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Esta “magnânima volição”: a Federação dos Homens de Cor

This “magnanimous volition”: the Colored Men Federatio

RESUMO

O artigo investiga a Federação dos Homens de Cor (FHC) - uma associação cuja finalidade principal era trabalhar pelo desenvolvimento moral, cultural, político e social dos afro-brasileiros -, fundada em São Paulo em 1909, mas que se transferiu para o Rio de Janeiro em 1920. A FHC promoveu ações coletivas, celebrou referenciais afrodiaspóricos, preconizou narrativas de igualdade, interveio na agenda nacional, estabelecendo diálogos e urdindo alianças com diferentes setores da sociedade. A proposta deste artigo é reconstituir alguns aspectos da trajetória dessa associação à luz de suas aspirações e formas de organização, luta e identidade.

Palavras-chave
homens de cor; associatismo; negro; raça; cidadania

ABSTRACT

The aim of this article is to investigate the Colored Men Federation (FHC - Federação dos Homens de Cor), an association whose main goal was to act towards the moral, cultural, political and social development of Afro-Brazilians. The federation was founded in São Paulo, in 1909, but it was transferred to Rio de Janeiro, in 1920. FHC promoted collective actions, set African diasporic references, advocated for an equality discourse, influenced the national agenda by setting debates and alliances with different sectors of Brazilian society. Thus, the aim of this article is to rebuild some aspects of the trajectory of this association according to its aspirations and organization, struggle and identity forms.

Keywords
colored men; African descendant; race; associativism; citizenship

Rio de Janeiro, capital da República. No dia 19 de julho de 1922, o jornal O Paiz publicou uma matéria informando que o “Centro da Federação dos Homens de Cor” realizaria em sua sede, localizada na praça da República, nº 46, 1º andar, “uma grande reunião de diretores e sócios” para prestar uma homenagem ao “Dr. Epitácio Pessoa, presidente da República”, no terceiro aniversário de sua administração, pelos relevantes serviços prestados à República e aos “homens de cor”. Esta homenagem consistiria em uma “grande manifestação ao eminente estadista”, para a qual seria “convidado o povo da capital”. No sábado, dia 22, seria inaugurado na sede da agremiação o “retrato do Dr. Epitácio Pessoa, com solenidade, falando por essa ocasião o orador oficial, Dr. Elyseu Elias César”, o conhecido polemista e tribuno popular.1 1 “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz, Rio de Janeiro, 19/07/1922, p. 5.

No dia 4 de novembro daquele mesmo ano, véspera da posse do novo presidente da República, o Rio de Janeiro vivia um clima de expectativa, renovação e patriotismo. “Devendo chegar amanhã, às 14 horas, [vindo de Minas Gerais], o nosso esperado chefe da Nação brasileira, o Exmo. Sr. Arthur da Silva Bernardes”, noticiou O Paiz. Conectada à atmosfera patriótica, a diretoria da Federação dos Homens de Cor (FHC) emitiu nota pública, convidando a todos os sócios, simpatizantes, aliados, membros da comissão de recepção, “para estarem presentes, no dia seguinte, às 12 horas, na sede social da agremiação, sita à praça da República, n. 46”, para dali “seguirem incorporados, com o respectivo estandarte à estação ferroviária da Central [do Brasil]”, a fim de darem as boas vindas ao “ilustre presidente do Brasil” e tomarem parte em “todas as homenagens que lhe forem prestadas”.2 2 “Várias representações”. O Paiz, Rio de Janeiro, 04/11/1922, p. 2.

Quatro anos depois, nova cerimônia de posse de presidente do Brasil, no Rio de Janeiro. Novo clima de expectativa e esperança pairava no ar, e mais uma vez o Centro da Federação dos Homens de Cor se pronunciou a respeito de um acontecimento palpitante da vida nacional. De acordo com a nota publicada na Gazeta de Notícias em 13 de novembro de 1926, a referida agremiação festejaria “condignamente” a posse do “Dr. Washington Luís, no governo do país”, bem como a passagem do aniversário da proclamação da República. Às 12 horas, os membros da diretoria da FHC se reuniriam na sede social da agremiação, no largo do Rosário, n. 34, partindo, em seguida, incorporados para a residência do Dr. Washington Luís, a fim de acompanhá-lo ao edifício da Câmara dos Deputados, onde, perante o Congresso Nacional reunido, S. Ex. seria empossada na presidência da República. Às 9 horas da noite, em sessão solene, seria inaugurado no salão nobre da agremiação o retrato do Dr. Washington Luís, palestrando por essa oportunidade o deputado Alcides Bahia, que discursaria sobre as “virtudes” do eminente político e sobre os significados da data de 15 de novembro.3 3 “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 2.

Como é possível entrever, a FHC chancelou as figuras de Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes, Washington Luís, respaldando os presidentes que governaram o Brasil no final da década de 1910 até a década de 1920. Sem jamais ocultar seu pendor patriótico, a agremiação atuou na esfera pública, patrocinou diversas ações coletivas, reinscreveu referenciais e narrativas de igualdade, assumiu diferentes posicionamentos republicanos, estabeleceu diálogos, forjou alianças, enfim, interveio na disputa do projeto nacional. Mas qual foi mesmo o percurso traçado pela Federação dos Homens de Cor? A proposta deste artigo é justamente reconstituir alguns aspectos da trajetória dessa agremiação, conferindo atenção especial às suas aspirações, cenografias e formas de articulação, luta e identidade.

É cada vez mais crescente o número de pesquisas que investigam o tema do associativismo negro em São Paulo no período pós-Abolição. Centradas na ampla rede constituída por bailes, festas, clubes, times de futebol, jornais, experiências educacionais, centros cívicos, grêmios literários e associações beneficentes, essas pesquisas vêm etnografando e desvendando os vários sentidos e significados do associativismo negro em terras bandeirantes (BUTLER, 1992BUTLER, Kim D. “Up from slavery: afro-brazilian activism in São Paulo, 1888-1938”. The Americas, v. 49, n. 2, 1992, pp. 179-206. , 1998BOMILCAR, Álvaro. Freedoms given, freedoms won: afro-brazilians in post-abolition São Paulo and Salvador. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1998.; ANDREWS, 1998ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru, SP: EDUSC,1998.; SILVA, 1998SILVA, José Carlos Gomes da. “Negros em São Paulo: espaço público, imagem e cidadania”. In: Ana Maria de Niemeyer e Emília Pietrafesa de Godói (orgs.). Além dos territórios: para um diálogo entre a etnologia indígena, os estudos rurais e os estudos urbanos. Campinas: Mercado Aberto, 1998, pp. 65-96.; TRINDADE, 2004TRINDADE, Liana Salvia. O negro em São Paulo no período pós-abolicionista. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo: a cidade de São Paulo na primeira metade do século XX (1890-1954). Vol. 3. São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp. 101-119.; SEIGEL, 2009SEIGEL, Micol. Uneven encounters: making race and nation in Brazil and The United States. Durham, NC: Duke University Press, 2009. ; ALBERTO, 2011ALBERTO, Paulina L. Terms of inclusion: black intellectuals in twentieth-century Brazil. Chapel Hill, N.C.: The University of North Carolina Press, 2011.; PINTO, 2013PINTO, Regina Pahim. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Ponta Grossa, PR: Ed. UEPG; São Paulo: Fudação Carlos Chagas, 2013.). Em contrapartida, não se pode falar o mesmo para o estado vizinho. Pouco se conhece dessas modalidades de agenciamento e sociabilidade entre as mulheres e homens negros do Rio de Janeiro nas primeiras décadas da República, e há inclusive quem já tenha postulado que estes, devido às suas peculiaridades históricas e culturais, simplesmente não produziram (ou conheceram) essas formas de associativismo (RAMOS, 1971RAMOS, Arthur. O negro na civilização brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1971 [1956].[1956], p. 190-191). Será que essas assertivas dicotômicas, as quais apartam a experiência histórica da diáspora negra de São Paulo e do Rio de Janeiro de forma estanque, têm lastro nas fontes? Vamos aos fatos. Cientes de que, como salienta François Hartog, “o historiador é, antes de mais nada, olhar: não isolado ou irônico, mas olhar vivo de quem, por sua presença e intervenção, advém a visibilidade” (HARTOG, 2011HARTOG, François. Evidência da história: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 154).

Como tudo começou

A abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, trouxe grandes esperanças de dias melhores para milhares de pessoas negras pelo Brasil afora. Pela primeira vez na história da nação, todos os brasileiros foram considerados iguais perante a lei. A República - implantada em 15 de novembro de 1889 e referendada pela Constituição de 1891 - prometia garantir a cidadania por meio da universalização dos direitos civis, o que trazia em seu bojo o ímpeto por participação política e conquistas sociais. Com o tempo, muitos sujeitos de pele escura e trabalhadores de modo geral perceberam que os ideais republicanos - de liberdade, igualdade formal e direitos - não se realizaram na plenitude. O não acesso às posições de prestígio, renda e poder, de um lado, e o “preconceito de cor” à luz das teorias do racismo de base popular ou científico, de outro, eram sérios obstáculos a afligi-los e enfeixá-los nas encruzilhadas da subcidadania (BATALHA, 2006BATALHA, Claudio H. M.. Limites da liberdade: trabalhadores, relações de trabalho e cidadania durante a Primeira República. In: LIBBY, Douglas Colle; FURTADO, Júnia Ferreira Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2006, pp. 107-109., p. 107-109; ANDREWS, 2007ANDREWS, George Reid.América Afro-Latina, 1800-2000. São Carlos: EdUFSCar, 2007., p. 146-148). Porém, não adiantava ficarem lamentando tal situação, nem posarem de vítimas da história. Eles notaram que a saída - frente aos desafios da vida e das relações sociais hierarquizadas - exigia união, objetivos comuns, disposição de luta e riscos a toda prova. Afinal, “quem sabe faz a hora; não espera acontecer”, como diz o cancioneiro popular.4 4 Na concepção de Hebe Mattos, as “mobilizações pela efetivação dos direitos civis reconhecidos pela Constituição de 1891, especialmente de cunho antirracista, foram uma dimensão política importante da primeira experiência republicana. Na jovem República, entre os grupos negros urbanos alfabetizados e, portanto, eleitores, desde cedo se formou um imprensa antirracista, que falava em nome dos chamados ‘homens de cor’” (MATTOS, 2012, p. 117).

Foi pensando nisso que, em 1909, um grupo de “homens de cor” lançou a ideia de fundar uma associação em defesa de seus interesses sociais, políticos, econômicos e culturais na cidade de São Paulo. Na base da determinação, do corpo a corpo - conversa de persuasão com um “patrício” daqui, conversa com outro “patrício” dacolá -, o número de aderentes ou simpatizantes da ideia foi aumentando. As primeiras reuniões preparatórias não tardaram a acontecer. Muitas dúvidas e expectativas, muito entusiasmo de todas as partes. Algumas vozes argumentavam que uma associação beneficente entre os negros seria de fundamental importância no sentido de “combater os vícios, arrancar da lama os fracos de espírito e socorrer os desprotegidos da sorte, indicando o verdadeiro caminho do bem à mocidade”.5 5 “Observando”. O Kosmos. São Paulo, 16/03/1924, p. 1.

A ideia foi amadurecendo, ganhando consistência até adquirir força e coesão suficientes para ser materializada. Na noite do dia 28 de novembro de 1909, um domingo, aquele grupo de “homens de cor” se reuniu no centro de São Paulo, próximo à atual Praça das Bandeiras. Depois de um debate acerca da natureza, da estrutura, dos objetivos e do plano de atuação, o Centro da Federação dos Homens de Cor foi instituído na qualidade de sociedade beneficente, com o escopo de prestar assistência social aos membros afiliados, sem contudo olvidar da dimensão político-cultural dos problemas que afetavam a maioria dos afro-brasileiros. A ideia de uma sociedade beneficente já havia sido consubstanciada por outras agremiações negras de São Paulo; todavia, até aquele instante os resultados tinham sido insatisfatórios.6 6 A Sociedade Cooperativa dos Homens de Cor (1902) e a Sociedade Beneficente dos Homens de Cor (1906), por exemplo, surgiram como associações beneficentes, mas não resistiram e desapareceram ou ressignificaram sua linha de atuação. A esse respeito, ver Tânia Regina de Luca (1990, p. 130). Para estudos históricos recentes sobre o mutualismo no Brasil, ver Claudio Batalha e Marcelo Mac Cord (2015). Na mesma noite de fundação, foi eleita a primeira diretoria da Federação dos Homens de Cor, cuja nominata ficou assim estabelecida: presidente, Osório Romano; vice-presidente, Bernabé Francisco Pereira; primeiro secretário, Olavo Jonas dos Santos; segundo secretário, Irineu Silva; tesoureiro, Bento José Monteiro; procurador, Joaquim Candido de Paula; fiscal, Wenceslau Ferraz de Camargo; conselho fiscal, Theodoro Galdino, Pedro Marcondes Salgado, Conrado dos Santos e J. B. de Camargo.7 7 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 14/12/1909, p. 4; “Associações”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/12/1909, p. 12; “S. Paulo”. O Século. Rio de Janeiro, 28/09/1910, p. 2.

Com sede no Largo do Riachuelo, nº 56, no bairro do Bexiga, a agremiação foi se estruturando na informalidade. Em 1910, ela desenvolveu algumas atividades político-culturais e beneficentes, realizou festas e inaugurou uma biblioteca.8 8 “Telegrammas”. O Século. Rio de Janeiro, 28/09/1910, p. 2; “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano, São Paulo, 31/12/1910, p. 4. Um ano depois, publicou A Federação, o jornal da agremiação,9 9 Em sua edição de 19 de maio de 1911, o Correio Paulistano acusou o recebimento do jornal A Federação: “Recebemos o número 1 d’A Federação, órgão do Centro da Federação dos Homens de Cor, de São Paulo. O novo colega traz belos artigos comemorativos da gloriosa data de 13 de maio e estampa diversos retratos das individualidades da propaganda abolicionista”. “Várias notícias”. Correio Paulistano. São Paulo, 19/05/1911, p. 7. e continuou investindo, quer nas iniciativas culturais, quer nas comemorações da “descoberta do Brasil” e da Lei do Ventre Livre (de 28 de setembro de 1871), que garantiu a liberdade a filhos de escravos nascidos no Brasil.10 10 “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 05/05/1911, p. 5; “Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 28/09/1910, p. 6; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 30/09/1911, p. 6; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 30/09/1911, p. 6. Contudo, o principal evento histórico comemorado pela agremiação era a Lei Áurea (de 13 de Maio de 1888), que decretou extinta a escravidão no Brasil. Vista como magna conquista do negro no processo abolicionista, essa efeméride era celebrada em grande estilo, com entusiasmo, brilho e alegria transbordante.11 11 “13 de Maio”. O Paiz, Rio de Janeiro, 13/05/1910, p. 3; “Santos”. Correio Paulistano. São Paulo, 13/05/1910, p. 2; “Factos diversos”. Correio Paulistano, São Paulo, 13/05/1911, p. 5; “A data da Abolição”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 15/05/1911, p. 5; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1911, p. 3; “S. Paulo”. A Época. Rio de Janeiro, 14/05/1913, p. 2; “Nos estados”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 14/05/1913, p. 5; Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1913, p. 2; “13 de Maio”. Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1915, p. 5. Em setembro de 1913, ocorreu a inauguração da “escola mista do Centro da Federação dos Homens de Cor”, evento que contou com a presença dos associados, de representantes da sociedade civil e do “sr. Tiburtino Augusto Mondim, auxiliar de gabinete do sr. Secretário do Interior do Estado de São Paulo”.12 12 “Notas”. Correio Paulistano. São Paulo, 30/09/1913, p. 1; “Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 27/09/1913, p. 6. Parece que tal projeto educacional sensibilizou o poder público, já que, em menos de um mês, a Câmara Municipal aprovou uma emenda na qual liberava a verba de 2:000$000 para o Centro da Federação dos Homens de Cor manter sua escola diurna e noturna.13 13 “Câmara Municipal”. Correio Paulistano. São Paulo, 22/10/1913, p. 7. Ver também “Câmara”. Correio Paulistano. São Paulo, 27/12/1913, p. 6; “Câmara Municipal”. Correio Paulistano. São Paulo, 10/02/1914, p. 5. No final de 1914, a escola estava funcionando a todo vapor, pelo menos é o que se depreende da notícia veiculada pelo Correio Paulistano: “Realiza-se hoje a festa de encerramento das aulas das escolas mantidas pela Federação dos Homens de Cor. O festival efetuar-se-á na sede desta sociedade, à rua Dr. Abranches, n. 58, obedecendo ao seguinte programa: 1 Canto do hino nacional, por todos os alunos; 2 Diálogo ‘O castigo’, pelas alunas Aurora de Sousa e Anunciata Cascapera; 3 Poesia ‘A Escola’, pelo aluno Benedicto Milano; 4 ‘Philosophia infantil’, pelas alunas Zulmira e Anna dos Santos Coelho; 5 Poesia ‘Em caminho’, pela aluna Luiza Bobis; 6 Discurso ao director, pela alunna Anna Morsa; 7 ‘Leitura das aprovações e promoções de ano’; 8 Discurso de agradecimento, pela aluna Odette Marques; 9 Canto ‘As lavadeiras’, por todas as alunas”. “Escola da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 19/12/1914, p. 8.

