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A abdicação de Vetranião (350 d.c.) e os resquícios do modelo Tetrárquico

The abdication of Vetranio (AD 350) and the remains of the Tetrarchic model

RESUMO

O presente artigo se volta para o efêmero reinado de Vetranião (março a dezembro de 350), governante aclamado pelos soldados estacionados nas províncias da Ilíria. Elevado à púrpura em meio a um contexto de crise política que marcou o início da década de 350, Vetranião tem sido tradicionalmente retratado como um “usurpador” que ascendeu ao imperium a fim de atender aos interesses da dinastia constantiniana. Diante disso, este trabalho se assenta sobre um duplo viés: por um lado, buscar-se-á reavaliar o reinado de Vetranião a partir de dois tipos monetários emitidos pelo imperador. Por outro, será assinalada em que medida a ascensão de Vetranião pode ser pensada como uma experiência política cuja legitimidade teria sido construída sobre as bases do sistema tetrárquico forjado por Diocleciano meio século antes.

Palavras-chave
Vetranião; Constâncio II; numismática

ABSTRACT

The paper deals with the short reign of Vetranio (March to December 350), a ruler acclaimed by the regional field army of Illyricum. Considering the political crisis that took place in the beginning of the 350’s, Vetranio has usually been regarded as an “usurper” who was elevated to the throne to support the Constantinian house. Thus, the aim of the paper is twofold: on one hand, it attempts to reassess Vetranio’s rule by analyzing two monetary types issued by his mints. On the other hand, it points out how his rise to power can be understood as a political experiment whose legitimacy had been built on the principles of the Tetrarchic system instituted by Diocletian half a century earlier.

Keywords
Vetranio; Constantius II; numismatics

No dia primeiro de maio de 305, o imperador Diocleciano ordenou que soldados e oficiais militares se reunissem em um determinado local nos arredores de Nicomédia, na Bitínia. Discursando para a assembleia militar, ele anunciaria que abdicava do poder, forçando o outro Augusto, Maximiano, a igualmente fazê-lo. Diz Lactâncio (De mort. pers. 19.3) que Diocleciano, adoentado, alegou que confiaria o imperium a homens “mais fortes” do que ele. Assim, pela primeira vez na história romana, um imperador abandonava a cena política de modo voluntário, retirando-se para um palácio localizado em Split, no litoral da Dalmácia.

Quatro décadas e meia mais tarde, um episódio similar teria se desenrolado. Conta-se que os imperadores Vetranião e Constâncio II encontraram-se em Naiso, na Dácia Mediterrânea, na data de 25 de dezembro de 350. Na ocasião, ambos se dirigiram aos respectivos exércitos que comandavam, os quais haviam sido ali postados. Diante dessa espécie de assembleia militar, Constâncio II teria proferido um discurso tão eloquente a ponto de persuadir os soldados de Vetranião a deporem suas armas. Em seguida, Vetranião teria formalmente abdicado de seu poder, ao passo que Constâncio II conceder-lhe-ia uma opulenta propriedade fundiária em Prusa (Bitínia), para onde Vetranião se recolheria e, ao que parece, viria a falecer seis anos mais tarde.1 1 Há uma quantidade razoável de fontes literárias tardo-antigas que abordam a figura de Vetranião. A despeito disso, não há narrativa alguma que forneça um relato mais sistematizado sobre o reinado desse imperador (o qual foi, no geral, retratado como um “usurpador”). Dentre os textos mais relevantes, enumeram-se as Histórias abreviadas (Sobre os Césares), de Aurélio Vítor (elaboradas entre 360-361), a História Eclesiástica, de Filostórgio (datada por volta de 430) e a História Nova, redigida por Zósimo na virada do século V para o VI.

Entre os dois atos de abdicação, situava-se a dinastia constantiniana. Não nos cabe examinar os pormenores que dizem respeito à formação dos vários colegiados imperiais que se seguiram nos anos posteriores ao final da chamada Primeira Tetrarquia, encerrada, pois, com o ato de Diocleciano em 305. Salientemos, todavia, que entre aquele ano e 350 não houve um único período sequer em que o imperium tivesse sido exercido por somente um soberano. Ao término das guerras civis que opuseram Constantino e Licínio em 324, a sociedade romana ainda se situaria sob a égide de vários e simultâneos purpurati, no seio de um arranjo orientado, porém, para um indivíduo apenas. Isto é, Constantino dispunha da condição superior de Augusto, ao passo que seus três filhos - e, entre 335 e 337, também um de seus sobrinhos-netos - usufruiriam de autoridade, enquanto Césares, sobre diferentes partes do Império. Tamanha partilha do poder haveria de se sustentar sobre laços de sangue, ao contrário do modelo tetrárquico formulado por Diocleciano, em que a associação entre os imperatores se fundamentava sobre os méritos militares de cada um;2 2 Não se pode ignorar o fato de que a adoção dos Césares, Galério e Constâncio Cloro, por parte dos Augustos Diocleciano e Maximiano, respectivamente, servia para legitimar a construção do colegiado formado pelos referidos governantes a partir de 293; neste sentido, aos predicados militares se adicionavam vínculos de parentesco entre os Augustos e os Césares mediante os quais se assentava a partição do poder e ordenavam-se os rumos da política sucessória. Para tanto, ver Ana P. Franchi (2016, p. 133-134). sendo assim, Constantino privilegiou o preceito da sucessão hereditária comumente observado na história romana desde a época dos Júlio-Cláudios (FRAKES, 2006FRAKES, Robert M. The dynasty of Constantine down to 363. In: LENSKI, Noel (ed.). The Cambridge companion to the age of Constantine. New York: Cambridge University Press, 2006. p. 91-107., p. 95).

Desse modo, o exercício colegiado do poder na primeira metade do século IV oscilava entre a existência de uma clara hierarquia e subordinação entre os corregentes (vide os exemplos da Primeira Tetrarquia ou de Constantino e seus familiares) e uma relação mais ou menos paritária e horizontal - como nos casos envolvendo Constantino e Licínio entre 313 e 324 (embora permeada por confrontos entre ambos e pelo fortalecimento da posição de Constantino a partir de 317), bem como da “diarquia” entre Constâncio II e Constante na década de 340.

No entanto, em janeiro de 350 novos agentes emergiriam para o primeiro plano da política imperial. No dia 18 daquele mês, altos funcionários civis e parte dos oficiais militares que encabeçava as tropas galo-romanas aclamaram Magnêncio como Augusto, na cidade de Autun. À época, o território imperial era governado por dois dos filhos de Constantino: o mais velho dentre eles, Constâncio II, administrava as províncias a Oriente e, naquele momento, voltava suas atenções para a Mesopotâmia romana, dado que o importante centro urbano de Nísibis havia sido sitiado mais uma vez pelos persas. Por seu turno, a Constante competia governar os dois terços restantes do território imperial, situados no Ocidente, abrangendo assim toda a fronteira renana e boa parcela do limes danubiano. Entretanto, após a eclosão da revolta de Magnêncio, Constante seria assassinado pelos partidários do rebelado.

Em poucas semanas, a maioria das províncias ocidentais foi controlada por Magnêncio. Em fins de fevereiro de 350, o novo imperador havia consolidado sua posição nas áreas do Reno, ao passo que seus apoiadores rapidamente asseguraram o controle do norte da Itália e de outras áreas no interior da península. Contudo, em primeiro de março, as forças militares do Ilírico aclamaram seu comandante (magister peditum per Illyricum), de nome Vetranião, como imperador. Os territórios sob domínio de Vetranião correspondiam, grosso modo, às regiões abarcadas pela prefeitura do pretório da Ilíria, abrangendo as dioceses da Panônia, da Dácia e da Macedônia.

Assim sendo, a partir de março de 350 o mundo romano contava com três imperadores: Magnêncio, à frente da maior parte das regiões ocidentais, incluindo a Itália; Vetranião, na Ilíria; e Constâncio II, cuja autoridade recaía diretamente sobre o Oriente. Para nossos propósitos, interessa-nos questionar, por ora, os motivos que subjazem à elevação de Vetranião. Isto nos conduz ao tópico a seguir.

