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Show Opinião: quando a MPB entra em cena (1964-1965)

Show Opinião: when the MPB goes into on the scene (1964-1965)

Resumo

Produzido em meados dos anos 1960 por integrantes do extinto CPC da UNE, o Show Opinião pode ser considerado, a um só tempo, síntese e dissonância de aspectos importantes do campo cultural que estiveram em destaque no contexto pré e pós-golpe de 1964. Nesse artigo, nossa intenção é mapear a inserção de elementos da cultura popular, através principalmente do contato e da mediação de expoentes da Música Popular Brasileira (MPB), que na segunda metade da década adentrou nos palcos nacionais e, nessa mesma época, se consagrou gênero musical.

Palavras-chave
teatro; música; nacional -popular; ditadura militar; Brasil

Abstract

Produced in the 1960s by members of the extinct CPC da UNE, the Show Opinião can be considered the most complete synthesis in the cultural field of everything that came before and after the coup of 1964. This article, our intention is analyse elements of popular culture, through of the contact and mediation of exponents Popular Brazilian Music (MPB) that, in the second half of the decade, inside the national stages at the same time as the musical.

Keywords
theater; music; national-popular; military dictatorship; Brazil

Na década de 1960, inúmeros grupos teatrais no Brasil encontraram um ambiente profícuo de efervescência cultural1 1 Denominação utilizada normalmente para designar a multiplicidade da produção e da crítica realizada por artistas e intelectuais em fins dos anos 1950 até meados de 1960, em vários campos da vida nacional. Por exemplo: no teatro, a criação do Teatro de Arena, do Teatro Oficina, do CPC da UNE, dos grupos universitários; na música, a gravação do LP Chega de Saudade, de João Gilberto, e a emergência da Bossa Nova; no cinema, a consolidação do Cinema Novo. que lhes propiciou um contato mais efetivo com múltiplas linguagens, desde manifestações artísticas como a música, as artes visuais, a dança, a arquitetura, até meios de comunicação como o rádio, a televisão, os jornais e as revistas.

Esse movimento de aproximação entre formas de expressão e meios de comunicação, potencializado pela natureza polissêmica do campo teatral e denominado por Hernani Maletta a “polifonia das polifonias” (2010MALETTA, Ernani. A interação música-teatro sob o ponto de vista da polifonia. Polifonia, Cuiabá, v. 21, n. 30, p. 29-54, jul./dez. 2014., p. 34), alterou significativamente a produção teatral a partir de meados do século XX. Se no Brasil, até meados desse século, a produção nacional havia sido relacionada exclusivamente à produção dramatúrgica e, por isso, muitas vezes considerada uma espécie de subgênero da literatura brasileira (Mostaço, 2012MORAES, Dênis de. Vianinha, cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Record , 2000., p. 2), a partir de então estabeleceu contato com outras linguagens, não mais subordinadas hierarquicamente ao texto, tornando-se protagonistas ao lado dele.

Sobre essa questão em especial, concordamos com Tania Brandão: a metodologia de pesquisa em História do Teatro ainda está engatinhando (2009BRANDÃO, Tania. Uma empresa e seus segredos: a Companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009., p. 30)2 2 Sobre essa questão há que se mencionar todos os esforços mobilizados por Rosângela Patriota na área de história e sua produção pioneira (1999, 2002, 2005, 2007, 2008, 2012, entre outras), além de orientar inúmeras pesquisas nesse campo de estudos. . De todo modo, qualquer que seja o encaminhamento nesse sentido, devemos considerar suas múltiplas interfaces, buscando uma “História do Teatro que deseja ser História do Espetáculo e não História da Dramaturgia, como costumam ser as Histórias do Teatro convencionais, em alguma medida herdeiras de Aristóteles” (2009BRANDÃO, Tania. Uma empresa e seus segredos: a Companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009., p. 40). Esse procedimento metodológico é ainda mais urgente se considerarmos a História do Teatro Moderno como uma “história de libertação e de ruptura frente a um eixo tradicional do Ocidente”. Portanto, “se a história do teatro pôde, em larga medida, ser história da dramaturgia, a história do teatro moderno não pode de forma alguma ser reduzida a tal condição, sob pena de que não se compreenda o seu movimento essencial, definidor”, no qual “só a cena - vale dizer, a presença densa e articulada - poderá traduzir os movimentos próprios de percepção e da conceituação do ser ocidental, cada vez mais fragmentário, cada vez mais sinônimo de multiplicidade” (2009BRANDÃO, Tania. Uma empresa e seus segredos: a Companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009., p. 40, 42). “O teatro moderno enquanto consciência aguda de sua condição cênica explodiu todos estes referenciais anteriores e, exatamente por causa dessa virada, promoveu uma libertação generalizada da arte teatral, em direção a uma multiplicidade absoluta” (2009BRANDÃO, Tania. Uma empresa e seus segredos: a Companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009., p. 46). Esse movimento de expansão da análise da cena apresenta ao pesquisador inúmeras perspectivas de trabalho, que podem ser analisadas em conjunto quando se trata de um projeto mais extenso como uma tese, um livro, ou podem ser destacadas questões particulares a partir de um problema central, tal qual esse artigo que visa refletir sobre o processo de inserção da música popular na cena brasileira, a partir do contato e da mediação com os expoentes da emergente MPB.

Ao entender o diálogo entre teatro e música como uma via de mão dupla, Ernani Maletta classificou-o em três variantes. A primeira, a que ele chamou de participação: de um lado, um número musical é inserido na cena teatral por meio do canto ou da execução de instrumentos, e de outro uma cena teatral é inserida num show, recital ou concerto musical. A segunda, a interdisciplinariedade, trata o teatro como arte/disciplina autônoma, que incorpora ou se apropria de procedimentos e métodos de outra arte/disciplina igualmente autônoma como a música e vice-versa. A terceira variante é a polifonia: um discurso musical compõe a trama teatral, não mais como elemento externo, mantendo sua independência artística, mas como instância discursiva da produção teatral (2014MALETTA, Ernani. A interação música-teatro sob o ponto de vista da polifonia. Polifonia, Cuiabá, v. 21, n. 30, p. 29-54, jul./dez. 2014., p. 32-33).

Nos limites desse artigo, acreditamos que o Show Opinião e outros espetáculos congêneres situam-se na terceira categoria3 3 A maioria das referências musicais e cinematográficas citadas nesse artigo encontra-se disponível para audição e visualização na Internet, principalmente no Youtube. , uma vez que neles a música não foi empregada como apoio (participação) nem foi contemplada na sua especificidade (interdisciplinaridade); mas, mais do que isso e de alguma maneira, alterou sua forma discursiva, antes subordinada quase exclusivamente ao texto (polifonia). Além disso, os espetáculos musicais permitiram que o gênero musical, popular no Brasil e em outros países como na Alemanha e nos Estados Unidos, passasse por um processo de ressignificação que envolveu múltiplas questões, estéticas e políticas.

A crítica teatral, ainda não familiarizada com esse novo cenário de ressignificação dos musicais, por vezes reclamava a ausência de lastros com experiências passadas, buscando referências no teatro musicado, nos musicais da Broadway ou até mesmo no teatro didático alemão4 4 Teatro musicado e teatro musical são designações distintas, embora compartilhem de elementos em comum. Uma das principais diferenças é que o teatro musicado é concebido para ser representado por atores que cantam, enquanto o teatro musical por cantores e bailarinos que interpretam. No teatro musicado, as canções são produzidas com uma “função dramática clara e definida”, como auxílio à ação dramática, para “apresentar personagens, para falar de amor, para abrir e fechar quadros, para acompanhar um solilóquio, sublinhar emoções e, até, para entrar como motivo central da cena em festas, bailes e apoteoses”. No musical, a música é concebida como uma forma de expressão e é a estrela do espetáculo. Se o teatro musicado tem uma definição mais precisa e é frequentemente associado ao século XIX e ao início do século XX, o teatro musical é considerado um campo de experimentações para o teatro contemporâneo (Guinsburg, Faria, Lima, 2006, p. 190-191), podendo ser concebido como “um vasto canteiro de obras onde se experimentam e se testam todas as relações imagináveis entre os materiais das artes cênicas e musicais” que procura integrar texto, música e encenação visual sem, contudo, integrá-los, fundi-los ou reduzi-los a um denominador comum como a ópera wagneriana, e sem distanciá-los uns dos outros como nas óperas didáticas de Kurt Weill e Bertolt Brecht (Pavis, 2011, p. 392). , bem como os comparava à produção dramática em voga naquela época e, por isso, acabava considerando o texto imaturo, a encenação precária, as intenções duvidosas e as mensagens panfletárias. O crítico teatral Yan Michalski percebeu que se tratava de uma experiência sem precedentes quando afirmou que

diante do Opinião sentimos que nos faltam armas para uma crítica digna deste nome... trata-se de um show musical que pretende e consegue transmitir uma riqueza de ideias muito maior que um show comum... Quanto a um novo caminho que a experiência poderá apontar à dramaturgia brasileira, confessamos que não percebemos ainda em que sentido esta tentativa, em si tão válida, poderá ser generalizada e transposta par um plano mais amplo e mais teatral (apudKühner e Rocha, 2001HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980., p. 71-72, grifo nosso).

Mais tarde, ao escrever sobre a peça Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come, de Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna Filho, direção de Gianni Ratto, Yan Michalski pode examiná-lo em perspectiva com outras montagens do Grupo Opinião, afirmando que

depois de dois grandes sucessos como Opinião e Liberdade, Liberdade - sucessos respeitáveis e perfeitamente válidos em função do momento nacional, mas essencialmente circunstanciais e sem maior abertura de horizontes do ponto de vista teatral -, o Grupo Opinião realiza agora a sua primeira tentativa de teatro, digamos, artístico, e alcança, logo nessa primeira tentativa, uma surpreendente e agradabilíssima teatralidade (apud Paranhos, 2014PARANHOS, Kátia Rodrigues. Engajamento e intervenção sonora no Brasil no pós-1964: a ditadura militar e os sentidos plurais do show Opinião1. Pitágoras, 500, v. 2, p. 73-82, abr. 2012. Consultado em: Consultado em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/pit500/article/viewFile/26/41 , acesso em: 1º ago. 2018.
https://www.publionline.iar.unicamp.br/i...
).

Como podemos observar nas duas críticas, com intervalo de um ano, Michalski reclamava o lugar no teatro nas primeiras produções do Grupo Opinião, evidenciando novamente que os musicais desestabilizaram a crítica teatral da época porque se apresentaram como uma linguagem que necessitava de novos parâmetros de análise.

Em decorrência disso, nos propomos analisar o repertório musical brasileiro e da música popular que, mais tarde, serviu de material sonoro para a “música de protesto” e a Música Popular Brasileira (MPB), e se constituiu em matéria-prima dos musicais engajados, que já estavam sendo gestados nos primeiros anos de 1960 com as produções do CPC da UNE e do Teatro de Arena, mas encontrou sua forma mais dinâmica no Show Opinião, em 1964/65, servindo de inspiração para espetáculos da mesma natureza, a exemplo de Arena Conta Zumbi, Morte e Vida Severina, Arena Conta Tiradentes, Roda Viva, entre outros.5 5 O mapeamento desse debate que atravessou os anos 1960 foi objeto de pesquisa da dissertação de mestrado Do Arena ao CPC: o debate em torno da arte engajada no Brasil (Souza, 2002).

Quando se fala em engajamento nos anos 1960, é preciso interpretá-lo sob dois aspectos: como conceito e como prática cultural. Como conceito atravessou a obra dos principais intelectuais da época. Na literatura por Jean-Paul Sartre, que tratou diretamente da questão em pelo menos duas ocasiões, no livro Qu’est-ce que la littérature, publicado na França em 1948 (1989SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.), e na Conferência da Universidade Mackenzie, proferida no Brasil em 1960. No teatro por Eric Bentley, nos artigos reunidos no livro O teatro engajado, publicado no Brasil em 1969BENTLEY, Eric. O teatro engajado. Tradução de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969., mas escritos por ele num intervalo de 12 anos (entre 1953/54, data do primeiro artigo, “Será o texto uma espécie extinta”, e 1966, data do último, “O teatro engajado”). Como prática cultural apresentou-se sob múltiplas variações no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE), entre artistas plásticos, no Teatro de Arena, na Bossa Nova Nacionalista ou Sambalanço, no Teatro Oficina, no Cinema Novo, no Grupo Opinião, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), entre outros.

Entre os dois intelectuais citados há aproximações e divergências. Eric Bentley concordou com Sartre quando este defendeu que também o silêncio; o não dito pode ser entendido como uma “tomada de posição”, uma espécie de engajamento (Sartre, 1978SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. In: Sartre. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Coleção os Pensadores. p. 3-32., p. 17, 1989SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989., p. 21-22; Bentley, 1969BENTLEY, Eric. O teatro engajado. Tradução de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969., p. 153). No entanto, discordou dele sobre a impossibilidade de outras formas artísticas (1969BENTLEY, Eric. O teatro engajado. Tradução de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969., p. 154, 161), que não unicamente a prosa, tornarem-se expressões de engajamento, pelo menos, não da mesma maneira (Sartre, 1989SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989., p. 9). De qualquer forma, já nos advertiu Reinhardt Koselleck, os conceitos não são “castelos no ar”, mas estão arraigados na história social (Malerba, 2006LÖWY, Michael. Sobre o conceito de “afinidade eletiva” em Max Weber. Plural, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 129-142, 2010., p. 22-23). Sartre, quando escreveu Que é literatura?, estava discutindo a crise da linguagem do início do século XX, considerando-a derivada de uma crise poética, por isso colocou a poesia no campo dos objetos, das coisas, tal qual a pintura, a música e a escultura, ao contrário da prosa, que estaria no campo da linguagem, dos signos (1989, p. 9-13, 15-16). Bentley, por sua vez, estava confrontando a polaridade entre arte engajada versus arte pura, arte pela arte, esteticismo que, em meados dos anos 1960, monopolizava o debate sobre engajamento artístico, não havendo espaço para outros tipos de manifestação, e entre engajamento versus alienação como se fossem instâncias antagônicas e não, tal qual concebeu Marx, como estágios de um mesmo processo (1969BENTLEY, Eric. O teatro engajado. Tradução de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969., p. 150-158).

