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Filinto Justiniano Ferreira Bastos: a trajetória de um abolicionista (1879-1882)

Filinto Justiniano Ferreira Bastos: the trajectory of an abolicionist (1879-1882)

RESUMO

Este artigo trata sobre a trajetória de Filinto Justiniano Ferreira Bastos, abolicionista e intelectual baiano. Nascido na vila de Feira de Santana, na Bahia, em 1856, Filinto Bastos foi um importante jurista e professor da Faculdade Livre de Direito da Bahia. Durante os anos que cursou a faculdade, atuou junto ao movimento abolicionista nas províncias de São Paulo e de Pernambuco, entre 1879 e 1882. Aqui, procuro evidenciar sua experiência a partir da atuação de associações abolicionistas que tinham lugar nas faculdades de Direito no Brasil daquele período.

Palavras-chave
Trajetória; Filinto Bastos; abolicionismo

ABSTRACT

This article is about the trajectory of Filinto Justiniano Ferreira Bastos, abolitionist and intellectual Bahia. Born in the village of Feira de Santana, Bahia, in 1856, Filinto Bastos was an important jurist and professor at the Free School of Law of Bahia. During his years he attended the abolitionist movement in the provinces of São Paulo and Pernambuco between 1879 and 1882. Here, I try to show his experience from the activities of abolitionist associations that took place in the Brazilian law faculties of this period.

Keywords
Trajectory; Filinto Bastos; abolitionism

Eis porque affirmei que as sociedades emancipadoras tendo em mira libertar os escravos, e educar os libertos, concorrem efficazmente para uma futura reorganisação na ordem publica brasileira, são um factor scientifico, consciente e notavel do nosso progredimento.

(Filinto Bastos. Discurso para o Club Abolicionista do Recife, 1882, p. 10)

A epígrafe que antecede as primeiras linhas deste texto foi extraída de documento escrito por um jovem de 26 anos, o qual, em sua íntegra, pode informar muito sobre os bastidores do movimento abolicionista nas faculdades de Direito no Brasil, na década da abolição. Seu autor, Filinto Justiniano Ferreira Bastos, baiano, nasceu na vila de Feira de Santana, em 17 de dezembro de 1856. Sua interessante trajetória seria impossível tratar em um ensaio apenas.1 1 Uma biografia de Filinto Bastos foi escrita por Fernando Alves e publicada no centenário de seu nascimento. Seu biógrafo foi promotor público do Estado da Bahia e conheceu pessoalmente Filinto Bastos como juiz desembargador. Talvez por isso ele tivesse acesso a uma boa documentação que não identifiquei nos arquivos públicos. Possivelmente, os familiares de Filinto Bastos, os quais se dispersaram completamente, tenham fornecido esses documentos a Fernando Alves. A obra segue o estilo das biografias escritas no século XIX e início do XX, a saber: narração da vida do indivíduo, buscando abarcá-la em sua totalidade, sem análise crítica ou ponderações sobre as contradições em suas experiências pessoais. Entretanto, muitas e importantes informações são registradas nessa biografia. Ver: ALVES (1956). Outros títulos de caráter biográfico atendem mais a ensaios de prosopografia com informações que não alcançam duas páginas. Nessa perspectiva, consultei: ALVES (1977) e SOUZA (1979). Primeiro desembargador de carreira do Tribunal de Apelação e Revista do Estado da Bahia, professor da Faculdade Livre de Direito da Bahia e membro fundador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Filinto Bastos se notabilizou pelas suas comentadas obras jurídicas e pela destacada atuação como professor e juiz baiano, até o dia de seu falecimento em 1939, em Salvador, capital da Bahia. Entretanto, Filinto Bastos foi um importante protagonista do movimento abolicionista no início da década de 1880. Na condição de magistrado, a partir de 1883, apoiou os abolicionistas, junto às ações de justiça nas comarcas do interior da Bahia. Dentre suas diferentes experiências, talvez, a atuação abolicionista seja a menos referida na rasa memória que ainda se guarda sobre a saga do velho juiz. Este será o aspecto de sua trajetória a ser tratado no presente artigo. Procuro, neste trabalho, tratar da experiência de Filinto Bastos na campanha abolicionista que teve lugar nas faculdades de Direito na década da abolição, procurando evidenciar o protagonismo de um jovem que saiu da pacata vila de Feira de Santana, interior da Bahia, para protagonizar o movimento pela abolição da escravidão nas duas principais províncias de agitação abolicionista, a saber: São Paulo e Pernambuco.

Emancipadora Acadêmica de São Paulo: a formação abolicionista

Em 1878, Filinto Bastos ingressou na Faculdade Livre de Direito de São Paulo, localizada no tradicional Largo do São Francisco, centro da província paulista. Entretanto, Filinto Bastos não concluiu seus estudos de Direito na academia paulista. As Faculdades de Direito daquele período tinham, como prática comum, a transferência dos alunos. Alguns teriam iniciado em Recife e realizado transferência para São Paulo, outros iniciavam seus cursos de Direito em São Paulo e eram posteriormente transferidos para a Academia do Recife.2 2 Fundadas em 1827 - inaugurando, portanto, a origem dos cursos jurídicos no Brasil -, as Faculdades de São Paulo e do Recife desempenharam papéis importantes na formação do pensamento político brasileiro, inclusive na constituição de escolas abolicionistas a partir da década de 1860. Sobre essas academias e seu papel como instituição científica e de formação do pensamento social, ver: SCHWARCZ (1993). O abolicionista e estadista baiano Rui Barbosa, por exemplo, começou o curso em Recife e o concluiu em São Paulo. Esse foi também o caso do poeta dos escravos, Castro Alves (CHACON, 2008CHACON, Vamireh. Formação das ciências sociais no Brasil: da Escola do Recife ao Código Civil. 2.ed. Brasília; São Paulo: Paralelo 15; Editora da UNESP, 2008., p. 11). Já Filinto Bastos estudou a maior parte do curso na Faculdade Livre de Direito de São Paulo, concluindo-o na Academia do Recife, para a qual levou consigo, principalmente, a experiência com o movimento abolicionista.

A Faculdade de Direito de São Paulo foi, no século XIX, importante reduto de ativistas políticos que tinham, nos grêmios e associações estudantis, espaços para suas militâncias. Ali, inicialmente, Filinto Bastos colaborou com a imprensa católica, tendo atuado, entre 1878 e 1881, no jornal A Reação, uma publicação do Ciclo de Estudantes Católicos de São Paulo. Possivelmente, nesse órgão de imprensa ele teve os primeiros contatos com o pensamento antiescravista e com o incipiente movimento abolicionista que se estruturava nos ambientes da academia (ADORNO, 1992ADORNO, Sérgio. O abolicionismo na academia de São Paulo. Resgate, Revista Interdisciplinar de Cultura, Campinas, n. 5, p. 93-101, 1992., p. 93-101). Esse órgão de imprensa já manifestava sua simpatia pela emancipação do cativeiro. Na edição de julho de 1881, A Reação publicou um artigo intitulado: “Notas históricas: o século XIX”, no qual trata sobre os grandes eventos, de ordem histórica e filosófica daquele século, a exemplo da instigante preocupação com a campanha antiescravista e abolição da escravatura (A REAÇÃO, 08/07/1881A REAÇÃO. São Paulo, 08 jul. 1881., p. 3). Já em 1882, a edição do mês de setembro informava sobre a criação de um novo clube abolicionista em São Paulo e destacava o apoio a esse tipo de agremiação (A REAÇÃO, 10/09/1882A REAÇÃO. São Paulo, 10 set. 1882., p. 2).