Vetranião, o leal usurpador

As fontes literárias tardo-antigas, assim como a crítica historiográfica contemporânea, tomam Vetranião como um “usurpador”, de maneira que o poder imperial competiria, de forma “legítima”, a Constâncio II. Nesses termos, a abdicação e o exílio de Vetranião, cuja vida havia sido poupada por Constâncio II, destoavam daquilo que Gilvan V. da Silva (1996SILVA, Gilvan Ventura da. Política e propaganda no Baixo Império: um aspecto da reação imperial às usurpações. História Revista, Goiânia, v. 1, n. 1, p. 71-81, 1996., p. 74) define como o “padrão de gerenciamento que predominou [na Antiguidade romana] no caso das usurpações”: quer dizer, o emprego da força física a fim de eliminar rivais, efetivos ou presumidos, que porventura disputassem o imperium. Deste modo, o desfecho da revolta de Vetranião assume feições deveras surpreendentes. O caráter singular do evento conduz, logo, à conclusão de que o relato tradicional acerca da abdicação do imperador obliteraria a verdadeira natureza da rebelião em si: ou seja, Vetranião havia tomado o poder devido a uma trama orquestrada em benefício do filho de Constantino3 3 Em Filostórgio (3.22), lemos que Constantina, irmã de Constâncio II, teria coroado Vetranião como César por temer que Magnêncio se assenhoreasse de tudo. Constâncio II, ao tomar ciência do fato, teria enviado um diadema a Vetranião em reconhecimento a sua posição. Por outro lado, Zósimo (2.44.2) registrou que Vetranião e Magnêncio haviam entabulado negociações entre si, ao passo que o próprio Filostórgio (3.22; 3.24) alegaria que Vetranião teria demonstrado alguns “sinais de traição” em relação a Constâncio II. , algo que esclareceria por qual motivo Constâncio II poupou a vida de seu adversário, permitindo-lhe que passasse o restante de seus dias sem maiores tribulações.

Dito de outra maneira, os vestígios relativos à abdicação de Vetranião condicionam o modo pelo qual se atribuem sentidos ao reinado do imperador em questão - algo que se soma, igualmente, à escassez de informações acerca dos dez meses em que Vetranião exerceu o poder na Ilíria. É por isso que autores como David Hunt (1998HUNT, David. The successors of Constantine. In: CAMERON, Averil; GARNSEY, Peter (eds.). The Cambridge Ancient History. v. XIII (The Late Empire A.D. 337-425). Second edition. Cambridge/New York: Cambridge University Press , 2007 [1998]. p. 1-43., p. 15-17) asseguram que a aclamação de Vetranião deve ser compreendida “as a loyalist move aimed at countering any extension of Magnentius’ empire”; tratar-se-ia, em suma, de um “golpe dinástico”, do que a deposição perante os soldados “reforçaria a impressão” de que Vetranião figurou como um “conveniente instrumento” a serviço da casa constantiniana. Essa communis opinio historiográfica se observa também em Timothy D. Barnes (1993BARNES, Timothy D. Athanasius and Constantius. Theology and politics in the Constantinian Empire. Cambridge, MA/London: Harvard University Press, 1993., p. 101), que argumenta que a aclamação de Vetranião por parte de seus comandados, em face do avanço do exército de Magnêncio rumo à Ilíria e escudada pelo auxílio oferecido pela irmã de Constâncio II, visava somente prevenir a eclosão de um movimento similar ao de Magnêncio, isto é, de uma revolta que efetivamente desafiava a autoridade de Constâncio II.

Trabalhos especificamente voltados para a análise dos processos de usurpação que tiveram lugar durante a Antiguidade Tardia também corroboram, geralmente, tal panorama. É o caso, por exemplo, do estudo de Sandra Seibel (2004SEIBEL, Sandra. Typologische Untersuchungen zu den Usurpationen der Spätantike. 2004. 240 f. Tese (Doutorado em Alte Geschichte). Universität Duisburg-Essen, Fakultät 2 - Geisteswissenschaften, Duisburg, 2004.). A autora classifica Vetranião como “instrumento da dinastia reinante”, pois que, ao contrário de Magnêncio, não configuraria real ameaça à posição de Constâncio II (SEIBEL, 2004SEIBEL, Sandra. Typologische Untersuchungen zu den Usurpationen der Spätantike. 2004. 240 f. Tese (Doutorado em Alte Geschichte). Universität Duisburg-Essen, Fakultät 2 - Geisteswissenschaften, Duisburg, 2004., p. 13-14). Ainda que Vetranião se posicionasse como pretendente ao poder imperial, a iniciativa pela rebelião teria competido a Constantina e Vulcácio Rufino, então prefeito pretoriano da Ilíria, que agiram tendo em vista os interesses da dinastia constantiniana, de modo que a Vetranião caberia apenas a condição de “regulador” das tensões envolvendo Magnêncio e Constâncio II (SEIBEL, 2004SEIBEL, Sandra. Typologische Untersuchungen zu den Usurpationen der Spätantike. 2004. 240 f. Tese (Doutorado em Alte Geschichte). Universität Duisburg-Essen, Fakultät 2 - Geisteswissenschaften, Duisburg, 2004., p. 97).

Diante do exposto, julgo pertinente salientar três aspectos. Em primeiro lugar, a ascensão de Vetranião é forçosamente entendida em paralelo à aclamação de Magnêncio. De fato, parece inegável que ambas as ações guardem relação entre si. No entanto, se Vetranião tomou o poder a fim de impedir o avanço das legiões de Magnêncio ou para garantir que a soldadesca no Ilírico não aderisse à causa daquele e se mantivesse leal à dinastia de Constantino, torna-se difícil aclarar por qual razão 40 dias se passaram entre as elevações de Magnêncio e Vetranião (DRINKWATER, 2000DRINKWATER, John F. The revolt and ethnic origin of the usurper Magnentius (350-353) and the rebellion of Vetranio (350). Chiron, München, v. 30, p. 131-159, 2000., p. 147).4 4 Fernando López Sánchez (2002, p. 45, 48) oferece conclusão similar, porém assevera que a revolta de Vetranião deve ser entendida, de modo efetivo, como reação do exército do Danúbio diante do imperador proclamado nas Gálias: “Vetranião não reage em favor de Constâncio II, mas antes por conta da possibilidade de uma invasão do Ilírico” Zósimo (2.42.4) informa que destacamentos das forças de cavalaria estacionadas na Ilíria haviam apoiado o movimento liderado por Magnêncio. Mesmo que desconsideremos a passagem reportada por Zósimo, soa contraproducente supor que se levassem quase seis semanas para que as notícias sobre Magnêncio fossem de conhecimento da burocracia civil e militar residente nas cidades ilíricas.

Mais importante ainda, John F. Drinkwater (2000DRINKWATER, John F. The revolt and ethnic origin of the usurper Magnentius (350-353) and the rebellion of Vetranio (350). Chiron, München, v. 30, p. 131-159, 2000., p. 148) questiona a hipótese de que a ação de Vetranião teria impossibilitado a passagem das tropas de Magnêncio rumo às províncias danubianas. Na verdade, comunidades itálicas próximas às regiões ilíricas (caso de Aquileia, por exemplo) se listavam entre aquelas que deram suporte ao novo Augusto ocidental desde os primeiros tempos de seu reinado. Uma extensão do poder de Magnêncio em direção à Panônia, a partir do extremo nordeste da Península Itálica, configurava uma possibilidade real, independente de eventuais ações que Vetranião pudesse empreender. Por isto, Drinkwater conclui que Magnêncio e seus oficiais não objetivavam assenhorear-se de todo o território anteriormente administrado pelo falecido Constante.5 5 Peter Kos (2013, p. 246, 251, 259) sinaliza que, à época de Magnêncio, houve um fortalecimento e ampliação do denominado Claustra Alpium Iuliarum, sistema de defesa linear que se estendia ao longo dos Alpes Julianos, área montanhosa localizada justamente entre o nordeste da Itália e o Ilírico.

Em segundo lugar, faz-se oportuno enfatizar que Constâncio II jamais reinara sobre as áreas ilíricas. Embora fosse, por coincidência, natural da Ilíria - nascido em agosto de 317 na cidade de Sírmio -, ao que parece Constâncio II não dispôs de grandes vínculos com tal região do Império. Sua elevação ao cesarado deu-se em novembro de 324, em Nicomédia; aos 16 anos, o imperador já havia se estabelecido no Oriente, escolhido por seu pai para representá-lo junto à fronteira persa6 6 Quanto a isso, ver Javier Arce (1979, p. 71). . Reputo, pois, que se trata de um equívoco avaliar que, depois da morte de Constante, o exército ilírico-romano naturalmente houvesse de se mostrar leal a Constâncio II. A despeito de perspectivas, de matriz bíblico-judaica, que faziam do poder imperial um patrimônio da família constantiniana, o processo de legitimação do soberano não se desenrolava em termos unidirecionais - para não mencionar o fato de que essa retórica patrimonialista emanava de indivíduos que pertenciam às cortes de Constantino e de seus filhos.7 7 Ignazio Tantillo (1998, p. 258-259) mostra como, no decorrer do reinado de Constantino, se formularam percepções que impulsionaram uma justaposição entre “império” e “bem privado”. Essas representações do Império romano como pertencente aos constantinianos, “pela vontade de uma divindade que pensa e age por meio de uma perspectiva dinástico-patrimonial”, teriam se consolidado nos anos 350, momento em Constâncio II restava como o único dos filhos de Constantino a manter-se vivo.