O que queremos dizer com isso é que os conceitos devem ser historicizados; e que, quando o de engajamento surgiu nos debates sobre arte no Brasil, houve um diálogo com essa tradição do pensamento ocidental, porém mediada pelas expectativas de engajamento desses artistas e intelectuais brasileiros nos anos 1950 e 1960. Noutras palavras, queremos dizer que, se eles estiveram simultaneamente influenciados por intelectuais como Sartre e Bentley, entre outros, por vezes também partiram das polarizações entre arte engajada e arte pura, e entre engajamento e alienação. Não há, portanto, a possibilidade de analisar tais práticas culturais como reflexos diretos de tais conceitos. Mesmo que estivessem dialogando com eles, que esses autores fossem de alguma maneira seus interlocutores, não podemos desconsiderar a mediação de uma extensa gama de fenômenos locais e nacionais. No caso do Show Opinião destacamos os debates sobre o nacional-popular, as definições de cultura popular, as questões envolvendo forma e conteúdo, a função social da arte e dos artistas, o papel da arte engajada, todas elas atravessadas pela ideia de “frente única”, orientada pelo projeto político-cultural do Partido Comunista Brasileiro (PCB), porém que, no pós-golpe civil-militar, inspirou a construção da resistência cultural, abrindo caminho para múltiplas referências de esquerda.

Nesse sentido, concordamos que “teatro engajado” não pode ser entendido tão-somente como sinônimo de “teatro político” nem de “teatro nacional-popular”, pois se trata de uma definição mais complexa, que abriga essas e outras possibilidades de engajamento. Ao empregá-lo numa pesquisa de pós-doutorado que resultou nesse e em outros artigos, estamos cientes dessa acepção mais ampla. Concordamos, portanto, com Kátia Paranhos que, em dois artigos, afirmou que “o show e o grupo Opinião podem ser vistos como exemplos de teatro engajado” (2011PARANHOS, Kátia Rodrigues. Arte e experimentação social: o teatro de combate no Brasil contemporâneo. Projeto História n°. 43, p. 367-388,dez. 2011. Consultado em: Consultado em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/7963/6703 , acesso em: 1º ago. 2018.
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
, p. 374; 2012PARANHOS, Kátia Rodrigues. Engajamento e intervenção sonora no Brasil no pós-1964: a ditadura militar e os sentidos plurais do show Opinião1. Pitágoras, 500, v. 2, p. 73-82, abr. 2012. Consultado em: Consultado em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/pit500/article/viewFile/26/41 , acesso em: 1º ago. 2018.
https://www.publionline.iar.unicamp.br/i...
, p. 80), ainda que outras práticas culturais, com concepções distintas, aqui considerando também os autores, os diretores, o elenco e o público, podem ser abrigadas sob essa categoria. Noutras palavras, afirmou Bentley: “existe um grau de subversão no próprio fenômeno teatral. [...]. A subversão, a rebelião, a revolução no teatro não são uma mera questão de programa, e muito menos podem ser definidas nos termos de um gênero particular de peças” (1969BENTLEY, Eric. O teatro engajado. Tradução de Yan Michalski. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969., p. 178). Isso significa, portanto, conceber as dimensões do texto/cena, do autor/diretor/elenco e também do público como instâncias passíveis de engajamento.

Feitas tais considerações sobre engajamento e como elas possuem relação direta com nosso objeto de pesquisa, podemos afirmar que esse trajeto da música para o teatro não se deu por uma via de mão única, nem se deu exclusivamente pelas trocas entre esses dois campos tão-somente, uma vez que essas e outras linguagens artísticas influenciaram-se mutuamente. Numa via, a aproximação do teatro nacional-popular com a música popular brasileira nos anos 1960 que, pela mediação da MPB, respondia a um projeto de nacionalização da produção teatral, quando esta buscava se popularizar incorporando o potencial comunicativo da canção popular. Influenciado por essa movimentação no campo cultural, Roberto Freire afirmou, na contracapa do disco de Morte e Vida Severina, fruto da gravação do musical em 1966, que “a introdução da música obedece ao mesmo tempo à concepção do espetáculo e a propósitos de comunicação mais ampla e fácil” (Contracapa, 1966). Noutra, o contato da música com o teatro nesse mesmo contexto resultou num processo de politização dos seus temas e assimilação da ideia de performance6 6 A relação dos teatrólogos com a música era motivada também por gostos e interesses pessoais. Numa entrevista de 1966, Vianinha declarou que a música merecia “sua especial simpatia” e que admirava os Beatles porque eles “conseguiram renovar a Inglaterra” (Uma entrevista..., 1966). Em suas “memórias imaginadas”, Augusto Boal afirmou que era um músico frustrado, pois queria ter aprendido piano como suas irmãs, mas foi dissuadido pela professora de música, que achava que instrumentos de cordas como piano e cravo não eram coisas de menino, ele que se dedicasse a instrumentos de percussão como a cuíca, o berimbau, o pandeiro, a zabumba e a bateria (Boal, 2000, p. 77-78). . Influenciando essa geração, Carlos Lyra, um dos primeiros músicos envolvidos com essa produção teatral, afirmou, mesmo antes do golpe de 1964: “só faço música ligada ao teatro ou ao cinema. [...]. Só faço música dentro de uma situação dramática dada [...]. Toda música deveria ser assim orgânica, feita dentro de um esquema em que entre também teatro, cor, pintura, tudo (Conversa..., 1963CONVERSA com Carlos Lyra. O Jornal, Rio de Janeiro, 1º. dez. 1963.).7 7 Como diretor do departamento de música do CPC da UNE, Carlos Lyra foi um dos primeiros músicos da época a se aproximar do pessoal do teatro, o que resultou em produções bastante significativas. Em 1960, compôs a música O Melhor e Mais Bonito é Morrer, em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, para a peça A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, deste autor, dirigida por Francisco de Assis e encenada na Faculdade de Arquitetura, da Universidade do Brasil. Nesse mesmo ano, compôs O Subdesenvolvido, com Francisco de Assis, sem dúvida a canção mais popular do CPC da UNE, e Mister Golden, com Daniel Caetano, É Tão Triste Dizer Adeus, Promessas de Você e Maria do Maranhão, com Nelson Lins e Barros, que integraram o musical Um Americano em Brasília, produzido por Francisco de Assis e Nelson Lins e Barros e apresentado no Teatro de Arena. No ano seguinte, teve sua primeira experiência com peças infantis, compondo músicas para a peça Maroquinha Fru-Fru, e em 1962 para A Gata Borralheira. Ambas escritas e dirigidas por Maria Clara Machado e montadas no Teatro Tablado. No Teatro de Arena, trabalhou com Gianfrancesco Guarnieri, compondo a música Feio Não é Bonito para a montagem cinematográfica da peça Gimba, e Glória In Excelsis para o projeto da peça Missa Agrária, e com Nelson Xavier e Augusto Boal produzindo música para a peça Mutirão em Novo Sol. Em 1963, produziu com Vinicius de Moraes seu primeiro musical, Pobre Menina Rica. As 12 canções do espetáculo, gravado integralmente, contavam a desventura de uma moça rica, porém infeliz, que se apaixonou por um mendigo, morador de um terreno baldio. Também compôs música para o curta-metragem Couro de Gato, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, um dos cinco episódios do longa-metragem Cinco Vezes Favela, produção do CPC da UNE, com as canções Depois do Carnaval, em parceria com Nelson Lins e Barros, e Quem Quiser Encontrar o Amor, com Geraldo Vandré, para a montagem nacional de Almas Mortas, de Nicolai Gogol, e para montagem cinematográfica da peça Bonitinha, Mas Ordinária, de Nelson Rodrigues, dirigida no cinema por J. B. de Carvalho.

Essa via de mão dupla respondia às demandas daquele tempo, que encontraram nos ensaios do CPC da UNE ou nos palcos do Teatro de Arena, do Teatro Oficina, do Teatro Opinião, nas produções do teatro universitário e do teatro amador. Mais do que salas de espetáculos, esses núcleos teatrais transformaram-se em centros culturais (Campos, 1988CAMPOS, Cláudia de Arruda. Zumbi, Tiradentes (e outras histórias contadas pelo Teatro de Arena de São Paulo). São Paulo: Perspectiva, 1988., p. 35), que ofereciam uma agenda diversificada de arte engajada, alternando espetáculos musicais com teatro musicado, destinados a um público em formação estética e sentimental.

Desde o ano de 1960, o núcleo teatral do CPC da UNE, que se formou a partir de um grupo dissidente do Teatro de Arena em turnê no Rio de Janeiro, ligando-se a artistas, estudantes e intelectuais que buscavam manejar conceitos marxistas em suas produções culturais e, também, discutir a realidade brasileira a partir de uma ótica nacionalista e, por isso, encontravam-se todos os dias nos ensaios abertos de A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Francisco de Assis, na Faculdade de Arquitetura, da Universidade do Brasil. Desses encontros, nasceu o CPC da UNE, e com ele seu núcleo teatral vindo de São Paulo, que realizava parcerias com o setor musical, formado pelos músicos mais politizados (ou desejando se politizar), como Carlos Lyra, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, vinculados, direta ou indiretamente, à Bossa Nova, interessados em ampliar suas referências sonoras da música popular, urbana e rural.

No rastro do CPC, o Teatro de Arena - que havia sofrido uma divisão interna porque parte do grupo não concordava com os rumos que o teatro vinha tomando, uma vez que produzia cultura popular, preocupava-se com a realidade brasileira, mas não tinha lastro social nem pleiteava um público mais amplo - não passou incólume por essas discussões. Na sede paulista, organizou shows musicais como as Noites de Bossa e os de música folclórica entre 1962 e 1964; integrou música e texto como em Esse Mundo é Meu e Praça do Povo, com Sérgio Ricardo sendo dirigido em 1965 por Francisco de Assis e em 1968 por Augusto Boal, e em A Criação do Mundo Segundo Ary Toledo, dirigido em 1966 por Francisco de Assis; até chegar ao formato dos musicais Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, encenados em 1965 e 1967 respectivamente, e Tempo de Guerra, uma colagem de textos de Bertolt Brecht, apresentado em 1965.

Embora a criação do CPC da UNE pareça emergir de uma dissidência do Teatro de Arena, ambos formavam uma rede de intercâmbio, que nutriam afinidades eletivas8 8 Na literatura alquimista e entre os químicos modernos (Idade Média e Moderna), o termo “afinidade” inicialmente designava a atração dos corpos físicos, para em Goethe (1809) adentrar no universo de encontro de almas, e em Weber servir para tratar igualmente de questões espiritualistas e materiais, comportamentos religiosos e econômicos (1904 e 1920). Em artigos e livros recentemente publicados, Löwy recuperou-o como conceito sociológico para tratar das alianças e solidariedades entre anarquistas e marxistas ou libertários e comunistas, afirmando que existe uma outra vertente da história, não menos importante, que é frequentemente esquecida ou até mesmo deliberadamente descartada (Besancenot e Löwy, 2016, p. 14). Inspirada nesse e em outros trabalhos (Löwy, 2010), buscamos aprender o conceito de “afinidades eletivas” para tratar da aproximação da MPB e seus músicos (Edu Lobo, Toquinho, Chico Buarque, Sérgio Ricardo, Carlos Lyra, Nara Leão, Zé Kéti, João do Vale) com o teatro nacional-popular e seus dramaturgos (Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Francisco de Assis), a partir da aproximação entre linguagens distintas que passaram por processos diferenciados de formação de público e acesso à indústria fonográfica. , visando produzir uma arte engajada, a partir do ideário nacional-popular. A expressão nacional-popular, amplamente utilizada nessa época, ainda não estava associada, embora existissem pontos convergentes, com o conceito gramsciano. Segundo depoimento de contemporâneos (Gullar apud Ridenti, 2000PEIXOTO, Fernando (org.) Vianinha: teatro, televisão, política. São Paulo: Brasiliense , 1999., p. 128 E FREDERICO, 1998FREDERICO, Celso. A política cultural dos comunistas. In: MORAES, João Quartim (org.) História do marxismo no Brasil: Volume III: Teorias, Interpretações. Campinas: UNICAMP, 1998. p. 275-304., P. 277), a obra de Gramsci era pouco difundida no Brasil do pré-1964 - sua primeira tradução data de 1966, e Literatura e vida nacional de 1968, no qual o conceito encontrava-se mais estruturado, ambas as obras foram publicadas pela editora Civilização Brasileira. Isso, no entanto, não impedia que as publicações italianas ecoassem por aqui, e os escritos de Gramsci pudessem ser relacionados de alguma forma à intelectualidade brasileira, principalmente quando ele afirmou que, para se construir uma “nova cultura”, esta não podia

deixar de ser histórica, política, popular: deve tender a elaborar o que já existe, não importa se de um modo polêmico ou de outro modo qualquer; o que importa é que aprofunde suas raízes no humus da cultura popular tal como é, com seus gostos, suas tendências etc., com seu mundo moral e intelectual, ainda que este seja atrasado e convencional (1978GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1978., p. 14-15).

Esse “movimento intelectual” de “ida ao povo”, como definiu Gramsci (idem, p. 73), deveria promover a um só tempo uma espécie de síntese entre universal e particular, um espaço simbólico situado entre o humanista-universalista, através das elites internacionalizadas, e o dialetal-folclórico, concernente às classes populares (Napolitano, 2011NAPOLITANO, Marcos. A relação entre arte e política: uma introdução teórico-metodológica. Temáticas, Campinas, v. 19, n. 37/38, p. 25-56, jan./dez. 2011., p. 33).9 9 A luta por uma “nova cultura” significava, para Gramsci, formar uma literatura nacional-popular na Itália, pois a ausência dela deixou o mercado literário italiano aberto ao influxo de grupos intelectuais estrangeiros, que populares-nacionais em seus países também eram na Itália, principalmente através do romance histórico-popular francês, fazendo com que o povo italiano se apaixonasse mais pelas tradições francesas, monárquicas ou revolucionárias, do que pela sua própria história. O problema, portanto, estava relacionado, como no Brasil dos anos 1960, ao consumo do ser do outro (1978, p. 17-18).