Não demorou para a entidade passar por mudanças internas. Em 1914, um grupo de associados resolveu tirá-la da informalidade e fazê-la funcionar regularmente. Para tanto, havia a necessidade de aprovar um estatuto social em assembleia de associados e, em seguida, registrá-lo em cartório. Assim foi feito.14 14 Sobre a importância que as associações recreativas de trabalhadores, em sua maioria negros e mestiços, do Rio de Janeiro no início do século XX atribuíam ao ato de oficializar estatutos a fim de assegurar seus direitos, evitando a cassação de licença para funcionamento ou fugindo à perseguição judicial, ver Leonardo Affonso de Miranda Pereira (2013). O estatuto definia as linhas mestras - a denominação, a natureza, a estrutura, a composição, o ideal, as finalidades etc. - da agremiação. Já no primeiro capítulo estabelecia que o Centro da Federação dos Homens de Cor de São Paulo tinha “por fim trabalhar pelo desenvolvimento moral, intelectual e social dos seus associados e dos homens de cor do Brasil”, aceitando, porém, sócios “sem distinção de crenças, nacionalidades e sexo”, mas de “boa conduta”. Planejava criar uma escola para os associados e seus filhos, oferecer socorros médicos e benefícios previdenciários, organizar uma biblioteca, promover conferências, palestras e festas em comemoração às datas cívicas nacionais. Para a admissão de sócios, a FHC estipulava os seguintes critérios: “ser bem comportado”; “não ter sido expulso de outras associações por motivos desairosos”; “ser maior de idade”; “estar no gozo de perfeita saúde no ato de sua admissão e não ter defeito físico que impossibilite de trabalhar, sendo qual possa advir enfermidade futura”.15 15 Estatuto do Centro da Federação dos Homens de Cor de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Registro de Imóveis, Sociedade Civil nº 431. São Paulo, 04/09/1914 - C10414.

As qualidades morais exigidas - como ter “boa conduta”, “ser bem comportado” e possuidor de uma reputação inabalável - serviam para enaltecer a imagem da agremiação, ao mesmo tempo que distinguiam os candidatos que eram assim considerados por seus pares. Ao requisitar que os candidatos a sócios tivessem “no gozo de perfeita saúde”, a entidade desejava evitar que o recém-admitido representasse um ônus de imediato, uma vez que ela também oferecia auxílios aos doentes ou desempregados - de maneira similar às associações de auxílio mútuo. Outros artigos estatutários - como a eventual suspensão de direitos do sócio que, estando a receber auxílios, fosse encontrado “trabalhando na sua ou outra profissão, o que tome alta sem autorização do médico, o que seja encontrado a passear fora das horas prescritas” - aproximavam a FHC das associações de auxílios mútuos de São Paulo.16 16 Estatuto do Centro da Federação dos Homens de Cor de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Registro de Imóveis, Sociedade Civil nº 431. São Paulo, 04/09/1914 - C10414. Ver também Uassyr de Siqueira (2008, p. 116-118) e Ramatis Jacino (2012, p. 121).

Nessa nova fase, Jayme Baptista de Camargo foi eleito presidente. Tratava-se de um patriota, que se destacou como dirigente nas lides do associativismo afro-paulista, tendo sido presidente do Grêmio Recreativo Ituano - uma associação fundada pelos “homens de cor”, em 1910, que tinha como objetivos precípuos organizar “bailes, piqueniques e outros divertimentos” (SIQUEIRA, 2008SIQUEIRA, Uassyr de. Entre sindicatos, clubes e botequins: identidades, associações e lazer dos trabalhadores paulistanos (1890-1920). Campinas, Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, 2008, p. 116-118., p. 120) - e colaborador eventual da imprensa negra paulista. Embora constasse no estatuto que a FHC “seria administrado por uma diretoria eleita legalmente, de 4 em 4 anos, dentre os sócios efetivos que estivessem quites com o cofre social”,17 17 “Centro da Federação dos Homens de Cor de S. Paulo. Cláusulas principais de seus estatutos”. Diário Oficial do Estado de São Paulo, n. 194, 28/08/1914, p. 3508. Baptista de Camargo permaneceu no cargo por mandatos consecutivos.

Encontros, palestras, reuniões, bailes, confraternizações e festivais lítero-musicais atraíam cada vez mais a atenção das pessoas. Segundo o anuário paulista, a agremiação possuía 92 sócios em 1912, número que subiria para 275 em 1917. Neste ano, aconteceu algo marcante na sua festa de 13 de Maio, realizada no salão Celso Garcia, na rua do Carmo, no centro de São Paulo. O escritor Ciro Costa nela fez uma participação especial, recitando pela primeira vez sua “esplendida composição poética” Pai João:

Do taquaral à sombra, em solitária furna,

Para onde, com tristeza, o olhar ansioso alongo,

Sonha o negro, talvez, na solidão noturna,

Com os límpidos areais das solidões do Congo;

Ouve-lhe a noite a voz plangente e taciturna,

Num magoado suspiro entrecortado e longo,

E o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,

É o urucungo, a gemer, na cadência do jongo.

Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos

A grandeza real de tudo quanto temos!

Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,

Sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,

Que os frutos do café são glóbulos vermelhos

Do sangue que escorreu do negro escravizado!18 18 “Pae João”. O Clarim. São Paulo, 22/06/1924, p. 1.

A participação de Ciro Costa no evento teria contagiado a todos. É o que se depreende de matéria publicada n’O Clarim anos mais tarde: o “festejado homem de letras”, querendo compartilhar das alegrias da “raça redimida”, declamou com arte e expressão o seu soneto intitulado Pai João, “conquistando por tal motivo os mais frementes aplausos da assistência, que era seleta e numerosa”. Por este gesto, o “ilustre literário paulista” agradou de tal modo os “homens de cor”, que estes resolveram oferecer-lhe, em sinal de gratidão, um “banquete”, que se realizou pouco tempo depois daquela festa. Nessa homenagem, Félix Pacheco, “insigne poeta, jornalista e parlamentar”, saudou Costa em nome dos “homens de cor”.19 19 “Pae João”. O Clarim. São Paulo, 22/06/1924, p. 3. Em livro de memórias, José Correira Leite não escamoteia sua antipatia por Jayme de Camargo e pela “sua” Federação dos Homens de Cor. Na visão daquele antigo ativista afro-paulista, “esta Federação teve uma história, mas na realidade nunca existiu além do rótulo que Jaime Camargo usava audaciosamente”. É evidente que Correia Leite carregou na tinta. Seu depoimento relativo à agremiação, além de lacônico, é tendencioso. Ainda assim, ele faz um relato interessante: “Constava que, num certo 13 de maio, Jaime Camargo encabeçou e fez, com raro brilhantismo, uma grande sessão solene, na qual tomaram parte elementos dos mais representativos do nosso mundo político e das letras. Foi nessa ocasião que Ciro Costa recitou pela primeira vez o seu soneto ‘Pai João’, o qual se tornou famoso. Diante do êxito dessa festa, mais tarde foi realizado um grande banquete, em homenagem ao Ciro Costa. Saudou o homenageado, como orador oficial, o intelectual Félix Pacheco. Daí data o sucesso da Federação[dos Homens de Cor]” (LEITE, 1992, p. 289).

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Além de clamar por melhores condições de vida (saúde, assistência previdenciária, educação e emprego), a FHC desfraldou a bandeira dos direitos civis e simbólicos da população negra. Sua intenção era fazer valer as expectativas mais amplas de cidadania republicana. Em abril de 1915, a Gazeta de Notícias noticiou que Eloy Chaves, Secretário da Justiça e Segurança Pública, teria cogitado excluir da Força Pública os “homens de cor”. A polêmica foi instalada. Por meio de suas asssociações recreativas e beneficentes, os afro-paulistas se posicionaram, exigindo satisfação de tal autoridade. A FHC foi além e marcou um meeting de protesto. Diante da polêmica, Eloy Chaves recuou, preferindo respeitar os “princípios da boa democracia”.20 20 “Gazetilha”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/04/1915, p. 4. Dois anos depois, nova notícia envolvendo a violação dos direitos da população negra e, mais uma vez, a FHC entrou em ação. Conforme informou O Imparcial, a diretoria da agremiação “convocou uma assembléia, para protestar contra o fato do sacerdote diretor do Collegio Petrópolis, por haver expulsado o filho do professor Hemetério dos Santos, por ser preto”.21 21 “A Federação dos Homens de Cor, de S. Paulo, vai protestar contra o acto do director do Collégio de Petrópolis”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 10/04/1917, p. 5. Já no campo simbólico, a agremiação chegou a planejar a monumentalização de alguns ícones afro-brasileiros. Em 1919, ela remeteu um ofício a Enéas César Ferreira, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, pedindo o apoio de sua “associação para o fim de se levantar na capital [paulista] uma estátua ao emérito abolicionista Luiz Gama”. Segundo o Correio Paulistano, Enéas Ferreira teria manifestado “boa vontade” para a concretização da ideia.22 22 “Estátua de Luiz Gama”. Correio Paulistano. São Paulo, 22/05/1919, p. 4.

Depois dessa fase de relativo dinamismo, a FHC teria arrefecido seu poder de mobilização racial. Não mais animando eventos sociais e atividades beneficentes como dantes, nem conseguindo empreender ações coletivas de repercussão, a agremiação entrou em declínio crescente. Enfrentou denúncias de irregularidades, sofreu dissensões internas, perdeu adeptos e simpatizantes, desmantelou a “escola”, acumulou dívidas, até ficar em estado de letargia e fechar as portas de sua sede social. Possivelmente Baptista de Camargo tenha ficado desolado. Quiçá fosse um sonho que se esvaía. Sem perspectiva de futuro nas lides do associativismo negro em São Paulo, ele decidiu se transferir para o Rio de Janeiro. Ao que parece, a fim de começar tudo outra vez.

Arroteando o centro nevrálgico da nação

No dia 24 de julho de 1920, o Correio da Manhã publicou um comunicado da Federação dos Homens de Cor, segundo o qual a agremiação havia instalado sua “sede provisória” na rua Benedicto Hypolito, nº 48, 1º andar, na região central do Rio de Janeiro, com atendimento ao público das “5 às 7 horas da manhã e das 17 às 18 horas da tarde”.23 23 “Declaração”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 24/07/1920, p. 8. Sob o comando de Jayme Baptista de Camargo, a agremiação foi se estruturando gradativamente, instituindo as regras de organização e funcionamento, adotando seus símbolos diacríticos - estandarte e cartão de identificação -, estabelecendo os direitos e deveres do corpo de associados, o seu perfil, as normas para sua admissão e desligamento, etc. Meses mais tarde, a FHC transferiu sua sede para a Praça da República, nº 46, também no centro do Rio de Janeiro. Talvez não tenha sido à toa a escolha desse novo endereço. Claudio Batalha assinala que a Praça da República permaneceu, pelo menos até a Reforma Pereira Passos, como o centro da vida política do Rio de Janeiro, mas também um centro de diversão e lazer. Havia teatros no entorno da praça. Realizavam-se nela paradas militares, desfiles de préstitos carnavalescos e meetings políticos. Durante as greves generalizadas de 1917, foi um dos principais locais de reunião dos trabalhadores. Estarem situadas nesse logradouro era, para várias associações, um sinal de prestígio (BATALHA, 2009BATALHA, Claudio H. M. . A geografia associativa: associações operárias, protesto e espaço urbano no Rio de Janeiro da Primeira República. AZEVEDO, Elciene... [et al.]. Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009, pp. 251-269., p. 251-252). No entanto, a FHC jamais teve sede própria e atravessou fases de instabilidades, o que lhe obrigou a mudar de endereço pelo menos três vezes na década de 1920.24 24 A princípio, a sede permanente da FHC funcionou na Praça da República, nº 46, no centro do Rio de Janeiro. Os jornais chegaram a fazer alusão a outros endereços da agremiação no transcorrer da década de 1920, a saber, rua Visconde do Rio Branco, nº 53; rua dos Ouvires, nº 124; e rua do Rosário, nº 34. Cf. “O 13 de Maio na Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “A sessão da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3 e “A Lei do Ventre Livre”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2. Segundo Claudio Batalha, a mobilidade geográfica também caracterizou a trajetória das sociedades operárias no Rio de Janeiro durante a Primeira República. A mudança constante de endereços no centro da cidade - o lócus privilegiado da política - afetou até mesmo sociedades plenamente consolidadas e com recursos financeiros significativos, como foi o caso da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro e da União dos Operários Estivadores (BATALHA, 2009, p. 264-265).

Ciente de que os afro-cariocas viviam em condições sociais e raciais desfavoráveis, a agremiação dispendeu uma série de esforços no sentido de mobilizá-los rumo à modificação daquele cenário. De fato, assim como em São Paulo, as pessoas negras no Rio de Janeiro enfrentavam estigmas, barreiras e/ou sanções no espaço público, nas forças armadas, no sistema educacional, nos programas governamentais de saúde, nos tribunais do júri, na rede de serviços e proteção social, nos clubes e circuitos de lazer, na prática desportiva e no mundo da política. Suas demandas, narrativas e expectativas não eram contempladas pelos “donos do poder” (BOMILCAR, 1916BOMILCAR, Álvaro. O preconceito de raça no Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Aurora, 1916.; MORAES, 1922MORAES, Evaristo de. Brancos e negros: nos Estados Unidos e no Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Miccolis, 1922.; ADAMO, 1983ADAMO, Samuel C. The broken promise: race, health, and justice in Rio de Janeiro, 1890-1940. Tese deDoutorado, University of New Mexico, 1983.; RIBEIRO, 1995RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. Cor e criminalidade: estudo e análise da Justiça no Rio de Janeiro (1890-1930). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.; PEREIRA, 2000PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 2000; DÁVILA, 2006DÁVILA, Jerry. Diploma da brancura: política social e racial no Brasil (1917-1945). São Paulo: Ed. Unesp, 2006.; RODRIGUES, 2010RODRIGUES, Fernando da Silva. Indesejáveis: instituição, pensamento político e formação profissional dos oficiais do Exército brasileiro (1905-1946). Jundiaí: Paco Editorial, 2010.). Por isso, suas condições de vida foram objeto de contínua preocupação por parte da FHC. Procurando construir uma política de unidade na ação, as lideranças da associação falavam em nome não apenas de si, mas das pessoas negras em geral. A FHC caracterizou-se por impulsionar o debate da questão racial como um limite do exercício da cidadania. Porém, não se tratava simplesmente de diagnosticar o problema, como ainda de ter no horizonte as possíveis soluções. Foi com esse espírito que os membros da agremiação caíram em campo, por meio de um trabalho de arregimentação de novos afiliados, de captação de recursos, de negociação de apoios institucionais e desenvolvimento do seu programa de atividades.