Dessa forma, a emergência de novos postulantes à púrpura, no ano de 350, relacionava-se com uma fraqueza estrutural inerente às estruturas de poder forjadas por Diocleciano e Constantino (FRAKES, 2006FRAKES, Robert M. The dynasty of Constantine down to 363. In: LENSKI, Noel (ed.). The Cambridge companion to the age of Constantine. New York: Cambridge University Press, 2006. p. 91-107., p. 100, 103). Quer dizer, o sistema colegiado de poder - quer se pautasse tanto nos predicados militares (Primeira Tetrarquia), quanto nas relações consanguíneas (sob Constantino) - manter-se-ia estável somente na medida em que houvesse um imperador que desfrutasse de sólida posição e autoridade, a encimar-se sobre os demais.

Finalmente, as fontes literárias que se voltaram para a questão responderam, basicamente, ao desafio de conferir inteligibilidade não à revolta em si, mas antes ao incomum desfecho do reinado de Vetranião. Por conta disso, opto por privilegiar um conjunto de evidências de natureza distinta: amoedações produzidas em Siscia, onde se encontrava um dos ateliês monetários sob a autoridade de Vetranião entre março e dezembro de 350.

A emissão de moedas em nome de Vetranião configura, por si só, um dado relevante. Todo indivíduo que reivindicasse o imperium buscava controlar as casas monetárias localizadas nas regiões em que exercesse sua potestade. Para Clifford Ando (2000ANDO, Clifford. Imperial ideology and provincial loyalty in the Roman Empire. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 2000., p. 215-216), isso ilustrava o quão corrente era a noção de que a cunhagem de moedas consistia em um meio pelo qual as cortes imperiais poderiam publicizar seus interesses políticos mais imediatos e, tão importante quanto, tornava possível remunerar os soldados por intermédio de numário que portasse, pois, os nomes e os bustos dos governantes a quem as tropas deveriam jurar fidelidade. Além disso, Olivier Hekster (2011HEKSTER, Olivier. Imagining gaps. Reality gaps in the Roman Empire. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/1872208/Imagining_Power_Reality_Gaps_in_the_Roman_Empire Acesso em: 8 ago. 2017.
https://www.academia.edu/1872208/Imagini...
, tradução nossa) adverte que “o poder imperial era assinalado por meio da cunhagem imperial. As imagens nas moedas tanto refletiam tal poder como de alguma forma também o definiam e construíam-no [...]. [Mas golpes de Estado] fracassam sem posterior apoio militar. Criar imagens do poder não era suficiente sem apoio armado”.

A necessidade premente de garantir apoio militar auxilia-nos, de imediato, na compreensão das duas séries monetárias selecionadas para o presente artigo. Os reversos ostentam, respectivamente, as legendas CONCORDIA MILITVM e HOC SIGNO VICTOR ERIS e teriam sido batidas nos meados do ano de 350. A escolha de ambas se deve ao fato de que foram igualmente cunhadas para Constâncio II e, ao mesmo tempo, por contemplarem alguns elementos iconográficos pouco usuais, o que confere certa originalidade a tais moedas.8 8 A seleção dos objetos norteou-se por sua indicação no oitavo volume do Roman Imperial Coinage (RIC).

Nesses termos, apresentemos a seguinte peça:

Figura 1.1.
Denominação: Maiorina9 9 A desvalorização das moedas de bronze, que redundou em várias reformas monetárias durante o século IV, nos traz alguns problemas de nomenclatura. Em fins da década de 310, introduziu-se um novo bronze nos centros monetários sob a autoridade de Constantino no Ocidente. Tal peça tinha peso aproximado de três gramas e, ao que parece, foi chamada de centenionalis. Todavia, com o passar dos anos também sofreu diminuição em seu tamanho e peso. Em 348, Constante e Constâncio II promoveram nova reforma do numário em bronze, o que acarretou na criação de bilhões denominados maiorinae, com dois pesos padrão (aproximadamente 5.2 e 4.5 gramas) e peças divisionárias por volta de 2.6 gramas. Manteve-se, porém, a produção dos antigos centenionales, cujo peso passou a ser de 2.4 gramas. Para tanto, ver David R. Sear (2000, p. 24) e Ian J. Sellars (2013, p. 561-562). - Diâmetro: 22 mm - Referência: RIC VIII 281.

Descrição da iconografia

Anverso: D N VETRA_NIO P F AVG.

A legenda atesta a titulação de Vetranião, isto é, Augusto. O busto do imperador representa-o com barba e cabelos curtos, à maneira militar. Voltado à direita, o busto mostra-se laureado, couraçado e drapeado.

Reverso: CONCORDIA_MILITVM.

O reverso contém uma figura com indumentária militar, voltada à esquerda. Em ambas as mãos, porta um lábaro, quer dizer, o estandarte militar encimado pelo cristograma ou sinal de Constantino (☧). No exergo, lê-se a inscrição ∆SIS, ladeadas por um ponto e uma estrela: trata-se da marca de identificação do local de cunhagem (Siscia), ao passo que a letra grega “delta” remete à quarta officina monetae, responsável pela confecção da moeda. Outra estrela se nota por cima da cabeça da figura estampada no reverso. Por fim, a presença da letra “A” se observa à esquerda no campo, tanto no anverso quanto no reverso: por meio disto, atestava-se o valor da moeda (SELLARS, 2013SELLARS, Ian J. The monetary system of the Romans. A description of the Roman coinage from early times to the reform of Anastasius. 2013 [Ebook]., p. 562).

Lancemos luz sobre mais um exemplar:

Figura 1.2.
Denominação: Maiorina - Diâmetro: 21 mm - Referência: RIC VIII 284.

Descrição da iconografia

Anverso: D N CONSTAN_TIVS P F AVG.

Reverso: CONCORDIA_MILITVM.

De imediato, salientemos as diferenças iconográficas entre as Figuras 1.1 e 1.2: o anverso apresenta um busto de Constâncio II imberbe, com aspecto assaz jovial, mesmo estilizado. Ademais, a efígie contém um signo comum às realezas na orla mediterrânica, qual seja, o diadema (no caso, perolado e com gema frontal). Os ícones presentes no reverso são rigorosamente os mesmos que se notam na cunhagem em nome de Vetranião, com exceção do exergo, cuja inscrição se faz acompanhar por dois pontos.

Ora, o fato de as casas monetárias sob a autoridade de Vetranião terem cunhado moeda para Constâncio II não pode senão ser tomado como algo significativo. Mas em qual sentido? Alan Dearn (2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003.) sustenta, justamente, a hipótese de que as diferenças iconográficas entre os retratos de Vetranião e Constâncio II manifestariam um deliberado discurso de subordinação do primeiro perante o segundo. As nítidas distinções entre os bustos presentes nas Figuras 1.1 e 1.2, escreve Dearn (2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003., p. 179), resultavam da forma como “Vetranião desejava ser visto em relação a Constâncio II”. Essas diferenças sumarizam-se por meio de dois elementos principais. O primeiro diz respeito à ausência de semelhança entre as efígies que estampam os anversos. Constâncio II denota aparência pouco natural, quase abstrata, retratado à maneira da família constantiniana, com destaque para o nariz aquilino e a ausência de barba. Logo, tratava-se de uma forma de representação consoante com a iconografia dinástica dos Constantinianos, cujas características foram razoavelmente definidas por volta de 310, após o falecimento de Maximiano.10 10 Jonathan Bardill (2012, p. 11) ressalta que, após o ano de 310, as formas de representação pública acerca de Constantino denotaram um esforço no sentido de diferenciá-lo do sistema tetrárquico que o precedia.

Por outro lado, continua Dearn, os regalia utilizados para Constâncio II e Vetranião, respectivamente o diadema perolado e a coroa de louros, exprimiriam uma consciente relação de subordinação entre ambos. A partir de 325 - quando Constantino já governava na condição de único Augusto, depois da vitória obtida sobre Licínio em Crisópolis -, o diadema passaria a configurar o símbolo por excelência do soberano dotado de maior autoridade, relegando-se a coroa de louros às representações iconográficas dos Césares, quais sejam, dos filhos de Constantino, até o falecimento deste em maio de 337 (DEARN, 2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003., p. 181).

