PATIL, 2009PATHIL, Bal. Could Gandhi be saved: RSS role in Gandhi assassination. GandhiTopia, 27/4/2009.).

Notas finais

A recepção a Gandhi no Portugal colonial do século XX foi basicamente feita por intelectuais progressistas de Goa primeiro, e da metrópole depois. Nos goeses incluem-se sobretudo os nacionalistas indianos, um grupo que dinamizou o jornal Índia Nova (inspirado no Young India, fundado por Gandhi em 1919), e escreveu abundantemente em diversos jornais (tanto da Índia como da metrópole), entre outras iniciativas. Este se conectou com os grupos libertário (dos periódicos A Batalha e Renovação) e demo-republicano (da Seara Nova), escrevendo nas respectivas imprensas sobre Goa, a Índia e o diálogo civilizacional, tendo até direito à edição em livro (o Civilização hindu, de Adeodato Barreto, em 1935BARRETO, Adeodato. Civilização hindu. 1.ª ed., Lisboa: Seara Nova, 1935.). Essas conexões entre grupos distintos, e as ligações entre vários goeses entre si (via plataformas por si criadas ou intervenções sincronizadas nos mesmos periódicos ou na recepção da obra de colegas), vão ao encontro da tese de Lobo (2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 13, 21-22 e 30) de que a intervenção político-cultural emancipadora de uma certa intelectualidade goesa foi precoce e foi feita em rede.

Além das imprensas libertária e seareira, nos anos 1920-30 também surgiram contributos interessantes em jornais republicanos influentes e em alguma imprensa católica (sobretudo missionária) que alimentaram várias polêmicas com núcleos do nacionalismo salazarista. Surgiram, então, contributos, como os de Santana Rodrigues e António Sérgio, que destacavam já a não cooperação pacífica, o ecumenismo e o pacifismo de Gandhi, que depois serão tidos como traços-chave da sua relevância pessoal e temas de debate mais aprofundado e complexo sobre o diálogo e os legados civilizacionais da Índia, da Europa, do Oriente/Ocidente, entre outras facetas. A discussão pública cruzou questões estruturantes e distintas preocupações conjunturais. Para alguns, a postura pró-Gandhi inseriu-se na defesa do nacionalismo indiano e da luta anticolonialista contra ataques desferidos no espaço público. Em paralelo, a influente revista seareira dedicou um número especial ao “Oriente” (em 1926) e incluiu um debate premonitório no imediato pós-II Guerra Mundial sobre os cenários de futuro na(s) Índia(s).

Dos círculos goeses e do seu pensamento em torno de Goa, da Índia e de Gandhi, importa destacar a articulação e fluidez entre discursos oral e escrito e entre distintos suportes impressos, com vários exemplos relevantes de integração em livro de conferências, entrevistas e conjuntos de artigos (v.g., COSTA, 1926COSTA, Fernando da. O berço da liberdade. A Batalha: suplemento semanal ilustrado, Lisboa, n. 116, p. 2, 15/2/1926a.; RODRIGUES, 1923RODRIGUES, Santana. The Indian national movement: English translation and Portuguese original edited by N. G. R. I..Lisboa: N. G. R. I., 1923. e 1926RODRIGUES, Santana. A Índia contemporânea. Lisboa: J. Rodrigues & C.A., 1926.; BARRETO, 1935BARRETO, Adeodato. Civilização hindu. 1.ª ed., Lisboa: Seara Nova, 1935.; MASCARENHAS, 1942MASCARENHAS, Constancio. O conflito. Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 52, p. 49-74, 1942.), originando o retomar de temas incômodos, novas revisitações críticas (pela imprensa) e o alargamento do leitorado.