Paralelo à sua atuação como editor do jornal católico A Reação, Filinto Bastos atuava em outros grêmios estudantis, pois parecia ser um estudante bastante dinâmico, que não esquentou cadeira nos bancos universitários. Como A Reação já indicava nas entrelinhas, muitos estudantes desse círculo intelectual acadêmico não deixaram de aderir à campanha abolicionista que ganhava adeptos junto às comunidades acadêmicas no início dos anos 1880.3 3 O ano de 1880 foi marco importante da criação de muitas entidades que se dedicavam à causa abolicionista em várias províncias do Império. Grande parte dessas entidades foi criada no interior das Academias, especialmente nos cursos de Direito. Esse foi o caso da “Sociedade Emancipadora Acadêmica de São Paulo”, composta por estudantes da Faculdade de Direito daquela província. Sobre sua criação, afirma Evaristo de Moraes:

Foi a Emancipadora Acadêmica, uma das primeiras associações verdadeiramente abolicionistas. Sua fundação é de 1880. João Marques, um dos iniciadores, certa feita lembrou os nomes de alguns outros: Sá Vianna, Filinto Bastos, Oscar Pederneiras, João Francisco Barcelos, Augusto Marques, Cyro de Azevedo, Brazil Silvado (MORAES, 1986MORAES, Evaristo de. A campanha Abolicionista (1879-1888). Brasília: Editora da UNB, 1986., p. 40).

Esta era uma sociedade propriamente abolicionista, como o próprio autor afirma, pois tinha como consequência a distribuição de cartas de alforria e o desenvolvimento de atividades que objetivavam formar opinião crítica sobre a escravidão e angariar recursos para manumissão de cativos, alcançando assim sua liberdade. Para ser mais preciso, a Emancipadora Acadêmica foi fundada em 14 de junho de 1880, como informa o correspondente do Jornal do Recife, em São Paulo:

No dia 14 do corrente, procedeu-se a eleição da directoria da sociedade Abolicionista Acadêmica, que ficou assim composta: presidente, Filinto Bastos; vice-presidente, Lopes da Costa; 1º secretário, Augusto Marques; 2º dito, Affonso Peixoto (JORNAL DO RECIFE, 30/06/1880JORNAL DO RECIFE. Recife, 30 jun. 1880., p. 2).

A boa nova da criação de mais uma sociedade abolicionista parecia interessar a várias províncias. A cópia da notícia que informava a criação da Emancipadora Acadêmica de São Paulo foi veiculada não apenas pela imprensa local, mas também por órgão de imprensa de outras províncias, inclusive aquelas que já gozavam da existência de bom ânimo nos debates sobre a emancipação dos escravos. Acompanhei as coberturas dos jornais paulistas Jornal da Tarde, A Província de São Paulo e o Correio Paulistano. Entretanto, fiz questão de citar a notícia publicada pelo correspondente do Jornal do Recife, em São Paulo, para frisar o interesse específico daquela província, a qual, em 1882, iria conhecer Filinto Bastos, um dos jovens intelectuais que protagonizara a criação dessa entidade abolicionista em São Paulo.4 4 Na década de 1880, foram criadas sociedades abolicionistas em várias províncias do Império, de norte a sul. Apenas no mês de agosto, a imprensa noticiou sobre as províncias de Pernambuco e Rio Grande do Sul. Em 12 de agosto, estudantes da Academia de Direito do Recife criaram o Club Abolicionista do Recife (JORNAL DO RECIFE, 12/08/1880, p. 1). O Jornal da Tarde, da província de São Paulo, informou que se “constituiu, em Porto Alegre, a 5 do corrente, uma sociedade emancipadora, com o nome de Rio Branco, formada pelos alunos da Escola de Infantaria e Cavalaria” (JORNAL DA TARDE, São Paulo, 26/08/1880, p. 2).

Filinto Bastos foi um dos fundadores desse clube e seu primeiro presidente. Entre os membros fundadores da Emancipadora Acadêmica, foi possível identificar alguns dos quais aparecem listados juntamente com Filinto Bastos, na divulgação dos exames periódicos publicados pela Faculdade de Direito, na imprensa local (A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO, 10/11/1878A PROVÍNCIA de São Paulo. São Paulo, 10 nov. 1878. , p. 2; JORNAL DA TARDE, 24/11/1880JORNAL DA TARDE. São Paulo, 24 nov. 1880., p. 2). O Correio Paulistano, no entanto, publica uma relação dos membros da diretoria da Emancipadora Acadêmica que considero mais completa. Esta era a equipe responsável por iniciar as ações emancipadoras na Academia de Direito, da província de São Paulo, em 1880, período que inaugurou a radicalização da campanha abolicionista no Brasil:

Sociedade Abolicionista

A Academia. Ante-hotem, 14, reuniu-se esta associação. Procedeu-se as eleições cujo resultado foi o seguinte:

Presidente: Filinto Bastos

Vice-presidente: Lopes da Costa

1º Secretário: Augusto Marques

2º dito: Affonso Peixoto

Suplente de ditos: João Marques e Jovino de Araújo

Comissão de sindicância: Caetano dos Santos, João Barcellos e M. Alvarenga.

Comissão de acquisição de donativos - Eduardo Prado, Carneiro Leão, Cyro de Azevedo, Sá Viana, Oscar Pederneiras e G. Gomide.

Comissão de inquérito - Vitor Monteiro, Lopes da Costa, Alfredo Bernardes, Bitencourt Amarante, Sá Vianna, Jovino de Araújo.

Comissão de defesa - Arthur Leal, Caetano dos Santos e Brasil Silvado (CORREIO PAULISTANO, 16/06/1880CORREIO PAULISTANO. São Paulo, 16 jun. 1880., p. 1).

Pela estrutura administrativa da entidade, sugere-se que esses jovens estudantes não estavam para brincadeira. A Emancipadora Acadêmica foi composta por jovens intelectuais dispostos e preparados para necessários enfrentamentos que a sociedade escravista exigia.

Por mais que pouca referência tenha sido feita na historiografia à existência e atuação dessa sociedade abolicionista, ela contava com alguns membros bastante articulados entre os segmentos abolicionistas da província de São Paulo, a exemplo de Brasil Silvado, o qual tinha trânsito entre outras entidades de mesma natureza e contato direto com o universo de abolicionistas que os antecedera, a exemplo do notório Luiz Gama.

Abolicionista Academico

No dia 24, a 1 hora da tarde, sob a presidência do sr. Filinto Bastos reuniu-se esta sociedade. Depois da leitura da Acta e do expediente foram aprovados sócios os srs Edimundo Godin, Fabio Ramos, Angelo Martins, Estevão d’ Oliveira. O sr. Pedeneiras [Pederneiras] leu uma proposta para liberdade de uma escrava. O sr. Carneiro Leão apresentou um projeto mudando o nome da sociedade para “Emancipadora”. Foram a favor Carneiro Leão e Costa e contra Sá Viana e Cyro. O presidente adiou a proposta para temporariamente. O sr. Cyro apresentou uma proposta criando um curso de conferências. É aprovada uma emenda do sr. C. Leão. Abriu-se a inscripção para os méritos e occupa o lugar de orador da 1ª conferência o sr. Cyro. Fica nomeada uma comissão diretora composta dos srs. Cyro, Fabio e Antônio Freire (JORNAL DA TARDE, 27/05/1881JORNAL DA TARDE. São Paulo, 27 maio 1881, p. 2).

A notícia informa a proposta de liberdade para uma escrava. Na verdade este era o principal objetivo da Sociedade na década da abolição: a distribuição de cartas de liberdade. Mas duas outras questões nessa notícia merecem algumas observações. Primeiro, a mudança de nome da entidade; segundo, a proposta de conferências regulares, as quais sempre teriam como tema a emancipação dos escravos.

