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Sobre o (des)valor da vida: feminicídio e biopolítica

On the (dis)value of Life: Feminicide and Biopolitics

RESUMO

Este artigo pretende ser uma contribuição aos estudos sobre gênero e crime, em específico os relativos ao feminicídio, por meio da análise de dois processos-crime de assassinato de mulheres estruturalmente diferentes ocorridos na cidade de Montes Claros (MG) nos anos de 1996 e 2006. Para isso, busca, por um lado, entender como as representações de gênero operam, como são acionadas nos discursos que circulam nos processos e como elas acabam constituindo a base para a atribuição das penas; por outro, investiga como esses crimes possibilitam pensar a vida das mulheres na biopolítica contemporânea. O descaso da justiça, as penas brandas, a tentativa de banalização dos crimes e de desqualificação das vítimas, nos processos, deixam explícita a precariedade da vida das mulheres e assinalam como são pouco valiosas para o Estado.

Palavras-chave:
gênero; crime; poder; feminicídio

ABSTRACT

This essay intends to be a contribution to the studies of gender and crime, specifically those related to feminicide, through the analysis of two criminal cases of murders of structurally different women which occurred in the city of Montes Claros (MG/Brazil) in the years of 1996 and 2006. In order to do this, this paper seeks to understand how gender representations operate, how they are triggered in the discourses that circulate inside the cases and how they end up being the basis for the determination of sentences; on the other hand, it investigates how these crimes may lead us to think about the life of women in contemporary biopolitics. The disregard of justice, the lenient sentences and the attempts to trivialize the crimes and disqualify the victims shown in these cases make the precarity of these women’s lives explicit and indicate how they are of little value to the state.

Keywords:
gender; crime; power; feminicide

Introdução

No primeiro dia do mês de agosto de 1996, por volta das 21 horas, Maria José retornava da igreja e, ao chegar a sua casa, na periferia de Montes Claros (MG), foi surpreendida pelo ex-companheiro, que a atacou, acertando-lhe três golpes de faca, na frente do seu filho de 10 anos. Conforme o relatório da autópsia, uma facada atingiu-lhe o peito direito, a outra, o abdômen e a terceira, as nádegas, pois ela tentou escapar. Maria José foi socorrida pelos vizinhos, mas não resistiu aos ferimentos, vindo a falecer dois dias depois. Antes de morrer, Maria José contou ao policial que registrou o Boletim de Ocorrência (BO 17678) que estava separada do marido há mais de quatro anos; informou também que, na ocasião da separação, ele vendeu a casa onde moravam, deixando-a e os três filhos na rua. Tempos depois ela ganhou um lote da prefeitura, onde construiu seu barraco. Naquele dia trágico, o ex-companheiro apareceu pedindo para reatarem, e, como ela se recusou, foi atacada. Maria José tinha 33 anos, 1,50 m de altura, era morena, cabelos lisos e pretos, estava cega de um olho e parcialmente do outro (AFGC, 1997, fl.2-3ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 000.200.536-1.00. Homicídio. 2ª Vara Criminal. Montes Claros, 1997-2001.).

Dez anos depois, no dia 24 de novembro de 2006, por volta das 15 horas, Raquel Aparecida foi encontrada morta em um terreno vazio no bairro Ibituruna, em Montes Claros. O corpo já estava em avançado estado de decomposição, “chinelo no pé, a blusa levantada para a cabeça, seios de fora e nua da cintura para baixo”. A polícia não demorou a encontrar o autor do crime; ele confessou que, três dias antes do assassinato, encontrou Raquel na rua, segurou-a pelo braço e disse-lhe: “você lembra que me deu o banho em vinte reais uns tempos atrás?” Ela respondeu que era “desandada de drogas, mas que ia pagar”. Achando que tinha alguém por perto, ele chamou Raquel para dentro do mato, lá deu-lhe um tapa no rosto; ela, então, propôs-lhe ter relação sexual em troca da dívida, despiu-se espontaneamente, segundo seu assassino, e fizeram sexo. Mas, não satisfeito, ele abriu-lhe a bolsa e verificou que tinha apenas dois reais que seriam usados para comprar crack. Então, disse para a Raquel que “não ia bater em cobra e deixar ela viva não”. Em seguida, agarrou-a pelo pescoço, suspendeu-a, virou-a de um lado a outro e escutou um barulho; em seguida, colocou-a no chão e notou que ainda respirava. Pegou uma pedra, de mais ou menos dez quilos, e jogou contra a cabeça dela, parando somente quando percebeu que a mulher “já não estava mais com vida”. O motivo dessa decisão soberana sobre a vida de Raquel? O assassino alegou ser uma dívida de 15 ou 20 reais. Raquel tinha 19 anos, uma filhinha que vivia com a avó e, antes de ir mendigar nas ruas de Montes Claros, trabalhava numa carvoeira em Lagoa dos Patos (AFGC, 2009, fl.1-2; 14-15ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.).

O que essas mortes distantes no tempo e estruturalmente diferentes têm em comum? Como elas e os processos-crime que delas resultaram nos possibilitam pensar a relação entre crime e gênero, bem como a reivindicação histórica das mulheres por igualdade de direitos fundamentais, como o direito “à vida, à liberdade e à segurança pessoal”1 1 Artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. ? A partir dessas questões, busco nesse artigo analisar como as representações de gênero operam, como são acionadas nos discursos dos diferentes atores envolvidos no processo e como elas acabam constituindo a base/fundamento para atribuição das penas. Considerando a finalidade da discussão proposta, utilizei como critério para a seleção desses dois casos: a) o fato de ambos apresentarem motivações de gênero que caracterizam os atuais crimes de feminicídio; e, de forma aleatória, b) a diferença de contexto em que os crimes ocorreram, tendo sido um deles no âmbito de relações íntimas de afeto e o outro em contexto de impessoalidade2 2 Esses documentos integram um corpus maior que tem sido estudado no âmbito da pesquisa “Violência de gênero e biopolítica no norte de Minas” entre 1970 e 2015. Foram encontrados, no arquivo da vara de Execução do Tribunal do Júri do Fórum Gonçalves Chaves, comarca de Montes Claros, 75 processos de homicídios de mulheres ocorridos nesse período; desse total, dezessete apresentaram motivações de gênero que caracterizam os crimes de feminicídos, um dos objetos de estudo da pesquisa. Neste artigo optei por omitir os nomes dos réus e demais pessoas arroladas nos processos e manter somente o primeiro nome das vítimas. .

No campo da historiografia, os processos-criminais têm sido uma importante fonte para o estudo de diferentes objetos de pesquisa, que vão de elementos da cultura popular e sua circulação; formas de comportamentos e de resistência; relações com a norma e com sua transgressão; disciplina das classes trabalhadoras a crime e relações de gênero, dentre outros3 3 São exemplos os clássicos O queijo e os vermes, de Carlos Ginzburg, e Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão, de Michel Foucault. No Brasil, cito como exemplo os trabalhos de Raquel Soihet, Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1989); de Martha Abreu Esteves, Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque (1989); de Boris Fausto, Crime e Cotidiano (1984); de Cristina Sheibe Wolff, Mulheres da Floresta: uma história (1999); de Sidney Chalhoub, Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque (2001), dentre vários outros importantes trabalhos. . Sem dúvida, merecem destaque os estudos pioneiros da antropóloga Mariza Corrêa nos anos de 1970 sobre os chamados crimes passionais em Campinas. Essa autora faz uma importante etnografia dos processos (na condição de documentos) e dos ritos processuais que instrumentalizaram muitas pesquisas nas décadas posteriores. Em sua perspectiva, o processo é entendido como uma fábula, uma vez que, neles, os fatos estão suspensos, não havendo a possibilidade de, por meio desses documentos, recuperar ou reconstruir o real, “[...] as relações concretas existentes por trás de cada crime”. Para ela, “um processo é uma conjunção de múltiplas versões, todas elas originadas pelo mesmo ato, irrecuperável” (CORREA, 1983, p. 26CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.). Podemos dizer ainda que, nessa perspectiva, o processo resulta de relações e de jogos de poder, pois, segundo observa, “[...] no momento em que os atos se transformam em autos, os fatos em versões, o concreto perde quase toda sua importância e o debate se dá entre os atores jurídicos, cada um deles usando a parte do ‘real’ que melhor reforce o seu ponto de vista” (CORREA, 1983, p. 40CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.).

Tomo os processos aqui analisados como um discurso em que diferentes sentidos se cruzam, circulam e são, também, produzidos. Na trilha de Michel Foucault, a fonte histórica - nesse caso, os processos - é entendida como um monumento, isto é, ela é também uma construção histórica e discursiva, por isso não é sinal, indício de um acontecimento, mas é, em si, outro acontecimento (FOUCAULT, 1999FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1999.). Como lembra Durval Muniz de Albuquerque Jr., no estudo sobre Pierre Rivière, Foucault vai considerar os crimes do parricida um acontecimento, enquanto o discurso sobre esses crimes será considerado como um outro acontecimento; assim, um e outro se reenviam e se reinventam. (ALBUQUERQUE JR, 2007, p. 10ALBUQUERQUE JR, D. M. Menocchio e Rivière: criminosos da palavra, poetas do silêncio. In: História: a arte de inventar o passado. Bauru: Edusc, 2007, pp. 101-111. ). Não tenho a pretensão, neste estudo, de reconstruir os eventos nem de verificar se são ou não verdadeiros; também não interessa aqui confrontar as diferentes versões que o crime pode ter no processo. O interesse deste estudo recai, na verdade, sobre as teias discursivas e sobre as práticas que as sustentam. Os processos-crimes, na condição de discursos, criam representações de gênero, ao mesmo tempo que são constituídos por elas.