A reflexão sobre Gandhi e a Índia coeva foi sobretudo plasmada na imprensa (tanto a metropolitana como a goesa, nesta destacando-se o Bharat e O Debate), tendo os livros de circulação internacional relativos a Gandhi saído algo tardiamente, entre os anos 1940 e 1960, mas foi sintomaticamente o período de contenda entre a União Indiana e o Portugal colonial. A edição portuguesa das memórias de Gandhi surge em um contexto muito particular, tanto da vida do seu tradutor-prefaciador como da conjuntura de guerra que se vivia. De resto, a oficina livresca centrou-se em opúsculos de defesa do nacionalismo indiano e de suas qualidades e figuras, quase todos de Goa ou da Índia (v.g., RODRIGUES, 1923RODRIGUES, Santana. The Indian national movement: English translation and Portuguese original edited by N. G. R. I..Lisboa: N. G. R. I., 1923.; MIRANDA, 1940MIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a.; CUNHA, 1944CUNHA, Tristão B. da; GOA CONGRESS COMMITTEE. Denationalisation of the Goans. Bombaim: Padma Publications, [1944].). Houve outros livros, mais questionadores de facetas do nacionalismo indiano do que propriamente de Gandhi, como os de Leal (1961LEAL, Cunha. O colonialismo dos anticolonialistas. Lisboa: edição de autor, 1961.) e Salvador (1964SALVADOR, Lourenço de. Who killed Gandhi?. Lisboa: s.n., 1964 [data do depósito legal].), este banido da Índia por ser considerado ofensivo da dignidade nacional.

O vendaval anticolonialista do pós-guerra e a independência da Índia inglesa tornaram imparável o movimento secessionista e pró-integração na União Indiana. Este foi fortemente reprimido pelo salazarismo, inflexível quanto a negociações ou à descolonização. Só a internacionalização da questão goesa deu a machadada final, permitindo que a informação fluísse em panfletos, cartas abertas, encontros políticos e na imprensa indiana. O debate específico na imprensa metropolitana e goesa, que começou muito antes (no rescaldo da terrível Grande Guerra), foi um contributo relevante para a consolidação da consciência anticolonial, e parece ser um indicador mais que atesta o pioneirismo da luta anticolonial contra a Índia portuguesa no quadro do Império colonial português. Outro indicador que se assinalou foi o da ‘vanguarda’ goesa no seio da Casa dos Estudantes do Império.

Alguns tentaram desligar os colonialismos inglês e luso na Índia, mas nem sempre foi possível. Quando os paralelismos eram demasiado evidentes, Gandhi servia de antídoto para a legitimação e persistência do jugo colonial na Índia portuguesa.

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Notas

  • DECLARAÇÃO DE FINANCIAMENTO

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com bolsa de pós-doutoramento da FCT-MCTES.
  • 1
    Como realça um texto epistemológico de referência: “A leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção: é por em jogo o corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro. Por isso devem ser reconstruídas as maneiras de ler próprias a cada comunidade de leitores, a cada uma dessas «interpretative communities» [comunidades interpretativas] de que fala Stanley Fish” (CHARTIER, 1991CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, p. 173-191, 1991., p. 181).
  • 2
    Refere o mesmo Chartier (1998CHARTIER, Roger. (Dir.). As utilizações do objecto impresso (séculos XV-XIX). Lisboa: Difel, 1998., p. 15): “Restabelecer este papel exercido pelo objecto impresso nos conflitos […] que põem em jogo o destino do Estado ou apenas circunscritos localmente, exige a restituição do contexto imediato da produção e da primeira circulação das peças destinadas a fazer crer ou a agir”.
  • 3
    Druston Rodrigues refere que antes disso fora criado em Lisboa o Centro Nacionalista Indiano, por si mesmo, Fernando da Costa, António Furtado e Telo de Mascarenhas. Decorreu das intenções plasmadas em manifesto dos Goeses de Lisboa, editado pela Tipografia Goesa (RODRIGUES, 1957RODRIGUES, Druston. Quando os estudantes goeses residentes em Lisboa solicitaram a anexação de Goa à India.The Sunday Standard, Nova Deli, 17/2/1957.).
  • 4
    Combinou anarquistas e republicanos como Eduardo Frias, Reinaldo Ferreira, Rocha Martins, Ferreira de Castro, Campos Silva, Santos Aranha, Campos Lima, Mário Domingues (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 464-465; cit. de RODRIGUES, 1957RODRIGUES, Druston. Quando os estudantes goeses residentes em Lisboa solicitaram a anexação de Goa à India.The Sunday Standard, Nova Deli, 17/2/1957.).
  • 5
    P.e. Bragança, 1920a [BRAGANÇA], [Menezes]. Ingenuidade. O Debate, Nova Goa, n. 483, 27/8/1920a. e 1920b [BRAGANÇA], [Menezes] O óbice. O Debate, Nova Goa, n. 484, 4/9/1920b.; vd. análise e transcrições em Lobo, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 430 e 432.