Dito isso, podemos pensar tais manifestações artísticas de uma perspectiva nacional-popular, desde que não se restrinja unicamente a ela e se considere a pulverização teórica como característica daqueles tempos que, no âmbito das esquerdas latino-americanas, oscilava entre a tática do proletkult (cultura proletária), o realismo-socialista (resquícios do stalinismo orientado por Andrei Zhdanov) e o realismo crítico universalista (inspirado em Georg Lukács), e se considerem também as particularidades históricas da Itália dos anos 1920 e 1930, onde se buscava fortalecer alianças progressistas contra a ascensão do fascismo, e do Brasil dos anos 1960 e 1970, onde se fechava todos os espaços de atuação política (Napolitano, 2011NAPOLITANO, Marcos. A relação entre arte e política: uma introdução teórico-metodológica. Temáticas, Campinas, v. 19, n. 37/38, p. 25-56, jan./dez. 2011., p. 32-33).

Da rearticulação do CPC no pós-golpe, em parceria com o Teatro de Arena, nasceu o Show Opinião, ponto de partida para a fundação de um grupo de mesmo nome. É por isso que defendemos que o Show Opinião inaugurou uma nova fase das produções teatrais nos anos 1960 sem, no entanto, romper drasticamente com tudo que viera antes de 1964. Ele pode ser considerado, no campo cultural, síntese e dissonância de questões importantes que atravessaram tal marco político, isto é, o golpe civil-militar. Síntese porque se vinculava ao ideário nacional-popular, ligado principalmente ao PCB, ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e marcada pela teoria de subdesenvolvimento cultural, de Roland Corbisier (Corbisier, 1958CORBISIER, Roland. Formação e problema da cultura brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958.). Dissonância porque mobilizou e influenciou artistas e intelectuais dos mais diversos matizes, não necessariamente ligados ao PCB e a instituições congêneres, que transitaram por caminhos não recomendados por ele politicamente, como a aproximação com as dissidências que aderiram à luta armada.

A produção do Show Opinião, em fins de 1964, consagrou aquilo que o CPC da UNE, em constante autocrítica, já vinha acenando como sua principal limitação, isto é, os temas nacionais estavam na ordem dia, mas não alcançavam um público mais amplo, exceto esporadicamente com o teatro de rua e as UNE volantes, enquanto as classes populares não eram produtoras artísticas nem detinham os meios de produção. Num primeiro momento, muito se discutiu sobre a formação estética e sentimental dos seus quadros, a maioria artistas e estudantes, e a expansão do público para além das classes médias para, em seguida, criar condições de produção destinadas às classes populares para que pudessem assumir-se porta-vozes de tais demandas (Garcia, 2007GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à canção engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007., p. 43-49).

No mesmo ano de produção do Show Opinião, Ferreira Gullar publicou pela segunda vez, embora como 1ª. edição, o livro Cultura posta em questão10 10 Marcos Napolitano analisou a resistência cultural na ditadura militar não como uma única alternativa consagrada por uma memória de consenso, mas procurou mapear múltiplas possibilidades, que variaram de posições ideológicas mais consolidadas, que se firmaram na cultura política daquela época, ou como posições conjunturais mais instáveis sob inspiração muito diversificada (Napolitano, 2011, p. 12-14), que se interpenetraram e incidiram diretamente sobre os espetáculos musicais que, grosso modo, transitaram do projeto de “frentismo cultural”, isso até meados de 1960 pelo menos, à adesão à guerrilha urbana a partir de 1964. De acordo com Napolitano, “a resistência, desde os seus primórdios, movia-se em meio a um quadro complexo, que ia dos setores mais conservadores aos mais radicais, marcado por três atores principais entre 1964 e 1968: os liberais críticos, porém dispostos a negociar; o Partido Comunista Brasileiro, com ampla penetração entre artistas e intelectuais, cujas principais bandeiras - unidade e volta à democracia - fez com que eles acabassem reféns das vicissitudes dos liberais; e, finalmente, a oposição de esquerda mais radical, disposta a pegar em armas para derrubar a ditadura e que, para tal, tinha que romper com as amarras do PCB, até então principal grupo de esquerda do Brasil” (2011, p. 28-29). , escrito em janeiro de 1963, afirmando ser

necessário desenvolver uma ação mais próxima da massa, não apenas produzindo obras “para” ela como procurando trabalhar “com” ela, visando tanto desenvolver, nela, os meios de comunicação e produção cultural, como obter, nesse trabalho, um conhecimento mais objetivo de determinada comunidade que permite maior eficácia na elaboração da obra que seja dirigida à massa (Gullar, 1965GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965., p. 6-7).

A contracapa do long play do Show Opinião, gravado em 23 de agosto de 1965, pela Companhia Brasileira de Discos (CBD), por questões óbvias não mencionou os vínculos com CPC da UNE. Lembrando que a realização do Show era uma forma não declarada de dar continuidade às atividades do CPC que, em 1º. de abril de 1964, teve sua sede incendiada por organizações paramilitares, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Mesmo assim, reforçava suas linhas mestras desde os idos de 1963, que vinham sendo ressignificadas de acordo com os resultados alcançados. Desse modo, assim como o movimento de cultura popular, levado a cabo pelo CPC, deveria atuar simultaneamente para e com grupos sociais (Relatório..., 1963, p. 444), também o Show Opinião era

fruto do trabalho de longos anos de um grupo de intelectuais e artistas que romperam com a cultura de elite e decidiram-se a levar a cultura ao povo. Para fazer cultura com e para o povo, meteram-se nas entidades estudantis, nos sindicatos. Pesquisaram, estudaram, debateram, erraram, acertaram (Contracapa, 1965).

No prólogo da edição impressa, intitulado “As intenções do Opinião”, os autores Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes afirmaram que uma das primeiras intenções do Show Opinião, com a qual concordavam os intérpretes Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale, era enriquecer a música popular a partir da sua relação com as tradições, uma vez que

a música popular é tanto mais expressiva quanto mais tem uma opinião, quando se alia ao povo na captação de novos sentimentos e valores necessários para a evolução social; quando mantém vivas as tradições de unidade e integração nacionais. A música popular não pode ver o público como simples consumidor de música; ele é fonte e razão da música (1965COSTA, Armando; VIANNA FILHO, Oduvaldo; PONTES, Paulo. Opinião. Rio de Janeiro, Edições do Val, 1965., p. 7).

Com a produção do Show Opinião, acreditavam que uma das saídas para o problema de repertório (e do público) para esse gênero de teatro era a aproximação do popular, não só como produto mas também como produtor, como já vinha idealizando o CPC da UNE antes do golpe civil-militar, ainda que depois de 1964 isso tenha se restringido à via da encenação. A segunda intenção do Show Opinião era, portanto, “uma tentativa de colaborar na busca de saídas para o problema do repertório do teatro brasileiro que está entalado - atravessando a crise geral que sofre o país e uma crise particular que, embora agravada pela situação geral, tem é claro, seus aspectos específicos” (1965COSTA, Armando; VIANNA FILHO, Oduvaldo; PONTES, Paulo. Opinião. Rio de Janeiro, Edições do Val, 1965., p. 9).

A “crise geral” pela qual passava o país naquele momento era institucional, que resultou num golpe civil-militar, e a “crise particular” estava relacionada à produção teatral, que cada vez mais se afastava de um teatro popular. Para os autores do espetáculo, essa “crise particular” consistia numa

supervalorização intelectual do teatro que tira sua espontaneidade, a importação mecânica de sucessos comerciais da Europa e Estados Unidos, um fetiche do teatro internacional, uma falsa relação de subordinação entre o diretor e o ator que anula o poder criador do ator brasileiro, a transferência das rédeas da direção cultural do teatro brasileiro para os diretores estrangeiros (ao invés de incluí-los no processo geral da criação) terminaram por fazer do nosso teatro um teatro sem autoria, sem deliberação, à matroca. O teatro cá, o público lá (1965COSTA, Armando; VIANNA FILHO, Oduvaldo; PONTES, Paulo. Opinião. Rio de Janeiro, Edições do Val, 1965., p. 9-10).

As intenções do Show Opinião, de um lado, articulavam duas demandas que, se não eram novas, também não se encontravam dissociadas: o nacional e o popular. Lembrando que Nelson Werneck Sodré afirmou, em 1962SODRÉ, Nelson Werneck. Quem é o povo no Brasil? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1962. , que “em política, como em cultura, só é nacional o que é popular” (1962SODRÉ, Nelson Werneck. Quem é o povo no Brasil? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1962. , p. 17), e Ferreira Gullar considerou, em 1964, que a “cultura popular tem caráter eminentemente nacional e mesmo nacionalista (Gullar, 1965GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965., p. 9). De outro, a ressignificação da ideia de frentismo cultural e a constituição de uma frente de resistência cultural11 11 O CPC, embora tivesse autonomia administrativa, era ligado formalmente à UNE e estruturalmente se dividia em departamentos de teatro (dividido em teatro convencional e de rua), cinema, música, arquitetura, artes plásticas, administração, alfabetização para adultos e literatura (Berlinck, 1984, p. 27). alteraram os rumos do teatro nacional-popular, a partir da sua aproximação com a música popular brasileira. Mais especificamente com a MPB, que pode ser considerada a versão mais acabada desse projeto estético-ideológico que remonta ao nacionalismo musical de base folclorista dos anos 1920 e 1930 (Contier, 1986, p. 543-544 apud Napolitano, 1999MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). São Paulo: Proposta Editorial, 1982. , p. 92), porém inserida numa estrutura de mercado de bens culturais diferenciada (Ortiz, 1988OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Flicts: as cores e os sons que aproximaram Ziraldo e Sérgio Ricardo. In: HAGEMEYER, Rafael Rosa; SARAIVA, Daniel. Esse mundo é meu: as artes de Sérgio Ricardo. Curitiba: Appris , 2018. (no prelo), Napolitano, 1999NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999.), sob o controle cada vez mais rigoroso da censura de diversões públicas (Garcia, 2008GARCIA, Miliandre. Ou vocês mudam ou acabam: teatro e censura na ditadura militar (1964-1988). Rio de Janeiro, 2008. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Se com a bossa nova nacionalista o nacional-popular esteve mais concentrado na questão do nacional, num projeto de nacionalização da forma e conteúdo como solução para seus impasses estético-ideológicos, a partir do golpe civil-militar a produção envolvendo teatro e música passou a se orientar pela ressignificação do popular, apostando na expansão do seu público, uma vez que já vinha se aproximando do samba de raiz e da música regional (Napolitano, 1999MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). São Paulo: Proposta Editorial, 1982. , p. 105, 116). No contexto pós-golpe, é importante mencionar que o elo entre intelectuais comunistas e as classes populares (tal como foi idealizado anteriormente) se rompeu, e entre eles o mercado se colocou como mediador. Isso resultou numa mudança de enfoque da questão nacional para o popular, e permeou a produção dos musicais em meados da década de 1960, principalmente o Show Opinião, que inaugurou essa nova fase dos musicais brasileiros.

Como evidenciou Marcos Napolitano, entre 1964 e 1965 as peças musicais tiveram “um papel central na articulação das artes performáticas, tendo a música como um campo de expressão privilegiado”, funcionando como “o amálgama do debate estético e ideológico proposto, o que deu novo alento ao nacional-popular”, mas que, no entanto, “já não era mais visto como cimento para a estratégia reformista, mas como núcleo ético e político para a construção da resistência. Tratava-se de fazer com que o nacional desse sentido ao popular e não com que o nacional configurasse o popular” (1999NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 65, 69). Como precursor dessa fase, o Show Opinião assumiu “a necessidade de se colocar os problemas socioculturais do país, numa perspectiva mais “popular” do que “nacional”. Esse talvez seja o seu sentido histórico mais importante: ao mesmo tempo que representou uma continuidade do frentismo cultural, o Opinião reduziu a amplitude dessa aliança dando mais ênfase ideológica e estética aos segmentos “populares” (Napolitano, 1999NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 73).

Na produção do Show Opinião, a ideia de “frente única” e a constituição de um teatro nacional-popular alinharam-se às novas demandas das esquerdas, que se abriam para as múltiplas formas de resistência. O Show Opinião, afirmou Yan Michalski, foi “a primeira semente daquilo que viria a ser uma das mais fortes trincheiras teatrais contra o regime militar [...] com a fórmula da colagem lítero-musical que, de então em diante, será cada vez mais utilizada pelo teatro de resistência” (apud Kühner e Rocha, 2001HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980., p. 72).

O Show Opinião resgatou o formato dos musicais que, se na história do teatro não era novidade no Brasil, que já tinha tradição no teatro musicado, nem no mundo, com os musicais da Broadway e as óperas didáticas na Alemanha e, na história recente, já havia sido experimentado pelos departamentos de teatro e música do CPC da UNE12 12 Em fins dos anos 1950, de acordo com Nehemias Gueiros Jr., o termo “selo” era usado para identificar rótulos chamativos, colados nos compactos de 45 rpm, como estratégia promocional. Posteriormente, passou a indicar os departamentos das gravadoras especializados em diferentes gêneros musicais (apudVicente, 2014, p. 18). , inovou a narrativa teatral, outrora considerada sinônimo do drama (Costa, 2012COSTA, Iná Camargo. Nem uma lágrima: teatro épico em perspectiva dialética. São Paulo: Expressão Popular, 2012.), ao tornar a música popular seu “carro-chefe”.

A adesão ao formato dos musicais pelos núcleos de teatro engajado está atrelada à popularidade do gênero no Brasil. Essa ressignificação do formato, a partir de novas demandas, pode ser concebida como uma estratégia das esquerdas que, mesmo concebendo-os algumas vezes símbolos de alienação, acabaram apropriando-se de suas potencialidades de recepção junto ao público que, além de expandir-se, se formava consumidor de arte engajada. Raymond Williams tratou desse assunto num ensaio sobre a base e a superestrutura na teoria da cultura marxista quando afirmou que toda nova forma e conteúdo estético trazem consigo elementos emergentes (novos) que, no entanto, preservam aspectos residuais (preexistentes). Ou seja, todo experimentalismo artístico dialoga, de alguma maneira, com uma dada tradição (2011WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo, Unesp, 2011., p. 43-68).