Nesses termos, Dearn (2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003., p. 181-182) conclui que os bustos de Vetranião, como observados nos anversos da série CONCORDIA MILITVM, visavam salientar a posição inferior daquele, uma vez que não contavam com os traços próprios da dinastia constantiniana. Estaríamos diante de um modo de (auto)representação por meio do qual se asseverava a impossibilidade de Vetranião no sentido de comungar uma “ideologia de coesão dinástica”, expressa nos anversos das moedas produzidas para Constâncio II mediante determinadas características físicas e pelo emprego do diadema. Em suma, a ausência de similitudo entre os bustos de Vetranião e Constâncio II proclamaria a relação desigual e de subordinação entre ambos os purpurati.

Em que pese a fundamentação dos argumentos formulados por Dearn, julgo que seja plausível conferir outro significado à inexistência de similitudo entre as efígies apresentadas e ao potencial discurso que transmitiam. Para tanto, recorro a peças cunhadas em três momentos distintos: nos primórdios da diarquia de Diocleciano e Maximiano na década de 280, sob Magnêncio (ou seja, em época simultânea ao reinado de Vetranião) e, finalmente, sob Juliano depois de sua aclamação como Augusto.

Iniciemos com os diarcas. Aurei cunhados em Lyon, provavelmente no ano de 286, continham bustos de Diocleciano no anverso e de Maximiano no reverso.11 11 Ver RIC V/II 334(D). A cunhagem dos dois retratos em uma mesma peça, somada a um estilo semelhante de composição (os dois ostentam barba e cabelos curtos, a coroa de louros e indumentária militar), pode ser lida nos termos da ideologia da concordia promovida à época. Ao mesmo tempo, os traços físicos dos soberanos são claramente diferenciados (testa, bochecha, nariz, olhos), a fim de enfaticamente distingui-los entre si. Dessa forma, realçava-se uma similitude dos soberanos no que respeitava às virtudes que se associariam a ambos; por seu turno, “[...] a falta de similitudo naquelas características [físicas] serve para confirmar a ausência de consanguinitas entre os imperadores” (REES, 2002REES, Roger. Panegyric X(2). In: REES, Roger. Layers of loyalty in Latin Panegyric AD 289-307. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 27-67. , p. 58-60, tradução nossa).

Faz-se oportuno mencionar que os áureos batidos em Lyon denotam um momento prévio do emprego do “ideal de similaridade” nas formas artísticas que marcaram o período tetrárquico. Hans P. L’Orange (1972L’ORANGE, Hans P. Art forms and civic life in the Late Roman Empire. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1972. [1965], p. 46-47) ensina que as modalidades de representação dos diarcas/tetrarcas passaram a se definir por uma crescente busca pela perfeita similitudo que incidia, inclusive, sobre os traços fisionômicos, a indumentária e os gestos de cada um dos governantes. Porém, essa noção pervasiva de similitudo teve por ponto de partida o ano de 287, quando os Augustos ostentariam os epítetos de “Jóvio” (Diocleciano) e “Hercúleo” (Maximiano), de modo que deixaram de celebrar o dies natalis em função da data em que haviam efetivamente nascido e passaram a fazê-lo em conjunto, motivados pela adoção divina da qual ambos teriam sido objeto. A personalidade individual dos governantes cederia lugar à origem divina em comum (L’ORANGE, 1972L’ORANGE, Hans P. Art forms and civic life in the Late Roman Empire. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1972. [1965], p. 47, 50).

Ora, as Figuras 1.1 e 1.2 contemplam, a meu ver, algo similar àquilo apontado por Roger Rees no que concerne aos áureos produzidos em Lyon. A deliberada ausência de semelhança entre os bustos de Vetranião e Constâncio II ratificava uma situação da qual todo habitante no Ilírico haveria de estar ciente, qual seja, a inexistência de laços consanguíneos entre os dois imperadores. Vetranião e sua corte, logo, tinham de alicerçar a imagem pública do governante sobre bases outras que não a ligação dinástica com Constâncio II ou qualquer outro membro da família de Constantino.

Por sua vez, remetamo-nos às amoedações de Magnêncio e à questão do uso do diadema. Tal como nos casos de Vetranião e Constâncio II, as peças emitidas nos centros ocidentais sob domínio de Magnêncio sempre contaram com legendas que o identificavam como Augusto. Todavia, somente uma série bastante excepcional - cujo reverso trazia a inscrição FELICITAS REIPVBLICE - representou Magnêncio portando o diadema. Tal emissão restringiu-se ao ano de 350 e a um contexto específico, isto é, às tratativas do usurpador gálico junto a Constâncio II no sentido de obter o reconhecimento de seu poder imperial.12 12 Para tanto, ver RIC VIII 112 (Lyon) e 137 (Arles). Foi justamente nesse primeiro momento do reinado de Magnêncio que certos lugares como Roma e Aquileia confeccionaram moedas de bronze também em nome de Constâncio II - fenômeno, como vimos, que ainda ocorreria nos territórios sob o governo de Vetranião. Em tais peças, o busto de Constâncio II foi representado com o diadema (SELLARS, 2013, p. 555).

Destaque-se, logo, a natureza incomum da série FELICITAS REIPVBLICE. Entendo que o caráter pontual e pouco usual desse tipo de amoedação ressalte a busca por se constituir uma imagem pública de Magnêncio que também o distinguisse de Constâncio II nas regiões ocidentais do Império. Isso condiz com uma observação feita por Jean-Pierre Callu (1992CALLU, Jean-Pierre. La dyarchie constantinide (340-350): les signes d’évolution. In: CHRISTOL, Michel et al. (eds.). Institutions, société et vie politique dans l’Empire romain au IVe sièclie ap. J.-C. Rome: École Française de Rome, 1992. p. 39-68., p. 60-61) de que as representações de Magnêncio projetavam a ideia de um soberano que se contrapunha à noção de monarquia hereditária associada no Ocidente às figuras de Constante e Constâncio II. Assim se esclareceria, ainda segundo Callu, a recusa de Magnêncio diante do título Dominus Noster - ao menos no começo de seu reinado - e o reforço da imagem de liberator romanorum, como atestam as cunhagens lançadas em nome do usurpador nas Gálias.

Por sua vez, Maxime Emion (2017EMION, Maxime. Le pouvoir improvise? Pourpre impériale et diademe des usurpateurs dans l’Antiquité tardive. Annales de Janua, Poitiers, n. 5, 2017. [en ligne]) recorda que, depois de Magnêncio, todos os soberanos classificados como “usurpadores” emitiram peças cujos bustos ostentavam o diadema. O quadro que se estabelece, portanto, é o seguinte: em 350, dos três Augustos que governavam alguma área do Império, dois careciam de ligação familiar com Constantino e produziram moedas cujos anversos, de variadas maneiras, visavam diferenciá-los em relação a Constâncio II. A ausência do diadema, no caso concernente a Vetranião, e a utilização assaz restrita, no caso de Magnêncio, inclinam-me a considerar que no início da década de 350 o diadema ainda fosse encarado como símbolo associado ao exercício de um poder dinástico (constantiniano) o qual, por conseguinte, excluía de antemão comandantes militares como Magnêncio e Vetranião. Tratar-se-ia, até aquele momento, de um signo comum aos Augustos que descendessem de Constantino.

Em terceiro lugar, voltemo-nos para as moedas de Juliano. Eric R. Varner (2012VARNER, Eric R. Roman authority, imperial authoriality, and Julian’s artistic program. In: BAKER-BRIAN, Nicholas; TOUGHER, Shaun (eds.). Emperor and author. The writings of Julian the Apostate. Swansea: The Classical Press of Wales, 2012. p. 183-211.) analisa as alterações que se notam nas diferentes formas de representação acerca do imperador, desde a sua elevação ao cesarado até sua morte na campanha contra os persas em 363. Quando de sua aclamação como Augusto em fevereiro de 360, os ateliês monetários nas Gálias (Arles, Lyon e Trier) mantiveram o busto imberbe do soberano, próprio da “concepção constantiniana” tal como apontada no que tangia ao primo dele, Constâncio II. Os elementos presentes nas cunhagens em nome dele caracterizavam-se por convenções iconográficas comuns à dinastia constantiniana, a fim de acentuar a ideia de similitudo entre os familiares e corregentes do Império. Nesse ensejo, os retratos de Juliano e Constâncio II haviam se tornado quase indistinguíveis. Isso desnudaria o propósito de se produzir imagens que seriam “[…] decididamente não confrontacionais e que mantêm uma ideia fictícia de colaboração [...] entre Juliano e Constâncio II” (VARNER, 2012VARNER, Eric R. Roman authority, imperial authoriality, and Julian’s artistic program. In: BAKER-BRIAN, Nicholas; TOUGHER, Shaun (eds.). Emperor and author. The writings of Julian the Apostate. Swansea: The Classical Press of Wales, 2012. p. 183-211., p. 184, tradução nossa).