Reuniões periódicas da diretoria, prestação de contas, realização de assembleias gerais ordinárias e extraordinárias, registradas em atas e às quais compareciam também os associados, a fim de decidir sobre os assuntos de interesse da FHC, eis um pouco a rotina da agremiação. Embora não haja informações detalhadas acerca dos meios de que ela dispunha para arcar com as despesas, tudo indica que a sua principal fonte de recursos provinha das mensalidades dos sócios e dos donativos recolhidos.25 25 Em setembro de 1921, a diretoria da Federação dos Homens de Cor publicou uma nota no Correio da Manhã na qual denunciava “José Eugenio de Andrade e outros” indivíduos que, a despeito de terem sido expulsos da agremiação há dois meses, andavam pelo “comércio a fazerem pedidos de donativos para a citada Federação”. Diante disso, a diretoria da agremiação alertava o público para se precaver de “semelhantes indivíduos, verdadeiros saltimbancos” (“Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 11/09/1921, p. 6). A rotina da FHC igualmente se expressava nas atividades sociais e políticas, tais como almoços, lanches, festas, sessões culturais, excursões, ações educacionais, palestras, conferências, homenagens, celebrações de missa, atos públicos. Além disso, as datas cívicas - como o 7 de Setembro (dia da Independência do Brasil) e o 15 de Novembro (dia da proclamação da República) - e principalmente as efemérides que diziam respeito ao negro, eram comemoradas com eventos específicos.

A agremiação foi aos poucos consolidando sua política racial, angariando simpatizantes e colaboradores, conquistando espaço na grande imprensa e tornando-se uma referência na promoção dos direitos dos afro-brasileiros. Tanto é que, quando Robert Sengstacke Abbott visitou o Brasil, fez questão de conhecer a FHC. Aqui cabe uma breve nota biográfica. Abbott nasceu na Geórgia (EUA) em 1870, de pais ex-escravos. Na base de muito esforço, formou-se em Direito; porém, adquiriu prestígio e dinheiro como fundador-proprietário e editor do Chicago Defender, um dos jornais da imprensa afro-americana de maior circulação nas primeiras décadas do século XX. Realizando um antigo sonho de conhecer uma experiência negra distinta daquela vivida pelos seus conterrâneos de cor, Abbott viajou pela América do Sul em 1923. A primeira parada de um tour de três meses: Rio de Janeiro, onde chegou em 15 de fevereiro. Na capital da República, ele fez turismo, participou de encontros sociais e estabeleceu contatos com figuras respeitadas no meio afro-brasileiro: José do Patrocínio Jr. (jornalista e filho do famoso abolicionista José do Patrocínio), Evaristo de Morais (advogado criminalista), Juliano Moreira (médico neurologista), Eloy de Souza (senador da República) e Olympio de Castro (padre ligado à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e um dos oradores da Federação dos Homens de Cor). Foi este último que falou da FHC para Abbott, que, por sua vez, teria manifestado interesse em conhecer o trabalho da agremiação. Uma visita a ela então foi agendada para o dia 24 de fevereiro. No dia seguinte, o Correio da Manhã noticiou: a FHC preparou uma “reunião especial para a recepção ao dr. Robert Abbott”. O jornalista afro-americano foi recebido à porta da agremiação por “uma comissão especialmente destinada para esse fim, saudando-o o sr. Tito Carlos. O sr. Abbott, respondendo, enalteceu o progresso do Brasil e dos homens de cor”. Ao terminar a visita, ele “foi muito aplaudido, sendo em seguida servido um lunch aos presentes”.26 26 “A visita do sr. Robert Abbott ao Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 25/02/1923, p. 3. A passagem de Abbott pelo Brasil e suas ligações com a Federação dos Homens de Cor foram registradas pelo biógrafo do jornalista afro-americano (OTTLEY, 1955, p. 228-246).

O jornalista afro-americano teria ficado com uma boa impressão do que viu, posto que aceitou o título de sócio honorário da FHC (SEIGEL, 2009SEIGEL, Micol. Uneven encounters: making race and nation in Brazil and The United States. Durham, NC: Duke University Press, 2009. , p. 227) e o convite que esta lhe fez para ministrar uma conferência sobre a questão racial no teatro Trianon, no dia 10 de março. Indivíduos negros de vários lugares, inclusive de São Paulo, mobilizaram-se para ouvi-lo falar.27 27 Pelas páginas d’O Getulino, um jornal da imprensa negra paulista, Benedicto Florêncio relata que a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos, da cidade de Campinas, apoiou “com tanto entusiasmo a missão desse ilustre homem [Robert Abbott]”, que mandou “um emissário ao Rio para ouvi-lo”. “Carta d’um negro”. O Getulino. Campinas, 23/09/1923, p. 1-2. A imprensa regular divulgou amplamente o evento28 28 “Conferências”. O Paiz. Rio de Janeiro, 06/03/1923, p. 4; “Uma conferência do sr. Roberto S. Albott, no Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 07/03/1923, p. 3; “Conferências”. O Paiz. Rio de Janeiro, 10/03/1923, p. 4. , e a reportagem da Revista da Semana, em especial, nele se fez presente (Figura 1). Cerca de trinta, quase quarenta expectadores, reuniram-se no salão do teatro. No palco em torno da mesa ocupada pelo orador principal, os mais “ilustres” negros brasileiros tomaram assento, presidindo a cerimônia realizada sob os auspícios da FHC. Segundo o semanário carioca, Abbott fez um breve “exórdio”, manifestando o “prazer que ele sentia de falar ao público brasileiro”. Discorreu a respeito da situação racial nos Estados Unidos, onde o negro não recebia a “menor parcela de consideração” do branco, sendo aliás expropriado, até aquele instante, da “liberdade sob o céu da sua pátria”. Teceu, a seguir, os mais altos elogios ao Brasil, que abriria as portas do seu coração a todos os homens. Afirmou que “entre nós aprendera a ligar e associar as expressões Liberdade e Brasil”, declarando que os negros daqui não poderiam compreender os pontos de vista do negro norte-americano, porque no “Brasil só há um ponto de vista para os homens de todas as raças”. Ao concluir sua peroração com a voz ligeiramente embargada, o “campeão da raça negra” asseverou que levaria para a sua pátria, como “incentivo de novas e mais acesas lutas, o exemplo sublime da fraternidade brasileira, preconizada pelos grandes sonhadores da Política e da Sociologia”.29 290 “O campeão da raça negra louvando a democracia brasileira”. Revista da Semana. nº 12, Rio de Janeiro, 17/03/1923. Esta reportagem foi reeditada, com novo título, e publicada no Chicago Defender. Cf. “Brazilians are told meaning of liberty statue”. The Chicago Defender. Chicago, 28/04/1923, p. 3. Independentemente da visão idealizada que Abbott tinha das relações raciais no Brasil,30 30 Sobre a visão idealizada de Abbott acerca das relações raciais no Brasil, consultar David J. Hellwig (1988; 1992, p. 55-82) e Teresa Meade e Gregory Alonso Pio (1988). convém frisar sua afinidade e sintonia com a FHC. Quando regressou aos Estados Unidos, ele teria acompanhado o trabalho da agremiação afro-brasileira, voltando a estabelecer contatos com Olympio de Castro por meio de correspondência e troca de informações.31 31 Uma evidência do intercâmbio, operado entre Robert Abbott e a Federação dos Homens de Cor, deu-se no final de 1923, quando o Chicago Defender fez uma copiosa reportagem para falar da polêmica envolvendo Frank M. Purser, um norte-americano e professor do Colégio Batista no Rio de Janeiro, que teria escrito um artigo na Home and Foreign Fields - revista publicada no Tennessee (EUA) -, acusando o Brasil de ser um país de negros, cujos habitantes, formados pela mistura de raças, seriam indolentes, feios, sujos e deselegantes, logo, poucos civilizados. The Chicago Defender informou, na reportagem, que o artigo de Purser havia repercutido e causado a reação de vários setores da opinião pública brasileira. A Federação dos Homens de Cor, por exemplo, teria emitido nota pública sobre o assunto e parte deste documento, assinado por Jayme de Baptista, foi publicado no jornal dos afro-americanos: “A Federação dos Homens de Cor se junta aos protestos nacionais contra as palavras difamatórias do professor Purser em relação ao Brasil. Esta Federação ficou particularmente ofendida como ele se referiu a nós nos mais insultosos termos. […] O fato de uma larga parte da população brasileira ser de cor nunca foi uma desonra para a nação”. “Brazilians give lesson to teacher of white supremacy”. The Chicago Defender. Chicago, 03/11/1923, p. 13.

Figura 1
Reportagem sobre a conferência que Robert Abbott ministrou no teatro Trianon, sob os auspícios da Federação dos Homens de Cor.

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A FHC concedia o título de sócio honorário a pessoas “ilustres”, negras e brancas, as quais se distinguiam pela notoriedade ou pelos serviços realizados. De acordo com Vitor Manoel da Fonseca, as sociedades civis, existentes no Rio de Janeiro entre 1903 e 1916, nomeavam as pessoas influentes - que podiam ser autoridades políticas, militares ou civis - com títulos de sócias honorárias (ou patronas) na esperança de que elas, à medida que emprestassem o seu nome, elevassem o conceito da associação, conferindo-lhe capital simbólico e político. Havia a expectativa de que elas também cumprissem o papel de benfeitoras, oferecendo donativos ou solucionando os problemas junto a esferas às quais as associações teriam maior dificuldade de acesso. Por exemplo, a Associação Protetora dos Homens do Mar franqueou o título de presidente honorário ao presidente da República, ao ministro da Marinha e ao presidente do Clube Naval; a Caxia Beneficente dos Amanuenses do Exército escolheu como sócio perpétuo e grande protetor o general de Divisão José Caetano de Faria (FONSECA, 2008FONSECA, Vitor Manoel Marques da. No gozo dos direitos civis: associativismo no Rio de Janeiro (1903-1916). Rio de Janeiro: Ed. Muiraquitã, 2008., p. 132, 158-159).32 32 Existem informações sobre a criação e o funcionamento de centenas de associações voluntárias no Rio de Janeiro no período em tela. Vitor Fonseca (2008) encontrou a ocorrência de 832 registros dessas associações. Já por outra perspectiva, Michael Conniff (1975) assinala o estudo das associações de 1870 a 1945 como um campo fecundo para mapear a vida social da urbanidade. Já no que concerne à FHC, o presidente da República Washington Luís foi proclamado seu presidente de honra,33 33 “Homenagem da Federação dos Homens de Cor, ao presidente Washington Luis”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/06/1923, p. 2. ao passo que “todos os ministros” de Washington Luís, os presidentes Hermes da Fonseca e Epitácio Pessoa, os então deputados Júlio Prestes, Arnolfo Azevedo e Vicente Piragibe; o coronel Thedim Lobo, o Conde Siciliano, o “Superintendente do Abastatecimento” do Rio de Janeiro (Dulphe Pinheiro Machado), os comerciantes Fernandes Moreira & C., Fortunato Bulcão; o diretor do jornal O Paiz, entre outras pessoas influentes e poderosas, foram agraciados com o título de sócio benemérito.34 34 “Echos e factos”. O Paiz. Rio de Janeiro, 27/04/1913, p. 1; “Uma homenagem ao Sr. Dulphe”. A Noite. Rio de Janeiro, 17/06/1921, p. 3; “A Associação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 18/06/1921, p. 3; “Luto”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/02/1923, p. 4; “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 14/11/1923, p. 6; “Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 22/10/1926, p. 4; “Os homens de cor e a posse”. O Paiz. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 4.

A agremiação jamais ocultou o desejo de levar o negro a se inserir no corpo político e social da nação, nem que para isto precisasse estabelecer contatos, articular aproximações e costurar alianças com atores diversos. Ela promoveu o “festival dedicado à imprensa carioca”,35 35 Eis a nota completa, que foi publicada n’O Paiz em1926: “O Centro Federação dos Homens de Cor promove hoje, 5 do corrente, na Quinta da Boa Vista, um festival dedicado à imprensa carioca e em homenagem à colônia portuguesa aqui domiciliada. O programa foi confeccionado caprichosamente, havendo torneios de football, sambas, assaltos de box, bailados, exercícios pelos escoteiros, teatro, provas de equitação por praças do exército, baile ao ar livre, etc.”. “Um grande festival na Quinta da Boa Vista”. O Paiz. Rio de Janeiro, 05/12/1926, p. 4. solidarizou-se com a “homenagem ao general Setembrino de Carvalho, ministro da Guerra, por motivo da pacificação do Rio Grande do Sul”36 36 “Homenagens”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 17/01/1924, p. 4; “General Setembrino de Carvalho”. O Paiz. Rio de Janeiro, 17/01/1924, p. 6. Em resposta ao gesto de solidariedade da FHC, o marechal Setembrino de Carvalho dirigiu a seguinte carta a Jayme Baptista de Camargo, o presidente da agremiação: “Tenho a honra de acusar o recebimento do ofício, no qual quis estes comunicar-nos os termos que tanto me desvaneceram, e nos quais o distinto presidente dessa benemérita associação se referiu à minha colaboração no restabelecimento da ordem constitucional em S. Paulo. Cabe-me, de um lado, agradecer, profundamente reconhecido, o voto de louvor e simpatia que, tão generosamente, foi consignado em ata, sob aplausos gerais em meu favor, e, de outro lado congratular-me, e o faço efusivamente, convosco e com os vossos nobres consórcios, por essa vitória do regime, que pôs em realce quão dignos somos nós do patrimônio que nos lograram os bravos que escreveram as páginas mais gloriosas de nossa história nacional. Com alta estima e consideração - Setembrino de Carvalho”. “Uma carta do marechal Setembrino ao C. da Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 07/08/1924, p. 5. e aderiu à gestão de todos os presidentes da República na década de 1920 - Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926) e Washington Luís (1926-1930). Essa adesão é percebida por meio dos “manifestos”, que teciam elogios aos “donos do poder”, e também dos gestos de deferências a eles: a FHC participou de moção de “apreço” a Artur Bernardes,37 37 “Manifestação de apreço ao Sr. Dr. Arthur Bernardes”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 02/11/1926, p. 9; “Os telegramas”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/10/1921, p. 2. festejou a posse de Washington Luís38 38 “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 2. Ver ainda “Homenagem da Federação dos Homens de Cor, ao presidente Washington Luis”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/06/1923, p. 2. e rendeu tributo a Epitácio Pessoa, conforme noticiou O Paiz em sua edição de 29 de julho de 1922. Teria se revestido de “grande brilho e entusiasmo” a inauguração do “retrato de Sua Excelência na sede social”. Na ocasião, falou o diretor do Echo Nacionalista, enaltecendo a sábia administração do governo e brindando a diretoria da agremiação por tão patriótica iniciativa. Em seguida, por maioria da assembleia, foi eleito e reconhecido o nome do “doutor Epitácio Pessoa” como sócio benemérito, pelos “grandes benefícios prestados à Pátria e à Federação dos Homens de Cor do Brasil. Agradeceu em nome do Centro Jayme Baptista de Camargo, seu presidente. Em congratulações, e assinado por todos os presentes, foi passado um telegrama ao manifestado”.39 39 “A manifestação ao Sr. presidente da República”. O Paiz, Rio de Janeiro, 29/07/1922, p. 5. A respeito do apoio da FHC ao presidente Epitácio Pessoa, ver também “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz, Rio de Janeiro, 19/07/1922, p. 5; “Dr. Epitácio Pessoa”. O Paiz. Rio de Janeiro, 09/08/1923, p. 6; “Boletim publicado pela Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/08/1923, p. 4. Não há nenhuma evidência de que Epitácio Pessoa tenha beneficiado diretamente a FHC. O apoio da agremiação a ele - e aos demais presidentes da República na década de 1920 - está relacionado à suposta convergência de ideias que existia entre ambos: a defesa do nacionalismo - esse sentimento e desejo de se viver em uma “comunidade imaginada” unificada, harmonizada, despreocupada com as diferenças de “raça”, “classe” ou “gênero” (ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.).