Com aproximadamente um ano de existência, seus membros propõem a alteração em seu nome. Fundada em junho de 1880 como Abolicionista Acadêmico, em maio de 1881, é apresentada uma proposta para que seja modificado para Emancipadora Acadêmica, o que parece ter passado pela aprovação dos membros. Seu presidente, Filinto Bastos, na notícia acima, prorroga a votação dessa proposta, mas nas notícias subsequentes ela já aparece com o nome sugerido. Por mais que alguns membros não concordassem com a alteração do nome, a proposta de Carneiro Leão fazia sentido e estava em concordância com as principais ideias políticas em voga sobre o fim do sistema escravagista. A emancipação seria obra do abolicionismo e este, por sua vez, teria caráter institucional, partidário. Nesse período, Joaquim Nabuco já veiculava, através da imprensa e de suas conferências, esse debate. Suas ideias seriam reunidas em 1883, em seu livro O abolicionismo. Nabuco afirmava que a emancipação total dos escravos e seus familiares que não foram beneficiados com a lei de 1871 (Ventre Livre) seria a tarefa imediata do abolicionismo, ou melhor, obra do partido abolicionista (NABUCO, 2000, p. 3). Talvez, a intenção de Carneiro Leão seria não vincular as ações da sociedade organizada na Faculdade de Direito ao que vinha sendo realizado entre os grupos ligados aos partidos políticos, a exemplo de alguns deputados que estavam engajados na campanha parlamentarista da abolição. Entretanto, as fontes consultadas são insuficientes para atestar de fato o que estava por trás do interesse em mudar o nome da sociedade, o que aconteceu, pois passou a ser denominada Sociedade Emancipadora Acadêmica de São Paulo.5 5 A Emancipadora Acadêmica de São Paulo parece ter uma homônima criada antes dela no Rio de Janeiro. Inclusive, foi criada como “Abolicionista” e teve seu nome alterado, assim como a de São Paulo, para “Emancipadora”. Essa informação consta das memórias de Umberto Peregrino sobre a cultura militar no 2º Reinado, quando trata sobre os abolicionistas da Praia Vermelha: “Na campanha abolicionista, por exemplo, anteciparam-se aos estudantes de todo Brasil, através da Abolicionista Acadêmica que fundaram ainda em maio de 1880, sob a presidência de Jaime Benévolo” (PEREGRINO, 1977, p. 198).

Independente de qual nome ela fosse carregar, este era um grupo de ação. A proposta do curso de conferências apresentado por Cyro de Azevedo parece ter contemplado o interesse de todos e estas conferências passaram a acontecer com certa frequência. A primeira de muitas delas, que seria proferida pelo próprio Cyro de Azevedo, teve como expositor Brasil Silvado, experiente militante da causa abolicionista e membro fundador da Emancipadora Acadêmica de São Paulo.

Teve lugar hotem a anunciada conferencia emancipadora, no Theatro Gymnasio. O orador, o acadêmico Brasil Silvado, adepto da abolição imediata, fallou durante quase uma hora, procurando tirar victoria da rede de sophismos e argumentos sérios que a prendem a ideia da liberdade dos escravos. O inteligente moço disse algumas verdades que calaram no espirito do pequeno auditório que o ouviu, que o aplaudiu ao termino do seu bem organizado discurso. Consta-nos que brevemente realizar-se-há outra conferencia emancipadora (JORNAL DA TARDE, 27/05/1881JORNAL DA TARDE. São Paulo, 27 maio 1881, p. 2).

Não tive acesso às razões que levaram à substituição do conferencista e talvez isso não seja tão importante, tendo em vista as provocações presentes no evento. Brasil Silvado, o responsável pela conferência naquele dia 26 de maio, pontuou algumas questões que faziam parte da agenda de ações da Emancipadora Acadêmica, assim como de outros segmentos abolicionistas da província. Entre os vários temas importantes, destaco a defesa da abolição imediata.

Esta matéria aparece em 1873 durante o I Congresso Republicano de São Paulo. Foi discutido nesse Congresso um manifesto que orientava a abolição gradual da escravidão, o qual sugeria a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, respeitando o princípio de indenização baseado no direito de propriedade, ou seja, os senhores de escravos queriam ser beneficiados financeiramente pela abolição. Luiz Gama, representante da vila de São José dos Campos, foi contra a proposta e defendeu a “abolição completa, imediata e gradual do cativeiro” (QUINTÃO, 2002QUINTÃO, Antônia Aparecida. Irmandades negras: outro espaço de luta e resistência (São Paulo: 1870-1890). São Paulo: Annablume , 2002., p. 75). Iniciava naquele momento, por parte das comunidades abolicionistas, toda uma campanha pela abolição imediata, à qual os membros da Emancipadora Acadêmica de São Paulo aderiram. Na verdade, esta era uma crítica que os abolicionistas já vinham fazendo à lei de 1871 e fora ratificada no Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão (1880). Nesse documento, afirmava-se que a lei de 28 de setembro de 1871 era conservadora, que elegia o interesse dos senhores em detrimento da efetiva liberdade dos escravos (BIBLIOTECA DO SENADO, 1880, p. 5).

A defesa perene da abolição imediata parecia funcionar como combustível para as ações da Emancipadora Acadêmica, uma vez que nessas conferências se desenvolviam ações para angariar recursos destinados a manumissões dos escravos ainda existentes na província. Na conferência de 26 de maio, por exemplo, o público foi orientado a fazer suas doações nas “Esportulas voluntárias que se achará à entrada; sendo a quantia total contada perante o público antes da conferência” (JORNAL DA TARDE, 23/05/1881JORNAL DA TARDE. São Paulo, 23 maio 1881., p. 2). As conferências contavam ainda com algum elemento que pudesse atrair o maior número possível de público e com a intenção de colaborar com recursos para a manumissão. Tanto essa conferência como as demais contavam com um ilustre participante, o qual não deixava de realizar seu pronunciamento acerca da causa abolicionista: “A conferência será presidida pelo distincto cidadão Luiz Gama” (JORNAL DA TARDE, 23/05/1881JORNAL DA TARDE. São Paulo, 23 maio 1881., p. 2).

Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu na província da Bahia, em 1830. Filho da africana Luiza Mahin, fora vendido como escravo para a província de São Paulo em 1840, onde conseguiu driblar a realidade de cativo e adquiriu sua liberdade. Dedicou-se, então, ao mundo das letras atuando como jornalista, literato e oficiante do direito. Essas aquisições tornaram-se instrumentos que o habilitaram à militância abolicionista, tornando-se um dos seus principais precursores na província de São Paulo. Sua militância abolicionista não só era caracterizada no campo político, a exemplo dos embates parlamentares através dos quais ficou conhecido e respeitado por figuras como Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco, mas também na intervenção judicial em favor da alforria de muitos cativos. Luiz Gama se tornou ao longo do tempo um exemplo da luta contra a escravidão, um símbolo do movimento emancipacionista em todo o império.

Em 1880, quando a campanha abolicionista ganhou espaço nas academias universitárias, Luiz Gama, com idade já avançada, era considerado um mentor da liberdade e junto a ele atuavam alguns jovens abolicionistas, como era o caso de Brasil Silvado, o qual era acompanhado pelo velho abolicionista nas chamadas “Conferências Emancipadoras”, realizadas pela Emancipadora Acadêmica, sob a direção de Filinto Bastos. Em 1881, a Emancipadora Acadêmica, juntamente com outros segmentos abolicionistas, apoiou a criação, sob a direção de Brasil Silvado, da Caixa Emancipadora Luiz Gama. Essa entidade tinha como objetivo reunir e acumular recursos para agilizar, de forma mais efetiva, a compra de alforrias. As “Conferências Emancipadoras” eram o principal instrumento para essa coleta financeira.

Em edição de 4 de agosto de 1881, o Correio Paulistano informou a realização de mais uma “Conferencia Emancipadora”, proferida também por Brasil Silvado, sendo que, desta vez, os benefícios seriam em “favor de uma velha escrava e dos cofres da Caixa Emancipadora Luiz Gama” (CORREIO PAULISTANO, 04/08/1881CORREIO PAULISTANO. São Paulo, 04 ago. 1881., p. 2). As conferências continuaram para além de 1881, quando Filinto Bastos já não presidia a Emancipadora Acadêmica e nem fazia mais parte do seu corpo de membros, em função de sua transferência para a Academia de Direito do Recife, na província de Pernambuco. Entretanto, sob a gestão de Filinto Bastos, a Emancipadora Acadêmica se fez representada em diferentes eventos, alguns dos quais apontavam para a constituição de redes abolicionistas entre as províncias.6 6 Essas redes abolicionistas ganharam maior materialidade em 1882 com a criação de entidades aglutinadoras das diferentes sociedades abolicionistas, especialmente entre as províncias de São Paulo e Rio de Janeiro. A constituição de redes abolicionistas foi muito bem enfatizada por Ângela Alonso, a qual fez um interessante levantamento de notícias sobre eventos de protesto abolicionista nas diferentes províncias brasileiras. Alguns resultados dessa pesquisa podem ser consultados em ALONSO (2014, p. 115-137). Um exemplo da configuração dessas redes, ainda em 1881, foi a participação da Emancipadora Acadêmica nos festejos em homenagem a Castro Alves, pelos seus dez anos de passagem fúnebre, organizados pelos abolicionistas da Academia de Medicina, da província da Bahia.