Porém, com o avanço de Juliano e suas tropas rumo à Itália e ao Ilírico, verificar-se-ia uma alteração. Lugares como Lyon, Arles, Sírmio e Tessalônica passaram a cunhar moedas cujos anversos apresentavam a efígie de Juliano com uma aparência mais militarizada, algo que se notava em especial mediante a barba curta13 13 Vide, por exemplo, RIC VIII 239 (Lyon), 108 (Sírmio) e 218 (Tessalônica). , ao que Varner (2012VARNER, Eric R. Roman authority, imperial authoriality, and Julian’s artistic program. In: BAKER-BRIAN, Nicholas; TOUGHER, Shaun (eds.). Emperor and author. The writings of Julian the Apostate. Swansea: The Classical Press of Wales, 2012. p. 183-211., p. 186) reputa como uma tentativa de Juliano de remeter-se à figura de Cláudio, o Gótico, pretenso fundador da dinastia constantiniana. Assim sendo, a vinculação entre Juliano e o “imperador-soldado” tido por seu ancestral visava “consolidar uma genealogia imperial alternativa” para o então rival de Constâncio II. A fim de diferenciar-se de seu primo, a imagem pública de Juliano foi moldada com o objetivo de enfatizar uma mensagem militarizante e que remontasse a tradições anteriores a Constantino (VARNER, 2012VARNER, Eric R. Roman authority, imperial authoriality, and Julian’s artistic program. In: BAKER-BRIAN, Nicholas; TOUGHER, Shaun (eds.). Emperor and author. The writings of Julian the Apostate. Swansea: The Classical Press of Wales, 2012. p. 183-211., p. 186-187).

Diante do exposto, concluamos este tópico. Exemplos anteriores, simultâneos e posteriores ao reinado de Vetranião permitem, a meu ver, sustentar a perspectiva de que o distanciamento do imperador em relação às convenções figurativas de matriz “constantiniana” ressaltava o fato de que os fundamentos da legitimidade do poder exercido por Vetranião seriam necessariamente distintos daqueles de Constâncio II. Não poderia existir semelhança de ordem fisionômica entre dois governantes que não mantinham vínculos de parentesco entre si.14 14 Recordemos que, “adotados” por Júpiter e Hércules a partir de 287, Diocleciano e Maximiano passariam a dispor de laços de parentesco. Isto não era possível no caso de Vetranião. À guisa de ilustração, a partir do momento em que o numário de Juliano conota seu afastamento em relação à imagem de Constâncio II, promovia-se uma noção de rompimento do jovem Augusto no tocante aos laços de sangue mais imediatos: daí que se resgatassem os traços comuns aos retratos de Cláudio, o Gótico e outros “imperadores-soldados” das últimas três décadas do século III. A meu ver, as amoedações de Vetranião haviam antecipado em uma década essa perspectiva de legitimação mediante reminiscências do passado pré-constantiniano. Dessa maneira, se tais cunhagens tivessem por objetivo expressar publicamente o alinhamento de Vetranião em defesa de Constâncio II, como querem Dearn15 15 Dearn (2003, p. 180) rejeita a possibilidade de que Vetranião buscasse legitimar-se por meio de uma remissão aos tetrarcas, argumentando que a “tradição dinástica constantiniana”, divulgada a partir das moedas lançadas para Constâncio II, conferiria “maior legitimidade” em 350 do que símbolos e valores que remetessem há meio século. Porém, as emissões monetárias de Juliano enfraquecem a posição assumida por Dearn. e Sellars, os anversos das moedas teriam de alguma forma de se aproximar, e não se dissociar, dos padrões utilizados para Constantino e seus filhos.

“Sob este signo vencerás”: Vetranião imitator Constantini?

O tipo monetário com o reverso “sob este signo vencerás” corresponde, muito provavelmente, àquele que mais suscita debate entre historiadores e numismatas. John P. C. Kent (1981KENT, John P. C. (ed). The Roman imperial coinage. v. VIII. The family of Constantine I A.D. London: Spink & Son, 1981. p. 337-364., p. 344) esclarece que as moedas de bronze de Vetranião foram lançadas em um segundo momento de seu reinado; após sua proclamação, foi emitida uma série de solidi - moedas de ouro - a qual havia sido produzida apenas em seu nome. Mais importante ainda, se tratava da primeira vez em que foi introduzida no numário a legenda em questão - que remetia, pois, ao sonho que Constantino teria tido às vésperas da batalha da Ponte Mílvio (Euseb., Vit. Const. 1.28). Assim, vejamos:

Figura 2.1.
Denominação: Maiorina - Diâmetro: 21.2 mm - Referência: RIC VIII 287.

Descrição da iconografia

Anverso: D N VETRA_NIO P F AVG.

O busto de Vetranião obedece às convenções presentes na Figura 1.1: retrata-se o imperador laureado, drapeado e couraçado. Ao lado esquerdo do campo, temos a letra “A” e, ao lado direito, insere-se uma estrela.

Reverso: HOC SIG_NO VICTOR ERIS.

O imperador, voltado à esquerda e trajado com vestes militares, empunha o lábaro na mão esquerda, ao passo que sua mão direita carrega um cetro transversal. A segunda figura incluída no reverso é a deusa Vitória, a coroar o imperador. Note-se, no caso dessa peça, que a divindade foi retratada em tamanho ligeiramente menor se cotejada com o imperador. Ademais, a deusa emerge conforme os padrões que lhe eram comumente associados ao longo da bacia do Mediterrâneo: quer dizer, portando objetos vinculados à noção de vitória, de conquista militar (a coroa de louros e a palma) e alada. Por fim, temos novamente a letra “A” à esquerda no campo e, no exergo, lê-se a inscrição ΔSIS entre dois pontos.

Figura 2.2.
Denominação: Maiorina - Diâmetro: 22 mm - Referência: RIC VIII 287.

Descrição da iconografia

Anverso: D N CONSTAN_TIVS P F AVG.

O mesmo contraste já salientado entre as Figuras 1.1 e 1.2 se repete nessa série. O campo é preenchido com elementos já identificados por conta da Figura 2.1, enquanto que o busto de Constâncio II foi elaborado de acordo com a iconografia pertinente à dinastia constantiniana.

Reverso: HOC SIG_NO VICTOR ERIS.

O reverso apresenta os ícones descritos na Figura 2.1, exceção feita ao exergo, onde se insere a legenda ESIS, entre um ponto e uma estrela. A letra grega “épsilon” no exergo sinaliza a quinta oficina monetária de Siscia. Detalhe interessante se verifica no fato de o imperador e a deusa, nessa peça, disporem de tamanho equivalente entre si.

Apesar da inaudita inscrição, seu emprego não conheceria grande fortuna. Após a abdicação de Vetranião, os ateliês de Siscia, Sírmio e Tessalônica elaboraram esse tipo monetário para Constâncio II e seu primo, Constâncio Galo, aclamado César em março de 351 (BRUCK, 1961BRUCK, Guido. Die Spätrömische Kupferprägung. Ein Bestimmungsbuch für schlecht erhaltene Münzen. Graz: Akademische Druck-U. Verlagsanstalt, 1961., p. 44). No entanto, uma vez eliminado Magnêncio em setembro de 353, a legenda e igualmente o sinal de Constantino desapareceriam das emissões efetuadas nas regiões orientais (BRUUN, 1997BRUUN, Patrick. The victorious signs of Constantine: a reappraisal. The Numismatic Chronicle, London, v. 157, p. 41-59, 1997. , p. 53) e, acrescenta Tiphaine Moreau (2015MOREAU, Tiphaine. Penser et construire une autorité chrétienne dans l’Empire romain: les associations “empereur-croix” dans les textes des IVe et Ve siècles. 2015. 501 f. Tese (Doutorado em História). École Doctorale Lettres, Pensées, Arts et Histoire, Université de Limoges, Limoges, 2015., p. 168), se tornariam demasiado raros a Ocidente do Império. Isso se explicaria em razão de a propaganda emanada pela corte de Constâncio II procurar vincular o imperador à memória de seu pai no seio de uma disputa em que se ansiava transmitir a ideia de uma oposição entre o “verdadeiro sucessor” de Constantino, o cristão Constâncio II, e o “tirano” regicida, o “pagão” Magnêncio - o qual, aliás, também lançou mão do cristograma em suas amoedações no Ocidente (PIETRI, 1997PIETRI, Charles. La politique de Constance II: un premier ‘césaropapisme’ ou l’imitatio constantini? In: PIETRI, Charles. Christiana respublica. Élements d’une enquete sur le christianisme antique. Rome: École Française de Rome , 1997. p. 281-346., p. 315-316).