No processo de elaboração do Show Opinião, pelos autores Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, a escrita do roteiro partiu de um método incomum que consistiu basicamente em investigar as histórias de vida de João do Vale, Zé Kéti e Nara Leão, e a partir delas construir um roteiro provisório que era a base de todos os ensaios. Como enfatizou Kühner e Rocha, os testemunhos como matéria-prima tinham um valor investigativo que ia além das experiências individuais de cada um: eram formas de sentir e de pensar o próprio tempo, permeadas pelas impressões do indivíduo oprimido pelas estruturas (2001HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980., p. 50-51). A relação com o roteiro durante os ensaios do Show, por sua vez, não se resumiu à reprodução das falas predeterminadas por seus autores, mas à incorporação da linguagem verbal e corporal dos atores/intérpretes (1965COSTA, Armando; VIANNA FILHO, Oduvaldo; PONTES, Paulo. Opinião. Rio de Janeiro, Edições do Val, 1965., p. 8). Noutras palavras, o ensaio não tratou da interpretação de um texto escrito de acordo as técnicas já existentes: ele era a própria essência da construção desse texto a partir da história de vida de personagens reais.

Esse método de trabalho serviu para torná-lo o mais natural possível, uma vez que os protagonistas não eram atores profissionais nem amadores, mas músicos que nunca tinham atuado ou tinham atuado apenas como figurantes, a exemplo de João do Vale, que havia feito pontas nos filmes Mãos Sangrentas, de Carlos Hugo Christensen (1954), e No Mundo da Lua, de Roberto Farias (1958) (Dias, 2000DIAS, Mauro. Biografia do autor de ‘Carcará’ narra ascensão e glória do compositor maranhense. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 set. 2000.). Se fosse o contrário, atores sem formação musical que tivessem que interpretar canções, outras estratégias seriam empregadas (como foram posteriormente).

À estruturação da cena incorporavam-se técnicas dramatúrgicas já empregadas na história do teatro, dos musicais particularmente; também assimilava características da produção cinematográfica em voga no século XX. Vale frisar que o cinema neorrealista italiano já empregava tais recursos, a nouvelle vague idem, e nos filmes de Nelson Pereira dos Santos também se fazia isso, ainda que em menor proporção.

A realização do Show Opinião se estruturava na ideia de organização de uma “frente única” no âmbito da cultura, uma espécie de adaptação do projeto pecebista de aliança interclasses, que atravessava a perspectiva nacional-popular e contava com a participação de três artistas, representando três extratos sociais e suas variedades culturais. Como afirmou Mauro Dias, em resenha do livro Pisa na Fulô, mas não maltrata o Carcará, de Marcio Paschoal (2012PARANHOS, Kátia Rodrigues. Teatro, música e o Grupo Opinião: “que bicho deve dar?” Anais eletrônicos do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP, Santos, 2014. Consultado em: Consultado em: http://www.encontro2014.sp.anpuh.org/resources/anais/29/1407285755_ARQUIVO_KatiaParanhos-Anpuh2014-textocompleto.pdf , acesso em 1º ago. 2018.
http://www.encontro2014.sp.anpuh.org/res...
), e assimilando o argumento da literatura de fins dos anos 1970 e dos 1980, “um espetáculo musical que juntaria em cena três Brasis: a moça da classe média do Rio de Janeiro, o suburbano carioca, o migrante sobrevivente” (2000DIAS, Mauro. Biografia do autor de ‘Carcará’ narra ascensão e glória do compositor maranhense. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 set. 2000.). Essa tese foi amplamente difundida por intelectuais de esquerda, e aparece bem fundamentada em Heloísa Buarque de Hollanda (1980HAGEMEYER, Rafael Rosa; SARAIVA, Daniel. Esse mundo é meu: as artes de Sérgio Ricardo. Curitiba: Appris, 2018. (no prelo)).

Opinião é a música-tema do espetáculo e uma das mais emblemáticas da produção artística engajada da década de 1960. Os versos “podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião” permearam o imaginário das esquerdas durante a ditadura militar, isso porque sintetizava o enfrentamento simbólico da resistência cultural. Era também música de trabalho do LP Opinião de Nara, lançado pela Philips em novembro de 1964, proprietária do selo da CBD13 13 Se essa comunicação era restrita a um público como definiu a literatura na época (Bernardet, 1967; Schwarz, 1969-1970; Mostaço, 1982), importa-nos entender como ela se deu a partir da abertura do mercado (Napolitano, 1999) e da interação música e teatro. que, em 23 de agosto de 1965, lançou o LP do Show Opinião. Nara Leão, em seu segundo LP, seguiu o caminho que já vinha trilhando Carlos Lyra, em Depois do Carnaval - O Sambalanço de Carlos Lyra, lançado em 1963LYRA, Carlos. Depois do Carnaval - O sambalanço de Carlos Lyra. Carlos Lyra e Nara Leão. Cidade: Philips, 1963. 1 disco (31’23’’): 33 1/3 rpm, microssulco, mono. AA 630492.12L., tais como a aproximação da música popular urbana e rural, a noção de cultura popular, o samba como genuína música nacional, livre das influências da indústria cultural, porém sem descartar a contribuição musical da Bossa Nova para a moderna música popular brasileira. Noutras palavras, a relação entre o universal e o particular como fundamento da arte nacional-popular.

João do Vale vinha de uma família muito pobre do sertão nordestino. Na adolescência, fugiu com um circo que se apresentara em Pedreiras, no interior do Maranhão. Com ele seguiu viagem até Teresina, capital do Piauí; lá arrumou emprego de ajudante de caminhão e continuou viajando por vários lugares. Até chegar ao Rio de Janeiro, morou em várias cidades, e nelas fez de tudo um pouco: em Salvador/BA foi pedreiro, e em Teófilo Otoni/MG garimpeiro (Dias, 2000DIAS, Mauro. Biografia do autor de ‘Carcará’ narra ascensão e glória do compositor maranhense. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 set. 2000.). Sua primeira canção reconhecida pelo público foi Na Asa do Vento, composta em 1953, em parceria como Luís Vieira. Em dez anos, tornou-se um compositor (re)conhecido nacionalmente. Quando foi convidado a integrar o elenco do Show Opinião, em 1964, já tinha 230 músicas gravadas, sem contar as músicas que ele afirmou ter vendido. Uma prática recorrente entre os sambistas, que de tão comum se tornou até tema de filme (Napolitano, 2014NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. Tese (Livre-docência em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.). Faziam parte do espetáculo as canções solos Pisa na Fulô, Tome Morcego, Minha História, Matuto Transviado, e as parcerias Peba na Pimenta, com Zé Batista, Carcará e Segredo de Sertanejo, com Zé Cândido, e Sina de Caboclo, com J. B. Aquino.

A primeira canção do Show Opinião, também a primeira da seleção do long-play, cumpriu a dupla função de expressar o tempero regional da música brasileira, muito bem representado no duplo sentido da pimenta do Seu Malaquias, que tinha a função de criar empatia com o público através do seu conteúdo cômico, destacando a reação de Maria Benta ao tal tempero do tatu. Peba na Pimenta tem uma estrutura musical muito simples, a mesma estrutura para todas as estrofes, pontuada pelo ritmo contínuo dos instrumentos musicais de origem popular (violão, pandeiro, ganzá). Além disso, sua estrutura literária reforçava seu duplo sentido, de conotação sexual. A cada manifestação maliciosa de Maria Benta em relação à “pimenta” do Seu Malaquias, o público do teatro interagia com gargalhadas prolongadas. A gravação em áudio se tem o lado positivo de preservar parte do espetáculo, também pode induzir ao erro, uma vez que se tratou de uma seleção musical, e através dela não se pode afirmar se todas as canções tiveram a mesma recepção do público, quais tiveram e por quê.

O riso ali, ao contrário do que se possa imaginar, não era um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar um objetivo muito maior. Não funcionava apenas como válvula de escape de energias represadas pelas forças repressivas, mas era uma maneira de envolver o público numa luta muito mais ampla de resistência cultural que se formava no meio artístico-intelectual.

Não é novidade no Brasil recorrer-se ao humor como forma de se potencializar a crítica política. A cultura do riso, historicamente, vem obtendo maiores resultados na sociedade brasileira, independentemente do extrato social. As charges políticas na Primeira República e o Barão de Itararé (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly) a partir dos anos 1920 demonstraram exemplarmente seus inúmeros usos. Como ocorreu com a linguagem dos musicais, também a cultura do riso passou por um processo de ressignificação no contexto pós-golpe que, de alguma forma, contribuiu para fortalecer a cultura da resistência. Um dos seus exemplos mais populares foi, sem dúvida, o jornalista Sérgio Porto, mais conhecido por Stanislaw Ponte Preta, que eternizou o Festival de besteiras que assola o país (Febeapá), que em dois volumes eternizou histórias jocosas envolvendo os agentes da ditadura. Ele não foi o único a fazer isso nem tampouco o mais importante naquele contexto. Também cartunistas e jornalistas do Pasquim mais o meio teatral recorreram frequentemente à cultura do riso para exteriorizar insatisfações políticas no contexto ditatorial. Como afirmou Eric Bentley,

é o humor dos homens pequenos que há milênios vêm negaceando e arremedando os “grandes”, assim exprimindo e esgotando seus ímpetos revolucionários. A expressão “sorria e aguente” diz tudo. É o sorriso que nos habilita a aguentar. Uma vez mais, o humor dos presidiários: semelhante humor não é um escape para a agressão sem finalidade. A finalidade é sobrevivência: aliviar o fardo da existência a um ponto tal que possa ser suportado. Evidentemente, existem muitos aspectos do fenômeno. O humor num campo de concentração não ajudará ninguém a sair. Contribui apenas para fazer que se aceite o internamento. Mas, ao fazê-lo, poderá ajudar a manter o corpo e a alma unidos contra o dia em que a saída será possível... (1981BENTLEY, Eric. A experiência viva do teatro. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981., p. 311).

Os artistas e os intelectuais envolvidos com a produção do espetáculo tinham plena consciência disso, principalmente Vianinha e Boal que, cada um à sua maneira, se empenharam em ressignificar formas populares de interação com o público, num contexto de progressiva repressão a operários, estudantes, intelectuais e artistas. Anos depois, num entrevista sobre sua peça Allegro Desbum, Vianinha, fundador do CPC da UNE e roteirista do Show Opinião, defendeu-se de uma parcela da crítica que insinuava (ou dizia claramente) que ele tinha agido de “má fé” ao apelar para estilização cômica, dizendo que o riso nos seus trabalhos nunca funcionou como fuga da realidade, mas, ao contrário, deveria servir como uma espécie de imersão nela (Conrado, 1973CONRADO, Aldomar. Vianinha, em ritmo de allegro desbum. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 ago. 1973.).

Com letra incisiva, refrão marcante e música pontuada por instrumentos de percussão, a canção Carcará tornou-se, sem dúvida, uma das mais emblemáticas do espetáculo. Junto a um coro de vozes femininas, Nara Leão entoava uma lista de dados demográficos relacionados à imigração nordestina, confirmando que 2 milhões de nordestinos viviam em outros estados: 10% da população do Ceará, 13% da do Piauí, mais de 15% da Bahia e 17% de Alagoas (1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. , p. 39-40). A música, a letra, o coro, as informações demográficas mais o refrão, todos concatenados ao mesmo tempo, levavam a plateia a um estado de êxtase, e seus intérpretes eram aplaudidos de pé. No Show Opinião, é mais provável que Carcará esteja relacionado à representação do mal, que no pós-golpe atingiu toda sociedade brasileira, e que desde então expandiu suas garras repressivas. “É um bicho que avoa que nem avião, é um pássaro malvado, tem o bico volteado que nem gavião”, “Carcará é malvado, é valentão, é a águia de lá do meu sertão. Os burrego novinho num pode andá, ele puxa o umbigo inté mata. Carcará / Pega, mata e come”.

No Show Opinião, a regionalidade musical esteve representada pela participação de João do Vale como vimos acima, mas também pelo lendário desafio entre Cego Aderaldo, do Ceará, e Zé Pretinho, do Piauí, ocorrido na cidade de Varzinha, em 1916, e recolhido por Manuel de Cavalcanti Proença. O desafio entre os repentistas seguiu-se ao depoimento dos protagonistas descrevendo o apelido de cada um, não sem colocar a política na berlinda.

A exposição dos apelidos serviu de mote para João do Vale entrar numa brincadeira trava-língua com Nara Leão e introduzir os desafios de Cego Aderaldo com Zé Pretinho. O desafio central era pronunciar, de diversas maneiras, o refrão: “quem a paca cara compra, cara a paca pagará”, “paca a cara pagará quem a paca cara compra”, e assim por diante (1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. , p. 36-37). Também na edição impressa a ordem das estrofes não é a mesma da gravação em áudio, confirmando mais uma vez nossa hipótese de que o improviso norteou toda a preparação do Show Opinião, desde as entrevistas com os protagonistas até sua versão final, concedendo-lhes maior liberdade quando lhes faltavam experiência de palco e formação cênica.

Nara Leão era a representante da classe média alta, moradora da zona sul carioca, filha de pai advogado e mãe professora. No início de 1960, ficou conhecida como a musa da Bossa Nova, que cedia seu apartamento para encontros da turma, era cobiçada por seus belos joelhos, namorava Ronaldo Bôscoli e estudava violão com Roberto Menescal e Carlos Lyra. Essa imagem de cunho machista, cristalizada em livros como Chega de Saudade, de Ruy Castro (1999CASTRO, Ruy. Chega De Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.), não se sustenta após uma análise mais detalhada da trajetória de artista tão plural (ver Saraiva, 2018RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record , 2000.). Nos idos de 1963, Nara Leão fez sua primeira participação especial no disco Depois do Carnaval, interpretando com Carlos Lyra os duetos É Tão Triste Dizer Adeus e Promessas de Você. Isso antes de gravar, no ano seguinte, seus primeiros álbuns solos, Nara e Opinião de Nara, e em 1965 e 1966 O canto Livre de Nara e Nara Pede Passagem, interpretando canções de compositores da Bossa Nova, da MPB, do samba e da música regional.