O apoio às “administrações dos governos” era visto como uma oportunidade para a FHC ampliar sua rede de relações e pleitear a abertura de um canal de negociação no tocante aos interesses e direitos dos “homens de cor”, a fim de integrá-los plenamente no seio da comunhão nacional.40 40 O apoio aos presidentes da República na década de 1920 não constituía uma exclusividade dos negros afiliados à FHC. Setores dos trabalhadores também o faziam, como John Dulles revela em pesquisa sobre a história dos “anarquistas e comunistas no Brasil”. Com o fim do mandato do presidente Artur Bernardes, por exemplo, um comunicado em nome das “associações trabalhistas” hipotecou sua gratidão “ao grande estadista”, pelo muito que fez pelos trabalhadores, no “decurso da sua profícua e patriótica gestão no governo da República”. Assinaram-no os representantes da União dos Estivadores, da União dos Foguistas, da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, e da Resitência dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas (DULLES, 1977, p. 303). Não fosse isso, a agremiação procurava mostrar aos associados a importância da participação política na arena de possibilidades do contexto. Suas lideranças acreditavam na participação política como meio de a população negra ganhar respeitabilidade, cavar espaços na sociedade e influenciar o destino da nação. Cogitou-se inclusive que, sem política, não se chegaria ao ponto tão almejado: o da verdadeira cidadania.

O “5º. Manifesto da Federação dos Homens de Cor”, publicado nas vésperas do Dia do Trabalhor de 1923, saudava “todas as classes sociais, operários brasileiros, pretos e brancos”, que muito teria cooperado para o engrandecimento da nação. “Fazemos votos”, declarava o documento, “para que o grande dia 1º. de maio transcorra com o máximo brilhantismo e seja coroado de êxito”.41 41 “5º. Manifesto da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 29/04/1923, p. 10. Naquele mesmo ano, a agremiação se consorciou com o Centro Republicano Popular - uma frente política nacionalista e popular que, além da FHC, reunia o Centro Operário do Rio de Janeiro, a Sociedade dos Trabalhadores do Carvão Mineral, a Liga Patriótica dos Operários, o Centro Serralheiro, o Centro Carpinteiro e Marceneiros e a Liga Operária de Fábricas de Tecidos.42 42 “No Centro Republicano Popular”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20/05/1923, p. 1. Quanto às ações conjuntas da FHC com determinados movimentos populares, ver ainda “Homenagem das classes proletárias ao secretário da Gazeta”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 22/06/1923, p. 2 e “Legião Republicana Nacional pró Washington Luís Mello Vianna”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/10/1925, p. 2. A FHC se fazia representada em diferentes tipos de espaços políticos e sociais. Isso leva a crer que ela se identificava com “todas as classes sociais” e até mesmo com os “operários”, desde que estivesse em jogo um projeto nacionalista, patriótico, de valorização do autêntico brasileiro: o negro. Para a agremiação, o mais importante não era saber a orientação de classe deste ou daquele segmento, e sim o compromisso deles com a “raça” e a “nação”.

Nas eleições de 1928, o professor afro-brasileiro José de Souza Marques lançou-se candidato à “intendente” (cargo correspondente hoje ao de vereador) da cidade do Rio de Janeiro. A FHC resolveu apoiá-lo. O professor ficou lisonjeado e respondeu ao ofício, em que a agremiação lhe comunicou a adoção de sua candidatura: “não obstante parecer muito natural por um sentimento de raça que nos une, tem [este apoio] para mim uma significação toda especial”, pois “vejo nele a confiança que os membros dessa útil associação depositam na minha humilde pessoa, como representante da grande raça que nos orgulhamos pertencer”. No final de sua resposta, Souza Marques voltava a agradecer a confiança nele depositada: “meu sincero reconhecimento e a certeza de que saberei honrar a confiança que me depositaram no exercício do mandato a que me candidato, a serviço do povo para grandeza da pátria”.43 43 “O professor Souza Marques responde ao Centro dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/10/1928, p. 7. O professor afro-brasileiro não venceu as eleições; entretanto, importa saber que o apoio da FHC a ele derivou de sua condição de negro nacionalista, comprometido com os primados da “raça” e “nação”. A agremiação se enfronhou nas disputas pelo poder, tomou partido e posicionou-se perante as forças políticas que atuavam na época. Suas lideranças sinalizavam a necessidade e a importância de o associado se afirmar proativamente, como também apontavam os caminhos para que estes objetivos se realizassem. Não se tratava de ser fiel a este ou aquele mandatário, grupo ou projeto político-ideológico, mas de ocupar os espaços possíveis dentro da correlação de forças da nação, tendo em vista o “desenvolvimento moral, intelectual e social dos seus associados e dos homens de cor do Brasil”44 44 Com esse desiderato, tem-se até a notícia da fundação da Liga Eleitoral dos Homens de Cor, em 1924: “A fim de zelar pelos interesses de seus irmãos em raça, acaba de ser fundada, nesta capital, por um grupo de homens de cor, uma sociedade de beneficência, que, orientando os seus membros nos deveres que estes têm de cumprir para com a Pátria, faz, ao mesmo tempo, valer os direitos que lhe são outorgados na vida social e política do Brasil. (...) A nova associação pretende levar avante as realizações que idealizou no seu programa, para cuja aprovação oportunamente se reunirá, em sede própria, no Largo do Rosário, 34. À frente dessa cruzada, encontram-se os Srs. Jayme Baptista Camargo, Tito Carlos, tenente Villariao, Manoel Adolpho, Jesuíno de Brito e Pedro Nunes”. “Pelos interesses da raça negra”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/10/1924, p. 3. .

“Figuras e fatos”

Era comum a FHC se debruçar sobre os eventos históricos, especialmente aqueles que se referiam ao negro. Todos os anos, a agremiação comemorava solenemente tanto o 28 de Setembro - dia da aprovação da Lei do Ventre Livre de 1871 -, quanto o 13 de Maio - dia da promulgação da Lei Áurea de 1888. A Gazeta de Notícias, o Correio da Manhã, O Paiz, enfim, a grande imprensa carioca costumava divulgar ou cobrir esses eventos:

Comemorando a passagem do aniversário da nossa Lei Áurea, a Federação dos Homens de Cor, como nos anos anteriores organizou um festival a realizar-se, às 21 horas do dia 13 corrente em sua sede. O programa consta do seguinte: às 13 horas do referido dia, o presidente Sr. Jayme Baptista de Camargo, e mais membros da Diretoria incorporados, irão em visita aos túmulos dos saudosos abolicionistas José do Patrocínio, Conselheiro João Alfredo, Visconde do Rio Branco e outros que se bateram em prol da liberdade da raça negra no Brasil depositar flores em seus túmulos […]. Às 21 horas terá início a sessão solene que será presidida pelo presidente da Federação sendo orador oficial o Ver. Conego Dr. Olympio de Castro, que dissertará sobre o valoroso concurso dos grandes vultos que se empenharam pela abolição da escravatura no Brasil. Abrilhantará o festival uma magnífica orquestra regida pelo conhecido maestro Arlindo Cardoso. Falará também sobre a grande data o jornalista Lyrio Coelho.45 45 “13 de Maio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 1. A respeito das comemorações dessa efeméride por parte da FHC, ver também “Na Confederação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1922, p. 2; “As comemorações do Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12/05/1927, p. 2; “O 13 de Maio na Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “13 de Maio”. O Paiz. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “13 de Maio”. A Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 11; “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 12; “A solenidade promovida pela Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 1; “Na Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 2; “O Centro da Federação dos Homens de Cor e o 13 de Maio”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1929, p. 6.

Com a presença de numerosa assistência, realizou-se ontem a projetada solenidade à data de 28 de setembro, promovida pela Federação dos Homens de Cor, sob a presidência do Sr. Jayme Baptista de Camargo. Tomaram parte na mesa o presidente da Federação, o representante do Exm. Sr. Marechal chefe de polícia, o Dr. Sabino dos Santos, orador oficial; o Dr. Alfredo Flores, e outros, cujos nomes nos escaparam, por serem todos pessoas de alta representação social. […] Foi dada a palavra ao orador oficial, o qual dissertou longamente sobre o futuro da raça negra, e à obra de estadista do Visconde do Rio Branco. Perorando, o orador arrancou palmas prolongadas do auditório, e foi muito cumprimentado. Seguiram-se com a palavra outros oradores […] e o presidente deu por finda a reunião, convidando os presentes para tomar um copo de cerveja. Durante […] o dia foram em comissão várias personagens deitar flores no túmulo de vários abolicionistas mortos. Assim, realizou-se o programa traçado pelo incansável Sr. Jayme de Camargo, que vai aos poucos realizando o ideal alevantado dos homens de cor nesta terra.46 46 “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3. Sobre as comemorações de 28 de Setembro por parte da FHC, ver ainda “A sessão da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3; “Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 26/09/1924, p. 8; “A Lei do Ventre Livre”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “As comemorações que a Federação dos Homens de Cor levará a efeito”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “A Federação dos Homens de Cor e a data”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “A Lei do Vente Livre”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “28 de Setembro - As homenagens de ontem à memória do visconde do Rio Branco”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1926, p. 2. A comemoração da Lei Áurea em 1923 contou com a presença de um representante de Artur Bernardes (o então presidente da República) na sede da FHC: “O Sr. presidente da República fez-se representar pelo seu oficial de gabinete Dr. Waldemiro Gomes na sessão solene, realizada no dia 13 do corrente, pelo Centro da Federação dos Homens de Cor, em comemoração da gloriosa data da emancipação da escravatura no Brasil”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1923, p. 3.

Indubitavelmente, os eventos mais comemorados e que mereceram maior atenção da FHC foram o 28 de Setembro e o 13 de Maio, ou seja, as datas de aniversário das duas principais leis do processo abolicionista brasileiro. Por ocasião dessas efemérides, a agremiação programava cerimônias cívicas e reuniões sociais, para as quais se convidavam o conjunto dos associados, os representantes de segmentos da sociedade civil (como imprensa, intelectualidade, irmandades religiosas, entidades populares e operárias) e do Estado (autoridades públicas e militares). A presença de representantes de outras associações, dos jornais e eventualmente de autoridades constituía elemento de legitimação e demonstração de honorabilidade tanto da FHC como de seus dirigentes. Chegando o grande dia, a sede social era preparada e decorada com esmero para receber os convidados. Essas comemorações seguiam praticamente o mesmo padrão ritual. Durante o dia, era de praxe a FHC promover romaria aos cemitérios em visita aos túmulos dos “imortais” abolicionistas, ocasiões nas quais seus afiliados refletiam, ora acerca dos martírios do passado, ora sobre os dilemas e desafios do presente. À noite, era o momento da apoteose. Primeiramente, os representantes das autoridades (civis e militares) e as lideranças populares ocupavam a mesa de honra; e, na medida em que a sessão solene era aberta, entabulavam palavras de saudação ou mesmo alusivas à efeméride. Depois, os oradores da FHC proferiam discursos evocando os significados das leis abolicionistas, a emergência dos ideais patrióticos e a necessidade de se continuar a luta pela cidadania, iniciada com Abolição. Nesse sentido, os dirigentes da agremiação se viam como herdeiros da tradição abolicionista. Na parte final da comemoração, o aguardado momento de confraternização entre todos os presentes, com direito a música, dança, bebida e animação.

A promulgação da Lei Áurea era concebida como resultado da ação dos abolicionistas, aos quais a FHC conclamava a todos a renderem tributos e eterno reconhecimento. De fato, a agremiação fazia amiúde referência, quando não homenageava, às personalidades históricas que se notabilizaram no movimento abolicionista, ou cuja atuação havia presumivelmente favorecido a população negra no limiar da escravidão e liberdade. Abolicionistas - como Luiz Gama, Antonio Bento, Silva Paranhos (o Barão do Rio Branco), João Alfredo e José do Patrocínio - eram homenageados nas datas comemorativas dos “feitos” em que se destacaram, se não nas datas de nascimento ou morte deles. Nessas homenagens, procurava-se divulgar a biografia desses abolicionistas, enfatizar suas contribuições para a coletividade negra e apontá-los como exemplos a serem seguidos. As lideranças da FHC arvoravam-se em apóstolos desses “legendários” brasileiros, e buscavam dar continuidade à obra da Abolição, que consideravam inacabada, haja vista as condições de vida da população negra. Entre os líderes abolicionistas, José do Patrocínio foi decerto o mais enaltecido pela agremiação. A sua origem humilde, a sua determinação pessoal, a sua ascensão no campo social, político e cultural, a sua luta a favor das "pessoas de cor" e, sobretudo, a sua atuação na campanha abolicionista eram lembradas e relembradas em narrativas laudatórias, celebrativas e míticas. Isso significa dizer que as narrativas não revelavam Patrocínio em sua complexidade, mas antes ele era apresentado de uma maneira seletiva, para não dizer simplificada, como símbolo de determinadas virtudes. A agremiação avalizou a ideia de se erigir um monumento ao “inolvidável abolicionista”47 47 “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. São Paulo, 23/08/1923, p. 5. , e costumava mandar rezar uma missa em sua memória e organizar uma romaria ao seu túmulo quando chegava a data de aniversário da morte dele, conforme noticiava O Paiz e a Gazeta de Notícias:

Passando depois de amanhã, terça-feira, o 21º. aniversário da morte do grande jornalista José do Patrocínio, ardoroso paladino da raça negra no Brasil, a diretoria do Centro da Federação dos Homens de Cor, rendendo um preito de homenagem à sua memória, fará celebrar nesse dia, às 9 horas, na igreja de Nossa Senhora do Rosário, missa em intenção do saudoso abolicionista. À 1 hora da tarde, a Federação dos Homens de Cor fará uma romaria ao túmulo do grande abolicionista José do Patrocínio, no cemitério de São Francisco Xavier, depositando flores. Fará uso da palavra o professor Vicente Ferreira. A comissão compõe-se dos Srs. Jayme Baptista de Camargo, José Dias, Josué Lopes da Cruz e Vicente Ferreira. Às 2 horas será distribuído o número especial da ‘Federação’.48 48 “Missas”. O Paiz. Rio de Janeiro, 17/01/1926, p. 9; “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1926, p. 1. Consultar igualmente “José do Patrocínio - as homenagens ontem prestadas à sua memória”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20/01/1926, p. 2 e “A glória de Patrocínio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20/01/1926, p. 2.

As atividades abolicionistas desenvolvidas pelo “paladino da raça negra no Brasil” justificariam o culto quase mítico a ele dedicado pela FHC. Sua luta em prol da liberdade constituía fonte de admiração, orgulho, inspiração; por isso, jamais poderia ser esquecida.49 49 A respeito da trajetória de José do Patrocínio e das construções memorialísticas em torno desse abolicionista negro, ver Ana Carolina Silva (2006). A agremiação zelava, assim, por manter viva a memória daqueles que, em alguma medida, colaboraram no passado para o acúmulo de forças do presente. Todavia, ela não se limitava a dar destaque aos “vultos” do passado; observa-se um empenho para colocar em evidência figuras contemporâneas, notadamente as de ascendência negra. Se José do Patrocínio sobressaiu como ícone racial, não se tratou do único. Eliseu César foi outra pessoa de ascendência negra reverenciada, cantada e decantada no seio da agremiação, por meio de homenagens, sessões solenes e romarias ao seu túmulo. Mas quem foi essa figura?