  • 6
    Lobo, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013.: 430. Mais tarde, poria Rolland e Tolstoi entre os melhores “espíritos europeus”, ambos admiradores de Gandhi…(ibidem, p. 475).
  • 7
    O Bharat também reproduziu parcialmente um dos artigos (A. V. [Arlequim Verde], “O Leão dos mares”, 25/6/1924), apudLobo, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p.416.
  • 8
    “ele [Tagore] investe conta a propria India, contra a escravatura do passado, os grilhões da tradição com os preconceitos de casta e exclusivismo das leis, e contra as algemas de uma civilização opressora que despersonaliza, que entrava toda e qualquer expansão. […] O particularismo tradicional da sua cultura deve ceder o logar ao desejo veemente de alicerçar a educação nacional sobre o tesouro lavrado pela Humanidade” (F[rias], 1926F[RIAS], E[duardo]. Um revolucionário indiano/ Rabindranat [sic] Tagore. Renovação, Lisboa, n. 21, p. 334, 1/5/1926.).
  • 9
    “A Nação pode ter vários Estados políticos autónomos, e só perderá a sua autonomia social, se homens de outra raça dominarem na governação desses Estados, oprimindo a nação e contrariando a afirmação e desenvolvimento das suas qualidades ingenitas da raça. É por isso que se diz erradamente a India inglesa, quando se deveria dizer «India dos Inglezes». Também a India Portuguesa foi a India dos portugueses, quando a Inquisição e alguns maus viso-reis, em tempos idos, a dominavam e oprimiam. Hoje, porem, a nossa India é dos indús, e a bandeira portuguesa, cuja sombra radiante a cobre ondulando em lampejos de gloria, não abafa a afirmação de autonomia espiritual da raça indú, e, por isso aplaudo, de todo o coração e com entusiasmo, o esforço de propaganda de Fernando Costa a favor do Nacionalismo Indú, porquanto Nacionalismo não exclue nem degrada a mais natural das diferenciações sociais e políticas - o regionalismo. Avante, pois, meu jovem amigo, na cruzada pró-Índia” (COSTA, 1926eCOSTA, Fernando da. Conferencia - India antiga e moderna. Lisboa: Tip. da Ass. dos Comp. Tipograficos, 1926e., p.4). Ademais, o próprio Coelho de Carvalho elogiou a “generosa concepção social de Gandhi” e a superioridade “espiritual” da “raça indú” (COSTA, 1926eCOSTA, Fernando da. Conferencia - India antiga e moderna. Lisboa: Tip. da Ass. dos Comp. Tipograficos, 1926e.,p.[3]).
  • 10
    “cheguei a Lisboa onde o regionalismo transformou-se em Nacionalismo” (in “Uma festa de União e de paz”, BHARAT 4/2/1926, apudLOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 452). Costa foi um dos cofundadores do Partido Nacionalista Indiano ou Partido Nacionalista Hindu, surgido em finais de 1925; vd. idem, p. 459-461).
  • 11
    Noronha, 1926bNORONHA, Cordato de. Movimento de ideas na moderna Índia. Seara Nova, Lisboa, n. 87, p. 296-298, 13/5/1926b. e 1926cNORONHA, Cordato de. Movimento de ideas na moderna Índia (conclusão). Seara Nova, Lisboa, n. 89, p. 333-335, 27/5/1926c.. Refere este médico luso-indiano na sua conferência na Universidade Livre: “Gand[h]i, filósofo e apóstolo, pretende nada menos que opor à civilização egoista e mentirosa da Europa, um núcleo de homens novos, amantes da verdade em absoluto […] Mahatma Gand[h]i dirigiu uma mensagem ao mundo. Como Cristo e como Buda, a sua palavra ergue-se contra a Mentira e contra o Egoismo. Mas sobre ser uma religião é um sistema político, uma nova Constituição para o universo inteiro. Se a Índia, debaixo da sua acção, caminha com a maior segurança para o progresso da inteligência, se a libertação da mulher, a união indú-mussulmana, a aproximação das castas, a vitória moral dos humildes, são os resultados concretos da sua doutrina ainda mais levantada, é o ideal universalista que o atormenta” (NORONHA, 1926cNORONHA, Cordato de. Movimento de ideas na moderna Índia (conclusão). Seara Nova, Lisboa, n. 89, p. 333-335, 27/5/1926c.: 334-335). Mas muito aproximava Gandhi do Ocidente e importava aos portugueses o seu perfil “ultrademocrtáico e cristão” (“É S. Paulo pregando nas catacumbas. Manso, profundo e simples”), (NORONHA, 1926cNORONHA, Cordato de. Movimento de ideas na moderna Índia (conclusão). Seara Nova, Lisboa, n. 89, p. 333-335, 27/5/1926c., p. 335).