Dessa forma, compreendo, com Teresa de Lauretis, que o gênero é tanto uma representação quanto uma autorrepresentação e, como tal, é produto e processo de certo número de tecnologias sociais, de discursos institucionalizados, de epistemologias e de práticas da vida cotidianas. O gênero não existe a priori nos sujeitos, mas é um “conjunto de efeitos produzidos em corpos, comportamentos e relações sociais” (LAURETIS, 1994, p. 208LAURETIS, T. de. As tecnologias de gênero. In: BUARQUE DE HOLANDA, H. (org). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, pp. 206-242.); o gênero é também uma maneira primária de significar relações de poder (SCOTT, 1995, p. 88SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp.71-100, jul./dez. 1995.).

Argumento, portanto, que as mortes de Maria José e de Raquel resultam de relações de poder; elas são enunciados dirigidos ao conjunto das mulheres e, por fim, que esse tipo de crime é sustentado também por um cálculo do poder, além de ser esse o motivo pelo qual persiste. Proponho desenvolver esse argumento a partir de duas linhas de análise: 1. procurar entender as razões de gênero nessas mortes, ou seja, entendê-las a partir de um fenômeno mais amplo, os feminicídios; 2. ir além e pensar sobre o valor e sobre o direito à vida por parte das mulheres, isto é, pensar, a partir dos conceitos de vida nua (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2007.) e de vida precária (BUTLER, 2016BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), como a vida das mulheres é levada em conta na biopolítica contemporânea4 4 Esses conceitos serão apresentados mais adiante. .

Mortes que falam: os feminicídios

As mortes de Maria José e de Raquel não são exceções nem novidade; integram uma triste estatística que vem sendo mensurada mais efetivamente há pouco tempo e que aponta o crescimento cada vez maior e mais violento no número de mulheres assassinadas no Brasil. O Mapa da violência de 2015 mostrou que 13 mulheres são assassinadas por dia no Brasil. Entre 1980 e 2013, foram 106.096 mulheres mortas, a maioria era mulheres negras. Morrem mais mulheres no Brasil do que em muitos países envolvidos em guerras civis. O país está em 5º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres, atrás penas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia (WAISELFISZ, 2015WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/ >. Acesso em 30 nov. 2016.
http://www.mapadaviolencia.org.br/...
). Em 2016, conforme o Relatório de Direitos Humanos, foram assassinadas 4.657 mulheres no Brasil (HRW, 2017HUMAN, RIGHTS WATCH (HRW). Relatório Mundial. Brasil. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2017/country-chapters/298766 > Acesso em nov. 2017.
https://www.hrw.org/pt/world-report/2017...
); em Minas Gerais, foram 433, considerando apenas as mortes ocorridas no âmbito de relações familiares e domésticas (MINAS GERAIS, 2018MINAS GERAIS. Diagnóstico de Violência Doméstica e Familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de Minas Gerais. Registros tentados e consumados. Belo Horizonte: Secretaria de Segurança Pública, mar. 2018.)5 5 O Mapa da violência é uma série de estudos realizados sob a coordenação de Julio Jacobo Waiselfisz, no âmbito da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), desde 1998, sobre a violência no Brasil entre 2003 e 2013. As taxas de homicídio de mulheres brancas caíram 11,9%: de 3,6 por 100 mil brancas, em 2003, para 3,2 em 2013. Em contrapartida, as taxas de homicídio das mulheres negras cresceram 19,5%, passando, nesse mesmo período, de 4,5 para 5,4 por 100 mil. Nessa década, o percentual de mulheres negras assassinadas é de 66% (Cf. WAISELFISZ, 2015). .

Assim, apesar das especificidades que constituem cada um desses crimes, falar das mortes de Raquel e Maria José é falar também das mortes de centenas de outras mulheres cujos nomes ficaram perdidos nas páginas policiais dos jornais, sendo logo substituídos por outros nomes. É falar, portanto, de uma imensa lista de nomes de mulheres assassinadas de maneiras diversas e cruéis em razão do gênero. Esses crimes foram nomeados feminicídio pelas feministas.

A tipificação do feminicídio no Brasil é recente; somente em 2015, foi sancionada pela presidenta Dilma a lei 13.104, que reconhece esse tipo de crime - ou seja, que mulheres morrem pelo fato de serem mulheres - e o coloca no rol de crimes hediondos6 6 A partir de 2013, como resultado das Conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher, a ONU passou a recomendar aos países membros reforçarem suas legislações nacionais para punir os assassinatos violentos de mulheres por razões de gênero. É a primeira vez que a palavra feminicídio aparece em documento dessa natureza na ONU. Na América latina, além do Brasil, outros 14 países criaram leis específicas sobre o feminicídio: México e Costa Rica (2007), Colômbia e Guatemala (2008), Panamá (2011), Chile e El Salvador (2012), Peru (2011), Argentina e Nicarágua (2012), Honduras e Bolívia (2013), Venezuela e Equador (2014). Para discussões sobre o feminicídio na América Latina, conferir, dentre outros, SEGATO (2016); VÁSQUEZ (2014; 2015); MUÑOZ-NÁJAR (2017); ATENCIO (2015); WAISELFISZ (2015). . Entretanto, em termos históricos, as razões do feminicídio já estavam arraigas na cultura e legitimadas no passado por outro ordenamento jurídico, o Código Filipino (1603), que assegurava o poder soberano do marido sobre a vida de sua esposa. Conforme o artigo 25:

[...] toda mulher que fizer adultério a seu marido, morra por isso. E se ela para fazer adultério por sua vontade se for com alguém de casa de seu marido ou doente a seu marido tiver, se o marido dela querelar ou a acusar, morra morte natural (LARA, 1999LARA, S. H. (org.). Ordenações Filipinas. Livro V. São Paulo: Cia das Letras, 1999., p. 117).

Embora superado por mais de dois séculos, o argumento de matar em “legítima defesa da honra” ou por “violenta emoção” continuou por muito tempo sendo usado nos tribunais brasileiros e, em muitos casos, sendo aceito para justificar a impunidade dos assassinos. Segundo Mariza Corrêa, o primeiro Código Penal republicano (1890), ao apresentar como inovação a “irresponsabilidade criminal”, abriu a possibilidade “de isentar de culpa ‘os que se acharem em estado de completa perturbação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime’”. Embora esse artigo objetivasse proteger especialmente “alienados mentais”, ele passou a ser utilizado por advogados de defesa dos assassinos que argumentavam ser a paixão “uma espécie de loucura momentânea, tornando irresponsáveis na ocasião do crime os que estavam por ela possuídos” (CORRÊA, 1981, p. 21-22CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).). Dessa forma, embora não explicito no código, a “legítima defesa da honra” emergia autenticada pela sociedade e, de certa forma, justificava a soberania do marido sobre a vida de sua esposa7 7 Para uma história do “crime passional” e da “legítima defesa da honra” no Brasil, consultar CORRÊA (1981; 1983). .

Ainda segundo Maria Corrêa, o código de 1940 deixou explícito, em um de seus artigos, que “a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade criminal”; entretanto, estabeleceu a “violenta emoção” provocada injustamente pela vítima como uma minorante, podendo o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço (CORRÊA, 1981, p. 23CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).). Assim, outra estratégia frequentemente presente na retórica de advogados de defesa é a inversão dos papéis, com a transformação do réu em vítima de mulheres devassas, adúlteras, interesseiras, mães desalmadas, esposas infiéis, ou ainda: do ciúme doentio - parte da natureza masculina, por isso fora do controle e da vontade dos homens -, do vício em drogas ou em álcool ou de um amor não correspondido.

A partir, sobretudo, dos anos de 1970, as feministas investiram mais incisivamente contra tais argumentos. Sob o lema “quem ama não mata”, as brasileiras foram às ruas para protestar contra a “impunidade” do assassino de Ângela Diniz assim como para denunciar a violência sexista e a morte de milhares de mulheres. No âmbito da academia, também foi nesse período que feministas de diversos campos do conhecimento se dedicaram a descontruir os argumentos baseados em determinismos biológicos, na diferença entre os sexos, como explicações de fenômenos culturais, mostrando que a violência às mulheres não é natural, mas encontra seus fundamentos historicamente na cultura e na omissão do Estado; nesse contexto, destacam-se os já citados trabalhos de Mariza Corrêa (1981CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).; 1983CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.).