Eliseu Elias César nasceu em 1871, na capital Parayba (denominada de João Pessoa desde 1930). Transferiu-se para a cidade do Recife (PE) por volta dos 24 anos, para fazer a faculdade de Direito. Concluindo o curso superior, tornou-se promotor público em Vitória do Espírito Santo; em seguida, estabeleceu-se em Belém do Pará, onde se dedicou ao jornalismo e fez carreira política, ocupando o cargo de secretário da Intendência Municipal de Belém e de deputado estadual (1909). Depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde atuou como jornalista e advogado. Ainda teve uma breve passagem por Santos (SP), mas acabou regressando à Capital da República. Como advogado, especializou-se no tribunal do júri e assumiu alguns casos de repercussão. Paralelamente, trabalhou na redação do Jornal do Brasil, escreveu crônicas e poesias, e candidatou-se a cargos eletivos em mais de um pleito. Mesmo sendo considerado talentoso e dotado de uma cultura invulgar, Eliseu César colecionou dissabores relacionados à sua cor.50 50 “Dr. Elyseu César”. A Noite, Rio de Janeiro, 27/01/1923, p. 4; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 28/01/1923, p. 3; “Um grande vulto negro”. Evolução. São Paulo, 13/05/1933, pp. 27-28. Sobre Eliseu César, ver ainda Elio Chaves Flores e Solange Pereira da Rocha (2015). Talvez tenha sido esta a razão pela qual ele se enfronhou nas hostes em defesa dos negros. Tornou-se membro afiliado da FHC, e colaborou para a consolidação do trabalho de conscientização social e racial desenvolvido pela agremiação, ministrando palestras, prestando assistência advocatícia e mesmo assumindo o posto de orador oficial.

Os oradores geralmente eram indivíduos que se projetavam pela fluência verbal, inteligência e facilidade, seja de articular as ideias, seja de colocar em circulação mensagens de impacto, que não raramente sensibilizavam a audiência. Nos eventos públicos ou solenes, eles ficavam encarregados dos discursos e da leitura de textos que os dirigentes produziam. Ao longo de sua trajetória, a FHC dispôs de vários oradores - como o professor Antônio Euzébio de Assumpção, Pereira Netto, Edgar França, o cônego Olympio de Castro51 51 “O Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 16/11/1914, p. 2; “13 de Maio”. Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1915, p. 5; “As homenagens à memória do Visconde do Rio Branco”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 29/09/1926, p. 5; “A solenidade promovida pela Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 1; “13 de Maio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 1. -, mas foi Eliseu César quem mais se destacou na função. Tido como um dos mais eloquentes tribunos do Rio de Janeiro, seus discursos vibrantes, ricos de expressões e de imagens, a um só tempo contagiavam e comoviam. Basta citar um episódio. Em 1923, a imprensa acusou Irineu Machado (então senador da República pelo Distrito Federal) de ser, “invariavelmente, um negador do elemento negro, um sistemático adversário dos nossos homens de cor”, a tal ponto que “esse representante do Distrito Federal - por mercê de Deus com o mandato prestes a extinguir-se - se manifestou contra os pretos”. Ele teria dito na Casa Legislativa: “Isto aqui não é senzala, nem lugar para negros”. Sua declaração repercutiu na opinião pública e gerou indignação. Segundo O Paiz, a FHC pautou a polêmica declaração do Irineu Machado em sessão ordinária, ocasião na qual Eliseu César - o “preto magnífico”, “grande e inolvidável tribuno” - desabafou violentamente, traçando a “pontas de fogo o perfil” do senador pelo Distrito Federal. Com sua eloquência “flamejante e indignada”, César interpretou os sentimentos dos “homens de cor” e deu ao “ofensor gratuito uma inesquecível lição de ética social”. Todos os presentes, na sessão, sensibilizaram-se com o discurso do “famoso orador”.52 52 “Política do Districto”. O Paiz. Rio de Janeiro, 28/12/1923, p. 4. Eliseu César era respeitado, admirado e estimado pelos associados da FHC; por isso, sua morte inesperada em 1923 causou grande consternação. A agremiação ficou enlutada e, a partir dali, rendeu-lhe uma série de louvores:

Homenagem do Centro da Federação dos Homens de Cor à memória do seu inesquecível protetor. Passando, no dia 27 do corrente, o primeiro aniversário do falecimento do saudoso tribuno, advogado e jornalista Dr. Elyseu Cesar, resolveu o Centro nesse dia homenagear a memória do seu inesquecível amigo. Assim, no dia 27, às 2 e meia horas da tarde, uma comissão do Centro partirá da Praça Quinze, indo ao Cemitério de São Francisco Xavier, depositar flores no túmulo do vigoroso polemista, orando por essa ocasião o conhecido jurisconsulto, Sr. Dr. Sabino Santos. Na segunda-feira, dia 28, às 9 e meia horas da manhã, na igreja de Nossa Senhora do Rosário, será celebrada uma missa em sufrágio da alma do ilustre extinto. Para esse ato de religião, o Centro convida a Exma. Família, amigos e admiradores do Dr. Elyseu César.53 53 “Figuras e fatos”. Revista da Semana. Rio de Janeiro, 02/02/1924, p. 25; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 26/01/1924, p. 3. Conferir também “Homenagens”. O Paiz. Rio de Janeiro, 13/01/1924, p. 8; “Homenagem do Centro da Federação dos Homens de Cor à memória do Dr. Elyseu Elias Cesar”. O Paiz. Rio de Janeiro, 19/01/1924, p. 7; “Homenagem do Centro da Federação dos Homens de Cor à memória do Dr. Elyseu Elias César”. O Paiz. Rio de Janeiro, 20/01/1924, p. 8; Idem. O Paiz. Rio de Janeiro, 22/01/1924, p. 6; Idem. O Paiz. Rio de Janeiro, 23/01/1924, p. 8; “Missas”. Paiz. Rio de Janeiro, 27/01/1926, p. 5; Idem. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27/01/1926, p. 5; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 29/01/1924, p. 2.

Após sua morte, Eliseu César converteu-se num símbolo. Nas homenagens que lhe foram prestadas, ressaltavam-se as suas qualidades como intelectual, jornalista, advogado, que militava no campo republicano dos direitos, da igualdade e da cidadania. Ao veicularem as “proezas” e o “êxito” que o “inesquecível protetor” da FHC alcançou, nas diversas atividades que exerceu, procurava-se exaltar o negro e mostrar o quanto ele contribuiu para o trabalho da agremiação (Figura 2).

Figura 2
Ao completar o primeiro ano de falecimento de Eliseu César, uma comissão da Federação dos Homens de Cor foi ao cemitério do Caju depositar flores no túmulo do seu “inesquecível amigo”, discursando nessa ocasião o Dr. Sabino dos Santos. O evento contou com a presença de membros da família, amigos e admiradores do homenageado.

Outro aspecto que chama a atenção nos caminhos e descaminhos trilhados pela FHC diz respeito ao projeto de construção de um monumento ligado ao processo de politização da memória pública da escravidão. Em 18 de setembro de 1923, a Gazeta de Notícias publicou um “manifesto” da agremiação, no qual se fazia uma reflexão em torno da formação nacional e se difundia a ideia de construção do “monumento da raça negra”:

Desde os primórdios do Brasil nação, a raça negra constituiu o que foi de mais substancial na formação da nacionalidade, tudo fazendo com o seu trabalho, tudo regando com o seu sangue e tudo efetivando com a maior força que o Brasil pode contar, quando teve que dar o território às modalidades que hoje nos são familiares. Olvidar, é impossível, o esforço do negro, e a própria terra, que nos é tão amiga, se revoltaria ante a falta de compreensão dos magnos deveres que impõe a gratidão. Fazendo, como fez, tudo pelo engrandecimento do Brasil, é bem merecedora a raça negra de que no altar da pátria fique também a sua consagração, a fim de que tenhamos sempre vivida a devoção que devemos render à raça gloriosa. Tantos monumentos simbólicos se têm levantado, até mesmo o simbolismo estrangeiro, vazio de ardor e de fé, é bem de se consagrar um, também, à raça negra que, em 1888, poude estender flâmula de liberdade, igualdade e fraternidade. A cooperação de quantos habitam o Brasil é mais do que dever, é amor. É confiante nisso, que lançamos nosso manifesto em prol da idéia que já caminha, fazendo bom caminho em Pernambuco. O Centro da Federação dos Homens de Cor associa-se a tudo quanto se fizer em prol do monumento e espera a justa adesão a tão patriótica homenagem, de quantos, em terras do Brasil, queiram ver coroada de louros a magnânima volição.54 54 “Monumento da raça negra”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/09/1923, p. 5.

A FHC ventilou de forma pioneira a ideia de uma ação coletiva para erigir um “monumento da raça negra”. Consistia num gesto de reconhecimento, gratidão, para com um estrato populacional que teria contribuído, peremptoriamente, no sentido da formação e do desenvolvimento da civilização brasileira. O monumento não só proclamava a centralidade do negro no seio da nacionalidade, como ainda significava a consagração da “raça gloriosa”. A FHC produzia, assim, um discurso politizado da memória, para a qual um bem ou patrimônio histórico-cultural traduz representações, sonhos, projetos e anseios de reconhecimento (SERRA, 2005SERRA, Ordep. Monumentos negros: uma experiência. Afro-Ásia, Salvador, v. 33, 2005, pp. 169-205.). Conforme se depreende do manifesto, a ideia de edificação do monumento estava na rua e já tinha alcançado outros estados, como Pernambuco, mas por razões desconhedias ela malogrou. Três anos mais tarde, a ideia é reeditada em novos contornos.

No dia 5 de abril de 1926, o jornalista Cândido de Campos, redator do diário A Notícia, do Rio de Janeiro, sugeriu a construção de um monumento para homenagear a “Mãe Preta”. Só assim os brasileiros pagariam uma dívida moral, reconhecendo a “gratidão pela raça dolorosa trazida da África e de que as leis misteriosas da vida fizeram um dos mais dinâmicos elementos de nossa formação racial e espiritual”.55 55 “O Brasil deve glorificar a raça negra, erguendo um monumento à Mãe Preta; a significação desta figura luminosa”. A Notícia. Rio de Janeiro, 05/04/1926, p. 1. A ideia, dessa vez, não foi abortada, desembocando numa campanha a qual recebeu o apoio de vários setores da sociedade (jornalistas, políticos, religiosos, autoridades, estudantes, ativistas e artistas), e repercutiu para além das fronteiras nacionais. Foi constituída uma comissão organizadora, responsável pelo trabalho de divulgação da campanha e recolhimento dos donativos, que começavam a chegar. No dia 7 de junho, chegou o da Companhia Nacional de Navegação Costeira. Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, um projeto foi apresentado, autorizando a Prefeitura a franquear 30:000$000 para a realização da obra do futuro monumento. Chegaram contribuições do Amazonas, da Bahia e do Paraná, as quais se somaram logo depois às de Minas Gerais, do Maranhão e de Mato Grosso. Em seu auge, a campanha auferiu a aprovação de “crédito público” (50:000$000) do Legislativo paulista e tornou-se objeto de discussão no Congresso Nacional. A Comissão de Finanças do Senado apreciou o projeto, que já havia sido aprovado pela Câmara, e “recomendou a abertura de crédito no valor de 200 contos para a ereção do monumento” (BARROS, 2005BARROS, Orlando de. Corações de Chocolat: a história da Companhia Negra de Revistas (1926-27). Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005., p. 278).56 56 A respeito da campanha em prol do monumento à Mãe Preta, ver ainda Micol Seigel (2009, p. 206-234) e Paulina L. Alberto (2011, p. 69-109).

A FHC não perdeu o bonde da história e se enfronhou na campanha, conferindo-lhe, entretanto, significados próprios. Para Cândido de Campos e outros segmentos das elites, a “Mãe Preta” foi apropriada como símbolo da harmonia racial brasileira. A interpretação deles era de que, no momento mais difícil do negro, o cativeiro, a “Mãe Preta” (ama de leite) se dividiu entre amamentar o filho do senhor, sem contudo abandonar a própria prole. Esse gesto - misto de amor, sacrifício, resignação e bondade - teria contribuído para diluir as tensões e os antagonismos entre o senhor e o escravo, bem como para desencadear o espírito de harmonia e fraternidade entre todos os brasileiros (ALBERTO, 2012ALBERTO, Paulina L. “Of sentiment, science, and myth: shifting metaphors of racial inclusion in twentieth-century Brazil”. Social History, v. 37, n. 3, 2012, pp. 261-296. , p. 275-276). Já para a FHC, o movimento em torno do erguimento do monumento à “Mãe Preta” ía além de seu sentido cívico, servindo para dar visibilidade à questão racial. Seus dirigentes viram na proposta de Cândido de Campos um espaço para reivindicar o aprimoramento da cidadania e a ampliação de direitos aos afro-brasileiros. Assim, o que a memória da “Mãe Preta” evocaria era a determinação de finalizar o trabalho de “libertação”, que ela tinha visto apenas começar com o 13 de Maio. De acordo com Micol Seigel, a FHC publicou um número especial do seu jornal, A Federação, para tratar da campanha, e Jayme Baptista de Camargo, em nome da agremiação, solicitou ao jornal A Notícia a publicação de um ofício no qual se posicionava acerca do monumento à “Mãe Preta”. Surprendentemente, Cândido de Campos não publicou o ofício de Jayme de Camargo n’A Notícia. Talvez porque estivesse pouco disposto a dar a conhecer que outros antes dele tinham proposto um monumento semelhante. Porém, o mais provável é que ele não publicou devido ao tom dos escritos do presidente da FHC, que em termos de retórica racial parecia ser “determinado, forte e até amargo”, o que não agradava a Campos (SEIGEL, 2007SEIGEL, Micol. “Mães pretas, filhos cidadãos”. in Flávio dos Santos Gomes & Olívia Maria Gomes da Cunha (orgs.), Quase-cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007, pp. 315-346., p. 328).57 57 No que diz respeito ao jornal da FHC, A Federação, Seigel, em sua pesquisa não conseguiu localizar nenhum exemplar, o que parece indicar que tal veículo de comunicação não foi preservado ao longo do tempo. De todo modo, sabe-se que ele era geralmente distribuído nas efemérides mais festejadas pela agremiação. É tanto que, no dia 13 de Maio de 1925, a Gazeta de Notícias noticiou: “Comemorando a data de hoje, o Centro da Federação dos Homens e Cor fará celebrar às 9 horas, na matriz de Sant’Anna, uma missa por alma dos cativos e dos abolicionistas falecidos. Ao meio-dia, uma comissão presidida pelo presidente, Sr. Jayme B. de Camargo, irá aos cemitérios de São Francisco Xavier e São João Baptista, onde renderá homenagem aos grandes vultos a Abolição. À noite, em sua sede, no largo do Rosário n. 34, 1º. andar, haverá sessão solene, usando da palavra diversos oradores. Nessa ocasião será distribuído o número especial da ‘A Federação’, órgão oficial do Centro”. “O dia dos redimidos”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1925, p. 1. A campanha mobilizou muitas pessoas, catalizou diferentes projetos, narrativas e ideais; arrecadou recursos de monta - oriundos de verbas públicas e subscrições populares -, mas chegou ao fim melancolicamente por volta de 1929, sem que a “Mãe Preta” tivesse virado mármore ou bronze.

Na década de 1930, a FHC entrou em crise. Não é possível saber, ainda, as razões pelas quais a agremiação se desarticulou e ficou praticamente esvaziada, o que a levou a mudar sua sede para o subúrbio - bairro de Madureira - e a perder espaço na esfera pública carioca, deixando, por conseguinte, de ser uma referência no marco de direitos e demandas dos afro-brasileiros. Suas atividades, cada vez mais esgarçadas, já não repercutiam, de modo que a grande imprensa mal lhe conferia atenção. Acompanhando os jornais durante aquela década, foi possível encontrar poucas notas e matérias que fizeram alusão à FHC. Em 1931, o Diário Carioca, o Correio da Manhã, o Diário de Notícias e o Diário da Noite reportaram-se aos festejos do 13 de Maio que ela estava organizando. O Diário Carioca, de 1932, noticiou que a agremiação havia enviado uma “reclamação, ao interventor federal, por não serem aceitos os negros na Guarda Civil [de São Paulo], onde existem inúmeros estrangeiros”. Quatro anos depois, as comemorações da FHC, atinentes ao 13 de Maio, foram divulgadas pelos Correio da Manhã e A Noite.58 58 “Na Federação dos Homens de Cor”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “A abolição da escravatura”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “No Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “O Dia da Abolição”. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 1. Edição das 15horas; “Notícias de S. Paulo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27/06/1931, p. 5; “De São Paulo”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 09/01/1932, p. 6; “De Petrópolis”. A Noite. Rio de Janeiro, 12/05/1936, p. 1. Edição das 15 horas; “No Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1936, p. 3; “De Petrópolis”. A Noite. Rio de Janeiro, 15/05/1936, p. 1. Edição das 15 horas.