S. Paulo, 26 de junho de 1881

Illms. E Exms. Srs.

A Sociedade Emancipadora Academica, em S. Paulo, quer também associar-se ao festival com que a província da Bahia vae comemorar o decenário de morte do infeliz poeta Antonio de Castro Alves.

Vivendo na mesma terra que ao estro vigoroso do vate morto inspirou tantas estrofes sentidas e patrióticas, abraçando a causa dos desgraçados captivos que fez vibrar a corda delicadíssima da gusla maviosa do autor de “Cachoeira de Paulo Affonso”, a Emancipadora Academica, pede que a representem na festividade da liberdade e da poesia e desde já vos agradece o concurso à idéa emancipadora, idéa de seu programma, programma de suas convicções.

Deus guarde Vs. Exms. - Illms. E Exms. Srs. Drs. Manuel Vctorino Pereira e Alexandre Evangelista de Castro Cerqueira e acadêmicos Henrique Avelino Mendes, Octaviano Muniz Barreto e José Garcia Loureiro.

Filinto Justiniano Ferreira Bastos, presidente

Leocadio Leopoldino da Fonseca, 1º secretáro

Manuel Alvaro de Souza Sá Vianna, 2º dito (O MONITOR, 07/07/1881O MONITOR. Bahia, 07 jul. 1881., p. 1).

O ofício assinado por Filinto Bastos e os respectivos secretários da Emancipadora Acadêmica de São Paulo foi publicado na íntegra por órgão da imprensa baiana, o que demonstra a cumplicidade da imprensa com a causa abolicionista. A realização do evento parece ter atingido o sucesso esperado com a participação de representantes das várias províncias do império. O evento foi aberto com o ato simbólico da “coroação do busto [de Castro Alves] por dous ingênuos, filhos de uma escrava alforriada pela commissão” que organizou o festival (O PAIZ, 24/07/1881O PAIZ. Maranhão, 24 jul. 1881. , p. 1).7 7 A imprensa de diferentes províncias informou sobre o aplaudido festival em homenagem ao poeta dos escravos. Nesta edição de O Paiz, periódico da província do Maranhão, foi publicada a programação do evento, de forma bastante cuidadosa para esclarecimento ao leitor. Além dos fervorosos discursos como o que proferiu o Dr. Ruy Barbosa, pôde-se contar ainda com declamação de poesias, entoação do hino elaborado para homenagear Castro Alves e conferências de representantes de associações literárias e abolicionistas, presentes no festival. De outras províncias estiveram representantes do Club Literário da Paraíba do Norte; do Diário do Grão-Pará e da Academia do Recife. Não faltou, obviamente, a Sociedade Emancipadora Acadêmica de São Paulo, que se fez representada por Octaviano Barreto, como já indicado por Filinto Bastos, em ofício citado anteriormente. É importante salientar que este tipo de evento não se justificava apenas pela manifestação de sentimento e apreço ao poeta dos escravos, como era chamado Castro Alves, pelos seus pares. Tratava-se também de uma oportunidade de congregar abolicionistas de diferentes províncias, o que funcionava como uma importante troca de experiência, socializando seus projetos de ações em prol da liberdade dos cativos em suas respectivas províncias.

Filinto Bastos esteve na presidência da Emancipadora Acadêmica desde sua fundação, em junho de 1880. Entretanto, não me pareceu ser uma figura que gozasse de muita aparição pública na realização das atividades que o grupo promovia. São muitas as notícias de jornais que circulavam na província de São Paulo com registros de ações e divulgação de eventos da Emancipadora Acadêmica, mas em nenhuma das notícias consultadas identifiquei algum registro que informasse uma conferência ou um discurso proferido por Filinto Bastos. Portanto, ele parecia ser um grande articulador e acadêmico respeitado pelos seus pares abolicionistas, além de referido pelos memorialistas da Academia de Direito de São Paulo como acadêmico de acentuada inteligência. 1881 seria o último ano de Filinto à frente da Emancipadora Acadêmica, pois fora transferido para a Academia de Recife para a conclusão do curso de Direito e no terreno pernambucano o jovem baiano de Feira de Santana iria enfrentar bons embates com os abolicionistas locais.

Os embates abolicionistas na Academia do Recife

Em fevereiro de 1882, o Jornal do Recife, importante periódico da província de Pernambuco, registrou como de costume a movimentação no porto do Recife. Entre os ilustres passageiros que chegavam dos portos do Sul no Vapor Nacional Ceará, podia-se identificar dois cidadãos oriundos da vila de Feira de Sant’Anna, província da Bahia. Um deles era Filinto Bastos (JORNAL DO RECIFE, 28/02/1882JORNAL DO RECIFE. Recife, 28 fev. 1882., p. 2)8 8 O outro jovem era o poeta Sales Barbosa, amigo particular de Filinto Bastos, que a ele dedicou em 1885 o poema de cunho abolicionista: “PELOS CAPTIVOS / A Filinto Bastos / Recitada num festival do Club Carlos Gomes (Recife) / [...] Mandar, eu desejara aos paramos dos céus / Um anjo que trouxesse um mundo de rancor / Aos negros em oferta, aos inocentes réos / Riscando assim de vez os hórridos lábios / Da lei que ainda protege o braço do senhor! / [...] Ó mães, Lírios de afeto, o perolas de amor! / Ide ver a tristeza ao fundo da senzala! / Ide ver a alegria a desbotar-se em flor / Do filho que tem sede e frio (oh dor!) / Condenado a viver na podridão da Vala. / Os Moços que trazeis nos peitos bronzeados / A crença que suplanta a cortezã do mal, / Dobrai de ódio aos vis! / Desprezo aos renegados! / Aos nobres de casaca e de galões dourados / Que bebem nossa honra em taças de Cristal!” (BARBOSA, 1885, p. 18-19). . Talvez tenha sido este um dos anos mais agitados da sua juventude intelectual e idealista. Filinto Bastos trazia combustível novo para o debate que ganhava corpo no seio da academia pernambucana sobre a abolição da escravatura no Brasil e não deixaria de ser notado nos fóruns abolicionistas.

Em Recife, o jovem intelectual baiano participou, mesmo que por um curto período de tempo, da dinâmica da vida acadêmica e literária da capital pernambucana. Colaborava com órgãos da imprensa, assinando poesias e artigos em periódicos locais como Aza Negra e O Repórter, que apoiavam a causa abolicionista. Entretanto, a passagem de Filinto Bastos pela Academia do Recife foi marcada de forma mais alarmante pela polêmica que envolveu os acadêmicos da Faculdade de Direito e o Club Abolicionista do Recife, por conta da organização dos festejos de comemoração anual da “Lei do Ventre Livre” (1871), a serem realizados no dia 28 de setembro de 1882, como narrado a seguir:9 9 Lei n. 2.40, de 28 de setembro de 1871. Ementa: “Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annual de escravos”.

“Já é lei no Brasil nascer-se livre!”. Este é o título de um poema veiculado pelo Jornal do Recife, na província de Pernambuco, em 17 de outubro de 1871. Tal narrativa literária anunciava as prerrogativas da Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, a qual é anunciada nesta poesia como sendo a “segunda independência” do Brasil. Insiste o autor da poesia que a partir daquela data “a liberdade será a base desta nação de cidadãos” (CASTILHO, 2014CASTILHO, Celso Thomas. “Já é lei no Brasil nascer-se livre!”: a politização da lei de 1871 em Pernambuco. In: GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio (Orgs.). Políticas da raça: experiências e legados da abolição e da pós-emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014. p. 17-34., p. 19).