É nesse período também que o conceito de feminicídio começou a ser formulado pelas feministas8 8 Conforme Wânia Pasinato (2011), em 1976 a socióloga feminista Diana Russel usou pela primeira vez o termo femicídio perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas (PASINATO, 2011, p. 223). Ainda segundo essa autora, na América Latina as feministas optaram pelo termo feminicídio a partir das contribuições da deputada mexicana Marcela Lagarde, para quem o termo femicídio, ao ser traduzido para o espanhol, perde força (PASINATO, 2011, p. 232). Além disso, o termo feminicídio também é usado para enfatizar a impunidade e a responsabilidade do Estado nesses crimes. . Ele tem sido usado para se referir ao assassinato de mulheres motivado por questões de gênero, ou seja, o termo designa o “conjunto de violências dirigidas especificamente à eliminação das mulheres por sua condição de mulher” (SEGATO, 2016, p. 141SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016.). É possível afirmar, portanto, que, nesse tipo de crime, o que se procura eliminar não é apenas um corpo (de uma mulher em específico), mas os signos do feminino que ele expressa, seus modos, experiências e enunciados. Os corpos femininos ou feminizados se tornaram um território de inscrição e de afirmação de posse e de poder masculinos (SEGATO, 2005SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas. Florianópolis, 13(2), maio-ago. 2005.), por isso é comum, nesses crimes, um requinte de crueldade capaz de intensificar a morte, como aparece nos autos do processo de assassinato de Raquel: o réu confessa que jogou uma pedra contra a cabeça dela e “somente parou depois que viu que a Raquel já não estava mais com vida” (AFGC, 2009, fl.15ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.). O relatório da necropsia do corpo de Maria José “[...] demonstra que, além das facadas desferidas, o indiciado provocou-lhe várias outras lesões e escoriações pelo corpo com requintes de perversidade e incontida fúria” (AFGC, 31/02/1997, f. 30ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 000.200.536-1.00. Homicídio. 2ª Vara Criminal. Montes Claros, 1997-2001.).

Em vários crimes como esses, para provocar a morte, são muitos os tiros, as pauladas, as facadas e as machadadas, que expressam, em cada golpe, o desprezo, o ódio ou um tipo de punição dirigido às mulheres. Os assassinos em geral miram o rosto, os seios, a genitália, procuram desfigurar as partes do corpo que mais expressam o feminino, e algumas vezes a morte é precedida de tortura ou de estupro (SEGATO, 2005SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas. Florianópolis, 13(2), maio-ago. 2005.), como parece ter sido o caso de Raquel, segundo o laudo da autopsia do seu corpo.

Conforme os dados do Mapa da Violência, no Brasil uma em cada três mulheres assassinadas tem como algoz seu parceiro ou ex-parceiro, e 27% dos assassinatos ocorrem no âmbito doméstico. Por isso, as estudiosas destacam o continum de atos de violência que resultam no feminicídio. Esse pode ter sido o caso de Maria José, já que duas testemunhas relataram as condições precárias de sua vida, os maus-tratos que ela sofria do marido e a confirmação de que sua cegueira seria consequência das constantes agressões físicas. Uma testemunha, por exemplo, contou, em seu depoimento, que era do seu conhecimento “que a MARIA JOSÉ havia apanhado tanto do G[...], que tinha ficado ‘meio cega’ por causa dos espancamentos” (AFGC, 1999, fl. 17ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 000.200.536-1.00. Homicídio. 2ª Vara Criminal. Montes Claros, 1997-2001.); uma outra também declarou que ela se separou dele “porque o mesmo era muito ruim para ela, a agredia muito fisicamente e inclusive ela era cega de um dos olhos [...] de tanto apanhar” (AFGC, 1999, fl.16ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 000.200.536-1.00. Homicídio. 2ª Vara Criminal. Montes Claros, 1997-2001.).

Em Minas Gerais, conforme o Diagnóstico de Violência doméstica e familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública, os dados de registros de ocorrência relativos à lei Maria da Penha (lei 11.340/2016) apresentaram uma pequena diminuição entre 2015-2017. Por outro lado, o número de feminicídios - última e mais cruel etapa da violência de gênero - aumentou. Em 2015, quando a lei entrou em vigor, foram registrados 335 feminicídios; em 2016, esse número subiu para 397; e, em 2017, foram 433 feminicídios cometidos, considerando-se somente os feminicídios íntimos, ou seja, aqueles que ocorrem no âmbito de relações domésticas e familiares (MINAS GERAIS, 2018MINAS GERAIS. Diagnóstico de Violência Doméstica e Familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de Minas Gerais. Registros tentados e consumados. Belo Horizonte: Secretaria de Segurança Pública, mar. 2018.)9 9 Dados do Diagnóstico de Violência doméstica e familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de MG. 2015-2017. Belo Horizonte, mar. 2018. Segundo a Secretaria responsável pelo estudo, os dados contemplam somente a primeira hipótese do feminicídio - violência doméstica e familiar contra a mulher -, pois “a segunda hipótese, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ainda não pode ser quantificada pela falta de filtros técnicos próprios a causa presumida específica”. (Diagnóstico de Violência doméstica e familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de MG, 2015-2017, p. 93).

Mas o feminicídio ocorre também em contextos marcados pela impessoalidade. Rita Laura Segato, uma das principais intelectuais feministas que contribuiu para a formulação do conceito, a partir, sobretudo, dos emblemáticos crimes de Ciudad Juarez no México10 10 Consistem em um elevado número de assassinatos sistemáticos e em desaparecimento de centenas de mulheres, em especial de trabalhadoras, sem que a polícia tenha resolvido os casos. Dentre os estudos sobre esses assassinatos, conferir SEGATO (2005). O filme A cidade do silêncio (Bordertown) de 2006, protagonizado pela atriz Jennifer Lopez, é baseado nesses casos de Ciudad Juarez. , tem chamado atenção para o caráter cada vez mais frequente e sistemático de assassinatos de mulheres por desconhecidos ou fora de relações pessoais, como resultado das novas formas de guerra que caracterizam os cenários bélicos no mundo atual. Conforme essa autora, a violência de gênero de maneira geral é expressiva e diz respeito às disputas pelo poder e pela soberania. Nessa nova forma de guerra que “assume roupagens desconhecidas”, o principal cenário é o corpo feminino, que se torna “texto e território de uma violência que se escreve privilegiadamente aí” (SEGATO, 2015, p.2SEGATO, R. L. La pedagogia de la crueldade. Página 12. Buenos Aires, maio/2015. Disponível em < Disponível em http://www.pagina12.com.ar/imprimir/diario/suplementos/las >. Acesso em: 30/05/2015.
http://www.pagina12.com.ar/imprimir/diar...
). É assim que cada feminicídio expressa uma mensagem de terror e de poder.

Nos autos do processo de assassinato de Raquel, não há evidência de que seu assassino pertencia a algum grupo, gang ou facção, mas o comportamento apresentado por ele chamou a atenção para as relações de poder. Conforme registrado em alguns depoimentos, ele “corria atrás das mulheres da Vila”; “agredia mulheres e meninos do bairro”; Raquel tinha medo dele; uma testemunha o ouviu dizendo a alguém: “matei Raquel e joguei no matagal”. Um dia antes de a vítima ser encontrada, ele levou um menor para ver o corpo dela; o menor disse em depoimento que não relatou os fatos porque ficou com medo do indiciado. Outra testemunha declarou em seu depoimento na Delegacia de Polícia, reafirmado no tribunal do júri, que, antes de o corpo de Raquel ser encontrado, a companheira do assassino lhe contou que “D[...] estuprou, estrangulou e matou Raquel” (AFGC, 2009, fl.43ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.). Para conseguir provar a “insanidade mental do réu”, a advogada de defesa argumentou que “estranhamente” ele confessou “ser o autor do crime” que propagava “aos quatros ventos” (AFGC, 2009, fl.143ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.)11 11 A estratégia da defesa durante todo o processo foi argumentar sobre a insanidade mental do réu, sob o argumento de que ele não tinha noção do crime que havia cometido, justamente por isso “propagou [o crime] aos quatro ventos”. Foi solicitada uma perícia médico-psiquiátrica que atestou a sanidade do réu; mesmo assim, a defesa continuou usando a tese da insanidade, tentando provar que ele já havia feito tratamento psicológico na infância e que já tomou remédios controlados. . Durante o tribunal do Júri, “[...] todas as testemunhas manifestaram receio com a presença do réu e pediram para depor sem a presença dele” (AFGC, 2009, fl. 337ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.). Percebe-se, nesses enunciados, que o assassino de Raquel emite uma mensagem de medo, buscando afirmar seu poder, não somente sobre o corpo dela, mas perante a comunidade.

Rita Segato (2016, p. 141-142)SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016. defende que o conceito de feminicídio deve incluir tanto os crimes perpetrados em contextos domésticos (como o de Maria de José) quanto aqueles que respondam ao princípio de impessoalidade (como o assassinato de Raquel). Isso porque os feminicídios devem ser concebidos de maneira mais ampla como crimes contra um genus. Por isso, é preciso, retirar do âmbito do privado e despersonalizar o feminicídio, concebendo-o como um crime público, dirigido não a uma mulher específica, mas ao conjunto das mulheres, à mulher genérica.

Em cada feminicídio perpetrado é emitida uma mensagem de medo a todas as mulheres, em especial àquelas que não se ajustam aos modelos de submissão e de obediência construídos pelas representações de gênero. Conforme Segato, o assassino fala “à vítima e seu discurso adquire um aspecto punitivo”, enquanto ele assume “um perfil de moralizador, de campeão da moral social, porque, nesse imaginário compartido, o destino da mulher é ser contida, censurada, disciplinada, reduzida, pelo gesto violento de quem reencarna, por meio desse ato, a função soberana” (SEGATO, 2005, p. 272SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas. Florianópolis, 13(2), maio-ago. 2005.) de eliminar uma vida12 12 No dia 16 de setembro 2018, Elaine Figueiredo Lacerda foi executada com cinco tiros pelo ex-marido na porta da sua casa em Montes Claros (MG). As câmeras de segurança da rua filmaram toda a ação, que foi veiculada por vários telejornais nacionais. Em entrevista a uma repórter local, o assassino, que fugiu, mas foi preso horas depois pela política, disse sem nenhum constrangimento: “[...] esse é um recado para todas as esposas cuidar e acarinhar seu esposo e ter um bom diálogo”. O vídeo também circulou em redes sociais, como o WhatsApp. .