Em 24 de agosto de 1937, foi coligida a última reportagem sobre ela. A Noite informava que a agremiação promoveu uma sessão solene, contando com a presença dos representantes de outros Estados, e aprovou um “voto de solidariedade à candidatura do Sr. José Américo à presidência da República”. Após a cerimônia, uma comissão foi à residência do candidato “da maioria à governança” do país, fazendo-lhe entrega de uma mensagem de solidariedade política. Falaram “nessa ocasião o representante de Uberlândia, no Estado de Minas, o Sr. João Benedicto Brasil, e o Sr. José Américo, que agradeceu a solidariedade dos homens de cor do Brasil”.59 59 “A sucessão. Solidária com o Sr. José Américo a Federação dos Homens de Cor do Brasil”. A Noite. Rio de Janeiro, 24/08/1937, p. 5. Edição das 11 horas. Ver também “O Congresso dos homens de cor, realizado no Rio de Janeiro”. Correio Paulistano. São Paulo, 29/08/1937, p. 24. Naquele momento, Getúlio Vargas era presidente da República e seu mandato caminhava para o final. Eleições diretas, para a escolha de seu sucessor, estavam marcadas para acontecer em 1938. Um ano antes, José Américo de Almeida lançou sua candidatura, aparentemente sob os auspícios de Vargas. Seu programa não se distinguia substancialmente do programa do adversário (Armando de Salles Oliveira), embora apresentasse um viés nacionalista. E talvez este tenha sido o motivo pelo qual a FHC a ele penhorou o seu apoio. Em vão. Vargas não respeitou o calendário eleitoral e, no bojo de uma conspiração golpista, instituiu a ditadura no dia 10 de novembro de 1937, batizada de “Estado Novo”. O Congresso Nacional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais foram extintos, as liberdades civis solapadas, os meios de comunicação ficaram na mira da censura, uma repressão draconiana (prisões, expulsões do país, torturas e perseguições) abateu-se sobre os opositores, os sindicatos e os movimentos sociais. A democracia foi varrida do Brasil, assim como a FHC foi varrida do noticiário carioca. Provavelmente, ela foi extinta a partir do decreto de 2 de dezembro de 1937, que colocou na ilegalidade os partidos e as organizações políticas do país.60 60 A respeito da mobilização racial no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas, ver Michael Mitchell (2011) e Jessica Lynn Graham (2010).

A “cultura associativa”

Várias pesquisas foram realizadas sobre o associativismo negro em São Paulo no período da Primeira República. Já no tocante ao Rio de Janeiro, este tema não vem comparecendo na pauta dos historiadores. Isso talvez tenda a mudar, pois investigações recentes têm demonstrado que as organizações negras que ali emergiram até 1930 tinham conotações tanto lúdicas e religiosas quanto político-sociais. Sem a pretensão de um levantamento exaustivo, podemos mencionar a Liga dos Homens de Cor (1888), a Guarda Negra (1888), o Club Republicano dos Homens de Cor (1889), o Grêmio Literário Treze de Maio (1889), a Confederação Brasileira dos Homens de Cor (1903), a Sociedade União dos Homens de Cor (1909), o Centro Cívico Monteiro Lopes (1910), o Partido dos Homens de Cor (1920) e o Centro Patriótico 13 de Maio (1930) (BARBOSA, 1908BARBOSA, Luiz. Serviços de assistência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia do Louzeiro, 1908., p. 123; BERGSTRESSER, 1973BERGSTRESSER, Rebecca Baird. The movement for the abolition of slavery in Rio de Janeiro, Brazil, 1880-1889. Tese de Doutorado, Stanford University, 1973.; TROCHIM, 1988TROCHIM, Michael. “The Brazilian Black Guard: racial conflict in post-abolition Brazil”, The Americas, n. 3, 1988, pp. 120-143.; SANTOS, 1991SANTOS, Micênio. 13 de Maio, 20 de Novembro: uma descrição da construção de símbolos nacionais e raciais. Dissertação de Mestrado, Programa de Ciências Sociais da UFRJ, 1991., p. 70; FONSECA, 2008FONSECA, Vitor Manoel Marques da. No gozo dos direitos civis: associativismo no Rio de Janeiro (1903-1916). Rio de Janeiro: Ed. Muiraquitã, 2008., p. 219, 225; DANTAS, 2010DANTAS, Carolina Vianna. “Monteiro Lopes (1867-1910): um líder da raça negra na capital da República”. Afro-Ásia (UFBA), n. 41, 2010, pp. 167-209., p. 191; DOMINGUES, 2013DOMINGUES, Petrônio. “Vai ficar tudo preto’: Monteiro Lopes e a cor na política”. GOMES, Flávio dos Santos e DOMINGUES, Petrônio. Da nitidez e invisibilidade: legados do pós-emancipação no Brasil. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013, pp. 127-156., p. 150; 2014DOMINGUES, Petrônio. Cidadania por um fio: o associativismo negro no Rio de Janeiro (1888-1930). Revista Brasileira de História, v. 34, n. 67, 2014, pp. 251-281. ).61 61 “Foi fundado no Rio de Janeiro o Centro Patriótico 13 de Maio”. O Clarim d’Alvorada. São Paulo, 13/04/1930, p. 3. As experiências dessas organizações evidenciam que existiu no Rio de Janeiro um associativismo negro com bases raciais em vários aspectos semelhante ao paulista no decurso da Primeira República. Retóricas de uma cidadania negra ali também foram articuladas na esfera pública, nos marcos de ações institucionalizadas, de estruturas políticas formais, de disputas eleitorais, enfim, no bojo de projetos de poder (DOMINGUES, 2014DOMINGUES, Petrônio. Cidadania por um fio: o associativismo negro no Rio de Janeiro (1888-1930). Revista Brasileira de História, v. 34, n. 67, 2014, pp. 251-281. , p. 271-272).

Não é de estranhar que isso tenha ocorrido. Desde a época da escravidão, os “homens de cor” (livres, libertos ou escravos) do Rio de Janeiro investiram na vida associativa, instituindo agremiações beneficentes ou de auxílio mútuo, como a Sociedade Beneficente da Nação Conga, criada antes de 1861; a Sociedade de Beneficência da Nação Conga “Amiga da Consciência”, articulada em 1872; ou a Associação Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor, de 1873. Mesmo que seus estatutos não tivessem sido reconhecidos pelo Conselho de Estado, essas agremiações beneficentes ou de auxílio mútuo contribuíram para a experiência associativa dos negros no Rio de Janeiro.62 62 Sobre as sociedades beneficentes de negros no Rio de Janeiro na segunda metade do XIX, ver Sidney Chalhoub (2007) e Marcelo Badaró Mattos (2008, p. 107-111). Isso significa dizer que agências, ações coletivas e tradições de ajuda mútua foram inventadas entre os “homens de cor” ainda no tempo do cativeiro, e não sumiram num passe de mágica com a Lei Áurea, embora tivessem sido reelaboradas no novo contexto de uma “cultura associativa”.63 63 Para a definição de “cultura associativa”, ver Claudio H. M. Batalha (2004, p. 96-100).

Além dos ranchos, dos jongos, das maltas, das irmandades, das macumbas, os negros cariocas desenvolveram, se não recriaram, outras modalidades de agenciamento e sociabiliade. Não têm, pois, lastro nas fontes e evidências as assertivas dicotômicas, as quais separam a experiência histórica da diáspora negra de São Paulo e do Rio de Janeiro de maneira estanque.64 64 Desafortunadamente, a brazilianist Paulina Alberto endossa em seu livro uma abordagem dicotômica, asseverando que os negros do Rio de Janeiro engendraram identidades raciais específicas no contexto pós-Abolição, razão pela qual pouco desenvolveram ou simplesmente não criaram formas de associativismo equivalentes às dos negros de São Paulo (ALBERTO, 2011, p. 84-87, 159, 161). Muitos afro-brasileiros de ambos os estados viajavam e transitavam de um lado ao outro da fronteira, (re)afirmando estilos de vida, negociando políticas raciais, colocando em circulação ideias emancipatórias e compartilhando a utopia da igualdade, numa dinâmica rede transregional de comunicação, interatividade e permuta de experiências. Um exemplo emblemático disso é a Federação dos Homens de Cor.65 65 Cf. “Visitas”. O Paiz. Rio de Janeiro, 27/05/1913, p. 5; “Em viagem”. A Liberdade. São Paulo, 12/09/1920, p. 2. Para migrações de ex-escravos e negros no geral de São Paulo para a cidade do Rio de Janeiro no contexto pós-Abolição, ver Lúcia Helena Silva (2016). Em sentido de mão dupla, também é possível identificar a presença de negros cariocas em terras bandeirantes no período. Em setembro de 1924, A Gazeta publicou uma carta na qual Bernardo Vianna - um “preto” recém-chegado do Rio de Janeiro - queixava-se não estar encontrando emprego em parte alguma de São Paulo por causa da sua cor. Um trecho da carta de Vianna foi republicado na primeira página do Getulino, um jornal da imprensa negra paulista: “Vai às fábricas, mas não lhe dão serviço, muitas vezes nem lhe deixam falar com os gerentes. Procura anúncios nos jornais, acorre pressuroso aonde precisam de empregados e, embora chegue primeiro do que outro qualquer candidato, por ser de cor é posto à margem e recusado. Assim, o missivista manifesta-se assustado diante das suas crescentes privações e escreve à distinta folha [A Gazeta], protestando contra essa perseguição e lembrando a conveniência de se fundar, a exemplo do Rio, uma Associação de Homens de Cor, em S. Paulo”. Possivelmente, Bernardo Vianna empregou o termo Associação de Homens de Cor como corruptela de FHC. Seja como for, ele entendia que os “patrícios” de São Paulo deviam se manter conectados, em matéria de experiência associativa, aos seus “irmãos de cor” do Rio de Janeiro. “Os pretos em São Paulo”. Getulino, Campinas, 21/09/1924, p. 1. A própria FHC, em algumas fontes, é definida como sendo uma associação beneficente com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro, ou vice-versa. Ver “Os despojos dos ex-imperadores”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16/11/1920, p. 1; “Para receber os membros mortos e vivos da ex-família imperial do Brasil”. A Noite. Rio de Janeiro, 08/12/1920, p. 6; “Associações”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/05/1923, p. 4; José Correia Leite (1992, p. 290).

A FHC originou-se como uma agremiação de auxílio mútuo, que procurou garantir assistência social aos membros associados, sem contudo negligenciar a perspectiva de intervenção nas estruturas formais de poder. Quando ela nasceu, existiam em São Paulo diversos tipos de agremiações negras; porém, estas desenvolviam atividades mais recreativas e culturais. Já a FHC se notabilizou em virtude de seu caráter beneficente, cuja meta precípua era contribuir para a solução dos problemas sociais enfrentados pela coletividade negra - a subalternidade no sistema ocupacional, a ausência de direitos, de participação sociopolítica; o analfabetismo, a falta de amparo previdenciário e perspectivas de futuro. Os líderes da FHC viam tais problemas como passíveis de serem equacionados, caso os negros se organizassem em uma associação autônoma, propositiva, voltada para objetivos sociais de outra ordem, que não os meramente recreativos. Em um contexto histórico cujas questões sociais eram amiúde tratadas como caso de polícia, se não dádiva paternalista dos “donos do poder”, a autodeterminação do negro poderia acenar para uma solução final ou amenizar aquela situação. O apelo da FHC era feito com base no sentimento de solidariedade racial: os negros colaborariam para sua construção e seriam eles próprios os beneficiários.

Ao se transferir para o Rio de Janeiro, a agremiação oportunizou em sua sede várias atividades sociais, políticas e culturais - festas, confraternizações, sessões musicais, palestras, conferências, homenagens, comemorações, assembleias de associados e debates nos períodos eleitorais. Porém, suas atividades não se limitaram às quatro paredes da sede. Ela cerrou fileiras em meetings políticos e também buscou influenciar a opinião pública por meio de eventos sociais e discursos nas chamadas datas cívicas. Seus oradores enfocavam a necessidade de se continuar a luta pela cidadania, iniciada com a Abolição. Nesse sentido, os dirigentes da FHC se viam como herdeiros da tradição abolicionista. Todos os anos eles lembravam e relembravam as personalidades que se dedicaram com “abnegação” à causa da liberdade. A mais celebrada delas foi José do Patrocínio, líder negro que se tornou objeto de verdadeiro culto ritual. Procurava-se inscrever na memória coletiva os “feitos” e as “proezas” dos abolicionistas, uma vez que estes já haviam fornecido o modelo ideal de luta, que poderia muito bem ser aplicado para a conquista da verdadeira cidadania. Essas manifestações, de cunho cívico, assumiam ainda um caráter pedagógico. Os próceres da associação esperavam conscientizar os afro-brasileiros de sua identidade, daí a importância de que eles conhecessem seus ícones, soubessem interpretar sua história e tivessem orgulho dos seus “irmãos de cor”, que se destacaram no passado como bastiões nos umbrais da escravidão e liberdade. Essa identidade era, assim, reiterada por práticas e cenografias capazes de aglutinar em torno da associação os seus membros e de dar ao público externo uma impressão de coesão e unidade.

O programa redentor da FHC articulava um liame intercambiável entre “raça” e “nação”. As pessoas negras precisavam se autovalorizar e a um só tempo esposar a “comunidade imaginada” chamada Brasil; afinal, eles seriam os autênticos brasileiros. Seu destino, seus projetos e ideais confundiam-se com os da nação. Desse ponto de vista, havia a necessidade de se forjar uma identidade de negro, mas de negro brasileiro. Se a inclusão desse segmento populacional no corpo da nação ainda não se concretizara, esse era o ideal. E cabia à FHC assumir um papel proativo nesse processo, garantindo aos associados direitos (proteção social, participação política, educação, etc.), celebrando o acervo cívico, simbólico (história, mitos e ritos) e, sobretudo, afro-brasileiro, sem esquecer-se de fomentar interlocuções e alianças com as diversas agências públicas e privadas, tendo em vista o pleno exercício da cidadania.

Para abrir o parágrafo final, uma instingante assertiva de E. P. Thompson. Qualquer visão mais complexa da história precisa, de alguma maneira, combinar avaliações que considerem os “homens como consumidores de sua própria existência mortal e como produtores de futuro, dos homens como indivíduos e agentes históricos, de homens sendo e tornando-se”. Nada de avaliações apriorísticas ou anacrônicas, do tipo assim deveria ter sido. A história é composta de contextos (de ideias, escolhas, ações e possibilidades); e, se não podemos adentrá-los, não podemos adentrar a história (THOMPSON, 2001THOMPSON, Edward Palmer. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos (orgs.) Antonio, Luigi Negro e Sergio, Silva). Campinas, SP: Editora da Unicamp , 2001., p. 172). A experiência de “homens de cor”, cujos pais e avós de alguns deles foram escravos ou deixaram de sê-lo em 13 de maio de 1888, entrelaçou-se às ideias políticas e sociais em voga, aos temas, dilemas e desafios da agenda nacional, às demandas, narrativas e propostas relacionadas às políticas raciais, em síntese, às tensões e contradições da sociedade brasileira. A história da FHC refletiu a necessidade de esses “homens de cor” instituirem espaços próprios nos quais pudessem participar da vida política, social e cultural da nação, numa época em que isso ainda não fazia parte da tradição republicana. Sua trajetória revela, assim, as estratégias desenvolvidas por um grupo de afro-brasileiros no sentido de atuar na esfera pública, engendrar laços de pertencimento, aspirar a posições de empoderamento e sonhar com a igualdade, mesmo que isso reclamasse a abertura de diálogos, negociações e alianças permanentes com outros segmentos do Estado e da sociedade civil.