Os elementos advertidos pelo autor do poema referido preenchiam as laudas dos discursos que tinham lugar nos saraus literários e pronunciamentos políticos realizados pelos clubes abolicionistas nas diferentes províncias brasileiras, a exemplo da província de Pernambuco. No caso aqui em análise, tratava-se do Club Abolicionista, o qual teve origem na Faculdade Livre de Direito do Recife, em agosto de 1880, como bem registrou o Jornal do Recife:

CLUB ABOLICIONISTA

Com este nome vai se instalar uma associação para tractar de, por meio de uma subscripção popular, arranjar quantias para manumitir escravos no dia 28 de Setembro. [...]. Todas as pessoas que quiserem fazer parte do club, são convidadas a comparecer para a eleição da directoria e comissões necessárias. A iniciativa do Club Abolicionista cabe a estudantes da nossa Faculdade; e a ideia, recebida com muita sympathia, já conta com o apoio dedicado de cicoenta e tantos cavalheiros (JORNAL DO RECIFE, 12/08/1880JORNAL DO RECIFE. Recife, 12 ago. 1880., p. 1).

O Club Abolicionista, assim como outros de mesma natureza, realizava anualmente uma grande festa na qual, além dos saraus literários, se distribuíam cartas de alforria, muitas delas adquiridas pelos fundos de emancipação mantidos por aquelas sociedades. Um dos maiores fomentadores da politização abolicionista das escolas de Direito na década de 1880, o Club Abolicionista do Recife estimulou o contato de muitos estudantes oriundos de províncias diferentes com o movimento emancipacionista (CASTILHO; COWLING, 2013CASTILHO, Celso Thomas; COWLING, Camillia. Bancando a liberdade, popularizando a política: abolicionismo e fundos locais de emancipação na década de 1880 no Brasil. Afro-Ásia, Salvador, n. 47, p. 161-197, 2013., p. 170). Esse foi o caso de Filinto Justiniano Ferreira Bastos, originário da vila de Feira de Santana, província da Bahia. Entretanto, Filinto Bastos não foi apresentado ao movimento abolicionista pelo Club do Recife. Quando chegou à Faculdade de Direito do Recife, em fevereiro de 1882, já trazia a experiência da Sociedade Emancipadora Acadêmica de São Paulo.

Em 1882, o Club Abolicionista convidou a Academia de Direito para que se fizesse representada no festival abolicionista daquele ano, a ocorrer em 28 de setembro, aniversário da Lei do Ventre Livre, como de praxe. A Academia, então, em resposta ao convite, elaborou um pleito para eleger um representante entre seu corpo estudantil. Constituíram-se duas candidaturas: de um lado, o pernambucano José Isidoro Martins Junior, aluno matriculado no 4º ano do curso; do outro, o baiano Filinto Bastos, estudante matriculado no 5º e, portanto, último ano do curso de Direito.10 10 José Isidoro Martins Junior (1860-1904) era pernambucano e foi egresso da turma de 1883. Destacou-se como poeta, jurista, professor e político. Com a instalação da República, tornou-se Ministro da Justiça. Autor de História do Direito Nacional, cuja edição de 1979 contou com o selo editorial do Ministério da Justiça e prefácio do renomado intelectual pernambucano Nelson Saldanha. Sobre sua participação na Escola do Recife e, por conseguinte, na Faculdade de Direito, ver: PAIM (1999).

O resultado do pleito não foi nada satisfatório, tanto para os acadêmicos quanto para o Club Abolicionista. O fato é que o embate entre os candidatos e seus pretendentes foi tomado por uma celeuma de tamanha proporção que levou o Club a cancelar a realização da festa, criando uma polêmica maior ainda. Nesse bipartidarismo, Filinto Bastos tinha o apoio do também baiano José Joaquim de Seabra, professor do curso de Direito, e mais estudantes provindos de outras províncias do Império.11 11 José Joaquim de Seabra, intelectual e político baiano, foi professor da Faculdade de Direito do Recife e amigo particular de Filinto Bastos, com quem mantinha afinidades política e ideológica. Era ferrenho combatente ao grupo de Tobias Barreto, do qual participava José Isidoro Martins Junior. Sobre Seabra, ver: SARMENTO (2011). José Isidoro Martins Junior era pernambucano e contava com o apoio do também professor Tobias Barreto, o qual reunia uma legião de estudantes que o tinham como grande referência intelectual, dentre os quais: Clovis Bevilaqua, Arthur Orlando, Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Francisco Viveiro de Castro e Graça Aranha (ARANHA, 1931ARANHA, Graça. O meu próprio romance. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1931., p. 56-61). Esse grupo, de apoio irrestrito ao candidato pernambucano, alegou fraude no processo de votação para a escolha do orador da Academia no festival do Club Abolicionista. O primeiro resultado do pleito deu empate entre os candidatos; ao se realizar uma segunda eleição, o grupo de apoio a Martins Junior questionou a lisura do processo. O grupo se apropriou então da urna e abortou o processo eleitoral. Eles então realizaram um abaixo-assinado com os nomes dos acadêmicos favoráveis à candidatura de Martins Junior e publicaram a lista de assinaturas na imprensa local, que divulgou a quantidade de votos, garantindo a vitória do candidato pernambucano. Assim, Martins Junior foi indicado orador representante da Academia no Festival Abolicionista de 28 de setembro de 1882.

Ao Público e a Academia

É sabido do publico e dos acadêmicos que não pode ser levada toda a efeito a segunda eleição promovida para se decidir o empate dado na primeira vez entre o Sr. Martins Junior e Filinto Bastos. Como, porem, é necessário que a Academia se faça legitimamente representar na festa abolicionista de 28 de setembro, a maioria dela faz publicar hoje no Diário de Pernambuco a lista de todos os estudantes que deram e dão os seus votos ao Sr. Isidoro Martins Junior para seu orador. Assim, convida-se o publico a lêr essa publicação no jornal indicado, e chama-se a sua atenção para o facto de serem as assinaturas em numero de 334, maioria absoluta da Academia, pois que ella consta 635, contados os 8 que acham-se fora do numero por morte e ausência temporária da província (JORNAL DO RECIFE, 27/09/1882JORNAL DO RECIFE. Recife, 27 set. 1882., p. 2).

Com a notícia publicada no Jornal do Recife às vésperas da realização do festival, o Club Abolicionista reconheceu o orador que deveria representar a Academia em seu pomposo evento. O método adotado pelo grupo e aprovado pela comissão da festa não deixa de despertar uma incômoda curiosidade. O grupo de um dos candidatos organiza um abaixo-assinado em favor de seu pretendido e, depois de recolhidas as assinaturas, a comissão do festival acata esse resultado, aparentemente antidemocrático, ao tempo que parece ter concordado com a acusação de irregularidades na eleição anterior feita pelo mesmo grupo. Entretanto, parece que outras forças pressionavam a própria comissão quanto à legitimidade de uma eleição baseada apenas em um abaixo-assinado e promovida arbitrariamente por um dos grupos. A mesma comissão que havia reconhecido a candidatura de Martins Junior para orador da Academia no Festival do Clube volta atrás da sua decisão e no dia 27, portanto, pouco antes da realização da festa, deixa de reconhecer a candidatura de Martins Junior e responsabiliza a Academia pelo cancelamento do tão esperado festival:

Ao Público

A Commissão diretora da festa que amanhã celebrava o Club Abolicionista, em vista da atitude que tomou a corporação acadêmica, na questão da escolha do seu orador, atitude da qual provinha grave perturbação da ordem publica, resolveu que não tivesse lugar a dita festa, agradecendo as demais corporações convidadas a honra que lhe iam dar fazendo-se representar. Para moralidade do ato da Academia, resta dizer que é a corporação que menos auxilia o club. A ella a glória de impedir uma festa abolicionista [...]