Da mesma forma, é preciso compreender que não se trata de um agressor individualmente que perpetra o crime, mas que há toda uma “estrutura de gênero” e seu “mandato de dominação” (SEGATO, 2016SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016., p. 142) por trás da mão que puxa o gatilho, que desfere as facadas, que acerta a pedra. Nas palavras da autora,

[...] sería posible sostener que todos y cada uno de los crímenes de género tienen una dimensión de impersonalidad y antagonismo genérico emanada de la estructura de poder jerárquica y patriarcal. Esta estructura, a la que denominamos “relaciones de género”, es, por si misma, violentogénica y potencialmente genocida por el hecho de que la posición masculina solo puede ser alcanzada - adquirida en cuanto estatus - y reproducirse como tal ejerciendo una o más dimensiones de un paquete de potencias, es decir, de formas de dominio entrelazadas: sexual, bélica, intelectual, política, económica y moral. Esto hace que la masculinidad como atributo deba ser comprobada y reafirmada cíclicamente [...]. El recurso a la agresión, por lo tanto, aun en el ambiente doméstico, implica la suspensión de cualquier otra dimensión personal del vínculo para dar lugar a un afloramiento de la estructura genérica e impersonal del género y su mandato de dominación (SEGATO, 2016SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016., p. 142)13 13 A tradução é minha: “[...] seria possível sustentar que todos e cada um dos crimes de gênero têm uma dimensão de impessoalidade e de antagonismo genérico emanada da estrutura de poder hierárquica e patriarcal. Essa estrutura, que denominamos ‘relações de gênero’, é, por si mesma, violentogênica e potencialmente genocida, pelo fato de que a posição masculina só pode ser alcançada - adquirida como status - e reproduzir-se como tal exercendo uma ou mais dimensões de um pacote de potências, isto é, de formas de domínio entrelaçadas: sexual, bélica, intelectual, política, econômica e moral. Isso faz com que a masculinidade como atributo deva ser comprovada e reafirmada ciclicamente [...]. O recurso à agressão, portanto, mesmo no ambiente doméstico, implica a suspensão de qualquer outra dimensão pessoal do vínculo para dar lugar a um afloramento da estrutura genérica e impessoal do gênero e seu mandato de dominação” (SEGATO, 2016, p. 142). .

Assim, o número crescente de feminicídios, sobretudo em contextos marcados pela impessoalidade, pode ser compreendido como resultado de alterações nas desigualdades de gênero, que, por sua vez, têm provocado reações extremas à presença, cada vez mais frequente, de mulheres em posições de poder, antes monopólio masculino; e também como resultado da incapacidade do homem em lidar com a crescente potencialização das mulheres; da desnaturalização de papéis masculinos e femininos; da percepção das mulheres em relação aos seus direitos e às desigualdades, fazendo com elas rejeitem ou desacatem as normas tradicionais de gênero, contrariando as ordens e a autoridade masculinas. Mariza Corrêa cita uma reportagem da revista Veja de abril de 1973, sobre a absolvição do assassino de Jô de Souza Lima em Belo Horizonte, que comprova esse argumento: “[...] assim, a culpa de Jô não estava no adultério de 1966, mas na sua decisão de continuar conduzindo uma vida de mulher independente por decisão judicial, em 1971. E talvez Lobato tenha apertado o gatilho porque essa situação lhe pareceu inadmissível” (CORRÊA, 1983, p. 21CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.). Eliminar a vida de uma mulher é, assim, um recurso para fazê-la obedecer, dobrar-se à vontade masculina e reestabelecer a ordem social binária e desigual que vem sendo minada e desestabilizada pelos feminismos desde o século passado.

Nesse sentido, Segato formulou e tem proposto a utilização do conceito de femi-geno-cídio para designar os “feminicídios que se dirigem, com sua letalidade, à mulher [...] como gênero, em condições de impessoalidade”, a fim de incluí-lo no foro internacional que trata dos crimes de lesa humanidade e genocídio (SEGATO, 2016, p. 145-146SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016.). Ou seja, cumpre entender o feminicídio também como um crime genérico, sistemático, impessoal e afastado da intimidade do agressor.

A impunidade (ou penas brandas) e a omissão do Estado são aspectos que acompanham historicamente os crimes de feminicídios, constituindo um dos motivos que também explica sua constância e seu crescimento em vários contextos. Por isso, estudiosas têm chamado a atenção para uma espécie de “rede de proteção dos responsáveis” (SEGATO, 2005SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas. Florianópolis, 13(2), maio-ago. 2005.), enfatizando o papel do Estado nesses crimes. Conforme ressalta Marcela Lagarde,

Para que se dê o feminicídio, concorrem de maneira criminal o silêncio, a omissão, a negligência e a conveniência de autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses crimes. Há feminicídio quando o Estado não dá garantias para as mulheres e não cria condições de segurança para suas vidas na comunidade, em suas casas, nos espaços de trabalho e de lazer. Mais ainda quando as autoridades não realizam com eficiência suas funções. Por isso o feminicídio é um crime de Estado (LAGARDE, 2004, p. 5 apudPASINATO, 2011PASINATO, W. Feminicídios e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu (37), jul./dez. 2011, pp. 219-246., p. 232). 14 14 Júlio Jacob Waiselfisz, autor do Mapa da violência no Brasil de 2015, sobre as mortes de mulheres, aponta, em suas conclusões, que exatamente a impunidade é uma das principais causas do número cada vez mais elevado de feminicídio. Para ele, “[...] cada país tem o número de feminicídio que decide politicamente ter, assim como o número de condenações por essa agressão”. (WAISELFISZ, 2015, p. 76).

Os registros e os silêncios no processo-crime da morte de Maria José evidenciam o que argumenta Lagarde. Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público apresentaram ao juiz a denúncia de homicídio com as qualificadoras do inciso I “motivo torpe” e IV “surpresa”. O juiz aceitou a denúncia, mas concordou apenas com o “motivo torpe”, argumentando que “[...] não há, todavia, falar em surpresa quando entre réu e vítima já havia sérias desavenças e a agressão foi precedida de discussão com a vítima negando ao réu o acesso à casa” (AFGC, 1999, fl.66, grifos meusARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 000.200.536-1.00. Homicídio. 2ª Vara Criminal. Montes Claros, 1997-2001.).

Ao desconsiderar a “surpresa”, o juiz de imediato atenua o crime. Mesmo mediante a promessa de morte proferida na manhã daquele dia trágico, Maria José certamente não imaginava que seu ex-marido, pai dos seus filhos, voltaria armado com uma faca para golpeá-la de súbito até a morte. O juiz também não considerou as testemunhas mulheres que relataram os maus-tratos que a vítima sofria do ex-companheiro, mas, ao contrário, repetiu, em seu parecer, o depoimento do réu de que ela, em algum momento no passado, havia jogado água quente nele, sugerindo, dessa forma, uma imagem violenta da vítima. Em nenhum momento do processo, todavia, foi apurada a veracidade dessa narrativa nem os motivos que teriam levado Maria José a tal violência. Da mesma forma, em nenhum momento foi questionado o fato de que o menor, filho do casal e única testemunha do crime, passou a viver na casa do pai, tendo prestado seu depoimento na presença dele e com seu aval, pois foi ele - o indiciado no processo - quem assinou o depoimento como responsável pelo menor. Nas conclusões, emitidas quase três anos após o assassinato (em 20 abr. 1999), o juiz mais uma vez repete o depoimento do réu, reforçando a suposta traição da esposa, a violência dela contra ele (a vítima jogou água quente no marido) e o fato de ela não lhe ter permitido o acesso à sua casa.

A justiça - representada nos discursos e nos procedimentos do juiz e do delegado de polícia - toma o depoimento do réu como verdadeiro e, ao mesmo tempo, desconsidera o depoimento das mulheres testemunhas no processo, as únicas que ofereceram detalhes da relação do casal, falando dos maus-tratos, da miséria e da precariedade da vida de Maria de José. Impõe-se, com isso, um silêncio sobre as violências contínuas que Maria José sofria, da mesma forma como se silenciam as mulheres que foram chamadas a “falar” como testemunhas, pois suas falas não são “ouvidas”. Para Eni Orlandi, em um discurso o silêncio pode ser “pensado como a respiração da significação”; a autora chama de silenciamento ou de política do silêncio uma dessas formas de silêncio, que se divide em silêncio constitutivo, quando uma palavra apaga outra, e em silêncio local, ou seja, a censura, aquilo que não se diz numa certa conjuntura (ORLANDI, 2002, p. 83ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002.). Os processos-crime, de maneira geral, são constituídos desses silêncios; aqui em especial vemos a política do silêncio no apagamento da violência sofrida por Maria José - com isso seu marido assassino não é considerado uma pessoa violenta - e na colocação e na reiteração da violência dela e da sua recusa, como motivos da sua morte.