  • 12
    Sobre a resistência cultural, religiosa e outra em Goa vd. Jorge, 1942JORGE, Evágrio. A reforma do vestuario. Margão: Liga Regional, 1942.; Cunha, 1944CUNHA, Tristão B. da; GOA CONGRESS COMMITTEE. Denationalisation of the Goans. Bombaim: Padma Publications, [1944].; Axelrod e Fuerch, 1996AXELROD, Paul; FUERCH, Michelle A. Flight of the deities: Hindu resistance in Portuguese Goa. Modern Asian Studies, Cambridge (RU), v. 30, n. 2, p. 387-421, 1996.; Lobo, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013.; Stocker, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011.; e Menezes, 2016MENEZES, Dale Luis. Christians and spices: a critical reflection on Indian nationalist discourses in portuguese India. Práticas da História: Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, Lisboa, n. 3, 2016, p. 29-50..
  • 13
    Embora seja contra esta perspectiva homogênea e estanque de cultura, Menezes (2016MENEZES, Dale Luis. Christians and spices: a critical reflection on Indian nationalist discourses in portuguese India. Práticas da História: Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, Lisboa, n. 3, 2016, p. 29-50., p. 31-32) acaba por reduzir o discurso nacionalista (no caso, o dos adeptos do movimento nacional indiano) a uma só via. Salvaguardando-se a existência de várias vias, uma das mais notórias também nos parece ter sido a da promoção de “processos de essencialização da nacionalidade indiana” para a Índia portuguesa por uma parte dos ativistas goeses (MENEZES, 2016MENEZES, Dale Luis. Christians and spices: a critical reflection on Indian nationalist discourses in portuguese India. Práticas da História: Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, Lisboa, n. 3, 2016, p. 29-50., máxime p. 36-37).
  • 14
    Como refere Lobo (2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 22): “No século 20, sobretudo, [a sociabilidade intelectual goesa] ganharia peso político associado ao despertar da consciência nacionalista indiana e à promoção da sua causa no Ocidente e na Índia. Ganharia igualmente peso o contributo desta intelectualidade à corrente de feição cosmopolita que encarou a necessidade de um novo diálogo filosóficoe cultural entre o Ocidente e o Oriente na problematização da modernidade”.
  • 15
    Começou por replicar (em BARRETO, 1926BARRETO, Adeodato. A propósito duma crítica. A Batalha. Suplemento Literário Ilustrado, Lisboa, n. 155, p. 1 e 6, 15/11/1926.) comentários de Álvaro Maia tidos por ofensivos (para os indianos independentistas), como o seguinte: “Os indianos ultimamente deram em pedir a independência com uma perrice e uma teimosia tais que se diria não deverem êles nada à civilização ocidental. A propaganda a tal respeito faz-se por tôda a parte e com qualquer pretexto: um dos seus melhores veículos é a mocidade que as terras descobertas pelo nosso compatriota de Quinhentos exportaram para todos os liceus e universidades”. O texto de Maia prosseguiu com um ataque ao texto Índia antiga e moderna, de Fernando da Costa, por justificar a independência equiparando o jugo colonial luso na India ao dos ingleses e por não constatar a portugalidade dos goeses (MAIA, 1926MAIA, Álvaro. Livros e escritores. Ilustração, Lisboa, n. 19, p. 34/5, 1/10/1926., p.35; vd. também MIRANDA, 1940aMIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a., p. 63). A colaboração “interina” de Maia cessa, e uma “nota da direção”, aposta na mesma rubrica no número seguinte, menciona críticas àquele artigo, de que fora emissário Santana Rodrigues, e procura manter-se ‘polidamente’ neutral (em nome da pluralidade): “o que esta revista nunca faria seria apadrinhar quaisquer juízos que menosacabassem a terra indiana e os seus naturais, pois de sobra é conhecido nesta casa o brilhante lugar que a Índia disfruta na história da civilização” (Frias, 1926FRIAS, César de. Livros e escritores.Ilustração, Lisboa, n. 20, p. 36, 16/X/1926., p. 36).