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  • PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. “Os anjos da meia-noite: trabalhadores, lazer e direitos no Rio de Janeiro da Primeira República”. Tempo, v. 19, n. 35, 2013, pp. 97-116.
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  • RODRIGUES, Fernando da Silva. Indesejáveis: instituição, pensamento político e formação profissional dos oficiais do Exército brasileiro (1905-1946) Jundiaí: Paco Editorial, 2010.
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  • SEIGEL, Micol. Uneven encounters: making race and nation in Brazil and The United States. Durham, NC: Duke University Press, 2009.
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  • SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a tigre da abolição: a trajetória de José do Patrocínio nas últimas décadas do século XIX Tese (Doutorado em História) - Universidade de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2006.
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  • TROCHIM, Michael. “The Brazilian Black Guard: racial conflict in post-abolition Brazil”, The Americas, n. 3, 1988, pp. 120-143.

Notas

  • 1
    “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz, Rio de Janeiro, 19/07/1922, p. 5.
  • 2
    “Várias representações”. O Paiz, Rio de Janeiro, 04/11/1922, p. 2.
  • 3
    “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 2.
  • 4
    Na concepção de Hebe Mattos, as “mobilizações pela efetivação dos direitos civis reconhecidos pela Constituição de 1891, especialmente de cunho antirracista, foram uma dimensão política importante da primeira experiência republicana. Na jovem República, entre os grupos negros urbanos alfabetizados e, portanto, eleitores, desde cedo se formou um imprensa antirracista, que falava em nome dos chamados ‘homens de cor’” (MATTOS, 2012MATTOS, Hebe. “A vida política”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História do Brasil nação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012 (A abertura para o mundo 1889-1930, v. 3)., p. 117).
  • 5
    “Observando”. O Kosmos. São Paulo, 16/03/1924, p. 1.
  • 6
    A Sociedade Cooperativa dos Homens de Cor (1902) e a Sociedade Beneficente dos Homens de Cor (1906), por exemplo, surgiram como associações beneficentes, mas não resistiram e desapareceram ou ressignificaram sua linha de atuação. A esse respeito, ver Tânia Regina de Luca (1990LUCA, Tânia Regina de. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto, 1990. , p. 130). Para estudos históricos recentes sobre o mutualismo no Brasil, ver Claudio Batalha e Marcelo Mac Cord (2015BATALHA, Claudio H. M. . Marcelo Mac Cord (orgs.). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutalismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas, SP: Ed. Unicamp , 2015.).
  • 7
    Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 14/12/1909, p. 4; “Associações”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/12/1909, p. 12; “S. Paulo”. O Século. Rio de Janeiro, 28/09/1910, p. 2.
  • 8
    “Telegrammas”. O Século. Rio de Janeiro, 28/09/1910, p. 2; “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano, São Paulo, 31/12/1910, p. 4.
  • 9
    Em sua edição de 19 de maio de 1911, o Correio Paulistano acusou o recebimento do jornal A Federação: “Recebemos o número 1 d’A Federação, órgão do Centro da Federação dos Homens de Cor, de São Paulo. O novo colega traz belos artigos comemorativos da gloriosa data de 13 de maio e estampa diversos retratos das individualidades da propaganda abolicionista”. “Várias notícias”. Correio Paulistano. São Paulo, 19/05/1911, p. 7.
  • 10
    “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 05/05/1911, p. 5; “Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 28/09/1910, p. 6; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 30/09/1911, p. 6; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 30/09/1911, p. 6.
  • 11
    “13 de Maio”. O Paiz, Rio de Janeiro, 13/05/1910, p. 3; “Santos”. Correio Paulistano. São Paulo, 13/05/1910, p. 2; “Factos diversos”. Correio Paulistano, São Paulo, 13/05/1911, p. 5; “A data da Abolição”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 15/05/1911, p. 5; “S. Paulo”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1911, p. 3; “S. Paulo”. A Época. Rio de Janeiro, 14/05/1913, p. 2; “Nos estados”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 14/05/1913, p. 5; Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1913, p. 2; “13 de Maio”. Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1915, p. 5.
  • 12
    “Notas”. Correio Paulistano. São Paulo, 30/09/1913, p. 1; “Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 27/09/1913, p. 6.
  • 13
    “Câmara Municipal”. Correio Paulistano. São Paulo, 22/10/1913, p. 7. Ver também “Câmara”. Correio Paulistano. São Paulo, 27/12/1913, p. 6; “Câmara Municipal”. Correio Paulistano. São Paulo, 10/02/1914, p. 5. No final de 1914, a escola estava funcionando a todo vapor, pelo menos é o que se depreende da notícia veiculada pelo Correio Paulistano: “Realiza-se hoje a festa de encerramento das aulas das escolas mantidas pela Federação dos Homens de Cor. O festival efetuar-se-á na sede desta sociedade, à rua Dr. Abranches, n. 58, obedecendo ao seguinte programa: 1 Canto do hino nacional, por todos os alunos; 2 Diálogo ‘O castigo’, pelas alunas Aurora de Sousa e Anunciata Cascapera; 3 Poesia ‘A Escola’, pelo aluno Benedicto Milano; 4 ‘Philosophia infantil’, pelas alunas Zulmira e Anna dos Santos Coelho; 5 Poesia ‘Em caminho’, pela aluna Luiza Bobis; 6 Discurso ao director, pela alunna Anna Morsa; 7 ‘Leitura das aprovações e promoções de ano’; 8 Discurso de agradecimento, pela aluna Odette Marques; 9 Canto ‘As lavadeiras’, por todas as alunas”. “Escola da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 19/12/1914, p. 8.
  • 14
    Sobre a importância que as associações recreativas de trabalhadores, em sua maioria negros e mestiços, do Rio de Janeiro no início do século XX atribuíam ao ato de oficializar estatutos a fim de assegurar seus direitos, evitando a cassação de licença para funcionamento ou fugindo à perseguição judicial, ver Leonardo Affonso de Miranda Pereira (2013PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. “Os anjos da meia-noite: trabalhadores, lazer e direitos no Rio de Janeiro da Primeira República”. Tempo, v. 19, n. 35, 2013, pp. 97-116.).
  • 15
    Estatuto do Centro da Federação dos Homens de Cor de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Registro de Imóveis, Sociedade Civil nº 431. São Paulo, 04/09/1914 - C10414.
  • 16
    Estatuto do Centro da Federação dos Homens de Cor de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Registro de Imóveis, Sociedade Civil nº 431. São Paulo, 04/09/1914 - C10414. Ver também Uassyr de Siqueira (2008SIQUEIRA, Uassyr de. Entre sindicatos, clubes e botequins: identidades, associações e lazer dos trabalhadores paulistanos (1890-1920). Campinas, Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, 2008, p. 116-118., p. 116-118) e Ramatis Jacino (2012JACINO, Ramatis. O negro no mercado de trabalho em São Paulo pós-abolição - 1912/1920. São Paulo. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, USP, 2012., p. 121).
  • 17
    “Centro da Federação dos Homens de Cor de S. Paulo. Cláusulas principais de seus estatutos”. Diário Oficial do Estado de São Paulo, n. 194, 28/08/1914, p. 3508.
  • 18
    “Pae João”. O Clarim. São Paulo, 22/06/1924, p. 1.
  • 19
    “Pae João”. O Clarim. São Paulo, 22/06/1924, p. 3. Em livro de memórias, José Correira Leite não escamoteia sua antipatia por Jayme de Camargo e pela “sua” Federação dos Homens de Cor. Na visão daquele antigo ativista afro-paulista, “esta Federação teve uma história, mas na realidade nunca existiu além do rótulo que Jaime Camargo usava audaciosamente”. É evidente que Correia Leite carregou na tinta. Seu depoimento relativo à agremiação, além de lacônico, é tendencioso. Ainda assim, ele faz um relato interessante: “Constava que, num certo 13 de maio, Jaime Camargo encabeçou e fez, com raro brilhantismo, uma grande sessão solene, na qual tomaram parte elementos dos mais representativos do nosso mundo político e das letras. Foi nessa ocasião que Ciro Costa recitou pela primeira vez o seu soneto ‘Pai João’, o qual se tornou famoso. Diante do êxito dessa festa, mais tarde foi realizado um grande banquete, em homenagem ao Ciro Costa. Saudou o homenageado, como orador oficial, o intelectual Félix Pacheco. Daí data o sucesso da Federação[dos Homens de Cor]” (LEITE, 1992LEITE, José Correia. ...E disse o velho militante José Correia Leite: depoimentos e artigos. Organização e textos: Cuti (Luiz Silva). São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992., p. 289).
  • 20
    “Gazetilha”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/04/1915, p. 4.
  • 21
    “A Federação dos Homens de Cor, de S. Paulo, vai protestar contra o acto do director do Collégio de Petrópolis”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 10/04/1917, p. 5.
  • 22
    “Estátua de Luiz Gama”. Correio Paulistano. São Paulo, 22/05/1919, p. 4.
  • 23
    “Declaração”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 24/07/1920, p. 8.
  • 24
    A princípio, a sede permanente da FHC funcionou na Praça da República, nº 46, no centro do Rio de Janeiro. Os jornais chegaram a fazer alusão a outros endereços da agremiação no transcorrer da década de 1920, a saber, rua Visconde do Rio Branco, nº 53; rua dos Ouvires, nº 124; e rua do Rosário, nº 34. Cf. “O 13 de Maio na Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “A sessão da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3 e “A Lei do Ventre Livre”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2. Segundo Claudio Batalha, a mobilidade geográfica também caracterizou a trajetória das sociedades operárias no Rio de Janeiro durante a Primeira República. A mudança constante de endereços no centro da cidade - o lócus privilegiado da política - afetou até mesmo sociedades plenamente consolidadas e com recursos financeiros significativos, como foi o caso da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro e da União dos Operários Estivadores (BATALHA, 2009BATALHA, Claudio H. M. . A geografia associativa: associações operárias, protesto e espaço urbano no Rio de Janeiro da Primeira República. AZEVEDO, Elciene... [et al.]. Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009, pp. 251-269., p. 264-265).
  • 25
    Em setembro de 1921, a diretoria da Federação dos Homens de Cor publicou uma nota no Correio da Manhã na qual denunciava “José Eugenio de Andrade e outros” indivíduos que, a despeito de terem sido expulsos da agremiação há dois meses, andavam pelo “comércio a fazerem pedidos de donativos para a citada Federação”. Diante disso, a diretoria da agremiação alertava o público para se precaver de “semelhantes indivíduos, verdadeiros saltimbancos” (“Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 11/09/1921, p. 6).
  • 26
    “A visita do sr. Robert Abbott ao Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 25/02/1923, p. 3. A passagem de Abbott pelo Brasil e suas ligações com a Federação dos Homens de Cor foram registradas pelo biógrafo do jornalista afro-americano (OTTLEY, 1955OTTLEY, Roi. The lonely warrior: the life and times of Robert S. Abbott. Chicago: Henry Regnery, 1955., p. 228-246).
  • 27
    Pelas páginas d’O Getulino, um jornal da imprensa negra paulista, Benedicto Florêncio relata que a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos, da cidade de Campinas, apoiou “com tanto entusiasmo a missão desse ilustre homem [Robert Abbott]”, que mandou “um emissário ao Rio para ouvi-lo”. “Carta d’um negro”. O Getulino. Campinas, 23/09/1923, p. 1-2.
  • 28
    “Conferências”. O Paiz. Rio de Janeiro, 06/03/1923, p. 4; “Uma conferência do sr. Roberto S. Albott, no Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 07/03/1923, p. 3; “Conferências”. O Paiz. Rio de Janeiro, 10/03/1923, p. 4.
  • 290
    “O campeão da raça negra louvando a democracia brasileira”. Revista da Semana. nº 12, Rio de Janeiro, 17/03/1923. Esta reportagem foi reeditada, com novo título, e publicada no Chicago Defender. Cf. “Brazilians are told meaning of liberty statue”. The Chicago Defender. Chicago, 28/04/1923, p. 3.
  • 30
    Sobre a visão idealizada de Abbott acerca das relações raciais no Brasil, consultar David J. Hellwig (1988HELLWIG, David J. “A new frontier in a racial paradise: Robert S. Abbott’s brazilian dream”. Luso-Brasilian Review. v. 25, n. 1, 1988, pp. 59-67. ; 1992HELLWIG, David J. . African-American reflections on Brazil’s racial paradise. Philadelphia: Temple University Press, 1992., p. 55-82) e Teresa Meade e Gregory Alonso Pio (1988MEADE, Teresa e PIRIO, Gregory Alonso. “In search of the Afro-american ‘Eldorado’: attempts by North American Blacks to enter Brazil in the 1920s”. Luso-Brazilian Review. v. 25, n. 1, 1988, pp. 85-110.).
  • 31
    Uma evidência do intercâmbio, operado entre Robert Abbott e a Federação dos Homens de Cor, deu-se no final de 1923, quando o Chicago Defender fez uma copiosa reportagem para falar da polêmica envolvendo Frank M. Purser, um norte-americano e professor do Colégio Batista no Rio de Janeiro, que teria escrito um artigo na Home and Foreign Fields - revista publicada no Tennessee (EUA) -, acusando o Brasil de ser um país de negros, cujos habitantes, formados pela mistura de raças, seriam indolentes, feios, sujos e deselegantes, logo, poucos civilizados. The Chicago Defender informou, na reportagem, que o artigo de Purser havia repercutido e causado a reação de vários setores da opinião pública brasileira. A Federação dos Homens de Cor, por exemplo, teria emitido nota pública sobre o assunto e parte deste documento, assinado por Jayme de Baptista, foi publicado no jornal dos afro-americanos: “A Federação dos Homens de Cor se junta aos protestos nacionais contra as palavras difamatórias do professor Purser em relação ao Brasil. Esta Federação ficou particularmente ofendida como ele se referiu a nós nos mais insultosos termos. […] O fato de uma larga parte da população brasileira ser de cor nunca foi uma desonra para a nação”. “Brazilians give lesson to teacher of white supremacy”. The Chicago Defender. Chicago, 03/11/1923, p. 13.
  • 32
    Existem informações sobre a criação e o funcionamento de centenas de associações voluntárias no Rio de Janeiro no período em tela. Vitor Fonseca (2008FONSECA, Vitor Manoel Marques da. No gozo dos direitos civis: associativismo no Rio de Janeiro (1903-1916). Rio de Janeiro: Ed. Muiraquitã, 2008.) encontrou a ocorrência de 832 registros dessas associações. Já por outra perspectiva, Michael Conniff (1975CONNIFF, Michael L. “Voluntary associations in Rio, 1870-1945: a new approach to urban social dynamics”. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, v. 17, n. 1, 1975, pp. 64-81.) assinala o estudo das associações de 1870 a 1945 como um campo fecundo para mapear a vida social da urbanidade.
  • 33
    “Homenagem da Federação dos Homens de Cor, ao presidente Washington Luis”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/06/1923, p. 2.
  • 34
    “Echos e factos”. O Paiz. Rio de Janeiro, 27/04/1913, p. 1; “Uma homenagem ao Sr. Dulphe”. A Noite. Rio de Janeiro, 17/06/1921, p. 3; “A Associação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 18/06/1921, p. 3; “Luto”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/02/1923, p. 4; “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 14/11/1923, p. 6; “Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 22/10/1926, p. 4; “Os homens de cor e a posse”. O Paiz. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 4.
  • 35
    Eis a nota completa, que foi publicada n’O Paiz em1926: “O Centro Federação dos Homens de Cor promove hoje, 5 do corrente, na Quinta da Boa Vista, um festival dedicado à imprensa carioca e em homenagem à colônia portuguesa aqui domiciliada. O programa foi confeccionado caprichosamente, havendo torneios de football, sambas, assaltos de box, bailados, exercícios pelos escoteiros, teatro, provas de equitação por praças do exército, baile ao ar livre, etc.”. “Um grande festival na Quinta da Boa Vista”. O Paiz. Rio de Janeiro, 05/12/1926, p. 4.
  • 36