Outra evidência desse argumento pode ser percebida nos quesitos que o juiz formulou para o corpo de jurados. No terceiro quesito, o juiz pergunta: “O réu, G[...] agiu sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima?”. Ou seja, já está posto pelo juiz como fato que a vítima provocou injustamente o réu, restando aos jurados apenas decidirem se ele, por causa disso, agiu ou não sob o “domínio de violenta emoção”, ao que os jurados responderam “sim”. Em outras palavras, foi ela, Maria José, quem provocou o ex-marido, foi ela a responsável, a culpada pelos atos dele. Assim, o réu teve sua pena mais uma vez atenuada. Conforme todos os depoimentos, inclusive o do próprio autor do crime, ele esteve na casa da vítima na parte da manhã, pediu café e quis entrar na casa. Maria José não aceitou, o que desencadeou a briga; nesse momento, ela o teria chamado de “chifrudo”. Ele saiu, bebeu cachaça, armou-se com uma faca e voltou à noite à casa dela, quando ocorreu o crime. Mesmo que se considere o “domínio de violenta emoção”, já se haviam passado muitas horas desde a “provocação”.

É importante observar ainda que, à exceção da promotora pública e das duas testemunhas mencionadas, todos os atores envolvidos no processo e no julgamento são homens - o juiz, os sete jurados, o defensor público, o réu. Homens que falam para outros homens, por isso fazem uso de um imaginário instituído e compartilhado, que faz sentido entre eles. Conforme ressaltou Mariza Corrêa em seu estudo sobre crimes passionais, a ausência de mulheres no corpo de jurados desse tipo de crime “[...] pode ser em parte responsável pela desinibição dos advogados em pedir a absolvição daqueles criminosos”, pois, quando havia mulheres presentes no tribunal do júri, o réu foi condenado, embora tenha sido absolvido em segundo julgamento (CORRÊA, 1981, p. 28CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).)15 15 Ainda conforme os registros de Mariza Corrêa, as mulheres começaram ser alistadas para o corpo de jurados dos tribunais populares efetivamente a partir de 1970, mesmo assim poderiam ser dispensadas aquelas que exerciam função pública e que provassem ser o serviço do júri difícil em decorrência de suas atividades domésticas (cf. CORRÊA, 1981, p. 28). . No processo sobre o assassinato de Raquel, dos jurados sorteados para formar o Conselho de Sentença, somente as mulheres foram recusadas. A defesa recusou três delas, e o Ministério Público, uma (recusa imotivada), permanecendo somente uma no corpo de jurados, possivelmente por falta de opção de homens, já que seis jurados homens não compareceram ao sorteio.

Na sentença final do processo de assassinato de Maria José, o juiz conclui:

Trata-se de um réu primário sem registro de antecedentes, mas, apesar dos motivos admitidos pelo júri, o crime foi cometido em circunstâncias que muito se aproximam da torpeza da vingança por não ter a vítima aceitado o assédio de seu ex-companheiro embriagado, e em situação em que a vítima teve sua defesa prejudicada pela quase cegueira, além da quantidade de golpes desferidos pelo réu revelarem dolo intenso, sendo de anotar-se, também, que foram graves as consequências, pois uma das filhas deixadas pela vítima foi para um orfanato e a outra acabou sendo adotada por estranhos, razão porque fixo a pena base do réu em sete anos e seis meses de reclusão. Não há agravantes, mas há atenuantes da confissão espontânea reconhecida pelo Júri, razão porque reduzo a pena para sete anos de reclusão. Há ainda a minorante do parágrafo primeiro do art. 121, violenta emoção, reconhecida pelo júri, razão porque, não sabendo eu qual foi a injusta provocação que a vítima fez contra o réu no momento que precedeu o fato, reduzo a pena somente em um sexto para concretizá-la em cinco anos e dez meses de reclusão. Como se trata de um réu primário, iniciará o cumprimento de sua pena em regime semi-aberto, em colônia agrícola do Estado. (AFGC. Processo 0433.05. 157349., 2005. Fl.104, grifos nossos).

O réu, além de responder todo o processo em liberdade, também foi beneficiado pela decisão de recorrer da decisão do júri em liberdade. Mesmo considerando a defesa prejudicada de Maria José, em razão de sua cegueira e as consequências da morte dela para os filhos, a pena de cinco anos e dez meses e ainda em regime semiaberto foi bastante branda. Assim, um primeiro enunciado que a sentença emite é que o criminoso G[...] não representa um perigo/risco em potencial para a sociedade, ou seja, não é um indivíduo perigoso.

A noção de indivíduo perigoso foi trabalhada por Michel Foucault em seus citados estudos sobre a prisão (FOUCAULT, 1991FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Trad. Ligia M. Pondé Vassallo. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1991, 277 p.; 1977FOUCAULT, M. (coord.). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. 7 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.; 2004FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). ). De forma bastante esquemática, apresento alguns dos seus argumentos. Segundo Foucault, até o século XVIII, as regras de direitos vigentes na Europa estavam vinculadas ao regime de soberania real; assim, os delitos cometidos em sociedade eram vistos como crimes contra o rei. Para assegurar a legitimidade desse regime de soberania, puniam-se os crimes com os suplícios corporais públicos, que serviam, ao mesmo tempo, como forma de retaliação e como exemplo para os que assistiam aos suplícios. Era a afirmação do poder soberano - de causar a morte. A penetração da psiquiatria na justiça penal a partir do início do século XIX, com o objetivo de explicar em especial os crimes sem motivos16 16 O caso do parricida Pierre Rivière é um exemplo desses chamados “crimes sem motivos” (Cf. FOUCAULT, 1977). , provocou um deslocamento do crime para o criminoso; consequentemente a punição deveria agir mais sobre o criminoso do que sobre o crime propriamente, isto é, deveria agir sobre aquilo que torna um indivíduo criminoso: seus motivos, suas tendências, seus instintos. Conforme Foucault (2004, p. 11)FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). , “[...] punir tornou-se, dentre todas as novas técnicas de controle e de transformação dos indivíduos, um conjunto de procedimentos orquestrados para modificar os infratores”. Criou-se, então, a noção de “indivíduo perigoso”, principal alvo da intervenção punitiva. Entretanto, com a percepção de que a prisão, em vez de corrigir o criminoso, fabricava a delinquência e servia de reforço ao meio criminoso, ocorreu outro deslocamento, primeiro com a antropologia criminal italiana do século XIX, depois com o direito civil e sua tese da défense sociale do início do século XX. Colocou-se em questão não mais a responsabilidade criminal e o grau de liberdade do indivíduo, mas “o grau de periculosidade que ele constitui para a sociedade” (FOUCAULT, 2004, p. 19FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). ). A pena não deveria ser uma mera punição ao indivíduo infrator, mas um mecanismo de defesa da sociedade. A introdução do problema do acidente, mais tarde, pelos civilistas, fundamentou juridicamente, por sua vez, a noção de “responsabilidade sem culpa”17 17 Isto é, o fato de que alguém não poderia arcar com a sua responsabilidade civil e com o pagamento de danos em decorrência de um acidente/crime causado por uma falta mínima, como desatenção ou negligência. Conforme Foucault, duas coisas importantes surgiram no século XIX, “[...] com o desenvolvimento do assalariamento, das técnicas industriais, da mecanização, dos meios de transporte, das estruturas urbanas [...]: primeiramente, os riscos que se faziam correr terceiros” (como o empregador a seus empregados expondo-os à acidente de trabalho); a segunda é “o fato de que os acidentes poderiam estar relacionados a uma falta mínima, uma causa que independe da vontade daquele que comete (FOUCAULT, 2004, p. 20). A responsabilidade sem culpa, observa Foucault, “deve ser estabelecida de acordo não com a série de erros cometidos, mas com o encadeamento das causas e efeitos” (FOUCAULT, 2004, p. 20-21). e introduziu no direito a noção de probabilidade causal e de risco - base para definição da punição. Conforme Foucault (2004, p. 22)FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). , “[...] a punição não terá então por finalidade punir um sujeito de direito que terá voluntariamente infringido a lei; ela terá o papel de diminuir, na medida do possível [...], o risco de criminalidade representado pelo indivíduo em questão”.

Assim, a prisão passa a ter como função não mais a “correção” ou a disciplina do criminoso, mas a sua retirada da sociedade, tendo em vista o cálculo do grau de periculosidade que ele representa; é esse cálculo de risco que também determina a pena que ele deverá cumprir. G[...] era “perigoso” somente para a esposa, que já estava morta; seu risco de criminalidade não ameaçava a sociedade. Os crimes de gênero - ou seja, causados pelas representações de gênero - nesse momento não eram percebidos como crimes contra a sociedade, por isso o criminoso não representava alto grau de periculosidade social. Além disso, o assassinato de Maria José teria sido um mero acidente na vida de G[...] - homem honesto, trabalhador e que não tinha antecedentes criminais -, fato que atenuou sua pena. O crime foi considerado, então, um acidente causado pela “injusta provocação” da vítima.

Foucault observa que “tão logo os grandes Códigos modernos foram instituídos, procurou-se flexibilizá-los por legislações, tais como aquelas sobre as circunstâncias atenuantes, sobre a reincidência ou sobre a liberdade condicional; tratava-se, então, de levar em conta, por trás dos atos, aquele que os havia cometido” (FOUCAULT, 2004, p. 24FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). ). A análise de processos-crime a partir de uma perspectiva de gênero possibilita complementar a análise de Foucault, pois, em crimes como o assassinato de Maria de José (os feminicídios), considera-se também nesse cálculo, contra quem ele é cometido. Assim, outro enunciado que a sentença desse processo emite é que algumas vidas importam/valem menos que outras, dependendo do marcador social (de classe, raça, religiosidade, nacionalidade ou de gênero, como nesse caso), que o corpo violentado carrega - conforme discutirei na seção seguinte.