Os primeiros discos de Nara Leão - Nara (Elenco, 1964LEÃO, Nara. Opinião de Nara. Philips/CBD, 1964. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.732 L.), Opinião de Nara (Philips, 1964LEÃO, Nara. Opinião de Nara. Philips/CBD, 1964. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.732 L.) e O canto livre de Nara (Philips, 1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. ) - tinham repertório muito semelhantes ao do Show Opinião, os temas dialogavam entre si, bem como os mesmos compositores transitaram por esses discos, o que nos permite analisá-los comparativamente, observando como o Show Opinião influenciou e foi influenciado simultaneamente pela produção dos álbuns solos de Nara Leão e de outros músicos, intérpretes e compositores ligados direta ou indiretamente aos debates sobre o nacional-popular, especificamente no teatro e na música. Isso, no entanto, não nos autoriza a tomá-los como produções indiferenciadas. Ainda que se tratem das mesmas canções, interpretadas pelos mesmos músicos, no mesmo período, uma interpretação nunca é igual à outra, e pequenas variações no arranjo original ou mesmo a inclusão de outros instrumentos musicais podem fazer uma enorme diferença no resultado final.

Também a gravação de um show ao vivo apresenta outros padrões musicais e técnicos que a gravação de um artista ou de um grupo em estúdio, que costuma mobilizar músicos profissionais, múltiplos instrumentos, uma equipe técnica, além de dispor de sala de gravação, acústica adequada e preparadores de som. Há que se considerar também a escolha do repertório. Ela tanto pode se dar pelo sucesso que uma determinada canção tenha feito, a ponto de ser regravada várias vezes por inúmeros intérpretes, cada qual com novo arranjo, como pode se dar pela escolha política e ideológica do intérprete, como forma de demarcar posição no cenário musical. Embora se trate de outro contexto, é impossível não se impressionar com a escolha das canções que Chico Buarque fez, por exemplo, para o disco Sinal Fechado (Phonogram/Philips, 1974BUARQUE, Chico. Sinal Fechado. Philips/CBD, 1974. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, stereo. 6349 122 B.). Com exceção de Acorda Amor, assinada por seu pseudônimo Julinho da Adelaide, todas as demais composições não eram de sua autoria, mesmo assim todas dialogavam com seu projeto de enfretamento da ditadura militar e do uso da “linguagem da fresta”, demonstrando o domínio que o artista tem da sua criação, mesmo quando as músicas não foram compostas por ele.

O estereótipo de “musa da Bossa Nova” incomodava Nara Leão, que naquela ocasião não queria ser relacionada exclusivamente a um único gênero musical, padronizados pelo mercado fonográfico. “Não acho que porque vivo em Copacabana só posso cantar determinado estilo de música. [...] eu quero cantar todas as músicas que ajudem a gente a ser mais brasileiro, que façam todo mundo querer ser mais livre, que ensinem a aceitar tudo, menos o que pode ser mudado” (1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. , p. 20). Nara Leão queria expandir os horizontes para além dos limites que lhe era impostos (pela classe social, pelo mercado, pelos produtores, entre outros), como fez no LP Opinião de Nara, reafirmando o que disse nos ensaios do Show Opinião, que “queria fazer um disco com músicas de vocês [João do Vale e Zé Kéti], com música de Sérgio Ricardo, Tom, Vinicius, Lyra, com folclore, com grandes sucessos da música brasileira. Um disco com todo mundo pra todo mundo” (1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. , p. 73).

Nara Leão estreou no Show Opinião em 11 de dezembro de 1964LEÃO, Nara. Opinião de Nara. Philips/CBD, 1964. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.732 L., com direção musical de Dori Caymmi. Não se sabe ao certo se, devido a um contrato de temporada no exterior (Espetáculo..., 1965ESPETÁCULO do Rio virá a São Paulo. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 25 jan. 1965.) ou a uma laringite decorrente da impostação incorreta da voz (Nara..., 1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. ), Nara Leão afastou-se do espetáculo antes de completar dois meses, em 30 de janeiro de 1965. Na montagem carioca quem a substituiu temporariamente foi Suzana de Moraes, filha de Vinicius de Moraes, que permaneceu no elenco até 13 de fevereiro de 1965. Na turnê paulista, aventou-se substituí-la por Elis Regina (Espetáculo..., 1965ESPETÁCULO do Rio virá a São Paulo. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 25 jan. 1965.), mas na estreia no Teatro de Arena, em 1º de maio de 1965, quem a substituiu definitivamente foi Maria Bethânia, sob a direção musical de Geni Marcondes (Kühner e Rocha, 2001HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980., p. 71). Mesmo tendo protagonizado o Show por curto período, Nara Leão participou das suas gravações ao vivo em 23 de agosto de 1965, que resultaram no LP Show Opinião, lançado pela CBD, selo da Philips no Brasil.

Integrado a esse novo contexto de assimilação do samba, considerado expressão da autêntica música popular urbana brasileira, a participação de Zé Kéti no Show Opinião contava com suas composições individuais, Samba, Samba, Samba, Noticiário de Jornal, Tubinho, Favelado, Nega Dina, Malvadeza Durão, A Voz do Morro, Opinião, Marcha do Rio, 40 Graus, e com a parceria de Hermínio Bello de Carvalho em Cicatriz.

Favelado é a versão urbana do retirante, e o morro é a representação congênere do sertão. Os dois são vítimas de um contexto de desigualdades sociais, potencializados por questões estruturais (da natureza geográfica, de formação social), porém situados em espaços geográficos distintos (o meio urbano e o rural). Na introdução à canção, os diálogos entre Zé Kéti e Nara Leão cruzavam referências morais, como as relacionadas ao uso de drogas e ao estereótipo do “maconheiro” (“Ô, distinto, tá de touca?”, “Que nada, deixa eu ver o olho. Nem tá vermelho”), a elementos políticos, como os que caracterizavam os comunistas (“Ô, meu camaradinha, não fica falando em vermelho, não, que vermelho tá fora de moda) e a “linha dura” (“Tô duro. Durão. Agora sou da linha dura!”) (1965, p. 42-44). Como vimos, fazer piada com assuntos considerados sensíveis naquele momento podia ser interpretado como uma válvula de escape para grupos sufocados pela repressão e pelo controle, e também uma forma de comunicação com um público mais amplo, em tempos de autoritarismo.14 14 No meio musical e nos trabalhos acadêmicos, costuma-se distinguir trilha musical e trilha sonora. Enquanto trilha musical diz respeito exclusivamente às canções, trilha sonora seria isso mais toda sonoplastia da cena (Toledo, 2010, p. 24).

Zé Kéti representava “a voz do morro”, literal e metaforicamente. Era sambista carioca, morador da zona norte, nasceu em Inhaúma e morava em Bento Ribeiro. Como não podia viver exclusivamente dos seus sambas, era empregado do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC). Sua primeira canção gravada foi A Voz do Morro. Passou oito anos procurando um intérprete que aceitasse gravá-la. Isso só aconteceu em 1955, quando integrou a trilha sonora15 15 No lançamento desse disco, o CPC da UNE ainda não havia sido fundado, mas já havia indícios de que Carlos Lyra se movimentava pela via do nacional-popular, em virtude do contato com o elenco da peça A Mais-valia Vai Acabar, Seu Edgar ou, então, com o núcleo do ISEB, principalmente com Carlos Estevam Martins. do filme Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos. Mesmo depois de ter sido gravada mais de 30 vezes, Zé Kéti não ganhou muito com direitos autorais. Entre as versões de maior sucesso está a interpretação dos Vocalistas Tropicais e de Jorge Goulart, uma das músicas mais cantadas no carnaval de 1958. Não por acaso, A Voz do Morro deu nome a um conjunto musical, formado por sambistas cariocas como Zé Kéti, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Zé Cruz e Oscar Bigode e ex-integrantes do musical Rosa de Ouro, montado por Kléber Santos e Hermínio Bello de Carvalho em 1965, no Teatro Jovem, em Botafogo. A ideia de se apresentarem profissionalmente surgiu no Zicartola, um restaurante fundado por Dona Zica e Cartola, que em sua curta existência transformou-se em ponto de encontro entre artistas, estudantes e intelectuais (Castro, 2013CASTRO, Maurício de. Zicartola. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.).

É importante lembrar que até os anos 1960 Cartola estava completamente à margem da cena cultural carioca, e para sobreviver trabalhava como frentista num estacionamento. Ele e outros sambistas da “velha guarda”, como Nelson Cavaquinho, só voltaram à cena pública pelas mãos de Carlos Lyra, então diretor musical do CPC da UNE, e de outros mediadores culturais, como Sérgio Cabral e Hermínio Bello de Carvalho. Novos nomes do samba também foram revelados pelos três, como Elton Medeiros que, junto aos demais, era constantemente convidado para participar de atividades culturais, principalmente dos shows universitários patrocinados por entidades estudantis, aprofundando a busca de uma síntese entre a Bossa Nova nacionalista e a tradição do samba (Napolitano, 1999MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). São Paulo: Proposta Editorial, 1982. , p. 61).

O samba carioca em suas múltiplas variações (partido alto, samba enredo, bossa nova, sambalanço) garantiu lugar de excelência no Show Opinião com a participação de Zé Kéti, mas também com as composições de Cartola e Dona Zica, Heitor dos Prazeres e Elton Medeiros. Ligados direta ou indiretamente ao CPC da UNE, Carlos Lyra, Sérgio Cabral e Hermínio Bello de Carvalho também participaram, física ou simbolicamente, da elaboração do Show Opinião.

Quando o Show Opinião estreou no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1964, Carlos Lyra não estava mais no Brasil: tinha partido para a experiência de autoexílio, passou uma temporada no México e seguiu turnê com o saxofonista Stan Getz. Mas seu trabalho de pesquisa bem como as atividades musicais que ele realizou no CPC da UNE foram tão significativos para a constituição de um espaço de produção nacional-popular que, além de fundamentá-la, inspirou a concepção estético-política do Show Opinião.

As canções de Carlos Lyra passaram, então, a traduzir um novo imaginário acerca da representação das classes populares. Nas composições de Carlos Lyra predominaram os temas e materiais sonoros correlatos aos problemas sociais urbanos, ainda que o retirante seja apresentado nas canções Maria do Maranhão, com Nelson Lins e Barros, e Pau-de-Arara, com Vinicius de Moraes. De qualquer forma, a seca e a migração, apesar de decorrer de problemas específicos da região do sertão e do campo respectivamente, atingiam diretamente os grandes centros, já que a área urbana é a região mais atingida pelo êxodo rural, e representava a esperança de uma vida melhor para milhares de sertanejos e retirantes (Garcia, 2007GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à canção engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007., p. 112).

A pesquisa realizada por Carlos Lyra sobre a música popular pautou-se pela busca de novos materiais estéticos que pudessem traduzir as tradições populares do morro, numa tentativa de fusão entre as musicalidades da Bossa Nova e do samba, entre tradição e modernidade, entre o universal e o particular. Essa Nova Bossa, ou sambalanço como denominou Nelson Lins e Barros e Carlos Lyra, esteve representada no Show Opinião com as canções Canção do Homem Só, Maria Moita e Marcha da Quarta-feira de Cinzas, de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, Insensatez e Tristeza Não Tem Fim, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e Esse Mundo é Meu, de Sérgio Ricardo e Ruy Guerra. Nem todas, no entanto, integraram a coletânea gravada pela CBD, seja porque os critérios de seleção, segundo a contracapa do LP, buscaram traduzir os melhores momentos do Show Opinião, seja porque canções como Maria Moita e Minha História tivessem sido gravadas no primeiro LP de Nara Leão (Elenco, 1964LEÃO, Nara. Opinião de Nara. Philips/CBD, 1964. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.732 L.) e João do Vale (Philips, 1965VALE, João do. O Poeta do Povo. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm. P 632.787L.).

Além das parcerias com músicos da Bossa Nova, o roteiro do Show Opinião incluiu um trecho de uma entrevista com Vinicius de Moraes que identificava duas vertentes do movimento. Ele já fizera isso em 1961, na contracapa do LP Carlos Lyra, lançado pela Philips, acenando para a existência de uma corrente mais nacionalista da Bossa Nova, que se fundamentava a partir do contato com sambistas como Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros (Nota, 1962NOTA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 jul. 1962.)16 16 O documentário com Heitor dos Prazeres inicia-se com ele mencionando a palavra “povo” inúmeras vezes. Frases como “este povo, que eu sou, um homem do povo” ou, então, “eu, para o povo, represento um pedaço, eu sou o ovo, o povo a chocadeira” visavam demonstrar sua relação orgânica com aquele extrato social, ao qual ele estava ligado por relações sociais e também por laços afetivos. Ainda que a realização do documentário tenha partido de representantes da intelectualidade como no Show Opinião, as classes populares como porta-vozes de si mesmas eram resultado de um processo de revisão crítica que atravessava as discussões sobre arte engajada desde a primeira parte da década de 1960. . Nessa entrevista à revista O Cruzeiro, citada no roteiro do Show Opinião, afirmou que na Bossa Nova havia duas vertentes principais: “a linha brasileira, cada vez mais identificada com os temas nacionais, pesquisando as fontes brasileiras e o pessoal da linha jazzística” (apud 1965, p. 71).

A vertente nacionalista, por estar atrelada ao movimento Bossa Nova, tinha acesso mais facilitado às gravadoras de discos, também porque havia contribuído para a formação de um público de arte engajada. Por isso, ela pode ser considerada a porta de entrada da cultura popular no mercado de bens culturais, e através dela sambistas e músicos regionais, anteriormente relegados ao esquecimento, passaram a ter espaço na indústria fonográfica e trânsito no meio estudantil, universitário. A politização da Bossa Nova encontrou não só “no amor, no sorriso e na flor”, mas também no morro, na favela, no terreiro e no sertão os temas para suas canções que, durante a década de 1960, converteram-se em novos lugares da memória das esquerdas, afirmou Arnaldo Daraya Contier (1998CONTIER, Arnaldo Daraya. Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto (os anos 60). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 13-52, 1998., p. 18, 31), simbolizando “espaços imaginários da resistência ‘popular’”, enfatizou Marcos Napolitano (1999MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). São Paulo: Proposta Editorial, 1982. , p. 71).