Cabe registrar que as casas monetárias de Siscia, Sírmio e Tessalônica foram justamente aquelas que emitiram moeda em nome de Constâncio II durante a permanência do filho de Constantino nas regiões ilíricas, devido à guerra contra Magnêncio. Em suma, as emissões ao tempo do conflito civil privilegiaram “tipos de combate de natureza cristã”, por intermédio dos quais Constâncio II proclamava a intenção de defender sua linhagem (PIETRI, 1997PIETRI, Charles. La politique de Constance II: un premier ‘césaropapisme’ ou l’imitatio constantini? In: PIETRI, Charles. Christiana respublica. Élements d’une enquete sur le christianisme antique. Rome: École Française de Rome , 1997. p. 281-346., p. 315-316); uma vez, entretanto, que o confronto bélico alcançou seu termo, esse conjunto iconográfico foi abandonado, como apontado no parágrafo anterior.16 16 Lucia Travaini (2007, p. 13) propõe que a utilização do cristograma findou por associar-se tão fortemente a “usurpadores” que, após a morte de Magnêncio, jamais se incluiria nas emissões orientais e apenas em casos excepcionais no Ocidente. Somente a partir da dinastia valentiniana se notam emissões contendo o Chi-Rho, em processo de assimilação, porém, com a cruz, o que então enfatizava o aspecto cristão das figurações do símbolo.

Resta, portanto, o fato de esse tipo monetário ter sido originalmente elaborado durante o reinado de Vetranião. Patrick Bruun (1997BRUUN, Patrick. The victorious signs of Constantine: a reappraisal. The Numismatic Chronicle, London, v. 157, p. 41-59, 1997. , p. 53) não hesita em afirmar que a cunhagem de Vetranião, ao veicular a sentença eusebiana, evidenciava a natureza da sublevação ocorrida na Ilíria, orquestrada como forma de apoiar Constâncio II em sua luta contra Magnêncio. Isto se reforçaria mediante a presença do lábaro, como visto nos reversos de todas as figuras inseridas no presente artigo: tal signo desvelaria as “claras bases cristológicas” sobre as quais se apoiavam as amoedações de Vetranião, no interior de um processo que, na verdade, teria se iniciado com determinadas moedas produzidas para Constante em Siscia e em Aquileia no final da década de 340 (BRUUN, 1997BRUUN, Patrick. The victorious signs of Constantine: a reappraisal. The Numismatic Chronicle, London, v. 157, p. 41-59, 1997. , p. 43, 48).

Por sua vez, Kay Ehling (2001EHLING, Kay. Die Erhebung des Nepotianus im Rom im Juni 350 n. Chr. und sein Programm der urbs Roma christiana. Göttinger Forum für Altertumwissenschaft, Göttingen, v. 4, p. 141-158, 2001., p. 153) insinua que o numário de Vetranião, além de sinalizar “um claro compromisso com o cristianismo”, veicularia elementos diretamente relacionados à persona do soberano: baseando-se em Eutrópio (10.10.2), que define Vetranião como grandaevus quando de sua elevação à púrpura, Ehling conclui que o imperador teria idade entre 60 e 70 anos, propondo, assim, que o antigo magister peditum “presumivelmente” participou da batalha da Ponte Mílvio na condição de jovem soldado, de modo que os símbolos associados à vitória de Constantino sobre Maxêncio lhes diriam respeito de forma particular.

Por certo, poder-se-ia estabelecer uma leitura de matriz religiosa ao constatar-se a presença do lábaro e da inscrição HOC SIGNO VICTOR ERIS. Autoras como Travaini (2007TRAVAINI, Lucia. La croce sulle monete da Costantino alla fine del Medioevo. In: ULIANICH, Boris; PARENTE, Ulderico (a cura di). La croce. Iconografia e interpretazione (secoli I-inizio XVI). v. 2. Napoli; Roma: Elio de Rosa editore, 2007. p. 7-40., p. 14), por exemplo, esclarecem que até o final do século IV o lábaro consistia no único signo de origem cristã a surgir nas emissões monetárias imperiais. Todavia, isto não implicava forçosamente que assim fosse compreendido pelo público receptor, na medida em que inserir-se-ia ao lado de símbolos de natureza pagã. Somente a partir de Teodósio II, na primeira metade do século V, é que a cunhagem assumiria roupagem largamente cristã, com predominância, sobremaneira, da utilização da cruz.

A despeito disso, penso que a presença de tais símbolos nas moedas emitidas por Vetranião dispusesse de conotação militar - de conquista “divinamente inspirada”, para usarmos os termos de Bruun (1997BRUUN, Patrick. The victorious signs of Constantine: a reappraisal. The Numismatic Chronicle, London, v. 157, p. 41-59, 1997. , p. 42) -, por meio dos quais se estabelecia uma apropriação da memória de Constantino ou, mais propriamente, de sua vitória sobre Maxêncio em 312.

Para tanto, retomemos a perspectiva da similitudo. Ao contrário dos anversos, os reversos das séries CONCORDIA MILITVM e HOC SIGNO VICTOR ERIS guardam grande semelhança entre si. Apesar disso, pautando-se na ideia de que os anversos das figuras 1 e 2 fomentariam um discurso de subordinação por parte de Vetranião, Dearn (2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003., p. 189) sentencia que a figura imperial retratada nos reversos não poderia ser outra senão Constâncio II. Os ateliês monetários sob a autoridade de Vetranião teriam promovido, logo, a percepção de uma vitória eminente de Constâncio II sobre Magnêncio, tal como o pai dele havia obtido diante de Maxêncio quase quatro décadas antes, a qual se aludia por meio da inscrição tornada célebre por Eusébio de Cesareia.

A argumentação desenvolvida por Dearn se alicerça, como demonstrado, na hipótese de que a ausência de similitudo entre os anversos conotaria a inferioridade de Vetranião em relação a Constâncio II, algo do que discordamos, como indicado anteriormente. De fato, as evidências numismáticas assinalam que a suplantação da dinastia constantiniana não se situava no horizonte mais imediato de Vetranião e dos oficiais e funcionários civis que lhe deram suporte no Ilírico. O que não significa dizer, pois, que as amoedações de bronze por ora analisadas veiculassem uma ótica de subordinação. A notável semelhança entre os reversos salientava, a meu ver, a ideia de que Vetranião e Constâncio II partilhavam de igual virtude e, portanto, ambos se situariam como soberanos capazes de proporcionar as benesses da vitória para o proveito da res publica.

Como diz Moreau (2015MOREAU, Tiphaine. Penser et construire une autorité chrétienne dans l’Empire romain: les associations “empereur-croix” dans les textes des IVe et Ve siècles. 2015. 501 f. Tese (Doutorado em História). École Doctorale Lettres, Pensées, Arts et Histoire, Université de Limoges, Limoges, 2015., p. 164-165), as mais variadas formas de legitimação do poder vieram à tona em 350, entre as quais se destacariam as aproximações com a figura de Constantino. A presença do lábaro nas moedas de Magnêncio e Vetranião sublinhavam, “senão uma continuidade religiosa, no mínimo uma filiação política com Constantino”. Nesse contexto de crise política e militar, os signos do poder constantiniano revelar-se-iam um mecanismo tanto para a consolidação do imperium (Magnêncio e Vetranião) quanto para salvaguardá-lo (Constâncio II), de maneira que “o lábaro se torna um tópico padrão da iconografia monetária” (MOREAU, 2015MOREAU, Tiphaine. Penser et construire une autorité chrétienne dans l’Empire romain: les associations “empereur-croix” dans les textes des IVe et Ve siècles. 2015. 501 f. Tese (Doutorado em História). École Doctorale Lettres, Pensées, Arts et Histoire, Université de Limoges, Limoges, 2015., p. 171, 184).

Portanto, a presença dos sinais de Constantino não deve ser necessariamente tomada como expressão da religião professada por Vetranião. Trata-se, antes, de uma remissão às benesses com a qual o deus cristão teria agraciado o vencedor da batalha da Ponte Mílvio. As moedas emitidas em nome de Vetranião circulavam, em boa medida, entre os seus soldados, os quais viam com bons olhos a possibilidade de contar com uma deidade ao seu lado, a exemplo do que teria ocorrido com Constantino e suas tropas (WHITBY, 2006WHITBY, Michael. Emperors and armies, AD 235-395. In: SWAIN, Simon; EDWARDS, Mark (eds.). Approaching Late Antiquity: the transformations from Early to Late Empire. Oxford: OUP, 2006. p.156-186., p. 178). Logo, fomenta-se um discurso em que a associação entre Vetranião e Constâncio II, assentada sobre a memória da vitória obtida por Constantino em 312, tornaria possível suplantar a “tirania” de Magnêncio.