    “Homenagens”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 17/01/1924, p. 4; “General Setembrino de Carvalho”. O Paiz. Rio de Janeiro, 17/01/1924, p. 6. Em resposta ao gesto de solidariedade da FHC, o marechal Setembrino de Carvalho dirigiu a seguinte carta a Jayme Baptista de Camargo, o presidente da agremiação: “Tenho a honra de acusar o recebimento do ofício, no qual quis estes comunicar-nos os termos que tanto me desvaneceram, e nos quais o distinto presidente dessa benemérita associação se referiu à minha colaboração no restabelecimento da ordem constitucional em S. Paulo. Cabe-me, de um lado, agradecer, profundamente reconhecido, o voto de louvor e simpatia que, tão generosamente, foi consignado em ata, sob aplausos gerais em meu favor, e, de outro lado congratular-me, e o faço efusivamente, convosco e com os vossos nobres consórcios, por essa vitória do regime, que pôs em realce quão dignos somos nós do patrimônio que nos lograram os bravos que escreveram as páginas mais gloriosas de nossa história nacional. Com alta estima e consideração - Setembrino de Carvalho”. “Uma carta do marechal Setembrino ao C. da Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 07/08/1924, p. 5.
  • 37
    “Manifestação de apreço ao Sr. Dr. Arthur Bernardes”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 02/11/1926, p. 9; “Os telegramas”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/10/1921, p. 2.
  • 38
    “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/11/1926, p. 2. Ver ainda “Homenagem da Federação dos Homens de Cor, ao presidente Washington Luis”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/06/1923, p. 2.
  • 39
    “A manifestação ao Sr. presidente da República”. O Paiz, Rio de Janeiro, 29/07/1922, p. 5. A respeito do apoio da FHC ao presidente Epitácio Pessoa, ver também “Centro da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz, Rio de Janeiro, 19/07/1922, p. 5; “Dr. Epitácio Pessoa”. O Paiz. Rio de Janeiro, 09/08/1923, p. 6; “Boletim publicado pela Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/08/1923, p. 4.
  • 40
    O apoio aos presidentes da República na década de 1920 não constituía uma exclusividade dos negros afiliados à FHC. Setores dos trabalhadores também o faziam, como John Dulles revela em pesquisa sobre a história dos “anarquistas e comunistas no Brasil”. Com o fim do mandato do presidente Artur Bernardes, por exemplo, um comunicado em nome das “associações trabalhistas” hipotecou sua gratidão “ao grande estadista”, pelo muito que fez pelos trabalhadores, no “decurso da sua profícua e patriótica gestão no governo da República”. Assinaram-no os representantes da União dos Estivadores, da União dos Foguistas, da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, e da Resitência dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas (DULLES, 1977DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). 2ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977., p. 303).
  • 41
    “5º. Manifesto da Federação dos Homens de Cor”. O Paiz. Rio de Janeiro, 29/04/1923, p. 10.
  • 42
    “No Centro Republicano Popular”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20/05/1923, p. 1. Quanto às ações conjuntas da FHC com determinados movimentos populares, ver ainda “Homenagem das classes proletárias ao secretário da Gazeta”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 22/06/1923, p. 2 e “Legião Republicana Nacional pró Washington Luís Mello Vianna”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/10/1925, p. 2.
  • 43
    “O professor Souza Marques responde ao Centro dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/10/1928, p. 7.
  • 44
    Com esse desiderato, tem-se até a notícia da fundação da Liga Eleitoral dos Homens de Cor, em 1924: “A fim de zelar pelos interesses de seus irmãos em raça, acaba de ser fundada, nesta capital, por um grupo de homens de cor, uma sociedade de beneficência, que, orientando os seus membros nos deveres que estes têm de cumprir para com a Pátria, faz, ao mesmo tempo, valer os direitos que lhe são outorgados na vida social e política do Brasil. (...) A nova associação pretende levar avante as realizações que idealizou no seu programa, para cuja aprovação oportunamente se reunirá, em sede própria, no Largo do Rosário, 34. À frente dessa cruzada, encontram-se os Srs. Jayme Baptista Camargo, Tito Carlos, tenente Villariao, Manoel Adolpho, Jesuíno de Brito e Pedro Nunes”. “Pelos interesses da raça negra”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/10/1924, p. 3.
  • 45
    “13 de Maio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 1. A respeito das comemorações dessa efeméride por parte da FHC, ver também “Na Confederação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1922, p. 2; “As comemorações do Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12/05/1927, p. 2; “O 13 de Maio na Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “13 de Maio”. O Paiz. Rio de Janeiro, 14/05/1927, p. 2; “13 de Maio”. A Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 11; “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 12; “A solenidade promovida pela Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 1; “Na Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 2; “O Centro da Federação dos Homens de Cor e o 13 de Maio”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1929, p. 6.
  • 46
    “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3. Sobre as comemorações de 28 de Setembro por parte da FHC, ver ainda “A sessão da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1923, p. 3; “Federação dos Homens de Cor”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 26/09/1924, p. 8; “A Lei do Ventre Livre”. O Imparcial. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “As comemorações que a Federação dos Homens de Cor levará a efeito”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “A Federação dos Homens de Cor e a data”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “A Lei do Vente Livre”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 28/09/1926, p. 2; “28 de Setembro - As homenagens de ontem à memória do visconde do Rio Branco”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29/09/1926, p. 2. A comemoração da Lei Áurea em 1923 contou com a presença de um representante de Artur Bernardes (o então presidente da República) na sede da FHC: “O Sr. presidente da República fez-se representar pelo seu oficial de gabinete Dr. Waldemiro Gomes na sessão solene, realizada no dia 13 do corrente, pelo Centro da Federação dos Homens de Cor, em comemoração da gloriosa data da emancipação da escravatura no Brasil”. O Paiz. Rio de Janeiro, 15/05/1923, p. 3.
  • 47
    “Centro da Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. São Paulo, 23/08/1923, p. 5.
  • 48
    “Missas”. O Paiz. Rio de Janeiro, 17/01/1926, p. 9; “Na Federação dos Homens de Cor”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1926, p. 1. Consultar igualmente “José do Patrocínio - as homenagens ontem prestadas à sua memória”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20/01/1926, p. 2 e “A glória de Patrocínio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20/01/1926, p. 2.
  • 49
    A respeito da trajetória de José do Patrocínio e das construções memorialísticas em torno desse abolicionista negro, ver Ana Carolina Silva (2006SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a tigre da abolição: a trajetória de José do Patrocínio nas últimas décadas do século XIX. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2006.).
  • 50
    “Dr. Elyseu César”. A Noite, Rio de Janeiro, 27/01/1923, p. 4; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 28/01/1923, p. 3; “Um grande vulto negro”. Evolução. São Paulo, 13/05/1933, pp. 27-28. Sobre Eliseu César, ver ainda Elio Chaves Flores e Solange Pereira da Rocha (2015FLORES, Elio Chaves e ROCHA, Solange Pereira da. Trajetórias comparadas de homens negros de letras no Brasil: ensino de história, biografias e sociabilidades. In: Ariosvalber, de Souza Oliveira; Moisés, Alves da Silva; José Luciano, de Queiroz Aires (Orgs.). Nas confluências do Axé: refletindo os desafios e possibilidades de uma educação para as relações étnico-raciais. João Pessoa: Editora do CCTA, 2015, pp. 143-183.).
  • 51
    “O Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio Paulistano. São Paulo, 16/11/1914, p. 2; “13 de Maio”. Correio Paulistano. São Paulo, 14/05/1915, p. 5; “As homenagens à memória do Visconde do Rio Branco”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 29/09/1926, p. 5; “A solenidade promovida pela Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1928, p. 1; “13 de Maio”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12/05/1929, p. 1.
  • 52
    “Política do Districto”. O Paiz. Rio de Janeiro, 28/12/1923, p. 4.
  • 53
    “Figuras e fatos”. Revista da Semana. Rio de Janeiro, 02/02/1924, p. 25; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 26/01/1924, p. 3. Conferir também “Homenagens”. O Paiz. Rio de Janeiro, 13/01/1924, p. 8; “Homenagem do Centro da Federação dos Homens de Cor à memória do Dr. Elyseu Elias Cesar”. O Paiz. Rio de Janeiro, 19/01/1924, p. 7; “Homenagem do Centro da Federação dos Homens de Cor à memória do Dr. Elyseu Elias César”. O Paiz. Rio de Janeiro, 20/01/1924, p. 8; Idem. O Paiz. Rio de Janeiro, 22/01/1924, p. 6; Idem. O Paiz. Rio de Janeiro, 23/01/1924, p. 8; “Missas”. Paiz. Rio de Janeiro, 27/01/1926, p. 5; Idem. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27/01/1926, p. 5; “Elyseu César”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 29/01/1924, p. 2.
  • 54
    “Monumento da raça negra”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 18/09/1923, p. 5.
  • 55
    “O Brasil deve glorificar a raça negra, erguendo um monumento à Mãe Preta; a significação desta figura luminosa”. A Notícia. Rio de Janeiro, 05/04/1926, p. 1.
  • 56
    A respeito da campanha em prol do monumento à Mãe Preta, ver ainda Micol Seigel (2009SEIGEL, Micol. Uneven encounters: making race and nation in Brazil and The United States. Durham, NC: Duke University Press, 2009. , p. 206-234) e Paulina L. Alberto (2011ALBERTO, Paulina L. Terms of inclusion: black intellectuals in twentieth-century Brazil. Chapel Hill, N.C.: The University of North Carolina Press, 2011., p. 69-109).
  • 57
    No que diz respeito ao jornal da FHC, A Federação, Seigel, em sua pesquisa não conseguiu localizar nenhum exemplar, o que parece indicar que tal veículo de comunicação não foi preservado ao longo do tempo. De todo modo, sabe-se que ele era geralmente distribuído nas efemérides mais festejadas pela agremiação. É tanto que, no dia 13 de Maio de 1925, a Gazeta de Notícias noticiou: “Comemorando a data de hoje, o Centro da Federação dos Homens e Cor fará celebrar às 9 horas, na matriz de Sant’Anna, uma missa por alma dos cativos e dos abolicionistas falecidos. Ao meio-dia, uma comissão presidida pelo presidente, Sr. Jayme B. de Camargo, irá aos cemitérios de São Francisco Xavier e São João Baptista, onde renderá homenagem aos grandes vultos a Abolição. À noite, em sua sede, no largo do Rosário n. 34, 1º. andar, haverá sessão solene, usando da palavra diversos oradores. Nessa ocasião será distribuído o número especial da ‘A Federação’, órgão oficial do Centro”. “O dia dos redimidos”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1925, p. 1.
  • 58
    “Na Federação dos Homens de Cor”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “A abolição da escravatura”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “No Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 3; “O Dia da Abolição”. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 13/05/1931, p. 1. Edição das 15horas; “Notícias de S. Paulo”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27/06/1931, p. 5; “De São Paulo”. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 09/01/1932, p. 6; “De Petrópolis”. A Noite. Rio de Janeiro, 12/05/1936, p. 1. Edição das 15 horas; “No Centro da Federação dos Homens de Cor”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/05/1936, p. 3; “De Petrópolis”. A Noite. Rio de Janeiro, 15/05/1936, p. 1. Edição das 15 horas.
  • 59
    “A sucessão. Solidária com o Sr. José Américo a Federação dos Homens de Cor do Brasil”. A Noite. Rio de Janeiro, 24/08/1937, p. 5. Edição das 11 horas. Ver também “O Congresso dos homens de cor, realizado no Rio de Janeiro”. Correio Paulistano. São Paulo, 29/08/1937, p. 24.
  • 60
    A respeito da mobilização racial no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas, ver Michael Mitchell (2011MITCHELL, Michael. Os movimentos sociais negros na Era Vargas. In: GOMES, Flávio e DOMINGUES, Petrônio (orgs.). Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). São Paulo: Selo Negro, 2011, pp. 185-201.) e Jessica Lynn Graham (2010GRAHAM, Jessica Lynn. Representations of racial democracy: race, national identity, and state cultural policy in the United States and Brazil (1930-1945). Tese (Doutorado em História), University of Chicago, 2010.).
  • 61
    “Foi fundado no Rio de Janeiro o Centro Patriótico 13 de Maio”. O Clarim d’Alvorada. São Paulo, 13/04/1930, p. 3.
  • 62
    Sobre as sociedades beneficentes de negros no Rio de Janeiro na segunda metade do XIX, ver Sidney Chalhoub (2007CHALHOUB, Sidney. “Solidariedade e liberdade: sociedades beneficentes de negros e negras no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX”. In: CUNHA, Olívia Maria Gomes da; GOMES, Flávio dos Santos. Quase-cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, pp. 219-239.) e Marcelo Badaró Mattos (2008MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008., p. 107-111).
  • 63
    Para a definição de “cultura associativa”, ver Claudio H. M. Batalha (2004BATALHA, Claudio H. M. Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República. In: BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre (orgs.). Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2004, pp. 96-100., p. 96-100).
  • 64
    Desafortunadamente, a brazilianist Paulina Alberto endossa em seu livro uma abordagem dicotômica, asseverando que os negros do Rio de Janeiro engendraram identidades raciais específicas no contexto pós-Abolição, razão pela qual pouco desenvolveram ou simplesmente não criaram formas de associativismo equivalentes às dos negros de São Paulo (ALBERTO, 2011ALBERTO, Paulina L. Terms of inclusion: black intellectuals in twentieth-century Brazil. Chapel Hill, N.C.: The University of North Carolina Press, 2011., p. 84-87, 159, 161).
  • 65
    Cf. “Visitas”. O Paiz. Rio de Janeiro, 27/05/1913, p. 5; “Em viagem”. A Liberdade. São Paulo, 12/09/1920, p. 2. Para migrações de ex-escravos e negros no geral de São Paulo para a cidade do Rio de Janeiro no contexto pós-Abolição, ver Lúcia Helena Silva (2016SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Paulistas afrodescendentes no Rio de Janeiro pós-Abolição (1888-1926). São Paulo: Humanitas, 2016.). Em sentido de mão dupla, também é possível identificar a presença de negros cariocas em terras bandeirantes no período. Em setembro de 1924, A Gazeta publicou uma carta na qual Bernardo Vianna - um “preto” recém-chegado do Rio de Janeiro - queixava-se não estar encontrando emprego em parte alguma de São Paulo por causa da sua cor. Um trecho da carta de Vianna foi republicado na primeira página do Getulino, um jornal da imprensa negra paulista: “Vai às fábricas, mas não lhe dão serviço, muitas vezes nem lhe deixam falar com os gerentes. Procura anúncios nos jornais, acorre pressuroso aonde precisam de empregados e, embora chegue primeiro do que outro qualquer candidato, por ser de cor é posto à margem e recusado. Assim, o missivista manifesta-se assustado diante das suas crescentes privações e escreve à distinta folha [A Gazeta], protestando contra essa perseguição e lembrando a conveniência de se fundar, a exemplo do Rio, uma Associação de Homens de Cor, em S. Paulo”. Possivelmente, Bernardo Vianna empregou o termo Associação de Homens de Cor como corruptela de FHC. Seja como for, ele entendia que os “patrícios” de São Paulo deviam se manter conectados, em matéria de experiência associativa, aos seus “irmãos de cor” do Rio de Janeiro. “Os pretos em São Paulo”. Getulino, Campinas, 21/09/1924, p. 1. A própria FHC, em algumas fontes, é definida como sendo uma associação beneficente com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro, ou vice-versa. Ver “Os despojos dos ex-imperadores”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16/11/1920, p. 1; “Para receber os membros mortos e vivos da ex-família imperial do Brasil”. A Noite. Rio de Janeiro, 08/12/1920, p. 6; “Associações”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23/05/1923, p. 4; José Correia Leite (1992LEITE, José Correia. ...E disse o velho militante José Correia Leite: depoimentos e artigos. Organização e textos: Cuti (Luiz Silva). São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992., p. 290).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2016
  • Aceito
    05 Mar 2018
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