Recife, 27 de setembro de 1882

Dr. Barros Sobrinho - Presidente

Joaquim Felippe da Costa

Curízio de Barros

João de Oliveira

Alfredo Gordinho Costa

(JORNAL DO RECIFE, 28/09/1882JORNAL DO RECIFE. Recife, 28 set. 1882., p. 2)

A eleição do representante da Academia de Direito do Recife para participar do festival abolicionista parecia ter ganhado grande repercussão na capital pernambucana. Entre os dias 27 e 30 de setembro daquele ano, a imprensa local não deixou de noticiar o andamento tanto da preparação para o festival quanto das ocorrências em torno da indicação de um nome da Academia para orador no festival. Na verdade, desde os anos 1860 a Academia se interessava pela causa abolicionista. Posturas antiescravistas de ex-cursistas da Academia de Direito, a exemplo dos baianos Castro Alves (1847-1871) e Rui Barbosa (1849-1923), não deixaram de influenciar o movimento abolicionista que se constituiu posteriormente. Suas posturas inspiraram a movimentação de estudantes nos anos seguintes, alcançando a década de 1880 com a consolidação de um movimento abolicionista que já se encontrava bastante estruturado e amadurecido em 1882. Desde sua fundação, em 1880, o Club Abolicionista manteve um fundo local de emancipação e conseguiu emitir um considerável índice de cartas de alforria. Ou seja, o Club Abolicionista “bancava a liberdade” de muitos indivíduos que experimentavam a condição de escravizados. Isso lhe garantiu gozar certo privilégio social junto aos diferentes segmentos na sociedade pernambucana (CASTILHO; COWLING, 2013CASTILHO, Celso Thomas; COWLING, Camillia. Bancando a liberdade, popularizando a política: abolicionismo e fundos locais de emancipação na década de 1880 no Brasil. Afro-Ásia, Salvador, n. 47, p. 161-197, 2013.), o que talvez explique tanta atenção dispensada pela imprensa local para o seu já aclamado festival abolicionista de 28 de setembro.

Possivelmente, o que o Dr. Barros Sobrinho, enquanto presidente da comissão, não esperava seria um conflito entre os membros da Academia de Direito em um processo aparentemente simples de indicação de um representante para participar da festa, como de praxe. Ao acompanhar a cobertura da imprensa, pode-se concluir que a comissão teve uma postura um tanto confusa, acarretando inclusive avaliações ofensivas aos membros da Academia de Direito. Primeiro, a comissão reconheceu a eleição que indicou Martins Junior como orador; em seguida, a comissão não só tornou sem efeito tal reconhecimento, como publicou uma nota ácida atribuindo à Academia “a glória de impedir uma festa abolicionista”. Para esquentar ainda mais os ânimos, a Academia respondeu ao Club Abolicionista:

Academia

Convidamos a mocidade acadêmica a reunir-se hoje, às 11 horas, no prédio em que funciona a Faculdade, para, em nome de sua união, de seus brios ofendidos e de sua gloriosa tradição, resolver sobre o annuncio do Club Abolicionista, inserido na quarta página do Diário de ontem (JORNAL DO RECIFE, 29/09/1882JORNAL DO RECIFE. Recife, 29 set. 1882., p. 2)

Dessa forma, não apenas se excluiu qualquer possibilidade de representação da Academia no festival do Club Abolicionista para 1882, como também se criou um rasgo na relação entre duas instituições que eram definidas por relações de proximidade. Isto é, o Club Abolicionista fora criado na Academia de Direito e, por conta dessa celeuma, se digladiaram publicamente. Na verdade, o conflito já existia entre os próprios acadêmicos, que configuravam grupos distintos dentro da Faculdade. Graça Aranha, por exemplo, intitulava o grupo que se opunha à candidatura de Filinto Bastos de “os avançados”:

A primeira marca de revolta que dei, foi por ocasião da eleição do representante dos acadêmicos, na comemoração abolicionista de 28 de setembro. O nosso candidato, o poeta Martins Junior, era combatido pelo candidato baiano Filinto Bastos. Este sustentado pelo lente Seabra, naquele tempo o mais desenfreado reaccionario dos professores. Nós, os avançados, o detestávamos e ele não nos poupava (ARANHA, 1931ARANHA, Graça. O meu próprio romance. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1931., p. 57).

O fato é que o evento da eleição para orador da Academia no festival abolicionista será importante para entender que as orientações ideológicas dentro do movimento abolicionista, mesmo interno a algumas agremiações, são marcadas por diferenças e conflitos. Neste caso, Filinto Bastos parece representar posturas dissidentes de um grupo que parecia gozar de certa hegemonia intelectual, tanto na Academia como no movimento abolicionista local. Esses elementos podem ser identificados em seu discurso preparado para ser lido na festa do Club Abolicionista (Figura 1). A resposta de Filinto Bastos aos seus opositores veio da forma mais pragmática possível: a publicação do discurso que seria lido no abortado festival abolicionista. O texto elaborado por Filinto Bastos para a noite de 28 de setembro de 1882, portanto, na condição de orador da Academia de Direito, tinha um caráter político e explicitava suas críticas à orientação teórica do grupo que exercia, ou pelo menos acreditava exercer, a hegemonia intelectual na Faculdade de Direito.

Figura 1
Fac-simile do discurso de Filinto Bastos

Filinto Bastos inicia o texto fazendo menção “aos leaes e bons amigos da Academia do Recife” e, obviamente, à “Emancipadora Acadêmica de S. Paulo”, sua escola abolicionista, como vimos anteriormente. Não deixa, no entanto, de fazer honrarias ao professor Dr. José Joaquim de Seabra, identificado por ele como seu “distintíssimo mestre, presado amigo e comprovinciano”. Entretanto, o que evidencia maior acidez no documento é uma nota de advertência que antecede o conteúdo que seria pronunciado em seu discurso, intitulado “Duas Palavras”, na qual ele esclarece as razões pelas quais o festival fora cancelado.

“Ahi fica o cadáver do meu discurso”. Esta é a primeira linha que pode ser lida no discurso composto de 12 páginas, publicado pela imprensa local e pela Typographia Mercantil do Recife (BASTOS, 1882). Continua afirmando que o “brilhantismo da festa do Club Abolicionista exigiu que me abstivesse de proferir o que havia escripto”. Ao concordar, sentencia o experiente militante: “abolicionista de coração, não podia proceder diversamente” (BASTOS, 1882). Entretanto, Filinto Bastos não deixou de registrar para a história suas intenções para aquela noite de 28 de setembro de 1882.

No seu discurso, ele trata de forma erudita sobre o desserviço da escravidão ao Brasil e dos caminhos trilhados pelo movimento abolicionista para promover a liberdade definitiva dos seres humanos escravizados: “para mim, as sociedades emancipadoras representam o fator mais notável, consciente, e scientifico do progresso do nosso paiz” (BASTOS, 1882, p. 7). Filinto Bastos não apenas frisou sobre a importância do sentimento de emancipação e das sociedades abolicionistas; ele atacou as correntes teóricas e ideológicas que predominavam no ambiente da academia do Recife, a exemplo do positivismo e da metafísica: “Certamente, meus senhores, nem o positivismo por si só, nem a metaphysica, se podem dizer triumphantes para resolver certas questões sociaes mais elevantadas” (BASTOS, 1882, p. 7). Citando Pasteur, em seu Discurso à Academia Francesa, ainda na crítica a essas correntes teóricas, Filinto afirma que “O positivismo aplicado à política não vio realizadas suas profecias. A condição de profeta tornou-se hoje singularmente difícil” (BASTOS, 1882, p. 7). Esta afirmação tinha endereço certo. Tratava-se de uma crítica a José Isidoro Martins Junior, seu concorrente e adepto do pensamento positivista, o qual tinha largo espaço na Escola do Recife, sob a influência das teses de Sylvio Romero. Segundo Graça Aranha, “Martins Júnior era republicano e vinha do positivismo. Clovis Beviláqua também recebera na iniciação positivista o toque da emancipação. Para ambos, a sociologia era a sciencia instituída por Auguste Comte e jamais a repudiaram” (ARANHA, 1931ARANHA, Graça. O meu próprio romance. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1931., p. 160). Clovis Beviláqua, Graça Aranha e outros mais constituíam o grupo de apoio a Martins Junior na citada disputa pela vaga de orador e se identificavam com o positivismo, sistematicamente criticado por Filinto Bastos em seu discurso.