Essa é uma singularidade da música popular brasileira, especificamente da música engajada e da MPB da segunda metade do século XX. No Brasil, a música engajada, de certa forma, nasceu dessa ramificação da Bossa Nova, ao contrário do restante da América Latina e mesmo dos Estados Unidos, onde o engajamento musical esteve ligado aos movimentos folcloristas. Tal como afirmou Caio de Souza Gomes, “se nos países vizinhos a questão fundamental dos movimentos de nueva canción era a reinvenção da canção folclórica [...], no Brasil a canção engajada partia de um outro modelo, uma vez que assumiu um referencial estético muito particular: a bossa nova” (2017GOMES, Caio de Souza. “Do canto da boca escorre metade do meu cantar”: diálogos entre a canção engajada brasileira e a nueva canción latino-americana a partir do disco Sérgio Ricardo (1973). Brasília: XXIX Simpósio Nacional de História, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502551231_ARQUIVO_ANPUH2017-Textofinal-Docantodabocaescorremetadedomeucantar-CaiodeSouzaGomes.pdf , consultado em: 26 out. 2017.
http://www.snh2017.anpuh.org/resources/a...
, p. 6).

Contemplando também essa vertente americana ligada à música folclórica, os idealizadores do Show Opinião incluíram duas canções de autoria do músico norte-americano Peter Seeger, que começou a carreira nos anos 1940 como membro da banda The Weavers, e nos anos 1960 ressurgiu como pioneiro da protest song contra a guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis, e uma poesia do poeta cubano José Martí composta no século XIX, musicada por Joseíto Fernández, também interpretada por Peter Seeger. Deste, as canções If I Had a Hammer e I ain’t Scared of Your Jail e, de Martí e Fernández, a popular Guantanamera (somente essa última integrou a seleção do disco) foram traduzidas pelo cineasta Antônio Carlos Fontoura, que em 1964 esteve envolvido na produção do espetáculo, e em 1965 lançou o documentário sobre Heitor dos Prazeres, narrando as memórias do sambista carioca e pintor naif no seu atelier na Praça Onze, na Cidade Nova.17 17 Em virtude da sua influência nas discussões sobre os rumos da cultura brasileira, a produção textual e artística de Nelson Lins e Barros merece ser reunida e analisada. Sua morte prematura em 1966 bem como a natureza fragmentada dessa produção talvez explique por que isso ainda não aconteceu.

As matizes estéticas da Bossa Nova - que, de modo geral, dialogavam com influências dos mais diversos estilos musicais (jazz, música erudita, música latina) à tradição da música popular brasileira - forneceram, de certa forma, subsídios à criação da sigla MPB no contexto pós-golpe civil-militar que, no Show Opinião, esteve muito bem representada pela a direção musical de Dori Caymmi e pela canção Borandá, de Edu Lobo. Os dois músicos eram amigos íntimos e fizeram muitas coisas juntos (Nepomuceno, 2014NAPOLITANO, Marcos. Suicidas e foliões: chanchada, carnavalização e realismo no filme Tudo azul, de Moacyr Fenelon (1951). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, p. 133-153, jan.-jun. 2013., p. 26, 38).

A canção Borandá é antecedida por um depoimento pessoal de João do Vale sobre uma doença muito comum em regiões tropicais. João do Vale testemunhou seu avô, outrora escravo, sofrer de uma doença conhecida no nordeste como “sezão”, nome popular atribuído à malária, cuja febre era tratada com um remédio chamado “aralém”. O remédio era para ser distribuído gratuitamente pelo governo. Porém, no interior do Maranhão, ele era repassado a cabos eleitorais, que o trocavam por sacos de arroz, depois revendidos nos armazéns da região (1965VALE, João do. O Poeta do Povo. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm. P 632.787L., p. 28). A voz embargada de João do Vale expressava perfeitamente a dimensão do lamento sertanejo, seguido do chamado Borandá: diante da seca, da terra infértil, da miséria do povo, da exploração do oprimido, o sertanejo não via alternativa que não fosse partir para bem longe, afinal “é melhor partir lembrando que ver tudo piorar”. Os dois momentos da música expressam bem isso: uma primeira parte, retrato da realidade, de andamento lento, com o violão dedilhado, a voz embargada, como se representasse a estagnação de um povo; uma segunda parte, retrato de esperança no futuro, com andamento mais acelerado, o apoio de outros instrumentos de percussão, como se convidasse o interlocutor à ação, à reação. Reagir àquele cenário de miséria podia ser entendido como uma metáfora à ação, mas também como um convite ao exílio ou ao autoexílio. Embora esse sentido não tenha sido cogitado na época pela crítica teatral nem posteriormente pela literatura específica, deve ser aventado como uma possibilidade, já que muitos artistas e intelectuais naquele contexto cogitavam sair ou já tinham saído do Brasil, tais como Carlos Lyra.

Com Borandá, Edu Lobo não só denunciava os problemas vividos pelos habitantes do sertão nordestino, como também demonstrava proximidade com a sonoridade da música regional, propondo outra perspectiva no interior da chamada música engajada, descendente da Bossa Nova como o sambalanço de Carlos Lyra, mas tributária de uma sonoridade regional. Num desses vértices da música engajada, Edu Lobo atuava como uma espécie de sismógrafo, capitando toda referência estética da Bossa Nova, fortalecida por uma rede de intercâmbio a partir da convivência com personalidades como Vinícius de Morais e Tom Jobim, e da amizade com Theo de Barros, Marcos Valle e Dori Caymmi; também era influenciado pelo projeto estético de Mário de Andrade e pela música erudita de Villa Lobos, ressignificando suas referências regionais da cultura nordestina, fruto de sua vivência pessoal no Recife, onde passava as férias escolares na casa de parentes. Segundo depoimento de Edu Lobo, “minha mãe gostava de Frank Sinatra, das músicas de Cole Porter, de Irving Berlin, de um dos seus mais severos críticos George Gershwin. Eu ouvia tudo isso, e também os brasileiros, e também a música do Recife” (apudNepomuceno, 2014NAPOLITANO, Marcos. Suicidas e foliões: chanchada, carnavalização e realismo no filme Tudo azul, de Moacyr Fenelon (1951). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, p. 133-153, jan.-jun. 2013., p. 30). De acordo com o autor de sua biografia, “a soma de tudo isso” - do que Edu Lobo vinha ouvindo e frequentando, dos oito anos de aula de acordeão, da academia de violão, da formação de um trio musical, do contato com as músicas nordestinas e da audição dos discos da mãe - “formava sua bagagem musical àquela altura” (Nepomuceno, 2014NAPOLITANO, Marcos. Suicidas e foliões: chanchada, carnavalização e realismo no filme Tudo azul, de Moacyr Fenelon (1951). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, p. 133-153, jan.-jun. 2013., p. 31).

Devido à natureza polissêmica do signo sonoro e da influência de escutas musicais heterogêneas, o nacional-popular na música brasileira foi, portanto, reinventado sob bases diversas, a partir de múltiplas fontes, classificadas em cinco categorias por Arnardo Daraya Contier: a) folclore + ufanismo + brasilidade; b) brasilidade + folclore + realismo socialista; c) brasilidade + patriotismo + folclore + populismo conservador; d) brasilidade + folclore + populismo de direita; e) modernismo nacionalista + Mário de Andrade + populismo de esquerda (1998CONTIER, Arnaldo Daraya. Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto (os anos 60). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 13-52, 1998., p. 15).

Apesar do diálogo intrínseco entre estas múltiplas referências, as canções produzidas por Carlos Lyra e Edu Lobo, sozinhos ou em parceria, a partir do seu contato com os dramaturgos, passaram a refletir, segundo Arnaldo Daraya Contier,

algumas dimensões político-estéticas de uma memória coletiva construída pela ‘esquerda’ durante os anos 60, centrada nos temas sobre o morro e o sertão, como ‘verdades inquestionáveis’, sob o ponto de vista de uma determinada leitura sobre a ‘História do Brasil’; e, de outro, alguns traços técnico-estéticos já consolidados pelos compositores eruditos, tais como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone (1998CONTIER, Arnaldo Daraya. Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto (os anos 60). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 13-52, 1998., p. 31).

Em dois extremos, porém complementares, estariam Carlos Lyra, representando o polo urbano, e Edu Lobo, o meio rural, sem, no entanto, deixarem de dialogar com a cultura universal. Era o particular atravessando o universal e vice-versa, contribuindo para a mitificação dos novos lugares da memória e também para a fundamentação da uma estética nacional-popular, retratada respectivamente pelo morro e o sertão; a representação de seus problemas estruturais (fome, seca, miséria, carestia, escassez) se converteram em meios de luta contra o chamado imperialismo norte-americano e seus agentes internos no pré-golpe (Garcia, 2007GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à canção engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007., p. 111), e em ponto de partida para a organização da resistência contra a ditadura militar no pós-1964.

Na contramão do nacional-popular, a indústria fonográfica buscava, segundo um dos seus mais severos críticos, incorporar e alterar ritmos classificados como “exóticos” para suprir e satisfazer as demandas exclusivamente mercadológicas de revezamento e substituição de ritmos considerados ultrapassados para a época, tais como o twist, a rumba ou o bolero (Lins e Barros, 1963LINS E BARROS, Nelson. Bossa Nova - colônia do jazz. Movimento, Rio de Janeiro, n. 4, p. 13-15, maio 1963., p. 15). Essa estratégia do mercado fonográfico norte-americano teria atingido diretamente a Bossa Nova, que distanciada do movimento nacionalista permitiu-se passar por um processo de expropriação e estandardização nos Estados Unidos, e foi devolvida praticamente irreconhecível ao mercado mundial, o que Nelson Lins De Barros definiu como parte de um processo de "estandartização jazística" que "tudo nivela e tudo iguala" (Lins e Barros, 1963LINS E BARROS, Nelson. Bossa Nova - colônia do jazz. Movimento, Rio de Janeiro, n. 4, p. 13-15, maio 1963., p. 15).

Como se vê, além de parceiro musical de Carlos Lyra, Nelson Lins e Barros era também um dos críticos musicais mais enfáticos na época no que se referia à alienação cultural da música brasileira e ao desenvolvimento da indústria cultural no Brasil.18 18 No mercado fonográfico daquela época, havia uma diferença entre os compactos e os long-plays. Os compactos simples eram produzidos para vender músicas, enquanto os LPs estavam mais atrelados à imagem dos artistas. De acordo com João Carlos Muller Chaves, secretário da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), citado por Enor Paiano, “no compacto simples a gente vende música”, o LP é “produto do artista” (apudVicente, 2014, p. 59). A crescente preferência pelo long-play, que até 1968 dividia mercado com o compacto, evidenciou, segundo Marcos Napolitano, um movimento de personificação da criação musical, resultando na projeção da performance no campo da música, relacionada à constituição da Bossa Nova como movimento cultural, e visava estabelecer uma relação mais duradoura com o público consumidor. Não bastava informar o gênero musical, como nos antigos 78 rpm: “era preciso relacioná-la a um compositor conhecido e a um movimento cultural determinado” (1999, p. 83). Foi sobre essa relação de subserviência do mercado local que o Show Opinião apresentou um excerto de texto de Lins e Barros, acenando para a valorização da genuína música brasileira.

A partir de 1940, com o incremento do rádio e do disco, chegam ao Brasil em grande quantidade as músicas estrangeiras. É mais barato para as companhias gravadoras vender um só tipo de música no mundo todo. Para isso as músicas precisam ser despersonalizadas. Até hoje, o que há de pior na excelente música americana é que disputa o nosso mercado. Naquela época virou mau gosto ouvir samba. Alguns poucos compositores continuavam compondo. Passamos tão somente a copiar (apud 1965SHOW Opinião. Rio de Janeiro: Companhia Brasileira de Discos , 1965. 1 disco: 33 1/3rpm. , p. 55-56).

Nesse momento, é preciso colocar em confronto essa crítica introduzida no roteiro do espetáculo com o sucesso de bilheteria do Show Opinião, que despertou o interesse das gravadoras para músicos e intérpretes jovens como Nara Leão que, desde então, passou a lançar anualmente LPs pela Philips, ou que se encontrava à margem do mercado fonográfico como João do Vale que, naquele ano, lançou seu primeiro LP solo pela CBD, O Poeta do Povo, também único LP autoral em toda sua carreira, integralmente interpretado por ele.

O sucesso de público do Show foi considerado um marco histórico na época. Em poucas semanas da sua estreia no Rio de Janeiro, mais de 25 mil pessoas foram assisti-lo no shopping center, e na temporada em Porto Alegre cerca de 100 mil pessoas (Contracapa, 1965). A realização do Show Opinião numa sala de shopping center não passou despercebido por seus contemporâneos, mesmo os shopping centers não sendo naquela época o que são hoje. Hermano Alves, em 1965ALVES, Hermano. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1º. jul. 1965, p. 6., chamou de “esquerda festiva” aquela vertente da esquerda que acreditava fazer oposição dentro de shopping centers, em referência direta ao Show (1965SHOW Opinião. Rio de Janeiro: Companhia Brasileira de Discos , 1965. 1 disco: 33 1/3rpm. , p. 6).

Mesmo sob críticas dos contemporâneos, no tom das que fizeram anteriormente ao Teatro de Arena, a ampliação do público permeava os horizontes de Vianinha desde pelo menos 1956, quando se vinculou ao elenco Teatro de Arena, e depois em 1960, quando participou ativamente da criação do CPC da UNE, sendo um dos seus membros mais atuantes. Em 1962, ao explicar seu desligamento do Teatro de Arena, Vianinha afirmou que o grupo paulista “contentou-se com a produção de cultura popular, não colocou diante de si a responsabilidade de divulgação e massificação”, quando “um movimento de massas só pode ser feito com eficácia se tem como perspectiva inicial a sua massificação, sua industrialização. É preciso consciência de massa, em escala industrial. Só assim é possível fazer frente ao poder econômico que produz alienação em massa” (In: Peixoto, 1999PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva , 2011., p. 93).

O golpe civil-militar, por sua vez, potencializou essa ideia de massificação, relacionada à ampliação da audiência, que permeava as reflexões dos artistas da arte engajada desde bem antes de 1964, a partir da qual Marcos Napolitano analisou a predominância da MPB nos espetáculos musicais, considerada “uma arte de público massivo por excelência” (Napolitano, 1999NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume; Fapesp, 1999., p. 66).