Ao contrário de G[...], o assassino de Raquel - no outro processo analisado aqui - representava um risco de criminalidade e de perigo maior para a sociedade, pois o autor do crime foi acusado de envolvimento com tráfico de drogas, de ameaçar vizinhos, de coagir menores e de espalhar medo na comunidade. Mesmo assim, até onde foi possível acompanhar o processo, ele foi sentenciado a treze anos de detenção, tendo como minorante a confissão e o fato de, à época do crime, ter 20 anos de idade. Uma pena igualmente branda, considerando-se que 12 anos é a pena mínima para homicídio qualificado, nesse caso, com as agravantes do inciso II (motivo fútil) e III (meio cruel, causando profundo sofrimento à vítima)18 18 No processo, não consta a sentença escrita do juiz, somente a ata do Tribunal do Júri com a condenação. . É possível perceber, ao longo desse processo, a tentativa de banalizar o crime, com a sua circunscrição ao consumo de drogas ou com a reiteração de que o local onde o corpo de Raquel foi encontrado é ponto de consumo de drogas e de “encontro para fins sexuais”. Entretanto, parece não haver dúvida entre as autoridades de que Raquel provavelmente foi estuprada, estrangulada além de ter sua vida eliminada supostamente por causa de uma dívida de 15 ou 20 reais, conforme apurou a polícia e declarou o réu em seu depoimento. Não é possível saber, no entanto, qual foi o real motivo da morte de Raquel, o qual pode ser remetido às relações de poder que marcam as relações de gênero ou à relação entre os homens e sua comunidade. A morte dela precisava, contudo, de um motivo concreto, aceito pela comunidade jurídica; esse motivo foi definido uma dívida de 15 ou 20 reais - esse foi também o valor da sua vida.

O cálculo sobre a vida

Assim, outra linha de análise que os assassinatos de Raquel e de Maria José nos abre é sobre o valor ou o “desvalor” da vida. Ou seja, esses crimes nos exigem pensar a vida no âmbito daquilo que Foucault designou de biopolítica, isto é, a politização da vida, a introdução da vida natural nos cálculos do poder e numa estratégia política, em outras palavras: é o governo das pessoas por meio da gestão dos seus corpos19 19 A noção de biopoder é introduzida por Foucault no último capítulo da História da sexualidade, v.1; “Direito de morte e poder sobre a vida”, em que o autor assinada uma transformação profunda nos mecanismos de poder a partir do século XVII: o poder soberano de causar a morte vai ser substituído pelo poder de causar a vida ou devolver à morte. “A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida” (FOUCAULT, 1988, p. 131). Essa noção de biopoder e de biopolítica foram posteriormente aprofundadas em suas aulas no Collège de France (1977-1978), publicadas no livro Segurança, território e população (2004). .

Partindo da perspectiva de Foucault, Giorgio Agamben propõe o conceito de vida nua para problematizar a vida nos quadros da biopolítica moderna. Ele formula esse conceito levando em conta a figura emblemática e ambivalente do homo sacer, presente no direito romano arcaico, que consiste num indivíduo que, ao mesmo tempo que não pode ser sacrificado, pode ser morto por qualquer um, impunemente, sem que se cometa um crime. A vida nua seria, nessa perspectiva, essa vida matável do homo sacer (AGAMBEN, 2007, p. 90AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2007.). Outro conceito que orienta sua análise é o de vida sem valor, ou indigna de ser vivida, formulado pelo especialista em direito penal Karl Binding em 1920, ao propor uma solução jurídica para a impunidade do aniquilamento de terceiros, para além do suicídio. Para o especialista, essa solução dependeria “da resposta que se dá à pergunta: ‘existem vidas humanas que perderam a tal ponto a qualidade de bem jurídico, que a sua continuidade, tanto para o portador da vida como para a sociedade, perdeu permanentemente todo o valor?’” (apud AGAMBEN, 2017, p. 144).

O conceito se aplica, portanto, àquelas vidas consideradas perdidas para a sociedade. Mas, sublinha Agamben, ao decidir sobre o “desvalor” da vida, estabelece-se, ao mesmo tempo, o limiar que define qual vida tem valor. A vida nua, assim como a vida indigna de ser vivida, corresponde, portanto, ao indivíduo que está fora desse limite, ou seja, que possui no corpo algum marcador social - gênero, religião, condição social, nacionalidade, dentre outros - e, podemos acrescentar, tipos de condutas, que faz com que ele perca o direito de ter a sua vida assegurada pelo Estado (AGAMBEN, 2007, p. 149AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2007.).

Para Agamben, “é como se toda valorização e toda ‘politização’ da vida [...] implicasse necessariamente uma nova decisão sobre o limiar além do qual a vida cessa de ser politicamente relevante”, tornando-se uma vida nua, uma vida indigna de ser vivida, e, por isso, lugar de uma decisão soberana. Toda sociedade fixa continuamente esses limites, que, no horizonte biopolítico contemporâneo, alargaram-se, passando a habitar o “corpo biológico de cada ser vivente” (AGAMBEN, 2007, p. 146AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2007.).

Podemos vislumbrar alguns desses limites sendo traçados cotidianamente para justificar a violência contra as mulheres. Na historiografia brasileira trabalhos como os já citados de Mariza Corrêa (1983CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983., 1981CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).), de Rachel Sohiet (1989SOIHET, R. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.), Martha A. Esteves (1989ESTEVES, M. A. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.), Sueann Caulfield (2000CAULFIELD, S. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Unicamp, 2000.), Diva Muniz (2005MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Proteção para quem? O código penal de 1940 e a produção da “virgindade moral”. Labrys, estudos feministas, jul. 2005.) dentre outros, demonstraram a prática comum nos tribunais de colocar em “julgamento” certas formas de conduta da vítima, quando mulheres, consideradas socialmente inadequadas aos comportamentos femininos ou que diferem de um padrão que se espera das mulheres, como estratégia da defesa para minimizar, desqualificar ou justificar o crime cometido contra elas. Nos processos analisados aqui em particular é possível verificar esses limites, baseados na conduta feminina, sendo traçados contra Raquel e Maria José. Em vários excetos são reiterados e repetidos argumentos como: “Que Raquel usava drogas e fazia programas para ganhar dinheiro; que Raquel pedia alimentos, roupa, qualquer coisa na rua e vendia para comprar drogas” (fl.4); “Que Raquel era usuária de maconha e crack” (fl.40); nesse caso não apenas pelo defensor do réu, mas também nas arguições do Ministério Público, acusador no processo. Em resposta às perguntas do Ministério Público, o companheiro de Raquel reafirmou perante o Júri:

[...] a vítima trabalhava como faxineira; na época em que a vítima foi assassinada ela costumava pedir esmolas [...]; não sabe se a vítima usava drogas, mas acha que sim, porque a vítima costumava andar na companhia de “umas meninas, amigas dela”, que eram usuárias de crack; [...] a vítima nunca se comportou de forma que indicasse que ela estivesse praticando prostituição [...]; confirma que a vítima saía com outros homens, mas isso ocorreu no início da convivência dela com o depoente, mas a vítima já não saía com outros homens na época do fato [...] questionado sobre o fato de ter dito na Depol que já estava acostumado de a vítima sair com outros homens, respondeu que era assim mesmo e que a maioria das mulheres agem assim, mas reafirmou que a vítima já não saía com outros homens na data do fato; acrescentou que a vítima estava grávida de dois meses quando foi assassinada... (AFGC, 2009, fl. 348ARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.).

Respostas semelhantes foram dadas por outros depoentes dos quais destaco duas que foram bastante contundentes, não deixando dúvidas sobre as condutas ilícitas da vítima. Uma das “meninas” que andava com ela disse: “[...] Raquel fazia programas sexuais e cobrava dez, quinze ou vinte reais e comprava droga com o dinheiro que recebia [...]” (IdemARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.., fl. 357); e o senhor que denunciou o assassinato dela, afirmou: “[...] o depoente tem certeza que Raquel usava drogas, “qualquer tipo de drogas, pedra, maconha, só não sei se cheirou farinha [...]” (IdemARQUIVO DO FÓRUM GONÇALVES CHAVES (AFGC). Processo 1.04.33.07.211455-9. Homicídio. 3ª Vara Criminal. Montes Claros, 2009.., fl.359).

Nos Termos de Depoimentos não constam as perguntas feitas pelo Ministério Público, mas pelas respostas dos depoentes é possível supor que as perguntas referem-se à conduta de Raquel como usuária de drogas, adúltera e prostituta. A insistência nesses quesitos de certa forma minimiza a importância do crime devido a quem é a vítima - ela mesma uma delinquente - ao mesmo tempo em que conduz a concluir que esse crime resultou de outros dois: o uso de drogas e a prática de prostituição.

No caso de Maria José sua conduta foi explorada no processo a partir do seu comportamento nada condizente ao de uma mãe amorosa e esposa obediente já que ela, supostamente, batia nos filhos, jogou água quente no marido, atirou-lhe pedras e negou-lhe acesso à casa etc. Em resposta às perguntas do defensor do réu, uma testemunha disse perante o Júri:

[...] que quando conheceu a vítima no início de 1994 o casal já estava separado; que após a separação a mulher passou a viver com os filhos mediante ajuda inclusive da servente do Caic e a depoente ouviu falar que anteriormente tinha havido uma briga entre ambos com a vítima jogando água quente no marido; que a vítima por ser muito dependente inclusive em decorrência do problema visual, quando ficava nervosa batia nos meninos... (AFGC. 2005, s/n. grifos nossos).