A situação de conflito entre o Club Abolicionista e os Acadêmicos da Faculdade do Recife não se encerrou nas farpas trocadas entre seus membros em torno do evento de 28 de setembro. O espaço na imprensa alcançou o mês subsequente. Merece destaque o artigo assinado pelo correspondente do Diário de Belém (PA), em Recife, publicado na edição de 29 de outubro de 1882:

Começarei esta correspondência por um acontecimento muito importante e que de perto bastante nos deve interessar. Sem mais preâmbulos entremos no assumpto. O Club Abolicionista desta capital pretendendo, como tem feito nos anos anteriores, festejar dignamente o dia 28 de setembro [...] dirigiu convites a diversas corporações scientificas, literárias, etc, afim de se fazerem representar na mesma solenidade. Como era de justiça, a Academia de Direito também foi contemplada com um honroso convite [...]. Tratando-se de assumpto tão momentoso, a corporação acadêmica reuniu-se no Teatro S. Antonio, afim de eleger legalmente um seu representante. [...]. Procedeu-se a eleição que ocorreu plácida e serena, conhecendo-se pelo resultado obtido, que ambos os candidatos haviam triunfado, por 139 votos cada um. Conhecendo de todos os resultados, e sabendo-se de fonte limpa que a esta questão presidia o espírito de bairrismo bem pronunciado, dividiram-se os moços acadêmicos em dous partidos: Martinistas e Filintistas, José Isidoro Martins Junior é filho de Pernambuco e Filinto Bastos, da cidade da Bahia - eis o que explica a existência desses dous vigorosos partidos no solo da Faculdade de Direito. Ao primeiro pertenciam os filhos do Norte, em sua maioria e alguns do Sul, que expontaneamente adheriram à causa; e ao segundo os filhos do Sul e uma insignificante molécula de Nortistas. A existência desses dous partidos tinha somente um fim: repelir o jugo do Sul e levantar o Norte do chão, mostrando quanto ele é forte e pujante. A luta estava aberta (DIÁRIO DE BELÉM, 29/10/1882DIÁRIO DE BELÉM. Belém, 29 out. 1882., 1).

O articulista fez observações interessantes, sugerindo uma leitura política do que havia ocorrido. Ele revela a existência de conflito de caráter regional e, por conseguinte, ideológico no seio do movimento abolicionista do Recife, realidade ainda pouco explorada pela historiografia do abolicionismo no Brasil. Inclusive, o aspecto dos conflitos de caráter teórico, político e ideológico no seio dos clubes abolicionistas ainda carece de maior investigação, priorizando a historiografia à sua atuação emancipacionista, a exemplo das ações de liberdade promovidas através, principalmente, dos fundos de emancipação mantidos por esses clubes. Ao ler o texto citado, fica a sensação de que o correspondente do Diário de Belém havia lido o discurso de Filinto Bastos, pois resta caracterizada em seu artigo, de forma implícita, a existência desse bipartidarismo ideológico e intelectual.

Cancelado o festival do Clube Abolicionista, não houve vencedor no pleito disputado entre Filinto Bastos e Martins Junior. Entretanto, se fosse necessário indicar um vencedor, dificilmente seria o baiano de Feira de Santana. Pelo menos, essa derrota não existiu para seus pares acadêmicos da Faculdade de Direito do Recife e apoiadores de sua campanha a orador da Academia no festival abolicionista.

Em edição de 30 de setembro de 1882, o Jornal do Recife publicou nota intitulada “Vejam e admirem!!!”, na qual acusa o Club Abolicionista de ser simpático a Filinto Bastos, sugerindo que, se triunfasse o candidato baiano, o festival seria celebrado (JORNAL DO RECIFE, 30/9/1882JORNAL DO RECIFE. Recife, 30 set. 1882., p. 2). Entretanto, na mesma edição, precisamente abaixo dessa notícia, foi publicada uma nota nomeada “Manifestação acadêmica”. Por ela, fica-se sabendo que na tarde do dia 28 os acadêmicos, reunidos no Jardim Pedro II, tendo à frente a banda marcial do Arsenal de Guerra, foram à Rua da Palma prestar homenagens a Filinto Bastos por conta do seu desempenho no pleito em que se opôs a Martins Junior e ao grupo que este representava. Na oportunidade, presentearam-lhe com uma escrivaninha de prata contendo uma caneta e pena de ouro como “prova de consideração prestada ao companheiro de lides, elevando os merecimentos que nelle reconhecem”.12 12 Essa parecia ser uma prática comum entre os acadêmicos quando queriam reconhecer o mérito relevante de seus pares. Em novembro de 1879, por exemplo, os estudantes baianos foram à casa de J. J. Seabra, então professor da Faculdade do Recife, para oferecer-lhe “uma rica escrivaninha de prata com caneta e pena de ouro, em homenagem a seu talento tantas vezes gloriosamente manifestado nas luctas scientíficas e em signal de sincera estima” (JORNAL DO RECIFE, 11/06/1879, p. 1). Vale observar que Seabra foi admitido como professor em março do mesmo ano. Portanto, acredito que ele tenha, no seu primeiro ano de docência, atendido às expectativas dos acadêmicos conterrâneos. Recitaram poemas de autoria dos próprios acadêmicos e fizeram discursos elogiosos em nome de acadêmicos de todas as províncias do Império, com exceção da província do Espírito Santo. Ao tempo, Filinto Bastos agradeceu bastante comovido a homenagem, “revelando-se penhorado pela demonstração de amizade que acabava de receber de seus collegas, garantindo que aquella pena por eles ofertada jamais servirá para escrever contra a pátria e a liberdade”. Seguiram então “enfileirados pela rua da Concórdia até a Boa-Vista sempre levantando-se vivas ao manifestado e à união das províncias” (Figura 2).

Figura 2
Filinto Bastos homenageado pela turma de bacharelando da Faculdade de Direito da Bahia, em 1935.

Com essa “manifestação acadêmica”, pode-se considerar que Filinto Bastos perdeu a batalha, mas não a guerra. Em pouco tempo na Academia do Recife, já havia conquistado respeito e reconhecimento dos jovens acadêmicos. Acredito, no entanto, que Filinto Bastos, ao chegar ao Recife, talvez já o fosse conhecido por conta da atuação da Emancipadora Acadêmica de São Paulo, já que outras províncias tinham notícias das suas ações através das publicações dos correspondentes dos jornais de outras regiões na província de São Paulo. Filinto Bastos tinha reconhecimento das comunidades abolicionistas, que atuavam no âmbito das academias de Direito no período em questão.

Considerações finais

A experiência de Filinto Bastos com o movimento abolicionista nas academias de Direito se encerraram em 1882, quando se formou bacharel e retornou à vila de Feira de Santana, onde retomou sua vida, escrevendo poemas com inspiração no cotidiano simples que o cercava. Filinto Bastos passou a atuar como advogado e juiz nas comarcas das vilas do interior baiano, a exemplo de Amargosa, uma pequena vila localizada no Centro-Sul da Bahia, atuando como juiz Municipal e de Órfãs, a partir de 1884. Ele sempre dispensou atenção à questão da infância pobre. Não poderia ser muito diferente, pois suas primeiras letras ocorreram sob os cuidados do padre Ovídio de São Boaventura (1842-1886), o qual manteve em Feira de Santana, até seus últimos dias de vida, uma entidade filantrópica que se dedicava à educação de crianças pobres da região. Tratava-se do Asilo Nossa Senhora de Lourdes, onde Filinto Bastos foi um efetivo colaborador.