O êxito junto ao público foi tão grande, que dessa vez os produtores teatrais, habituados a recorrer a programas de incentivo, decidiram não participar da campanha “Vamos ao teatro” (Oduvaldo..., 1965ODUVALDO Vianna Filho. O Jornal, Rio de Janeiro, 13 jun. 1965. Entrevista.) e, por isso, acabaram se tornando um modelo de autossustentação incomum naquela época, além de despertar o interesse do mercado fonográfico que, na esteira do seu sucesso de bilheteria, resolveram lançá-lo no formato long-play19 19 Não sabemos explicar o motivo - se por questões técnicas, influência do jazz ou interesses de mercado -, mas a partir da década de 1960, sobretudo 1962, começaram a aparecer no Brasil gravações em disco de shows ao vivo. .

Gravá-lo em long-play podia ter vários significados, levando-se em consideração as diferentes perspectivas envolvidas na sua produção. Para os produtores do Show Opinião, a gravação em disco era uma maneira de registrá-lo e, com isso, alcançar um público mais vasto, impedido de assistir à apresentação ao vivo, por diferentes razões. Tratava-se, portanto, de uma condensação dos principais momentos do espetáculo, visando preservar suas “qualidades e autenticidade originais”, destinada “aos que virem o espetáculo reviver aqueles momentos emocionantes e aos que não viram a oportunidade de conhecê-lo” (Contracapa, 1965)00 20 A gravação do concerto Bossa Nova At Carnegie Hall, em Nova York, realizado em 16 de dezembro de 1962, talvez seja uma das primeiras sessões públicas gravadas em disco, registrando a manifestação do público. Nos Estados Unidos, isso era muito comum há cerca de duas décadas, desde especificamente 1945/46, quando as gravações ao vivo transformaram-se numa espécie de estratégia para se ampliar o público de jazz, tornando-o parte das gravações. . Para a gravadora CBD, era uma das apostas da Philips, que desde que ingressou no mercado nacional dedicou atenção especial ao público jovem.21 21 A CBD, fundada em 1945, foi adquirida pela Philips, em 1958. Desde então, disputava com a Odeon nomes da música nacional que pudessem representar os jovens brasileiros em seus múltiplos segmentos (Midani, 2008, p. 71, 74; Mello, 1976, p. 96).

Além do que já ressaltamos até aqui sobre o diálogo com a música e os músicos, o Show Opinião reuniu obras e artistas consagrados, das mais variadas cores e matizes, que estavam sintonizados com as demandas estéticas e políticas e os debates sobre arte e cultura popular, e interagiu com outros campos artísticos, tais como o teatro, a literatura e o cinema.

Da produção teatral utilizou trechos das peças Missa Agrária e Gimba, o Presidente dos Valentes, de Gianfrancesco Guarnieri, musicada por Carlos Lyra. A preocupação com a assimilação do nacional-popular no teatro brasileiro e suas formas de popularização junto a um público cada vez mais amplo propiciou a aproximação entre compositores e intérpretes da moderna música popular brasileira, entre os quais Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Chico Buarque, com autores, atores e diretores do moderno teatro brasileiro, tais como Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Paulo Pontes, Dias Gomes e Francisco de Assis. Para Carlos Lyra, tanto Vianinha quanto Chico de Assis eram “mestres em fazer a cabeça política dos outros, pelo grande poder persuasório que tinham” (apudMoraes, 2000MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 2008., p. 105).

Da literatura brasileira incorporou fragmentos do livro de poemas Morte e Vida Severina, um clássico modernista escrito por João Cabral de Melo Neto dez anos antes da produção do Show Opinião22 22 Morte e Vida Severina, que só tinha sido encenada uma única vez em fins dos anos 1950, despertou o interesse de estudantes ligados ao Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), a partir da sua bem sucedida recepção no Show Opinião. Como diretor do Tuca, o então estudante Roberto Freire convidou Chico Buarque, que despontava comercial e nacionalmente naquela época, para compor a trilha musical. A denúncia dos problemas nacionais e das desigualdades sociais, a partir da dramática história de um retirante, mais a produção realizada por um grupo de estudantes, com músicas de um dos ícones da MPB, sintetizaram o sucesso da montagem de Morte e Vida Severina, que se converteu em ícone desse tipo de teatro, ganhando o prêmio no Festival Mundial de Teatro Universitário, de Nancy, e sendo lançada em long play, também pela gravadora Philips, em 1966. . O cântico Incelença serviu de mote para a introdução do poema Morte e Vida Severina, potencializando as referências simbólicas à morte do sertanejo, que não tinha nem direito à identidade, era igual em tudo na vida, até na morte Severina, que “se morre de velhice antes dos 30, de emboscada antes dos 20, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida” (Mello Neto, 2018MELLO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Joao%20Cabral%20de%20Melo%20Neto.pdf , consultado em: 26 fev. 2018.
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). Incelença é um tipo de cantiga muito comum no sertão nordestino, entoada por rezadeiras e carpideiras contratadas pela família do morto. No Show Opinião, a introdução de uma incelença, que estruturalmente respeita a ordem o alfabeto (A de Ave Maria, B de brandosa e bela, C de cofrin de graça, D de divina estrela), funcionou como uma espécie de lamento à morte súbita da democracia e de oração protetora aos combatentes da ditadura, alternando palavras de esperança (E de esperança nossa) com pedidos de proteção (O de orai por nós, P por nossos filhos). Aqui, a questão religiosa é mais considerada sob a perspectiva da cultura popular do que relacionada à fé cristã, embora ambas estejam relacionadas.

Do Cinema Novo exibiram trechos do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, principalmente a cena clássica do enfrentamento de Corisco, potencializada pela música de Sérgio Ricardo. Em 1964, Glauber Rocha convidou Sérgio Ricardo para compor a trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol, e no ano seguinte fez o mesmo com Terra em Transe. Sérgio Ricardo disse que aprendeu muito trabalhando com Glauber Rocha, “um artista diferenciado e multifacetado, profundamente compromissado com a cultura do nosso país”. Também não esqueceu o que Glauber Rocha lhe disse no exílio chileno, afirmando que seu filme Deus e o Diabo na Terra do Sol não teria tido a mesma força sem as músicas dele (Pace, 2010ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense , 1988., p. 12, 19). Esse aspecto foi apontado em matéria para o jornal Folha de São Paulo em 1997, na qual Carlos Heitor Cony convidou os leitores a fazer a seguinte experiência: “experimentem ver o filme de Glauber sem a música de Sérgio Ricardo. É como ver uma catedral gótica sem agulhas, um pássaro sem asas. [...]. Em torno dele foram criadas lendas, é um dos artistas brasileiros mais injustiçados. [...]. Da minha parte, sempre lhe queimei o incenso que ele merece” (apudRamos, 2018OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Flicts: as cores e os sons que aproximaram Ziraldo e Sérgio Ricardo. In: HAGEMEYER, Rafael Rosa; SARAIVA, Daniel. Esse mundo é meu: as artes de Sérgio Ricardo. Curitiba: Appris , 2018. (no prelo)).23 23 Buscando restituir esse lugar na história da cultura brasileira e contemplar essa característica multifacetada do artista que atuou em diversos grupos e movimentos e transitou por diferentes linguagens e estilos, Hagemeyer e Saraiva organizaram o livro Esse mundo é meu: as artes de Sérgio Ricardo (2018), ao qual tive a honra de escrever o prefácio.

Como se vê, a parceria com a emergente MPB não era exclusividade do teatro engajado; também foi muito frutífera no Cinema Novo. Uma das falas de Nara Leão no Show Opinião ressaltou essa dinâmica profícua entre o cinema e a música, que de certa forma é uma variante da interação entre música e teatro que estamos propondo aqui. “O cinema novo ajudou muito a música popular brasileira. Pra que ela falasse novos temas, para que ficasse mais ampla, voltada para grandes plateias, para sentimentos coletivos. Rio, 40 graus deu Voz do Morro e Rio Zona Norte deu Malvadeza Durão”(1965LEÃO, Nara. O Canto Livre de Nara. Philips/CBD, 1965. 1 disco: 33 1/3 rpm, microssulto, mono. P 632.748 L. , p. 66).

Nos limites desse artigo, portanto, buscamos contemplar a música popular brasileira, a partir da mediação da MPB, e suas relações com o teatro através da produção do Show Opinião e do seu registro fonográfico. Embora não tenha sido abordado aqui, o cinema está localizado na outra ponta desse tripé, em virtude da representatividade que a música popular brasileira teve na produção cinematográfica daqueles anos (ver Napolitano, 2013NAPOLITANO, Marcos. Suicidas e foliões: chanchada, carnavalização e realismo no filme Tudo azul, de Moacyr Fenelon (1951). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, p. 133-153, jan.-jun. 2013., 2014NAPOLITANO, Marcos. Rio, Zona Norte (1957) de Nelson Pereira dos Santos: a música popular como representação de um impasse cultural. Per Musi, Belo Horizonte, n. 29, p. 75-85, 2014.).

Intimamente ligados, o campo musical e o meio teatral alinhavaram esses encontros entre linguagens artísticas e, para além delas, entre diferentes extratos sociais, como já vinha fazendo no CPC da UNE, de forma estruturada desde 1962, quando sambistas e bossanovistas, a velha e a nova guarda se encontraram no Teatro Municipal para a realização da I Noite de Música Popular, e voltariam a se encontrar no IV Festival de Cultura Popular, na inauguração do teatro do CPC da UNE, em abril e maio de 1964 (Garcia, 2007GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à canção engajada: a experiência do CPC da UNE. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007., p. 50, 80-85), não fosse o golpe civil-militar de 1º de abril e o incêndio criminoso da sede estudantil.

Colocado na ilegalidade desde a primeira hora do golpe, assim como outras entidades de caráter político e educacional, o CPC da UNE se reestruturou como Show Opinião no final do ano, tentando não perder o contato com aquele público de arte engajada já formado anteriormente, e contando também com ele para formar uma frente ampla de resistência cultural que, se era composta por gente ligada ao PCB, não era mais uma “frente única” exclusivamente formada por comunistas, pois buscava se expandir para as esquerdas em geral, transitando pela via do nacional-popular, mas a partir das demandas daquele momento, isto é, tentando articular o universal e o particular numa época em que a produção musical e, em menor medida, a teatral eram mediadas pelo mercado de bens culturais cada vez mais estruturado, e ambas estavam rigorosamente sob controle da censura de diversões públicas, num primeiro momento com mais rigor sobre o teatro, e num segundo sobre a canção, no caso dos musicais, submetido a uma censura rigorosa nos dois momentos.

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  • WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo São Paulo, Unesp, 2011.
  • Dossiê Música Popular: tradição e experimentalismo. Organizador: José Adriano Fenerick