Conforme já ressaltei anteriormente, o abandono e as violências sofridas por Maria José - física, patrimonial e psicológica relatadas por duas testemunhas mulheres - não foram aprofundadas, sequer levadas em conta no processo, mas ao contrário foram enfatizadas determinadas atitudes dela que a moldam e a constitui perante o Júri e a sociedade como uma mulher violenta com o marido e os filhos e, por isso, teve como consequência uma morte igualmente violenta.

Estratégias discursivas como essas, de certa maneira, visam desqualificar a vítima, mas, ao mesmo tempo, estabelecem o “desvalor” da vida dessas mulheres e servem de justificativa para a impunidade, para as penas mais brandas ou para o fato de que são vidas que podem ser perdidas, sem que sejam lamentadas.

Nesse sentido, o conceito de vida precária proposto por Judith Butler (2016)BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. também nos auxilia a pensar sobre essas mortes. Orientando-se pela questão “o que é uma vida vivível?”, a autora argumenta que, para uma vida ser considerada perdida, precisa antes ser considerada viva. O que decide e qualifica uma vida vivível - e possibilita sua apreensão como tal - são os enquadramentos (epistemológicos, políticos, econômicos, de classe, de gênero, de raça etc.) que temos à nossa disposição, e, neles, a vida só é considerada como tal na medida em que é digna de ser enlutada. Ou seja, a vida só tem valor quando ela é passível de luto (BUTLER, 2016, p. 32BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). É também por meio desses enquadramentos que entendemos a precariedade da vida. Assim, afirmar que uma vida é precária significa não apenas apreendê-la como vida, mas também apreender a precariedade como um aspecto do que está vivo.

Para ser vivível, ressalta Butler, a vida exige apoio e condições possibilitadoras para que possa ser mantida como vida, isto é, depende, fundamentalmente, de “condições sociais e políticas, e não somente de um impulso interno para viver” (BUTLER, 2016, p. 40BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). Por isso, a condição precária designa uma condição politicamente induzida; trata-se de uma condição generalizada de todos que vivem em sociedade. Entretanto, essa condição se diferencia à medida que cada sociedade constitui historicamente um conjunto de ações, práticas, leis, organizações sociais e políticas com objetivo de “maximizar a precariedade para alguns e minimizar a precariedade para outros” (BUTLER, 2016, p. 41BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), o que equivale a decidir quais vidas são politicamente relevantes e que devem ser preservadas assim como quais não são consideradas “potencialmente lamentáveis”, logo, valiosas e, por isso, obrigadas “a suportar a carga da fome, do subemprego, da privação de direitos legais e da exposição diferenciada à violência e à morte” (BUTLER, 2016, p. 45-46BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.).

Trata-se exatamente das vidas de Maria José e de Raquel, considerando-se o modo como emergem nos processos analisados. Duas mulheres muito pobres, que moravam em bairros marginais da cidade conhecidos pela pobreza e pelas ações policiais, mulheres sem nenhuma fonte de renda, sobrevivendo graças à caridade alheia e que, muito provavelmente, não tinham acesso à direitos fundamentais básicos. Maria José, uma mulher “separada” e “muito dependente” por causa da sua deficiência visual; Raquel uma mulher “amasiada” possivelmente negra20 20 O termo “amasia” é uma forma pejorativa de se referia à mulheres que vivem com um companheiro sem o casamento formal. Não foi possível identificar no processo referências de forma explicita à raça ou cor da pele de Raquel. As fotografias do seu corpo anexadas ao processo pela perícia indica o tom de pele negra, entretanto, como adverte os peritos, o corpo quando encontrado já estava em elevado grau de decomposição o que pode alterar a cor. Faço menção à raça por essa é um dos elementos interseccionais que frequentemente colocam os sujeitos não brancos em posições de inferioridade e desigualdade. , que passou parte da vida trabalhando em carvoeira da região, lugar onde as denúncias de trabalho análogo à escravidão são frequentes, uma mulher viciada em “craque”, mendicante e que se prostituía por alguns trocados. Que utilidade teria essas mulheres para o Estado? Que importância elas tinham para a sociedade? Vidas como as de Raquel e de Maria José são vidas precárias, vidas nuas; vidas que, nos cálculos do poder, são consideradas perdidas e sem valor para a sociedade e para o Estado, portanto vidas que não precisam ser asseguradas, podendo ser devolvidas à morte.

Considerações finais

A tipificação do feminicídio e a fixação de penas mais elevadas para os feminicidas cumprem a importante função de chamar atenção, no âmbito da sociedade e no cotidiano das pessoas, para as relações assimétricas de poder historicamente instituídas que fundamentam esses crimes baseados em gênero21 21 Conforme o Parágrafo 7º art. 121 do Código Penal: “A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art121%C2%A77>. Acesso em 13 fev. 2019. . Mas, embora seja um dos países onde as mulheres mais morrem, o Brasil foi um dos últimos países na América Latina a criar uma lei específica sobre o feminicídio e também o que determinou as penas mais brandas. Ademais, a aprovação do texto final da lei indica um retrocesso em relação aos estudos e às discussões em torno desses crimes. Nele, o termo “gênero” foi substituído pelo termo “sexo feminino”, retirando significados e conotações culturais e históricas.

A lei do feminicídio foi uma resposta do Estado às pressões feministas e uma tentativa de proteger as mulheres, em um momento de ampliação e de reconhecimento de seus direitos no Brasil. Ela tem sido fundamental para nomear, reconhecer e dar visibilidade à violência de gênero, por séculos naturalizada e silenciada. Entretanto o poder de disciplina, de coerção e de punição não é suficiente para mudar comportamentos e valores. Para além de “corrigir” e de “punir”, é necessário mudar toda uma cultura, subverter representações de gênero que colocam o feminino como inferior, como posse, como utilitário, como submisso, como vidas que valem menos; é preciso romper com a estrutura de gênero e seu mandato de dominação, alterar profundamente relações de poder que, como procurei elucidar, por meio da análise dos dois processos-crime, fundamentam grande parte dos assassinatos de mulheres, seja em contexto de relações de afeto, seja em contextos de impessoalidade.

Os enunciados nos processos analisados; a tentativa de banalização dos crimes, de desqualificar as vítimas por seu comportamento fora dos enquadramentos de gênero; os silêncios impostos às mulheres e sobre violências sofridas por elas; as penas mais brandas; dentre tantas outras pistas deixadas não ao acaso nos processos; indicam como vidas a exemplo das de Maria José e de Raquel - e outras milhares de vítimas de feminicídio -, por trazerem em seus corpos violentados signos do feminino e de outros marcadores de exclusão social, são vidas menos valiosas. Espero, contudo, que os estudos a partir de processos-crime de assassinatos de mulheres ocorridos após a criação da lei do feminicídio apresentem alterações nesse quadro para que as mulheres possam começar de fato ter assegurado seu direito fundamental à vida.