  • 16
    Como um correspondente do jornal O Século (MIRANDA, 1940aMIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a., p. 49), Barreto teve uma réplica do luso-descendente Constantino dos Santos (SANTOS, 1928SANTOS, Constantino dos. Uma questão asiática em Lourenço Marques. Seara Nova, Lisboa, n. 128, p. 156-158, 24/8/1928.), senador pela Índia portuguesa em 1918-19 e 1922-26 (LOBO, 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 233) e então cônsul geral de Portugal em Bombaim, que não queria o ímpeto independentista gandhiano alastrando por Moçambique (retomaria Gandhi nessa mesma revista, mas em tom mais cúmplice, em SANTOS, 1932SANTOS, Constantino dos. Gandhi. Seara Nova, Lisboa, n. 302, p. 211-212, 9/6/1932., vd. supra).
  • 17
    Miranda (1940aMIRANDA, Lúcio de. Adeodato Barreto: ensaio biográfico e crítico.Boletim do Instituto Vasco da Gama, Bastorá (Goa), n. 45, p. 38-76, 1940a., p. 72) refere um artigo de Barreto, “Gandhi e os reacionários”, que não consegui localizar.
  • 18
    “Está pois longe do seu pensamento e da sua acção derrubar a Civilização cristã, latina, ocidental ou qualquer outra. Combate somente os vícios e o egoísmo, as mentiras e os ódios que fraquezas humanas engendraram nessas civilizações” (R., 1932aR. S. Gandhi . -Era Nova: Semanário de Doutrina e Defeza Social, Lisboa, n. 15, p. 1 e 3, 7/5/1932a., p.1). S. R. é muito provavelmente Santana Rodrigues.
  • 19
    Donde a data de 1935 que figura na folha de rosto está factualmente errada e contradiz o cólofon.
  • 20
    "É esse apelo de paz e de ecumenismo que a Índia lança ao Mundo moderno. A teosofia e o espiritismo, religiões, na sua base, profundamente indianas, transportaram-no para o campo religioso. Deram-no no campo da cultura, Tagore pregando a aproximação do Oriente e do Ocidente, no campo da ciência, Bose, afirmando pela primeira vez, com a sua descoberta da sensibilidade das plantas, a unidade do mundo biológico, e no campo político, Gandhi, com a sua doutrina de auto-sacrifício e não violência, maravilhosa de elevação e de beleza. Todos eles estão profundamente compenetrado de que a sua acção, sobranceira aos estreitos limites duma pátria, tem um conteúdo e uma significação universais” (apudLOBO 2013LOBO, Sandra. O desassossego goês: cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. 2013. Tese (Doutorado em História e Teoria das Ideias) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, 2013., p. 473).
  • 21
    Vd. Autobiography: the story of my experiments with truth, Ahmedabad, Navajivan Publishing House.
  • 22
    Ainda assim sendo muito provavelmente a primeira edição em língua portuguesa, porquanto a edição mais próxima que foi possível localizar data de 1945, e foi feita no Brasil (vd. História das minhas experiências com a verdade, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio).
  • 23
    Nas palavras de Gandhi: “Para se ver face a face o universo e o todo poderoso Espírito da Verdade, deve poder-se amar o mais pequeno objecto criado como a nós próprios. Um homem que pretende alcançar tal estado não deve conservar-se fora do ínfimo terreno da vida; é por isso que a minha devoção pela Verdade me atrai para a política; e posso afirmar, sem a mínima hesitação e também com toda a humildade, que aquêles que pretendem que a religião não tem nada que ver com a política não conhecem o sentido da religião” (GANDHI, 1943GANDHI, Mahatma. História da minha vida (ou das minhas experiências com a verdade). Lisboa: Edições Atlante, 1943 (compil., trad. e pref. Telo de Mascarenhas)., p. 292).