Deste modo, estou de acordo com López Sánchez (2002LÓPEZ SÁNCHEZ, Fernando. La tutelle de l’armée illyrienne sur la dinastie constantinienne (337-361). Cahiers Numismatiques, Paris, v. 151, p. 39-55, 2002., p. 48) quanto à possibilidade de que as Figuras 1.1 e 2.1 propagassem a mensagem de que Vetranião promovia os valores regionais de autonomia e defesa aos quais os soldados ilírico-romanos se apegavam - diante, acrescento, de um novo soberano nas áreas ocidentais (Magnêncio) e de um imperador no Oriente com quem não mantinham relação direta, mas que dispunha de ascendência preclara (Constâncio II). As remissões a Constantino que se veem nos reversos das Figuras 1.1 e 2.1 fazem de Vetranião um imperator capaz de suceder a Constantino e Constante no Ilírico, ao passo que transmitiam a ideia de associação e partilha do poder com Constâncio II (Figuras 1.2 e 2.2). Em suma, tais moedas sugerem continuidade, a qual, no entanto, não se sustentava sobre laços dinásticos.17 17 David Shotter (1979, p. 55) já destacava o fato de que a legenda HOC SIGNO VICTOR ERIS presente nos bronzes de Vetranião congregasse uma tentativa do soberano de posicionar-se enquanto “descendente político” de Constantino.

A abdicação de Vetranião e o peso das relações dinásticas

Nesses termos, julgo que a revolta de Vetranião consistiu em uma solução para o vácuo de poder que se verificou no Ilírico após a morte de Constante. Assim sendo, as aclamações de Magnêncio e Vetranião devem ser compreendidas como um novo capítulo no que dizia respeito à sucessão de Constantino, trazendo a lume as fragilidades estruturais do arranjo dinástico delineado no ano de 337. A guerra civil entre Constantino II e Constante em 340 e as tensões de ordem política e religiosa que marcaram as relações entre Constâncio II e Constante ao longo da década de 340 já haviam exposto a fraqueza de um sistema carente de um imperador dotado de autoridade inconteste. Constantino havia falecido em maio de 337 sem que houvesse designado outro Augusto para além dele. Treze anos mais tarde, as elevações de Magnêncio e Vetranião acrescentariam outro elemento a tal quadro, em que a partição do poder imperial envolveria indivíduos que não pertenciam à dinastia constantiniana.

Por sua vez, ressaltem-se a autonomia e capacidade decisória do exército ilírico-romano ao escolher Vetranião como imperador (LÓPEZ SÁNCHEZ, 2002LÓPEZ SÁNCHEZ, Fernando. La tutelle de l’armée illyrienne sur la dinastie constantinienne (337-361). Cahiers Numismatiques, Paris, v. 151, p. 39-55, 2002., p. 48), o que nos impele a pensar nos termos do longo processo de regionalização e de partilha do imperium que remontava ainda ao século II. Empregando as palavras de Renan Frighetto (2014FRIGHETTO, Renan. Da teoria à prática política: o exercício do poder na Antiguidade Tardia. Helikon, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 16-36, 2014. [em linha], p. 23-24), proponho que Vetranião reuniu “em torno de si mesmo [...] a ideia e a prática da defesa da unidade romana na área [...] sob sua dominação e hegemonia”.

No seio desse processo multiforme ao qual se refere Frighetto, há um fator que considero de grande relevância. É corrente a ideia de que os viri militares revelar-se-iam mais afeitos aos princípios dinásticos, na medida em que a continuidade da casa reinante reverberaria na manutenção de seus próprios interesses materiais18 18 Para tanto, ver Giovanni Brizzi (2004, p. 324). . Mas, como disserta Brizzi (2004BRIZZI, Giovanni. Ancora su illyriciani e ‘Soldatenkaiser’: qualche ulteriore proposta per una messa a fuoco del problema. In: URSO, Gianpaolo (a cura di). Dall’Adriatico al Danubio. L’Illirico nell’età greca e romana. Pisa: Edizioni ETS, 2004. p. 319-342., p. 331, 342), entre as transformações que caracterizaram o exército romano a partir da segunda metade do século III, enumerava-se a constituição de um vértice no seio da hierarquia militar formado por oficiais naturais e/ou relacionados com as áreas panônicas que não nutriam grande simpatia pelos mecanismos dinásticos de transmissão do poder imperial, visto que tal os excluía, a priori, do exercício do imperium.

Nesse ensejo, o sistema colegiado de poder forjado por Diocleciano em fins do século III configurava expressão maior da tradicional perspectiva de seleção dos optimi como base de legitimação do poder; a escolha, contudo, era limitada ao cume da hierarquia militar, composto por indivíduos advindos das próprias fileiras do exército imperial. Ao mesmo tempo, com a Tetrarquia se ampliava o número de purpurati e se redefinia o modelo de adoção imperial, articulando-o à experiência adquirida na vida militar.

No entanto, os acontecimentos que se seguiram à abdicação de Diocleciano em 305 demonstrariam todo o peso que se conferia ao princípio dinástico. Apesar disso, as moedas de Vetranião quase meio século depois congregariam uma tentativa de legitimação tendo por fundamento convenções e modos de representação que aproximavam Vetranião dos antecessores tetrárquicos. Os anversos das Figuras 1.1 e 2.1 portavam a imagem do líder militar austero e devotado ao munus, em consonância com aquilo que se notava entre os tetrarcas e que, por seu turno, sofreria alterações a partir de Constantino. A virtus de Vetranião, logo, seria reforçada devido à sua vinculação (ver reversos das Figuras 1.1 e 2.1) a signos relacionados à teologia helenístico-romana da vitória, a qual se adicionava outro símbolo, isto é, o lábaro de Constantino. Mediante tal conjunto iconográfico, essas moedas desvelavam um apego à ideia de associação ao poder à maneira da Tetrarquia, em que a imagem de hábil e experiente líder militar faria de Vetranião um Augusto apto a governar ao lado de Constâncio II.

Todavia, entre Diocleciano e Vetranião interpunha-se a figura de Constantino. As formas de legitimação do poder de Vetranião apropriar-se-iam, pois, de aspectos da memória do pai de Constâncio II. Ocorre que, no ano de 350, o poder imperial concentrava-se indiviso no interior da dinastia constantiniana havia 25 anos. A associação ao poder era construída, naquele ensejo, sobre laços de sangue. Porém, os olhos dos soldados no Ilírico, a consanguinidade do governante não bastava por si só: tais soldados demandavam que o imperador se fizesse presente, alguém com quem mantivessem uma relação direta. Em função da guerra contra Magnêncio, Constâncio II permaneceria vários meses nas áreas ilíricas; foi na região, inclusive, que a disputa que o opunha a Magnêncio seria decidida a seu favor, em especial depois da vitória obtida em Mursa em setembro de 351. Sendo assim, se a abdicação de Diocleciano em 305 tornaria possível o restabelecimento do modelo de transmissão e partilha do imperium em termos dinásticos, a abdicação de Vetranião em 350 registraria a dificuldade em se promover um sistema colegiado de exercício do poder que se constituísse a partir de outros meios que não os dinásticos19 19 A abdicação sem derramamento de sangue evidencia “la intensidad del enfrentamiento” entre Vetranião e Constâncio II: as Figuras 1.2 e 2.2 esclarecem que o primeiro não pretendia empunhar armas contra o segundo. Igualmente, o término do reinado de Vetranião aclarava a força da tradição e dos laços dinásticos representados pela figura de Constâncio II. É por isto que a cunhagem de Vetranião não se alicerçou sobre “una postura propagandística de confrontación con el poder constituido y legitimo” (LÓPEZ SÁNCHEZ, 2000, p. 75). . Com o curto reinado de Vetranião, assistiu-se, metaforicamente falando, ao ocaso do modelo construído por Diocleciano.