Referências - Fontes Primárias

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    » http://www.mapadaviolencia.org.br/
  • 1
    Artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
  • 2
    Esses documentos integram um corpus maior que tem sido estudado no âmbito da pesquisa “Violência de gênero e biopolítica no norte de Minas” entre 1970 e 2015. Foram encontrados, no arquivo da vara de Execução do Tribunal do Júri do Fórum Gonçalves Chaves, comarca de Montes Claros, 75 processos de homicídios de mulheres ocorridos nesse período; desse total, dezessete apresentaram motivações de gênero que caracterizam os crimes de feminicídos, um dos objetos de estudo da pesquisa. Neste artigo optei por omitir os nomes dos réus e demais pessoas arroladas nos processos e manter somente o primeiro nome das vítimas.
  • 3
    São exemplos os clássicos O queijo e os vermes, de Carlos Ginzburg, e Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão, de Michel Foucault. No Brasil, cito como exemplo os trabalhos de Raquel Soihet, Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1989SOIHET, R. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.); de Martha Abreu Esteves, Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque (1989); de Boris Fausto, Crime e Cotidiano (1984); de Cristina Sheibe Wolff, Mulheres da Floresta: uma história (1999); de Sidney Chalhoub, Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque (2001), dentre vários outros importantes trabalhos.
  • 4
    Esses conceitos serão apresentados mais adiante.
  • 5
    O Mapa da violência é uma série de estudos realizados sob a coordenação de Julio Jacobo Waiselfisz, no âmbito da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), desde 1998, sobre a violência no Brasil entre 2003 e 2013. As taxas de homicídio de mulheres brancas caíram 11,9%: de 3,6 por 100 mil brancas, em 2003, para 3,2 em 2013. Em contrapartida, as taxas de homicídio das mulheres negras cresceram 19,5%, passando, nesse mesmo período, de 4,5 para 5,4 por 100 mil. Nessa década, o percentual de mulheres negras assassinadas é de 66% (Cf. WAISELFISZ, 2015WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/ >. Acesso em 30 nov. 2016.
    http://www.mapadaviolencia.org.br/...
    ).
  • 6
    A partir de 2013, como resultado das Conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher, a ONU passou a recomendar aos países membros reforçarem suas legislações nacionais para punir os assassinatos violentos de mulheres por razões de gênero. É a primeira vez que a palavra feminicídio aparece em documento dessa natureza na ONU. Na América latina, além do Brasil, outros 14 países criaram leis específicas sobre o feminicídio: México e Costa Rica (2007), Colômbia e Guatemala (2008), Panamá (2011), Chile e El Salvador (2012), Peru (2011), Argentina e Nicarágua (2012), Honduras e Bolívia (2013), Venezuela e Equador (2014). Para discussões sobre o feminicídio na América Latina, conferir, dentre outros, SEGATO (2016SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016.); VÁSQUEZ (2014VÁSQUEZ, P. T. Femicido/Feminicidio. Buenos Aires: Didot, 2014.; 2015VÁSQUEZ, P. T. Movimiento de mujeres, derechos humanos y tipificación del femicidio/feminicídio em Latinoamérica. In: FEMENÍAS, M. L. (comp.). Violencias cruzadas: miradas y perspectivas. Rosario (AR): Prohistoria, 2015, pp. 25-46.); MUÑOZ-NÁJAR (2017MUÑOZ-NÁJAR, T. Morrir de amor: un reportaje sobre el feminicídio en el Perú. Lima: Aguilar, 2017.); ATENCIO (2015ATENCIO, G. (ed.). Feminicidio: de la categoria político-jurídica a la justicia universal. Madrid: Catarata, 2015.); WAISELFISZ (2015WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/ >. Acesso em 30 nov. 2016.
    http://www.mapadaviolencia.org.br/...
    ).
  • 7
    Para uma história do “crime passional” e da “legítima defesa da honra” no Brasil, consultar CORRÊA (1981CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História).; 1983CORRÊA, M. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.).
  • 8
    Conforme Wânia Pasinato (2011PASINATO, W. Feminicídios e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu (37), jul./dez. 2011, pp. 219-246.), em 1976 a socióloga feminista Diana Russel usou pela primeira vez o termo femicídio perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas (PASINATO, 2011, p. 223). Ainda segundo essa autora, na América Latina as feministas optaram pelo termo feminicídio a partir das contribuições da deputada mexicana Marcela Lagarde, para quem o termo femicídio, ao ser traduzido para o espanhol, perde força (PASINATO, 2011PASINATO, W. Feminicídios e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu (37), jul./dez. 2011, pp. 219-246., p. 232). Além disso, o termo feminicídio também é usado para enfatizar a impunidade e a responsabilidade do Estado nesses crimes.
  • 9
    Dados do Diagnóstico de Violência doméstica e familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de MG. 2015-2017. Belo Horizonte, mar. 2018. Segundo a Secretaria responsável pelo estudo, os dados contemplam somente a primeira hipótese do feminicídio - violência doméstica e familiar contra a mulher -, pois “a segunda hipótese, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ainda não pode ser quantificada pela falta de filtros técnicos próprios a causa presumida específica”. (Diagnóstico de Violência doméstica e familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de MG, 2015-2017, p. 93).
  • 10
    Consistem em um elevado número de assassinatos sistemáticos e em desaparecimento de centenas de mulheres, em especial de trabalhadoras, sem que a polícia tenha resolvido os casos. Dentre os estudos sobre esses assassinatos, conferir SEGATO (2005SEGATO, R. L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas. Florianópolis, 13(2), maio-ago. 2005.). O filme A cidade do silêncio (Bordertown) de 2006, protagonizado pela atriz Jennifer Lopez, é baseado nesses casos de Ciudad Juarez.
  • 11
    A estratégia da defesa durante todo o processo foi argumentar sobre a insanidade mental do réu, sob o argumento de que ele não tinha noção do crime que havia cometido, justamente por isso “propagou [o crime] aos quatro ventos”. Foi solicitada uma perícia médico-psiquiátrica que atestou a sanidade do réu; mesmo assim, a defesa continuou usando a tese da insanidade, tentando provar que ele já havia feito tratamento psicológico na infância e que já tomou remédios controlados.
  • 12
    No dia 16 de setembro 2018, Elaine Figueiredo Lacerda foi executada com cinco tiros pelo ex-marido na porta da sua casa em Montes Claros (MG). As câmeras de segurança da rua filmaram toda a ação, que foi veiculada por vários telejornais nacionais. Em entrevista a uma repórter local, o assassino, que fugiu, mas foi preso horas depois pela política, disse sem nenhum constrangimento: “[...] esse é um recado para todas as esposas cuidar e acarinhar seu esposo e ter um bom diálogo”. O vídeo também circulou em redes sociais, como o WhatsApp.
  • 13
    A tradução é minha: “[...] seria possível sustentar que todos e cada um dos crimes de gênero têm uma dimensão de impessoalidade e de antagonismo genérico emanada da estrutura de poder hierárquica e patriarcal. Essa estrutura, que denominamos ‘relações de gênero’, é, por si mesma, violentogênica e potencialmente genocida, pelo fato de que a posição masculina só pode ser alcançada - adquirida como status - e reproduzir-se como tal exercendo uma ou mais dimensões de um pacote de potências, isto é, de formas de domínio entrelaçadas: sexual, bélica, intelectual, política, econômica e moral. Isso faz com que a masculinidade como atributo deva ser comprovada e reafirmada ciclicamente [...]. O recurso à agressão, portanto, mesmo no ambiente doméstico, implica a suspensão de qualquer outra dimensão pessoal do vínculo para dar lugar a um afloramento da estrutura genérica e impessoal do gênero e seu mandato de dominação” (SEGATO, 2016SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid/Argentina: Traficantes de Sonhos, 2016., p. 142).
  • 14
    Júlio Jacob Waiselfisz, autor do Mapa da violência no Brasil de 2015, sobre as mortes de mulheres, aponta, em suas conclusões, que exatamente a impunidade é uma das principais causas do número cada vez mais elevado de feminicídio. Para ele, “[...] cada país tem o número de feminicídio que decide politicamente ter, assim como o número de condenações por essa agressão”. (WAISELFISZ, 2015WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/ >. Acesso em 30 nov. 2016.
    http://www.mapadaviolencia.org.br/...
    , p. 76).
  • 15
    Ainda conforme os registros de Mariza Corrêa, as mulheres começaram ser alistadas para o corpo de jurados dos tribunais populares efetivamente a partir de 1970, mesmo assim poderiam ser dispensadas aquelas que exerciam função pública e que provassem ser o serviço do júri difícil em decorrência de suas atividades domésticas (cf. CORRÊA, 1981CORRÊA, M. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981 (coleção Tudo é História)., p. 28).
  • 16
    O caso do parricida Pierre Rivière é um exemplo desses chamados “crimes sem motivos” (Cf. FOUCAULT, 1977FOUCAULT, M. (coord.). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. 7 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.).
  • 17
    Isto é, o fato de que alguém não poderia arcar com a sua responsabilidade civil e com o pagamento de danos em decorrência de um acidente/crime causado por uma falta mínima, como desatenção ou negligência. Conforme Foucault, duas coisas importantes surgiram no século XIX, “[...] com o desenvolvimento do assalariamento, das técnicas industriais, da mecanização, dos meios de transporte, das estruturas urbanas [...]: primeiramente, os riscos que se faziam correr terceiros” (como o empregador a seus empregados expondo-os à acidente de trabalho); a segunda é “o fato de que os acidentes poderiam estar relacionados a uma falta mínima, uma causa que independe da vontade daquele que comete (FOUCAULT, 2004FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). , p. 20). A responsabilidade sem culpa, observa Foucault, “deve ser estabelecida de acordo não com a série de erros cometidos, mas com o encadeamento das causas e efeitos” (FOUCAULT, 2004FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). , p. 20-21).
  • 18
    No processo, não consta a sentença escrita do juiz, somente a ata do Tribunal do Júri com a condenação.
  • 19
    A noção de biopoder é introduzida por Foucault no último capítulo da História da sexualidade, v.1; “Direito de morte e poder sobre a vida”, em que o autor assinada uma transformação profunda nos mecanismos de poder a partir do século XVII: o poder soberano de causar a morte vai ser substituído pelo poder de causar a vida ou devolver à morte. “A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida” (FOUCAULT, 1988FOUACULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. In: História da Sexualidade, v.1. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Alburquerque. 11 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 131). Essa noção de biopoder e de biopolítica foram posteriormente aprofundadas em suas aulas no Collège de France (1977-1978), publicadas no livro Segurança, território e população (2004FOUCAULT, M. A Evolução da Noção de “Indivíduo Perigoso” na psiquiatria Legal do século XIX. In: MOTTA, M. B. da (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 1-25 (Coleção Ditos & Escritos, vol. V). ).
  • 20
    O termo “amasia” é uma forma pejorativa de se referia à mulheres que vivem com um companheiro sem o casamento formal. Não foi possível identificar no processo referências de forma explicita à raça ou cor da pele de Raquel. As fotografias do seu corpo anexadas ao processo pela perícia indica o tom de pele negra, entretanto, como adverte os peritos, o corpo quando encontrado já estava em elevado grau de decomposição o que pode alterar a cor. Faço menção à raça por essa é um dos elementos interseccionais que frequentemente colocam os sujeitos não brancos em posições de inferioridade e desigualdade.
  • 21
    Conforme o Parágrafo 7º art. 121 do Código Penal: “A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art121%C2%A77>. Acesso em 13 fev. 2019.
  • DECLARAÇÃO DE FINANCIAMENTO

    Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2019
  • Aceito
    26 Out 2019
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