Filinto Bastos faleceu em 1939, em Salvador. Sua obra como grande ativista e intelectual brasileiro, talvez ainda tenha que aguardar um pouco mais para o merecido reconhecimento. O próprio Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do qual ele fora sócio fundador e destacado orador, reconheceu que o tempo se encarregou de conduzi-lo ao esquecimento (PONDÉ, 2015). Bastos deixou um importante legado como ativista social, tendo protagonizado a campanha abolicionista na sua fase de radicalização, assim como apoiado diferentes projetos dedicados às questões das liberdades, da cidadania e da cultura no período pós-abolição. Na condição de desembargador, Filinto Bastos atuou em muitas frentes sociais. Seu empenho como educador e agente da justiça sempre foi aplaudido por aqueles que o conheceram e que dele precisaram de uma apreciação. Para além de professor de Direito, desembargador, operador da justiça junto ao Tribunal de Apelação e Revista do Estado da Bahia, Filinto Justiniano Ferreira Bastos foi um proeminente abolicionista e estadista brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Notas

  • 1
    Uma biografia de Filinto Bastos foi escrita por Fernando Alves e publicada no centenário de seu nascimento. Seu biógrafo foi promotor público do Estado da Bahia e conheceu pessoalmente Filinto Bastos como juiz desembargador. Talvez por isso ele tivesse acesso a uma boa documentação que não identifiquei nos arquivos públicos. Possivelmente, os familiares de Filinto Bastos, os quais se dispersaram completamente, tenham fornecido esses documentos a Fernando Alves. A obra segue o estilo das biografias escritas no século XIX e início do XX, a saber: narração da vida do indivíduo, buscando abarcá-la em sua totalidade, sem análise crítica ou ponderações sobre as contradições em suas experiências pessoais. Entretanto, muitas e importantes informações são registradas nessa biografia. Ver: ALVES (1956)ALVES, Fernando. A justiça através de um juiz. Bahia: S. A. Artes Gráficas, 1956. . Outros títulos de caráter biográfico atendem mais a ensaios de prosopografia com informações que não alcançam duas páginas. Nessa perspectiva, consultei: ALVES (1977)ALVES, Marieta. Intelectuais e escritores baianos. Salvador: Fundação Museu da Cidade, 1977. e SOUZA (1979)SOUZA, Antônio Loureiro de. Baianos ilustres. 3.ed. São Paulo: IBRASA, 1979..
  • 2
    Fundadas em 1827 - inaugurando, portanto, a origem dos cursos jurídicos no Brasil -, as Faculdades de São Paulo e do Recife desempenharam papéis importantes na formação do pensamento político brasileiro, inclusive na constituição de escolas abolicionistas a partir da década de 1860. Sobre essas academias e seu papel como instituição científica e de formação do pensamento social, ver: SCHWARCZ (1993SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia da Letras, 1993.).
  • 3
    O ano de 1880 foi marco importante da criação de muitas entidades que se dedicavam à causa abolicionista em várias províncias do Império. Grande parte dessas entidades foi criada no interior das Academias, especialmente nos cursos de Direito.
  • 4
    Na década de 1880, foram criadas sociedades abolicionistas em várias províncias do Império, de norte a sul. Apenas no mês de agosto, a imprensa noticiou sobre as províncias de Pernambuco e Rio Grande do Sul. Em 12 de agosto, estudantes da Academia de Direito do Recife criaram o Club Abolicionista do Recife (JORNAL DO RECIFE, 12/08/1880JORNAL DO RECIFE. Recife, 12 ago. 1880., p. 1). O Jornal da Tarde, da província de São Paulo, informou que se “constituiu, em Porto Alegre, a 5 do corrente, uma sociedade emancipadora, com o nome de Rio Branco, formada pelos alunos da Escola de Infantaria e Cavalaria” (JORNAL DA TARDE, São Paulo, 26/08/1880JORNAL DA TARDE. São Paulo, 26 ago. 1880. , p. 2).
  • 5
    A Emancipadora Acadêmica de São Paulo parece ter uma homônima criada antes dela no Rio de Janeiro. Inclusive, foi criada como “Abolicionista” e teve seu nome alterado, assim como a de São Paulo, para “Emancipadora”. Essa informação consta das memórias de Umberto Peregrino sobre a cultura militar no 2º Reinado, quando trata sobre os abolicionistas da Praia Vermelha: “Na campanha abolicionista, por exemplo, anteciparam-se aos estudantes de todo Brasil, através da Abolicionista Acadêmica que fundaram ainda em maio de 1880, sob a presidência de Jaime Benévolo” (PEREGRINO, 1977PEREGRINO, Umberto. Projeção da cultura militar no 2º Reinado. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 314, p. 183-204, jan.-mar. 1977., p. 198).
  • 6
    Essas redes abolicionistas ganharam maior materialidade em 1882 com a criação de entidades aglutinadoras das diferentes sociedades abolicionistas, especialmente entre as províncias de São Paulo e Rio de Janeiro. A constituição de redes abolicionistas foi muito bem enfatizada por Ângela Alonso, a qual fez um interessante levantamento de notícias sobre eventos de protesto abolicionista nas diferentes províncias brasileiras. Alguns resultados dessa pesquisa podem ser consultados em ALONSO (2014ALONSO, Ângela. O abolicionismo como movimento social. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 100, p. 115-137, 2014., p. 115-137).
  • 7
    A imprensa de diferentes províncias informou sobre o aplaudido festival em homenagem ao poeta dos escravos. Nesta edição de O Paiz, periódico da província do Maranhão, foi publicada a programação do evento, de forma bastante cuidadosa para esclarecimento ao leitor.
  • 8
    O outro jovem era o poeta Sales Barbosa, amigo particular de Filinto Bastos, que a ele dedicou em 1885 o poema de cunho abolicionista: “PELOS CAPTIVOS / A Filinto Bastos / Recitada num festival do Club Carlos Gomes (Recife) / [...] Mandar, eu desejara aos paramos dos céus / Um anjo que trouxesse um mundo de rancor / Aos negros em oferta, aos inocentes réos / Riscando assim de vez os hórridos lábios / Da lei que ainda protege o braço do senhor! / [...] Ó mães, Lírios de afeto, o perolas de amor! / Ide ver a tristeza ao fundo da senzala! / Ide ver a alegria a desbotar-se em flor / Do filho que tem sede e frio (oh dor!) / Condenado a viver na podridão da Vala. / Os Moços que trazeis nos peitos bronzeados / A crença que suplanta a cortezã do mal, / Dobrai de ódio aos vis! / Desprezo aos renegados! / Aos nobres de casaca e de galões dourados / Que bebem nossa honra em taças de Cristal!” (BARBOSA, 1885, p. 18-19).
  • 9
    Lei n. 2.40, de 28 de setembro de 1871. Ementa: “Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annual de escravos”.
  • 10
    José Isidoro Martins Junior (1860-1904) era pernambucano e foi egresso da turma de 1883. Destacou-se como poeta, jurista, professor e político. Com a instalação da República, tornou-se Ministro da Justiça. Autor de História do Direito Nacional, cuja edição de 1979 contou com o selo editorial do Ministério da Justiça e prefácio do renomado intelectual pernambucano Nelson Saldanha. Sobre sua participação na Escola do Recife e, por conseguinte, na Faculdade de Direito, ver: PAIM (1999PAIM, Antônio. A Escola do Recife: estudos complementares à História das ideias filosóficas no Brasil. v. V. Londrina: UEL, 1999.).
  • 11
    José Joaquim de Seabra, intelectual e político baiano, foi professor da Faculdade de Direito do Recife e amigo particular de Filinto Bastos, com quem mantinha afinidades política e ideológica. Era ferrenho combatente ao grupo de Tobias Barreto, do qual participava José Isidoro Martins Junior. Sobre Seabra, ver: SARMENTO (2011SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J. J. Seabra e Ruy Barbosa na política baiana da Primeira República. Salvador: EDUFBA, 2011.).
  • 12
    Essa parecia ser uma prática comum entre os acadêmicos quando queriam reconhecer o mérito relevante de seus pares. Em novembro de 1879, por exemplo, os estudantes baianos foram à casa de J. J. Seabra, então professor da Faculdade do Recife, para oferecer-lhe “uma rica escrivaninha de prata com caneta e pena de ouro, em homenagem a seu talento tantas vezes gloriosamente manifestado nas luctas scientíficas e em signal de sincera estima” (JORNAL DO RECIFE, 11/06/1879JORNAL DO RECIFE. Recife, 11 jun. 1879., p. 1). Vale observar que Seabra foi admitido como professor em março do mesmo ano. Portanto, acredito que ele tenha, no seu primeiro ano de docência, atendido às expectativas dos acadêmicos conterrâneos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2017
  • Aceito
    23 Out 2017
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