Documentação numismática

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NOTAS

  • 1
    Há uma quantidade razoável de fontes literárias tardo-antigas que abordam a figura de Vetranião. A despeito disso, não há narrativa alguma que forneça um relato mais sistematizado sobre o reinado desse imperador (o qual foi, no geral, retratado como um “usurpador”). Dentre os textos mais relevantes, enumeram-se as Histórias abreviadas (Sobre os Césares), de Aurélio Vítor (elaboradas entre 360-361), a História Eclesiástica, de Filostórgio (datada por volta de 430) e a História Nova, redigida por ZósimoZÓSIMO. Nueva história. Introducción, tradución y notas de José Mª Candau Morón. Madrid: Gredos , 1992. na virada do século V para o VI.
  • 2
    Não se pode ignorar o fato de que a adoção dos Césares, Galério e Constâncio Cloro, por parte dos Augustos Diocleciano e Maximiano, respectivamente, servia para legitimar a construção do colegiado formado pelos referidos governantes a partir de 293; neste sentido, aos predicados militares se adicionavam vínculos de parentesco entre os Augustos e os Césares mediante os quais se assentava a partição do poder e ordenavam-se os rumos da política sucessória. Para tanto, ver Ana P. Franchi (2016FRANCHI, Ana P. Associação ao poder: adoptio e hereditariedade no governo tetrárquico de Diocleciano. Romanitas - Revista de Estudos Grecolatinos, Vitória, n. 7, p. 126-139, 2016. [em linha], p. 133-134).
  • 3
    Em Filostórgio (3.22), lemos que Constantina, irmã de Constâncio II, teria coroado Vetranião como César por temer que Magnêncio se assenhoreasse de tudo. Constâncio II, ao tomar ciência do fato, teria enviado um diadema a Vetranião em reconhecimento a sua posição. Por outro lado, Zósimo (2.44.2) registrou que Vetranião e Magnêncio haviam entabulado negociações entre si, ao passo que o próprio Filostórgio (3.22; 3.24) alegaria que Vetranião teria demonstrado alguns “sinais de traição” em relação a Constâncio II.
  • 4
    Fernando López Sánchez (2002LÓPEZ SÁNCHEZ, Fernando. La tutelle de l’armée illyrienne sur la dinastie constantinienne (337-361). Cahiers Numismatiques, Paris, v. 151, p. 39-55, 2002., p. 45, 48) oferece conclusão similar, porém assevera que a revolta de Vetranião deve ser entendida, de modo efetivo, como reação do exército do Danúbio diante do imperador proclamado nas Gálias: “Vetranião não reage em favor de Constâncio II, mas antes por conta da possibilidade de uma invasão do Ilírico”
  • 5
    Peter Kos (2013KOS, Peter. Claustra Alpium Iuliarum - Protecting Late Roman Italy. Studia Europaea Gnesnensia, Gniezno, v. 7, p. 233-260, 2013. , p. 246, 251, 259) sinaliza que, à época de Magnêncio, houve um fortalecimento e ampliação do denominado Claustra Alpium Iuliarum, sistema de defesa linear que se estendia ao longo dos Alpes Julianos, área montanhosa localizada justamente entre o nordeste da Itália e o Ilírico.
  • 6
    Quanto a isso, ver Javier Arce (1979ARCE, Javier. La educación del Emperador Constancio II. L’Antiquité Classique, Louvain, v. 48, n. 1, p. 67-81, 1979., p. 71).
  • 7
    Ignazio Tantillo (1998TANTILLO, Ignazio. “Come un bene ereditario”: Costantino e la retorica dell’impero-patrimonio. Antiquité Tardive, Paris, v. 6, p. 251-264, 1998., p. 258-259) mostra como, no decorrer do reinado de Constantino, se formularam percepções que impulsionaram uma justaposição entre “império” e “bem privado”. Essas representações do Império romano como pertencente aos constantinianos, “pela vontade de uma divindade que pensa e age por meio de uma perspectiva dinástico-patrimonial”, teriam se consolidado nos anos 350, momento em Constâncio II restava como o único dos filhos de Constantino a manter-se vivo.
  • 8
    A seleção dos objetos norteou-se por sua indicação no oitavo volume do Roman Imperial Coinage (RIC).
  • 9
    A desvalorização das moedas de bronze, que redundou em várias reformas monetárias durante o século IV, nos traz alguns problemas de nomenclatura. Em fins da década de 310, introduziu-se um novo bronze nos centros monetários sob a autoridade de Constantino no Ocidente. Tal peça tinha peso aproximado de três gramas e, ao que parece, foi chamada de centenionalis. Todavia, com o passar dos anos também sofreu diminuição em seu tamanho e peso. Em 348, Constante e Constâncio II promoveram nova reforma do numário em bronze, o que acarretou na criação de bilhões denominados maiorinae, com dois pesos padrão (aproximadamente 5.2 e 4.5 gramas) e peças divisionárias por volta de 2.6 gramas. Manteve-se, porém, a produção dos antigos centenionales, cujo peso passou a ser de 2.4 gramas. Para tanto, ver David R. Sear (2000SEAR, David R. The denominations of Roman coinage. In: SEAR, David R. Roman coins and their values. The millenium edition. v. 1. London: Spink, 2000. p. 17-26., p. 24) e Ian J. Sellars (2013SELLARS, Ian J. The monetary system of the Romans. A description of the Roman coinage from early times to the reform of Anastasius. 2013 [Ebook]., p. 561-562).
  • 10
    Jonathan Bardill (2012BARDILL, Jonathan. Constantine, divine emperor of the Christian Golden Age. Cambridge: University Press, 2012., p. 11) ressalta que, após o ano de 310, as formas de representação pública acerca de Constantino denotaram um esforço no sentido de diferenciá-lo do sistema tetrárquico que o precedia.
  • 11
    Ver RIC V/II 334(D).
  • 12
    Para tanto, ver RIC VIII 112 (Lyon) e 137 (Arles). Foi justamente nesse primeiro momento do reinado de Magnêncio que certos lugares como Roma e Aquileia confeccionaram moedas de bronze também em nome de Constâncio II - fenômeno, como vimos, que ainda ocorreria nos territórios sob o governo de Vetranião. Em tais peças, o busto de Constâncio II foi representado com o diadema (SELLARS, 2013, p. 555).
  • 13
    Vide, por exemplo, RIC VIII 239 (Lyon), 108 (Sírmio) e 218 (Tessalônica).
  • 14
    Recordemos que, “adotados” por Júpiter e Hércules a partir de 287, Diocleciano e Maximiano passariam a dispor de laços de parentesco. Isto não era possível no caso de Vetranião.
  • 15
    Dearn (2003DEARN, Alan. The coinage of Vetranio: imperial representation and the memory of Constantine the Great. The Numismatic Chronicle , London, v. 163, p. 169-191, 2003., p. 180) rejeita a possibilidade de que Vetranião buscasse legitimar-se por meio de uma remissão aos tetrarcas, argumentando que a “tradição dinástica constantiniana”, divulgada a partir das moedas lançadas para Constâncio II, conferiria “maior legitimidade” em 350 do que símbolos e valores que remetessem há meio século. Porém, as emissões monetárias de Juliano enfraquecem a posição assumida por Dearn.
  • 16
    Lucia Travaini (2007TRAVAINI, Lucia. La croce sulle monete da Costantino alla fine del Medioevo. In: ULIANICH, Boris; PARENTE, Ulderico (a cura di). La croce. Iconografia e interpretazione (secoli I-inizio XVI). v. 2. Napoli; Roma: Elio de Rosa editore, 2007. p. 7-40., p. 13) propõe que a utilização do cristograma findou por associar-se tão fortemente a “usurpadores” que, após a morte de Magnêncio, jamais se incluiria nas emissões orientais e apenas em casos excepcionais no Ocidente. Somente a partir da dinastia valentiniana se notam emissões contendo o Chi-Rho, em processo de assimilação, porém, com a cruz, o que então enfatizava o aspecto cristão das figurações do símbolo.
  • 17
    David Shotter (1979SHOTTER, David. Gods, emperors and coins. Greece & Rome - Second Series, Watford, v. 26, n. 1, p. 48-57, 1979., p. 55) já destacava o fato de que a legenda HOC SIGNO VICTOR ERIS presente nos bronzes de Vetranião congregasse uma tentativa do soberano de posicionar-se enquanto “descendente político” de Constantino.
  • 18
    Para tanto, ver Giovanni Brizzi (2004BRIZZI, Giovanni. Ancora su illyriciani e ‘Soldatenkaiser’: qualche ulteriore proposta per una messa a fuoco del problema. In: URSO, Gianpaolo (a cura di). Dall’Adriatico al Danubio. L’Illirico nell’età greca e romana. Pisa: Edizioni ETS, 2004. p. 319-342., p. 324).
  • 19
    A abdicação sem derramamento de sangue evidencia “la intensidad del enfrentamiento” entre Vetranião e Constâncio II: as Figuras 1.2 e 2.2 esclarecem que o primeiro não pretendia empunhar armas contra o segundo. Igualmente, o término do reinado de Vetranião aclarava a força da tradição e dos laços dinásticos representados pela figura de Constâncio II. É por isto que a cunhagem de Vetranião não se alicerçou sobre “una postura propagandística de confrontación con el poder constituido y legitimo” (LÓPEZ SÁNCHEZ, 2000LÓPEZ SÁNCHEZ, Fernando. Tiranía y legitimacíon del poder en la numismática de Magnencio y Constancio II (350-353 dC). Faventia, Barcelona, v. 22, n. 1, p. 59-86, 2000., p. 75).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2017
  • Aceito
    26 Out 2017
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