Notas

  • 1
    Denominação utilizada normalmente para designar a multiplicidade da produção e da crítica realizada por artistas e intelectuais em fins dos anos 1950 até meados de 1960, em vários campos da vida nacional. Por exemplo: no teatro, a criação do Teatro de Arena, do Teatro Oficina, do CPC da UNE, dos grupos universitários; na música, a gravação do LP Chega de Saudade, de João Gilberto, e a emergência da Bossa Nova; no cinema, a consolidação do Cinema Novo.
  • 2
    Sobre essa questão há que se mencionar todos os esforços mobilizados por Rosângela Patriota na área de história e sua produção pioneira (1999PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo. São Paulo: Hucitec, 1999., 2002PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (orgs.) História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Aspectus, 2002., 2005PATRIOTA, Rosangela. A escrita da história do teatro no Brasil. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 79-110, 2005., 2007PATRIOTA, Rosangela. A crítica de um teatro crítico. São Paulo: Perspectiva , 2007., 2008PATRIOTA, Rosangela. O teatro e o historiador: interlocuções entre linguagem artística e pesquisa histórica. In: RAMOS, Alcides Freire; PEIXOTO, Fernando; PATRIOTA, Rosangela (orgs.). A história invade a cena. São Paulo: Alderaldo & Rothschild, 2008., 2012PATRIOTA, Rosangela. História e historiografia do teatro brasileiro da década de 1970: temas e interpretações. Baleia na Rede, Marília, v. 1, n. 9, p. 69-91, jul./dez. 2012., entre outras), além de orientar inúmeras pesquisas nesse campo de estudos.
  • 3
    A maioria das referências musicais e cinematográficas citadas nesse artigo encontra-se disponível para audição e visualização na Internet, principalmente no Youtube.
  • 4
    Teatro musicado e teatro musical são designações distintas, embora compartilhem de elementos em comum. Uma das principais diferenças é que o teatro musicado é concebido para ser representado por atores que cantam, enquanto o teatro musical por cantores e bailarinos que interpretam. No teatro musicado, as canções são produzidas com uma “função dramática clara e definida”, como auxílio à ação dramática, para “apresentar personagens, para falar de amor, para abrir e fechar quadros, para acompanhar um solilóquio, sublinhar emoções e, até, para entrar como motivo central da cena em festas, bailes e apoteoses”. No musical, a música é concebida como uma forma de expressão e é a estrela do espetáculo. Se o teatro musicado tem uma definição mais precisa e é frequentemente associado ao século XIX e ao início do século XX, o teatro musical é considerado um campo de experimentações para o teatro contemporâneo (Guinsburg, Faria, Lima, 2006GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1978., p. 190-191), podendo ser concebido como “um vasto canteiro de obras onde se experimentam e se testam todas as relações imagináveis entre os materiais das artes cênicas e musicais” que procura integrar texto, música e encenação visual sem, contudo, integrá-los, fundi-los ou reduzi-los a um denominador comum como a ópera wagneriana, e sem distanciá-los uns dos outros como nas óperas didáticas de Kurt Weill e Bertolt Brecht (Pavis, 2011PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (orgs.) História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Aspectus, 2002., p. 392).
  • 5
    O mapeamento desse debate que atravessou os anos 1960 foi objeto de pesquisa da dissertação de mestrado Do Arena ao CPC: o debate em torno da arte engajada no Brasil (Souza, 2002SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-69. O Pai de Família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1978, p. 61-92.).
  • 6
    A relação dos teatrólogos com a música era motivada também por gostos e interesses pessoais. Numa entrevista de 1966, Vianinha declarou que a música merecia “sua especial simpatia” e que admirava os Beatles porque eles “conseguiram renovar a Inglaterra” (Uma entrevista..., 1966UMA ENTREVISTA em três atos ou “Correr ou ficar: eis a questão”. O Jornal, Rio de Janeiro, 1º. maio 1966.). Em suas “memórias imaginadas”, Augusto Boal afirmou que era um músico frustrado, pois queria ter aprendido piano como suas irmãs, mas foi dissuadido pela professora de música, que achava que instrumentos de cordas como piano e cravo não eram coisas de menino, ele que se dedicasse a instrumentos de percussão como a cuíca, o berimbau, o pandeiro, a zabumba e a bateria (Boal, 2000BOAL, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Record, 2000., p. 77-78).
  • 7
    Como diretor do departamento de música do CPC da UNE, Carlos Lyra foi um dos primeiros músicos da época a se aproximar do pessoal do teatro, o que resultou em produções bastante significativas. Em 1960, compôs a música O Melhor e Mais Bonito é Morrer, em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, para a peça A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, deste autor, dirigida por Francisco de Assis e encenada na Faculdade de Arquitetura, da Universidade do Brasil. Nesse mesmo ano, compôs O Subdesenvolvido, com Francisco de Assis, sem dúvida a canção mais popular do CPC da UNE, e Mister Golden, com Daniel Caetano, É Tão Triste Dizer Adeus, Promessas de Você e Maria do Maranhão, com Nelson Lins e Barros, que integraram o musical Um Americano em Brasília, produzido por Francisco de Assis e Nelson Lins e Barros e apresentado no Teatro de Arena. No ano seguinte, teve sua primeira experiência com peças infantis, compondo músicas para a peça Maroquinha Fru-Fru, e em 1962 para A Gata Borralheira. Ambas escritas e dirigidas por Maria Clara Machado e montadas no Teatro Tablado. No Teatro de Arena, trabalhou com Gianfrancesco Guarnieri, compondo a música Feio Não é Bonito para a montagem cinematográfica da peça Gimba, e Glória In Excelsis para o projeto da peça Missa Agrária, e com Nelson Xavier e Augusto Boal produzindo música para a peça Mutirão em Novo Sol. Em 1963, produziu com Vinicius de Moraes seu primeiro musical, Pobre Menina Rica. As 12 canções do espetáculo, gravado integralmente, contavam a desventura de uma moça rica, porém infeliz, que se apaixonou por um mendigo, morador de um terreno baldio. Também compôs música para o curta-metragem Couro de Gato, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, um dos cinco episódios do longa-metragem Cinco Vezes Favela, produção do CPC da UNE, com as canções Depois do Carnaval, em parceria com Nelson Lins e Barros, e Quem Quiser Encontrar o Amor, com Geraldo Vandré, para a montagem nacional de Almas Mortas, de Nicolai Gogol, e para montagem cinematográfica da peça Bonitinha, Mas Ordinária, de Nelson Rodrigues, dirigida no cinema por J. B. de Carvalho.
  • 8
    Na literatura alquimista e entre os químicos modernos (Idade Média e Moderna), o termo “afinidade” inicialmente designava a atração dos corpos físicos, para em Goethe (1809) adentrar no universo de encontro de almas, e em Weber servir para tratar igualmente de questões espiritualistas e materiais, comportamentos religiosos e econômicos (1904 e 1920). Em artigos e livros recentemente publicados, Löwy recuperou-o como conceito sociológico para tratar das alianças e solidariedades entre anarquistas e marxistas ou libertários e comunistas, afirmando que existe uma outra vertente da história, não menos importante, que é frequentemente esquecida ou até mesmo deliberadamente descartada (Besancenot e Löwy, 2016BESANCENOT, Olivier; LÖWY, Michael. Afinidades revolucionárias: nossas estrelas vermelhas e negras. Por uma solidariedade entre marxistas e libertários. São Paulo: Unesp, 2016., p. 14). Inspirada nesse e em outros trabalhos (Löwy, 2010LÖWY, Michael. Sobre o conceito de “afinidade eletiva” em Max Weber. Plural, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 129-142, 2010.), buscamos aprender o conceito de “afinidades eletivas” para tratar da aproximação da MPB e seus músicos (Edu Lobo, Toquinho, Chico Buarque, Sérgio Ricardo, Carlos Lyra, Nara Leão, Zé Kéti, João do Vale) com o teatro nacional-popular e seus dramaturgos (Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Francisco de Assis), a partir da aproximação entre linguagens distintas que passaram por processos diferenciados de formação de público e acesso à indústria fonográfica.
  • 9
    A luta por uma “nova cultura” significava, para Gramsci, formar uma literatura nacional-popular na Itália, pois a ausência dela deixou o mercado literário italiano aberto ao influxo de grupos intelectuais estrangeiros, que populares-nacionais em seus países também eram na Itália, principalmente através do romance histórico-popular francês, fazendo com que o povo italiano se apaixonasse mais pelas tradições francesas, monárquicas ou revolucionárias, do que pela sua própria história. O problema, portanto, estava relacionado, como no Brasil dos anos 1960, ao consumo do ser do outro (1978, p. 17-18).
  • 0
    Segundo Fernando Peixoto, lançá-lo como 1ª edição pela editora Civilização Brasileira, embora já se tratasse da, foi a ideia que Ferreira Gullar teve dela não ser novamente apreendida como ocorreu da primeira vez (1999PEIXOTO, Fernando (org.) Vianinha: teatro, televisão, política. São Paulo: Brasiliense , 1999., p. 95-96). Os artigos de jornais da época, no entanto, contradisseram tal informação. Uma nota intitulada “Lance Livre”, publicada no Jornal do Brasil, em fevereiro de 1964, no anúncio de lançamento do livro, atestou que Cultura posta em questão esgotou-se imediatamente, isso porque o DOPS apreendeu todos exemplares, não deixando um para “dar testemunho”. Outras duas notas com o mesmo conteúdo, intituladas “Campo menor”, publicadas quatro meses depois, afirmaram que, como estratégia mercadológica, a capa dessa edição viria com os seguintes dizeres: “primeira edição esgotada pelo DOPS”, isso em menção à apreensão de todos os exemplares. A revisão dessa informação só foi possível graças à participação na banca de avaliação do relatório de qualificação do mestrando Lorenzo Tozzi Evola na USP, intitulado “Gênese e estrutura de Cultura posta em questão, de Ferreira Gullar”.
  • 10
    Marcos Napolitano analisou a resistência cultural na ditadura militar não como uma única alternativa consagrada por uma memória de consenso, mas procurou mapear múltiplas possibilidades, que variaram de posições ideológicas mais consolidadas, que se firmaram na cultura política daquela época, ou como posições conjunturais mais instáveis sob inspiração muito diversificada (Napolitano, 2011NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. Tese (Livre-docência em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo., p. 12-14), que se interpenetraram e incidiram diretamente sobre os espetáculos musicais que, grosso modo, transitaram do projeto de “frentismo cultural”, isso até meados de 1960 pelo menos, à adesão à guerrilha urbana a partir de 1964. De acordo com Napolitano, “a resistência, desde os seus primórdios, movia-se em meio a um quadro complexo, que ia dos setores mais conservadores aos mais radicais, marcado por três atores principais entre 1964 e 1968: os liberais críticos, porém dispostos a negociar; o Partido Comunista Brasileiro, com ampla penetração entre artistas e intelectuais, cujas principais bandeiras - unidade e volta à democracia - fez com que eles acabassem reféns das vicissitudes dos liberais; e, finalmente, a oposição de esquerda mais radical, disposta a pegar em armas para derrubar a ditadura e que, para tal, tinha que romper com as amarras do PCB, até então principal grupo de esquerda do Brasil” (2011NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. Tese (Livre-docência em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo., p. 28-29).
  • 11
    O CPC, embora tivesse autonomia administrativa, era ligado formalmente à UNE e estruturalmente se dividia em departamentos de teatro (dividido em teatro convencional e de rua), cinema, música, arquitetura, artes plásticas, administração, alfabetização para adultos e literatura (Berlinck, 1984BERLINCK, Manoel Tosta. O Centro Popular de Cultura da UNE. Campinas: Papirus, 1984., p. 27).
  • 12
    Em fins dos anos 1950, de acordo com Nehemias Gueiros Jr., o termo “selo” era usado para identificar rótulos chamativos, colados nos compactos de 45 rpm, como estratégia promocional. Posteriormente, passou a indicar os departamentos das gravadoras especializados em diferentes gêneros musicais (apudVicente, 2014TOLEDO, Heloísa Maria dos Santos. Som Livre e trilhas sonoras das telenovelas: pressupostos sobre o processo de difusão da música. In: GUERRINI JR., Irineu; VICENTE, Eduardo. Na trilha do disco: relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2010., p. 18).
  • 13
    Se essa comunicação era restrita a um público como definiu a literatura na época (Bernardet, 1967; Schwarz, 1969-1970; Mostaço, 1982MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e história cultural. Baleia na Rede, Marília, v. 1, n. 9, p. 1-14, jul./dez. 2012.), importa-nos entender como ela se deu a partir da abertura do mercado (Napolitano, 1999MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). São Paulo: Proposta Editorial, 1982. ) e da interação música e teatro.
  • 14
    No meio musical e nos trabalhos acadêmicos, costuma-se distinguir trilha musical e trilha sonora. Enquanto trilha musical diz respeito exclusivamente às canções, trilha sonora seria isso mais toda sonoplastia da cena (Toledo, 2010SOUZA, Miliandre Garcia de. Do Arena ao CPC: o debate em torno da arte engajada no Brasil (1959-1964). Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná., p. 24).
  • 15
    No lançamento desse disco, o CPC da UNE ainda não havia sido fundado, mas já havia indícios de que Carlos Lyra se movimentava pela via do nacional-popular, em virtude do contato com o elenco da peça A Mais-valia Vai Acabar, Seu Edgar ou, então, com o núcleo do ISEB, principalmente com Carlos Estevam Martins.
  • 16
    O documentário com Heitor dos Prazeres inicia-se com ele mencionando a palavra “povo” inúmeras vezes. Frases como “este povo, que eu sou, um homem do povo” ou, então, “eu, para o povo, represento um pedaço, eu sou o ovo, o povo a chocadeira” visavam demonstrar sua relação orgânica com aquele extrato social, ao qual ele estava ligado por relações sociais e também por laços afetivos. Ainda que a realização do documentário tenha partido de representantes da intelectualidade como no Show Opinião, as classes populares como porta-vozes de si mesmas eram resultado de um processo de revisão crítica que atravessava as discussões sobre arte engajada desde a primeira parte da década de 1960.
  • 17
    Em virtude da sua influência nas discussões sobre os rumos da cultura brasileira, a produção textual e artística de Nelson Lins e Barros merece ser reunida e analisada. Sua morte prematura em 1966 bem como a natureza fragmentada dessa produção talvez explique por que isso ainda não aconteceu.
  • 18
    No mercado fonográfico daquela época, havia uma diferença entre os compactos e os long-plays. Os compactos simples eram produzidos para vender músicas, enquanto os LPs estavam mais atrelados à imagem dos artistas. De acordo com João Carlos Muller Chaves, secretário da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), citado por Enor Paiano, “no compacto simples a gente vende música”, o LP é “produto do artista” (apudVicente, 2014TOLEDO, Heloísa Maria dos Santos. Som Livre e trilhas sonoras das telenovelas: pressupostos sobre o processo de difusão da música. In: GUERRINI JR., Irineu; VICENTE, Eduardo. Na trilha do disco: relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2010., p. 59). A crescente preferência pelo long-play, que até 1968 dividia mercado com o compacto, evidenciou, segundo Marcos Napolitano, um movimento de personificação da criação musical, resultando na projeção da performance no campo da música, relacionada à constituição da Bossa Nova como movimento cultural, e visava estabelecer uma relação mais duradoura com o público consumidor. Não bastava informar o gênero musical, como nos antigos 78 rpm: “era preciso relacioná-la a um compositor conhecido e a um movimento cultural determinado” (1999NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. Tese (Livre-docência em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo., p. 83).
  • 19
    Não sabemos explicar o motivo - se por questões técnicas, influência do jazz ou interesses de mercado -, mas a partir da década de 1960, sobretudo 1962, começaram a aparecer no Brasil gravações em disco de shows ao vivo.
  • 20
    A gravação do concerto Bossa Nova At Carnegie Hall, em Nova York, realizado em 16 de dezembro de 1962, talvez seja uma das primeiras sessões públicas gravadas em disco, registrando a manifestação do público. Nos Estados Unidos, isso era muito comum há cerca de duas décadas, desde especificamente 1945/46, quando as gravações ao vivo transformaram-se numa espécie de estratégia para se ampliar o público de jazz, tornando-o parte das gravações.
  • 21
    A CBD, fundada em 1945, foi adquirida pela Philips, em 1958. Desde então, disputava com a Odeon nomes da música nacional que pudessem representar os jovens brasileiros em seus múltiplos segmentos (Midani, 2008MELLO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Joao%20Cabral%20de%20Melo%20Neto.pdf , consultado em: 26 fev. 2018.
    http://bibliotecadigital.puc-campinas.ed...
    , p. 71, 74; Mello, 1976, p. 96).
  • 22
    Morte e Vida Severina, que só tinha sido encenada uma única vez em fins dos anos 1950, despertou o interesse de estudantes ligados ao Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), a partir da sua bem sucedida recepção no Show Opinião. Como diretor do Tuca, o então estudante Roberto Freire convidou Chico Buarque, que despontava comercial e nacionalmente naquela época, para compor a trilha musical. A denúncia dos problemas nacionais e das desigualdades sociais, a partir da dramática história de um retirante, mais a produção realizada por um grupo de estudantes, com músicas de um dos ícones da MPB, sintetizaram o sucesso da montagem de Morte e Vida Severina, que se converteu em ícone desse tipo de teatro, ganhando o prêmio no Festival Mundial de Teatro Universitário, de Nancy, e sendo lançada em long play, também pela gravadora Philips, em 1966.
  • 23
    Buscando restituir esse lugar na história da cultura brasileira e contemplar essa característica multifacetada do artista que atuou em diversos grupos e movimentos e transitou por diferentes linguagens e estilos, Hagemeyer e Saraiva organizaram o livro Esse mundo é meu: as artes de Sérgio Ricardo (2018RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record , 2000.), ao qual tive a honra de escrever o prefácio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2018
  • Aceito
    11 Ago 2018
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