  • 24
    “Eis a posição de Gandhi durante a guerra. E, agora que ela terminou, pode cada um de nós apreciar estas opiniõesno seu justo valor. Agora que se conhecem os espectáculos dos campos de concentração, dos fornos crematórios, do trabalho forçado, que pensar do homem que as emitiu e as nãodesmente?” (S., 1946, p.254). O texto surgiu no mesmo ano da manifestação de desobediência civil em Margão (Goa), a 18/6 (RODRIGUES, 1957RODRIGUES, Druston. Quando os estudantes goeses residentes em Lisboa solicitaram a anexação de Goa à India.The Sunday Standard, Nova Deli, 17/2/1957.; ROSINHA & FREUDENTHAL, 2015ROSINHA, Maria do Rosário; FREUDENTHAL, Aida. Mensagem/ Casa dos Estudantes do Império 1944-1994/ Número especial. 2.ª ed., Lisboa: UCCLA, 2015., p. 270).
  • 25
    Esta decisão foi tomada em encontro em Bombaim (Goan Political Conference, 21-22/6) e divulgada na imprensa indiana (p.e. no National Standard de 23/6), mas não na lusa, devido à censura salazarista (Stocker, 2011STOCKER, Maria Manuel. Xeque-mate a Goa. Lisboa: Texto Editores, 2011.,p. 84/5). A partir de então só a imprensa indiana e a goesa publicada em Bombaim e Poona falavam abertamente da luta pela autodeterminação goesa (GAITONDE, 1987GAITONDE, P. D.. The liberation of Goa: a participant’s view of history. Londres / N. York: C. Hurst & Co./ Dt. Martin’s Press, 1987., p. 37).
  • 26
    Esta geração foi retratada em livro de um ativista goês da altura (COSTA, 1994COSTA, Orlando. Os netos de Norton. Porto: Edições Asa, 1994.).
  • 27
    Neste grupo estava Agostinho Neto, destacado dirigente do movimento de libertação nacional de Angola.
  • 28
    Os líderes africanos que participaram no Seminário sobre os Problemas das Colónias Portuguesas (Nova Deli, 20-23/10/1961; NETO & NETO, 2011NETO, Maria Eugénia; NETO, Irene. Agostinho Neto e a libertação de Angola, 1949-1974: arquivos da PIDE-DGS. Luanda: Fundação Dr. António Agostinho Neto, 2011., p. 137) foram unânimes em considerar que a melhor ajuda que a Índia podia dar aos freedom fighters era “libertar” Goa (GAITONDE, 1987, p.XII). Também receberam apoios de exilados portugueses, como no caso do Brasil (PAULO, 2013PAULO, Heloisa. Uma abordagem do problema colonial pela oposição anti-salazarista: a «questão indiana» e os exilados no Brasil. In: ROLLO, Maria Fernanda; RIBEIRO, Maria Manuela Tavares; PIRES, Ana Paula; NUNES, João Paulo Avelãs (coord.). Atas I Congresso de História Contemporânea, s.l.: Rede de História Contemporânea, Instituto de História Contemporânea e CEIS20 da Universidade de Coimbra, 2013, p. 596-603.).
  • 29
    O texto serviu de base para o argumento do filme Gandhi, realizado por Richard Attenborough em 1982.
  • 30
    “É claro que até ao extremo limite das suas forças, se tanto necessário - o que Deus afaste de nós, o Exército português haveria de saber lutar e não se mostrar indigno daqueles nossos antepassados, cujo sangue empapou o solo indiano e foi tinta com que se escreveram páginas imorredoiras da história universal […] O pacifismo dos governantes indianos, tão arredados da doutrina de Gandhi, é a máscara com que pretende ocultar-se uma realidade bem diversa: a avidez de expansão e conquistas territoriais [...] Nehru está praticando uma política de imperialismo e colonialismo, mas vai acusando os que se lhe opõem de estarem precisamente atacados por esse mal” (LEAL, 1961, p. 76, também cit. em MOÇO, 2012MOÇO, Diogo. Prisioneiros na Índia, 1961-1962. Dissertação (Mestrado em História Contemporânea) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012., p. 66).
  • 31
    Com o título Gandhi, sa vie, son oeuvre avec un exposé de sa philosophie.
  • 32
    Cf. <https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_books_banned_in_India>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2017
  • Aceito
    14 Dez 2018
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